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FILOSOFIA-CONTEMPORÂNEA

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CAPA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 
2 FILOSOFIA E FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (O AMOR AO SABER?)
 5 
3 A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANT ............................................................. 7 
3.1 As fases do pensamento de Kant ......................................................... 9 
3.2 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas).
 9 
3.3 A separação radical entre corpo e alma e o empirismo ..................... 13 
3.4 Kant e a crítica ................................................................................... 15 
3.5 O tema ético em Kant ......................................................................... 21 
3.6 O pensamento estético de Kant: um aspecto da terceira crítica ........ 25 
4 FILOSOFIA E HISTÓRIA: O PENSAMENTO DE HEGEL ....................... 29 
4.1 O sistema de Hegel é idealista. .......................................................... 32 
4.2 Hegel e a história ............................................................................... 34 
4.3 Hegel e a noção de espírito (GEIST) ................................................. 35 
5 A FILOSOFIA E A VIDA DE NIETZSCHE ................................................ 38 
6 O MARXISMO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS............................. 41 
7 FENOMENOLOGIA: GENÊSE E FORMA ............................................... 44 
7.1 Edmund Husserl ................................................................................. 47 
7.2 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) .................................................. 49 
7.3 Simone de Beauvoir (1908–1986) ...................................................... 52 
7.4 Martin Heidegger (1889-1976) ........................................................... 53 
8 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA ............................. 56 
9 ESTRUTURALISMO, PÓS-ESTRUTURALISMO E DESCONSTRUÇÃO
 59 
 
 
3 
 
 
9.1 Os pensadores da estrutura ............................................................... 61 
9.2 Pós-estruturalismo: filosofia e rebelião social ..................................... 64 
9.3 A desconstrução das estruturas estáveis ........................................... 67 
9.4 Experiência e subjetivação: o conceito de dobra em Gilles Deleuze . 70 
9.5 O conceito de rizoma.......................................................................... 74 
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 76 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante 
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - 
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma 
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum 
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas 
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em 
tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que 
lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
2 FILOSOFIA E FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (O AMOR AO SABER?) 
 
Deleuze, Foucault e Sartre ao fundo, três importantes filósofos contemporâneos. 
Fonte: https://abre.ai/ffew 
 
A filosofia é um campo de experiência que se constituiu, desde os 
gregos, enquanto uma prática de pensamento que questiona e investiga os 
fenômenos da vida, da natureza e da cultura, buscando no uso autônomo do 
entendimento seus fundamentos e motivações. 
A filosofia não consiste, assim, em um simples amor ao saber. A significação 
da palavra deve ser compreendida como a expressão de um afeto amoroso 
específico, que se configura segundo os problemas de uma época e pela presença 
orientada de métodos e motivos intrínsecos e necessários à sua realização. Isso não 
quer dizer que a filosofia seja única ou fácil de definir. Pensadores, filósofos ou 
simplesmente estudantes e estudiosos de filosofia ou profissionais de qualquer área, 
ao começarem a lidar com um conteúdo de natureza filosófica, devem considerar que 
estão em um campo de experiência com uma estrutura inconfundível, onde o 
constante aprendizado é imprescindível, marcado pelo espanto e pela construção de 
conceitos que buscam exprimir o sentido do mundo, como também participar de sua 
produção. 
Quando falamos de filosofia contemporânea é preciso, nesse sentido, 
considerar a forma de amor ao saber que a filosofia constitui no período ‘histórico’ que 
 
 
6 
 
 
chamamos contemporâneo. Uma maneira de compreender esse amor é diferenciar a 
filosofia contemporânea de sua manifestação em outros períodos da história do 
pensamento, identificando os temas e os problemas discutidos pelos filósofos e a 
relação deles com as condições históricas e sociais nas quais eles constituem seu 
amor à sabedoria. Se a filosofia medieval surge, por exemplo, marcada pela relação 
entre fé e razão, através do esforço genial de autores como Tomás de Aquino e 
Agostinho que buscam conciliar o pensamento cristão com a filosofia grega; a filosofia 
moderna, por outro lado, entra em cena enquanto esforço de dar à racionalidade sua 
autonomia, contestando às formas religiosas de compreensão do mundo medieval, 
algo que será herdado pela filosofia contemporânea. 
Por contemporâneo devemos entender o momento histórico em que estamos e 
a nossa relação atual e virtual com o presente, com o passado e com o futuro da 
modernidade, identificando o momento em que o pensamento moderno (Descartes, o 
iluminismo, a física clássica, o Renascimento, a Reforma protestante) começa a tomar 
feições que vão ser denominadas como contemporâneas. Por outro lado, a 
modernidade e o mundo contemporâneo não são homogêneos e únicos, nem se 
referem somente ao ‘’homem europeu’, visto como o primeiro a questionar os valores 
da religião que configuram a vida social no mundo medieval. 
A modernidade constitui-nos e é referência habitual do nosso pensamento, 
existindo, ainda, na perspectiva de cada cultura e grupo social que a assume e a 
vivencia como herança. Para entender a filosofia contemporânea precisamos, assim, 
ver onde ela nasce e como ela nasce e qual a sua relação com a modernidade 
entendida em sentido amplo, ou seja, segundo problemas que ainda nos dizem 
respeito (BERMAN, 2007). 
Historicamente, a filosofia contemporânea tem como marco cronológico a 
Revolução Francesa e os inúmeros pensadores que constituíram discursos e práticas 
que justificaram e questionaram sua existência. Considerando esse marco histórico e 
cronológico, o primeiro grande pensador contemporâneo pode ser considerado 
Immanuel Kant (1724-1804). É com ele que vamos começar nossos estudos. 
 
 
7 
 
 
3 A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANT 
Nascido em uma cidade do antigo Reino da Prússia chamada de Konigsberg, 
Kant é um filósofo moderno e contemporâneo ao mesmo tempo, já que sua filosofia 
está na passagem entre a primeira modernidade ou idade clássica para o mundo 
contemporâneo (MERLEAU-PONTY, 1999). Sua filosofia se configura pelo debate 
com o racionalismo, com o empirismo e pelo impacto da Física de Galileu na vida 
intelectual de seu tempo. 
Interessantenotar, que o que chamamos de contemporaneidade pós-revolução 
Francesa, tem como característica o surgimento das diversas ciências humanas, 
enquanto abordagens específicas de temas e fenômenos que eram até então tratados 
pela filosofia. A psicologia, a sociologia e a antropologia são exemplos de ciências que 
retomam problemas da filosofia, tais como o comportamento humano, o sentido da 
subjetividade e o mundo da política e das relações sociais. O diferencial encontra-se 
no uso de uma perspectiva inédita, que visa repetir no âmbito da investigação dos 
fenômenos humanos um sucesso similar àquele das ciências naturais 
(GOLDMANN,1978; LYOTARD, 2008). 
Por outro lado, esse período surge marcado por um profundo questionamento 
da função da subjetividade na formulação do conhecimento, algo que se inicia com a 
filosofia de Descartes. Descartes funda a filosofia no ‘eu penso’, isso quer dizer que 
ele parte do sujeito enquanto base para fundação de um sistema voltado a 
compreender de modo distinto e rigoroso vários objetos e fenômenos. O eu “penso 
cartesiano” começa, nesse sentido, a ser questionado e esse questionamento, 
assume, na filosofia de Kant, um caráter crítico e transcendental, como veremos a 
seguir. 
Nesse contexto, Kant preparou um terreno para uma filosofia que pudesse ser 
desenvolvida com bases completamente novas e iluminou os problemas relacionados 
à subjetividade e à teoria do conhecimento. Esses temas ainda têm grande impacto 
no âmbito das ciências humanas e naturais, como também em discussões no campo 
das artes e da estética. O pensamento de Kant se destacou por levar até às últimas 
consequências a virada antropocêntrica iniciada no período renascentista 
(CASSIRER, 1986; LEBRUN, 2002)). 
 
 
8 
 
 
A filosofia de Kant pode ser equiparada à metáfora, usada por ele mesmo, de 
que era necessária uma revolução copernicana em filosofia. Dessa forma, em 
astronomia, a revolução copernicana concluiu que o sol está no centro do nosso 
sistema planetário, e tudo se move ao seu redor, contrariando as antigas teorias 
medievais e gregas do geocentrismo. Apoiando-se, nessa imagem, Kant criticou a 
tradição filosófica de sua época, mostrando que ela praticava uma forma de 
pensamento semelhante àquela dos astrônomos geocêntricos, buscando um centro 
para a filosofia e para ciência que não é verdadeiro. Ele indicava, assim, a 
necessidade de deslocar o olhar do objeto para o sujeito que conhece, buscando 
entender a forma como sujeito humano se coloca no mundo do conhecimento. 
Nesse sentido, Kant se esforçará exatamente para compreender qual a função 
do sujeito na constituição do conhecimento científico, pondo em relevo não mais a 
estrutura do objeto, mas as condições que permitem o ato de conhecer. A filosofia de 
Kant pode ser considerada uma das formas mais acabadas e consistentes da filosofia 
iluminista, fazendo parte da tradição do século das Luzes, o século da razão e do 
iluminismo, marcado pelas filosofias de Diderot, Rousseau, Montesquieu, Voltaire. 
Contudo, a confiança de Kant na razão surge mediada pela ideia de que a 
racionalidade deve ser pensada segundo sua conformação fundamental, ela deve 
descobrir o seu sentido e suas possibilidades. Isto é, em sua perspectiva uma 
racionalidade ‘sustentável’ seria aquela capaz de conhecer seus próprios limites, no 
que tange ao que entra ou não no campo do conhecimento científico (CASSIRER, 
1986; LEBRUN, 2002). 
Assim, a revolução copernicana em filosofia é exatamente colocar a razão no 
centro da investigação filosófica. Se os iluministas até Kant entendiam a racionalidade 
como fundamento da experiência e da possibilidade de desenvolvimento humano e 
social; Kant surge como contemporâneo, na medida em que a crítica da razão é uma 
maneira não ingênua de tratar a racionalidade e compreender sua legalidade cognitiva 
(DELEUZE, 1994). 
 
 
9 
 
 
3.1 As fases do pensamento de Kant 
A primeira fase do pensamento de Kant é conhecida como “pré-crítica” ou 
“dogmática”. Ela começa com a publicação de seus primeiros trabalhos em 1755 e 
termina em 1780 (DELEUZE, 1994). Nessa fase, o filósofo se orientava pelo 
racionalismo de Gottfried Leibniz e Christian Wolff, uma filosofia que ele chamaria 
posteriormente de dogmática, na medida em que não tinha em seu horizonte uma 
análise dos limites do conhecimento humano (REALE; ANTISERI, 2006b). 
Nesse período, a obra de Kant não incluía, um questionamento a respeito das 
condições de possibilidade de conhecimento, voltava-se, para temas filosóficos e de 
caráter científico oriundos da física, da geografia, da história e da matemática. Esses 
assuntos eram tratados em suas aulas na universidade e em textos escritos naquele 
período. Ele escreveu, também, dois livros de caráter cosmológico, que foram 
famosos em sua época: Uma história universal da Natureza e Teoria do Céu, ambos 
de 1775 (REALE; ANTISERI, 2006). 
A segunda fase do pensamento kantiano, conhecida como “criticismo”, começa 
a tomar relevo a partir de 1770, desdobrando-se a partir de uma espécie de choque 
filosófico. Com base nos estudos da filosofia de David Hume (1711-1776), Kant afirma 
ter despertado do seu sono dogmático. Esse despertar em Kant é chamado por 
Deleuze (1994) de tribunal da razão, pois o filósofo passa a refletir sobre a legalidade 
do conhecer, determinando suas regras e princípios, como também suas condições 
de possibilidade. Nessa fase, Kant inicia seu projeto de superação das filosofias 
racionalistas, visando como elas tratam o problema do conhecimento. Veremos, 
agora, o sentido da crítica de Kant a essas correntes filosóficas e sua elaboração de 
uma teoria transcendental do conhecimento. 
3.2 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas). 
A parte mais conhecida e considerada da obra de Kant são as publicações do 
período crítico, que começam quando o filósofo já tinha 57 anos e também havia 
construído uma sólida carreira universitária em sua pequena cidade natal (REALE; 
ANTISERI, 2006). 
 
 
10 
 
 
A sua teoria do conhecimento ou, se quisermos, a sua epistemologia se 
configura na primeira crítica, a saber, a Crítica da Razão Pura de 1781. Nessa obra, 
o filósofo trata do problema da razão, através de uma crítica de seus limites, querendo, 
assim, responder à pergunta: o que podemos conhecer? Para entender como o 
filósofo se situa diante deste questionamento, torna-se importante revisar na história 
da filosofia como o problema do conhecimento foi tratado pelos filósofos anteriores à 
Kant e como seu trabalho configurou-se diante da tradição. 
Duas respostas antagônicas à questão da origem e da possibilidade do 
conhecimento podem ser reconhecidas desde os antigos gregos: o racionalismo e o 
empirismo. Todavia, é importante também entendermos que o racionalismo de Platão 
não era o mesmo de Descartes e que posições racionalistas e empiristas foram 
formuladas de muitos modos no decorrer da história do pensamento, mas de modo 
diferenciado. Em história da filosofia, é importante evitarmos generalizações, ainda 
que seja fundamental ver os pontos de contato existentes entre teorias surgidas em 
tempos históricos muito distantes; nesse caso, sob os nomes racionalismo e 
empirismo não encontraremos uma mesma filosofia, mas comportamentos teóricos 
até certo ponto semelhantes porque fundados em uma perspectiva ontológica similar 
(MERLEAU-PONTY, 1999). 
Na época de Kant, o racionalismo dominava o continente europeu (França, 
Alemanha, entre outros países); na ilha britânica, o empirismo era hegemônico. Para 
o filósofo na sua fase crítica, as duas concepções eram insuficientes e problemáticas. 
Opondo-se, às duas posições, o esforço epistemológico de Kant pretendeu dar conta 
da ciência da época, explicando como foi possível a produção científica, em especial, 
a Geometria Euclidiana e a Mecânica Newtoniana (REALE; ANTISERI, 2006). 
Em termosgerais, podemos compreender o racionalismo como a "posição 
epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento" 
(HESSEN, 1980). Nessa perspectiva, o racionalismo é uma posição teórica que 
sustenta que basta o pensamento puro, tanto para a ciência formal, como para a 
ciência fática ou empírica para a formulação do conhecimento verdadeiro (BUNGE, 
1986). Descartes (1596 1650) é o fundador do racionalismo moderno. Com uma 
proposta metodológica de base dedutiva, visando princípios instituídos de maneira 
independente da experiência, retomou a teoria das ideias inatas, sua filosofia estava 
 
 
11 
 
 
baseada na convicção de que a razão era capaz de chegar ao conhecimento da 
realidade de modo semelhante ao conhecimento matemático, sendo interessa de a 
filosofia construir seus métodos conforme o desenvolvimento das teorias 
matemáticas. Afirmou que as ideias claras e distintas, descobertas em nossa mente 
através da dúvida metódica, são verdadeiras, pois Deus não daria ao homem uma 
razão que o enganasse sistematicamente (KENNY, 1999). 
O racionalismo cartesiano foi responsável por uma profunda transformação no 
modo como se concebeu a filosofia na tradição ocidental. Entre os dois milênios que 
separam as obras de Platão (428–347 a.C.) e de Aristóteles (384–322 a.C.), escritas 
no século IV a.C., da obra de René Descartes (1596–1650), datadas do século XVII, 
não havia surgido uma teoria do conhecimento tão inovadora quanto o pensamento 
cartesiano. Os filósofos gregos foram audaciosos ao propor um novo estilo de pensar, 
colocando em dúvida as verdades oriundas da tradição mítica grega. Da mesma 
forma, o racionalismo de Descartes propôs uma forma de interpretar a realidade que 
acabou superando a filosofia da Idade Média, então dominada pelo pensamento 
escolástico e pela preocupação de justificar a doutrina cristã através de conceitos e 
métodos oriundos da filosofia grega (KENNY, 1999). 
Em relação à tradição filosófica, na qual está inserido, Descartes apresenta 
uma forma de fazer filosofia que não é simplesmente comentário ou releitura de outros 
filósofos, mas uma tentativa de fundar um sistema de pensamento coerente e racional 
inteiramente novo. A partir da prática filosófica, entendida como esforço de 
pensamento, de retorno do sujeito a sua própria experiência, a fim de encontrar no 
próprio pensamento as metodologias para se aproximar a verdade, Descartes 
compara a sua filosofia com o trabalho de um arquiteto que demoliu uma casa e 
constrói, posteriormente, outra inteiramente nova a partir dos seus destroços. O que 
ele pretendia demolir era justamente tudo aquilo que os escolásticos — isto é, os 
doutores da Igreja de sua época — tomavam como verdade; e a casa nova seria o 
seu pensamento racionalista, científico e matemático (DESCARTES, 1973). 
O profundo corte que o pensamento cartesiano opera na história da metafísica 
e da teoria do conhecimento se dá em um contexto de desenvolvimento científico, cujo 
impactos foram responsáveis pela formação da mentalidade moderna e, 
posteriormente, pelo que entendemos atualmente como modernidade tardia ou 
 
 
12 
 
 
‘mundo contemporâneo’. Há um consenso quase geral entre os historiadores da 
filosofia, que Descartes foi o primeiro filósofo moderno, pela maneira como deslocou 
a metafísica de suas questões teológicas — isto é, investigações relativas à existência 
e à vontade de Deus — para uma investigação do universo a partir da mecânica e da 
matemática (KENNY, 1999). 
Descartes, assim, tornou possível o racionalismo moderno, justamente por 
desconfiar de todas as verdades que seus contemporâneos afirmavam a partir de 
suas crenças culturais, religiosas e da tradição filosófica. O Discurso do Método 
(2009), nesse sentido, é um pequeno livro no qual vemos emergir um homem que 
busca, antes de tudo, independência de pensamento, mas que a partir de sua 
condição espiritual individual coloca em cena uma nova forma de pensar que encarna 
todo um momento da história do pensamento. Em seu desejo de distinguir o 
verdadeiro do falso, Descartes passou, assim, a duvidar radicalmente das opiniões 
dos outros — o que, em sua época, a filosofia chamava de “senso comum” e que 
Platão havia definido muito antes como "doxa". Assim, ele narra como utilizou seu 
método para questionar várias dimensões do pensamento ocidental. Ao colocar em 
suspenso todas as suas crenças e opiniões, ele buscava encontrar o elemento mínimo 
e dedutível capaz de sustentar todo o edifício do saber científico (KENNY, 2009). 
Para Descartes, em sua radicalidade, sua própria existência deveria ser 
colocada em questão, pois como ele poderia saber que não estava simplesmente 
sonhando ou sendo enganado por uma força desconhecida, um gênio maligno, por 
exemplo? Desse procedimento de colocar sua experiência em dúvida, o que sobrou? 
Apenas o filósofo, frente a sua própria racionalidade, o seu pensamento em 
movimento, distinto de seu corpo e do mundo material, certamente em um quarto 
solitário, mas apenas um eu e seu absoluto nada cheio de pensamento. É aí que 
Descartes chega a uma das máximas mais poderosas da história da filosofia: se esse 
“eu” que duvida continua existindo enquanto dúvida, então a realidade mais distinta 
que se pode reconhecer é a existência do próprio pensamento: 
[...] notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa 
que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes 
de a abalar, julguei que podia aceitá-la sem escrúpulo, como o primeiro 
princípio da Filosofia que procurava (DESCARTES, 1973, p. 54). 
 
 
13 
 
 
A partir da definição do “eu” pensante como a coisa mais clara e mais distinta, 
o princípio sobre o qual se pode edificar um novo pensamento, Descartes se pergunta 
qual seria a segunda coisa mais evidente. Seria a existência do seu próprio corpo? 
Para Descartes, embora a razão pudesse extrair de si a evidência de sua existência, 
nada ainda comprova que esse “eu” pensante fosse idêntico ao corpo que habita. Pois 
o corpo, para Descartes, é a origem das sensações, da experiência, da empiria, o 
lugar onde se originam as crenças e hábitos falaciosos que podem impedir o filósofo 
de ver e ser tomado pela clareza da verdade que se diferencia da experiência dos 
sentidos. A partir disso, Descartes define que os seres humanos possuem uma alma, 
distinta do corpo, considerando que o corpo é da ordem daquilo que pode morrer e 
alma uma dimensão eterna na qual a própria essência do humano estava presente. 
Está formando, então, o cenário cartesiano dos debates entre racionalistas e 
empiristas, que permitirá a Kant pensar o ato de conhecer como uma dimensão 
transcendental, palavra que assumirá no filósofo alemão, um sentido especial e 
específico como veremos a seguir. 
3.3 A separação radical entre corpo e alma e o empirismo 
Essa separação radical entre o corpo e a alma é um dos traços mais 
característicos da filosofia de Descartes e foi denominado na história da filosofia como 
dualismo cartesiano. Nessa perspectiva, o ente humano é formado por duas 
substâncias diferentes: de um lado, o corpo que nos remete às coisas do mundo e 
pertencente à natureza. Por outro, a alma, que seria a dimensão do pensamento, 
próxima ao que não participa ou é determinado pela contingência dos sentidos. Para 
demonstrar a validade de seu dualismo, Descartes define a diferença entre as 
qualidades primárias e as qualidades secundárias de quaisquer objetos. As 
qualidades primárias são aquelas passíveis de serem conhecidas pela razão — isto 
é, aquelas que expressam a harmonia matemática por trás de cada objeto e se 
caracterizam pela pura identidade consigo mesmas. 
As qualidades secundárias são aquelas que podem ser apreendidas pelos 
sentidos e são mutáveis e superficiais. O exemplo dado por Descartes (1973) é o de 
um bloco de cera que, quando colocado perto dofogo, muda completamente no que 
 
 
14 
 
 
diz respeito ao modo como afeta os sentidos: nele encontramos transformações em 
seu tamanho, cheiro, cor e forma. No entanto, ao esfriar, o bloco de cera volta-se à 
sua forma original. O que permanece idêntico nesse bloco, o que faz ele “ser”, não é 
a sua materialidade, nem o modo como afeta os sentidos, mas as suas propriedades 
inteligíveis, que apenas a razão pode captar. Interessante notar, que não se trata 
somente em dizer que a razão apenas conhece um mundo ideal, mas mostrar como 
ideias conhecidas pela razão têm uma função estruturante na verdade da experiência 
porque não são dominadas pela contingência do mundo material. 
Nesse caso, o que é preciso ver é que uma certa imagem da racionalidade é 
posta no centro do que Descartes entende como verdade (DESCARTES,1973). O 
empirismo constitui-se como uma experiência filosófica que se faz em termos 
aparentemente diferentes daquele do intelectualismo cartesiano. Enquanto o 
intelectualismo, visa fundamentar a experiência na presença do ser pensante, 
entendido como uma dimensão independente do mundo sensorial. O empirismo, 
buscará valorizar a esfera dos sentidos, mas entendendo-a como um conjunto de 
relações causais que determinam a ‘forma’ de ser da nossa experiência. 
 Para os filósofos empiristas — como Francis Bacon (1561–1626), Thomas 
Hobbes (1588–1679), John Locke (1632–1704) e David Hume (1711–1776) —, os 
seres humanos apenas podem pode conhecer a realidade a partir de seus sentidos 
(KENNY, 2009). Daí o nome desta postura filosofia ser “empirismo”. Em sua origem, 
a palavra significa simplesmente “experiência”, a mesma que qualquer sujeito adquire 
a partir da prática ou da apreensão atenta dos fatos, ou ainda, por aquilo que pode 
experimentar diretamente, seja em sua própria vida ou pela observação na vida dos 
outros. Quando passamos para o campo da filosofia, o empirismo significa uma 
confiança nos sentidos: a compreensão de qualquer ideia experimentada pelos seres 
humanos teve sua origem na experiência. Os empiristas acreditavam, assim, que todo 
o conhecimento surge a partir de induções, isto é, raciocínios sobre a natureza que se 
baseiam na regularidade dos fatos que são absorvidos pelo sujeito através de seu 
aparelho sensorial (JAPIASSÚ, H; MARCONDES, 2001). 
As duas grandes linhas da filosofia moderna não concordam, assim, quanto à 
forma como os seres humanos distinguem o verdadeiro do falso a partir da razão e 
como se processa a relação de conhecimento com o mundo que faz surgir as ciências 
 
 
15 
 
 
e a filosofia. O empirismo não se diferencia do racionalismo cartesiano por não ter em 
suas concepções uma ideia racionalidade, mas por ter na experiência dos sentidos 
uma fonte a ser considerada na formação da experiência da racionalidade (KENNI, 
2009). 
3.4 Kant e a crítica 
No seu período pré-crítico, como já afirmamos, Kant aderiu ao racionalismo; 
mas foi lendo um dos mais radicais empiristas, David Hume, que o filósofo se inicia 
em uma reflexão que vai lhe afastar do racionalismo anteriormente adotado, mas sem 
assumir uma posição empirista ou cética, mas se colocando a necessidade de uma 
crítica da razão. Conforme suas palavras: 
Confesso-o francamente, foi a advertência de David Hume que primeiramente 
interrompeu, há já muitos anos, o meu sono dogmático e que deu uma 
orientação completamente diferente às minhas investigações no campo da 
filosofia especulativa (KANT,1981, p. 25). 
 Kant não duvidava da possibilidade de se chegar ao conhecimento. A ciência 
dos séculos XVII e XVIII constituía-se, para ele, como o atestado desta possibilidade 
(KENNY, 2009). No entanto, ele considerava necessário responder às insuficiências 
da filosofia em relação ao modo como o problema do conhecimento era tratado 
(REALE; ANTISERI, 2006) Assim, o filósofo afastou-se do puro racionalismo ou do 
puro empirismo. Será através da crítica radical às duas posições, que constituirá a 
base para sua crítica da razão (KENNY, 2009). 
A reflexão de Kant concentrou-se na análise das condições de possibilidade do 
conhecimento, descrevendo uma determinação transcendental da experiência, que 
não será entendida nem como da ordem da pura razão nem como sustentada pelo 
aparelho sensorial humano. No início da Crítica da razão pura (2001), Kant indica o 
caminho a ser percorrido pelo seu pensamento: 
Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela 
experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação 
a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e 
que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro 
lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a 
compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das 
impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? 
 
 
16 
 
 
Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a 
experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se, 
porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que 
todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio 
conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através 
das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de 
conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si 
mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima, 
enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos 
torne aptos a separá-los. Há, pois, pelo menos, uma questão que carece de 
um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta: 
se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas 
as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e 
distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência 
(KANT, 2001, p. 81-82). 
O projeto kantiano se inicia pela consideração de que é correta a posição de 
que o conhecimento se inicia com a experiência, mas aponta para a necessidade de 
diferenciar o ‘começar com a experiência’ da ideia de prover ou ser determinado por 
ela. Nesse caso, quando se afirmar que o conhecimento se inicia com a experiência, 
não quer dizer que ele tenha sua origem em nossa abertura sensível ao mundo, como 
se fosse, portanto, causado pelo mundo exterior. Começar com a experiência quer 
dizer que não é possível uma forma de conhecimento ser colocada em cena senão 
segundo nossa presença ao mundo através do nosso aparelho sensorial. No entanto, 
essa abertura, para Kant, estaria fundada em estruturas que não se originam na 
experiência, porque são constitutivas da subjetividade em sentido transcendental. A 
relação com o exterior através do que ele chama de formas a priori da sensibilidade, 
mais precisamente o tempo e o espaço, que colocam em funcionamento o aparato 
cognitivo humano, que constitui a sensibilidade, mas não são determinados pelos 
objetos que são apreendidos pelos sentidos (KENNY, 2009). 
Kant considera que apesar de todo conhecimento ser considerado 
conhecimento em uma experiência, existem certas condições a priori para que as 
impressões sensíveis se convertam em representações. Essas representações 
poderão entrar em jogo nos processos de conceitualização, característicos das 
ciências, mas estão determinados por uma segunda esfera das estruturas da 
subjetividade: o entendimento. Trata-se, nesse sentido, de uma concepção 
racionalista. No entanto, não é uma posição levada ao extremo, pois "todo o 
conhecimento das coisas proveniente só do puro entendimento ou da razão pura não 
passa de ilusão; só na experiência há verdade" (KANT, 2001, p. 45). 
 
 
17 
 
 
A reflexão de Kant se esforça para que a dicotomia empirismo/racionalismo 
receba uma solução intermediária já que "pensamentos sem conteúdo são vazios; 
intuições sem conceitos são cegas"(KANT,2001, p. 75). O enfoque que procura 
determinar e analisar as condições a priori de qualquer experiência, foram 
denominadas como transcendentais por Kant. Nesse sentido, o filósofo considera 
fundamental diferenciar o empírico do transcendental, o a priori do a posteriori: 
 
Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles que 
não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica 
absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos 
a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por 
exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é 
uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito 
que só pode extrair-se da experiência (KANT, 2001, p. 81). 
 
A superação entre racionalistas e empiristas se dá a partir do conhecimento 
recebido, ou seja, por meio da experiência, denominada a posteriori, somada com o 
que já é inerente à subjetividade humana, isto é, a priori ou anterior a qualquer 
experiência. Mas qual é a pergunta fundamental que Kant se coloca quando se volta 
à investigação dos limites do racionalismo e do empirismo e se encaminha para uma 
leitura transcendental da experiência? Podemos entender esse questionamento se 
adentramos na teoria do juízo que está no centro da primeira crítica, onde ele estuda 
as formas de juízo. Os juízos são maneiras pela qual consideramos os objetos (as 
representações) que temos do mundo e que se tornam objeto de conhecimento. 
Existem dois tipos básicos de juízo: 
1) Os juízos sintéticos que têm caráter a posterior, ou seja, derivam da experiência, 
por isso são chamados de a posteriori. Nas palavras de Japiassú e Marcondes (2001), 
deve-se compreender como a posteriori: priori o “que é estabelecido e afirmado em 
virtude da experiência (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 26). Tais juízos, portanto, 
apenas acontecem através da abertura da nossa experiência ao mundo exterior e se 
caracterizam por acrescentar ‘conhecimento’ ao objeto que visa, ainda que este não 
possa ser considerado como essencial em relação ao objeto. Por exemplo, João é 
professor de História. Ser professor de história não é uma característica essencial de 
João, não o define essencialmente, ainda que seja uma característica que o faz estar 
no mundo em um determinado sentido e não outro. 
 
 
18 
 
 
2) Nos Juízos analíticos, que são sempre a priori, acontece o contrário. O que 
temos é uma afirmação que está contida no sujeito. Em outras palavras são 
juízos analíticos aqueles em que um predicado (B) pode estar contido no sujeito em 
(A) e, por isso, pode ser extraído por pura análise. Isto significa que o predicado nada 
mais faz do que explicar ou explicitar o sujeito (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). Por 
exemplo: o triângulo é uma forma geometria que tem três lados. 
Em Kant, encontramos ainda um terceiro tipo de juízo, chamado de sintético a 
priori: é obtido com base na união da dedução e da experiência, apresentando 
relevância científica, já que são aqueles que colocam em cena um conhecimento 
universal que não pode ser intuído da própria estrutura do objeto, mas acrescenta ao 
campo de uma ciência um conhecimento, indicando na experiência do sujeito um novo 
conteúdo conceitual. São juízos sintéticos, de caráter ideal a priori, mas que 
acrescentam conhecimento ao objeto representado. Proposições matemáticas como: 
456 x2 + 912 =. 1824. 
No que tange a forma dos juízos, o que Kant pretende é diferenciar juízos 
empíricos (sintéticos) de juízos analíticos, apontando para a existência de um campo 
indutivo de experiência e outro dedutivo, marcando a diferença entre o caráter 
transcendental da experiência e outras posturas teóricas em que a estrutura 
transcendental de abertura do sujeito ao mundo não é visada (KENNY, 2009). 
Podemos ver, que com essa abordagem, Kant une e ultrapassa as posições 
racionalistas e empiristas, mas ao mesmo tempo as transforma, já que o 
conhecimento, para Kant, apenas pode ser entendido a partir daquele que conhece, 
não estando do lado do objeto, isto é, de relações que possam se dar pela 
consideração de um mundo completamente ‘exterior’ ou independente a experiência 
do sujeito. A ideia é que o que procede de fora constitui a matéria do conhecimento, 
mas isso que surge de fora, já aparece organizado conforme estruturas básicas da 
experiência, que o filósofo alemão chamará de transcendentais. Assim, com base no 
pensamento racionalista, Kant afirma que a forma do conhecimento é inerente ao 
homem, não admitindo a razão como “uma folha em branco” (KENNY, 2009). 
 Tanto a matéria quanto a forma atuam ao mesmo tempo, de maneira que de 
nada vale o conhecimento sensível, a matéria a posteriori, se ela não for considerada 
a partir do que há no sujeito, isto é, a priori, entendido como condição para a 
 
 
19 
 
 
organização das formas inteligíveis. Ele elenca nesse sentido duas formas da 
sensibilidade a priori, as quais já nos referimos: o espaço e o tempo (REALE; 
ANTISERI, 2006). 
No que tange a experiência do espaço, é preciso notar que os objetos até 
podem ser retirados de um respectivo espaço, mas nunca podem ser pensados como 
destituídos de espacialidade. O espaço, portanto, não é possível ser retirado da 
experiência, é uma forma de organização a qual essencialmente depende nossas 
considerações acerca do objeto, está na base de nossas representações 
(MARCONDES, 2000). O tempo, por outro lado, é a percepção interna do sujeito, 
relacionado ao passado e ao futuro, ao sistema de duração a partir do qual surgem 
organizadas a forma como o movimento e transformação das representações são 
dadas (MARCONDES, 2000). 
As duas estruturas estão na ordem do que Kant chama de estética de 
transcendental, tratada por ele, na primeira parte da crítica da razão pura, constituindo 
sua investigação sobre a priori da sensibilidade (KANT, 2001). Na perspectiva das 
investigações de Kant, somente pelo espaço e pelo tempo é que se pode afirmar a 
possibilidade do conhecimento do mundo sensível (KANT, 2001). 
Outra estrutura ou faculdade transcendental considerada por Kant é o 
entendimento. Se no âmbito da estética transcendental estamos lidando com dados 
sensíveis, a passagem para o entendimento é para a investigação do momento 
conceitual da nossa abertura teórica ao mundo (MARCONDES, 2000). No 
entendimento, encontramos os princípios e as categorias pelas quais um fenômeno 
sensível pode ser pensado, pode adquirir, portanto, a forma de algo a ser pensado 
através de conceitos. O entendimento é abordado por Kant no âmbito do que ele 
chama de analítica transcendental, mais precisamente, do estudo das condições de 
possibilidade de nossas considerações teóricas acerca do fenômeno. O entendimento 
se estrutura através de 12 categorias que estão na base das nossas considerações 
conceituais e, portanto, determinam o que chamamos de ciência e conhecimento 
teórico. As categorias e sua relação com as formas de juízos estão descritas na 
tabela 1 abaixo: 
 
Tabela 1 – Formas de juízos 
 
 
20 
 
 
QUANTIDADE 
JUÌZOS CATEGORIAS 
Universais Unidade 
Particulares Pluralidade 
Singulares Totalidade 
QUALIDADE 
JUÌZOS CATEGORIAS 
Afirmativos Realidade 
Negativos Negação 
Infinitos Limitação 
RELAÇÃO 
FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS 
Categóricos Substância e Acidente. 
Disjuntivos Da reciprocidade 
Infinitos Limitação 
MODALIDADE 
FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS 
Problemáticos Possibilidade e impossibilidade 
Assertivos Existência e inexistência 
Apodíticos Necessidade e contingência 
Fonte: Adaptado de Reale e Antiseri (2006, p. 364) 
 
Através das categorias, Kant procura identificar aqueles conceitos que estarão 
na origem de todos os tipos de juízo possíveis e envolvem uma forma de tratar 
teoricamente os objetos. Entende-se, assim, que a reflexão acerca da limitação e das 
possibilidades cognitivas dosseres humanos foi uma das maiores preocupações de 
Kant. Na perspectiva do filósofo, nossa experiência não tem acesso ao ser do mundo 
enquanto coisa em si, mas somente enquanto representação, ou seja, de modo 
fenomênico (MARCONDES, 2000). Quer dizer que a subjetividade tem uma forma 
singular e transcendental de se relacionar com seus objetos, ela atinge o ‘mundo’ de 
modo fenomenal. Por isso, entende-se que para o filósofo a razão humana está imersa 
em duas ordens de acontecimentos: o mundo da representação e dos fenômenos, 
onde ele pode fazer juízos e, de outro, o mundo da coisa em si, ou, noumenon 
inacessível a subjetividade em seu sentido teórico. 
 
 
21 
 
 
O mundo em si é para razão da ordem da especulação, daqueles objetos, 
eventos, acontecimentos que só entram em cena enquanto resistentes ao discurso 
científico. Nessa perspectiva, por exemplo, Deus, a alma, e o mundo como totalidade 
serão para Kant impossíveis de serem conhecidos cientificamente, tornando-se o 
limite a qual a subjetividade enquanto racionalidade deve considerar quando estiver 
no jogo da atividade científica (REALE; ANTISERI, 2006). Com a crítica da razão 
pura, Kant considerava, portanto, ter estabelecido os limites e as condições do uso 
teórico da razão: o núcleo de tais condições repousam, de um lado, na sensibilidade, 
no espaço e no tempo, tratadas como formas puras da intuição e, de outra parte, do 
entendimento, no qual os conceitos puros, isto é, as categorias determinam o caráter 
conceitual da experiência, o que estaria na origem das formas de juízo possível 
(DELEUZE, 1994). 
3.5 O tema ético em Kant 
Qual o significado da pergunta “o que devo fazer” em Kant? Significa uma 
esfera fundamental de investigação acerca da ação humana, diferenciando aquilo que 
seria moral e ético daquilo que não é. Kant trata do tema em muitos textos, 
destacando-se a segunda crítica, A crítica da Razão prática (1788) e o seu livro A 
metafísica dos costumes (1797). Na perspectiva do filósofo, a moralidade não explica 
e não se fundamenta através de contextos políticos e sociais particulares, bem como 
de dogmas religiosos advindos da fé. O sentido ético da experiência deve, assim, ser 
pensado segundo uma investigação racional, já que sua base, como mostrará Kant, é 
racional. Nesse caso, a pergunta que surge é: o que Kant entende por moralidade? 
Na obra Fundamentação da metafísica dos costumes (2007), Kant formula o 
princípio do imperativo categórico. Segundo o filósofo: imperativo categórico seria 
aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si 
mesma, sem relação com qualquer outra finalidade (KANT, 2007). O princípio básico 
do imperativo categórico consiste na ideia de que devemos agir somente de acordo 
com aquelas máximas pelas quais possamos desejar que elas se tornem uma “uma 
lei universal” (KANT, 2007, p. 51). Este princípio determina que a ação moral é aquela 
que pode ser universalizada e considerada como necessária. Trata-se assim de um 
 
 
22 
 
 
princípio ideal, isto é, independentemente do que fazemos, mas que normatiza e 
explicita o que é a ação moral em seu sentido autêntico. Ainda que seja ideal, isso 
não quer dizer que ela não tenha que orientar as ações humanas, ao contrário, é por 
ser ideal, isto é, não estar preso às contingências da vida mundana, que ela se torna 
a regra que deve fundamentar a esfera prática da existência (KENNY, 2009). 
Nossa ação para ser ética deve, portanto, ser tal que possa ser universalizada 
de acordo com imperativo categórico. Por exemplo: devemos cumprir o que 
prometemos e manter nossa palavra porque esperamos que as outras pessoas 
também o façam e se não fizermos toda a prática de efetuar promessas desmorona. 
Isso porque racionalmente ninguém pode desejar o oposto, ou seja, que todas as 
promessas não sejam cumpridas, pois mesmo aquele que viola as suas promessas 
espera que os outros as cumpram e supõe que ele mesmo as cumprirá, em alguns 
casos, certamente. Do contrário, promessas não terão efeito algum. Agir moralmente 
é, portanto, praticar ações de acordo com este princípio, ou seja, visar o sentido 
universal daquilo que se pratica, enquanto uma ação que pode ser considerada 
necessária por todos os agentes, porque correspondem a ideia de moralidade e 
liberdade que são constitutivas da estrutura humana em sua forma antropológica 
transcendental (KENNY, 2009). 
Por isso, na “Fundamentação da metafísica dos costumes” (2007), Kant analisa 
ainda, o que confere às ações humanas seu valor moral. Nesse contexto, a sua 
concepção ética é comumente identificada com as noções de dever e intenção. Ele 
entende que a ação moral é aquela que segue, como já dissemos, o imperativo 
categórico. Assim, ela deve ser guiada por um deve ser e é marcada pela sua 
intencionalidade, por aquilo que move a ação. A qualificação de uma ação como moral 
não depende, portanto, apenas de seu fim, mas principalmente daquilo que levou a 
tal ação, ou seja, das disposições que a motivam, o que também modifica o sentido 
da finalidade. Se por exemplo, ajudamos alguém com um determinado problema 
tendo em vista nosso próprio benefício não estamos praticando uma ação moral, pois, 
se trata de uma ação que não tem como fim a própria ação, seu sentido, mas algo 
exterior, que se configura, nesse caso, como o nosso próprio interesse e, portanto, 
algo que diz respeito ao nosso bem-estar. Kant define o imperativo categórico da 
seguinte maneira: 
 
 
23 
 
 
Há por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer 
outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente 
este comportamento. Este imperativo é categórico. Não se relaciona com a 
matéria da ação e com o que dela deve resultar, mas com a forma e o 
princípio de que ela mesma deriva; e o essencialmente bom na ação reside 
na disposição (Gesinnung) (*), seja qual for o resultado. Este imperativo pode-
se chamar o imperativo da moralidade (KANT, 2007, p. 52). 
Essa compreensão é suplementada e esclarecida pela noção de boa vontade. 
Através desta noção, se considera, que nós, que somos seres racionais dotados de 
liberdade, só podemos agir de modo ético, quando não escolhemos apenas o caminho 
a ser tomado para realizar fim, mas também os próprios fins das ações, tendo em vista 
o sentido último das nossas ações: quando agimos desta maneira estamos agindo de 
acordo com a nossa vontade. Nesse contexto, dizer que a moralidade está ligada à 
vontade não significa dizer que qualquer vontade serve, mas apenas a boa vontade, 
pois, conforme, a boa vontade o que se tem como objetivo não é efetuar algo em 
nosso próprio benefício, mas a própria ação no que ela tem de moral através de sua 
conexão ao princípio do imperativo categórico (KENNY, 2009). 
Segundo Kant, a única coisa que pode ser incondicionalmente boa é a boa 
vontade, “[...] não pelo que efetua ou consegue obter, não por sua aptidão para 
alcançar qualquer fim que nós tenhamos proposto, mas tão somente pelo querer” 
(KANT, 2007, p. 105). Nesses termos, a boa vontade é boa por engendrar em si 
mesma a boa intenção, sendo a única coisa que pode ser considerada irrestritamente 
boa e que possui valor em si mesmo. Dito isso, se o conceito de boa vontade é aquilo 
que pode ser considerado moralmente bom, para conhecermos o que é uma boa 
vontade devemos saber o que é exatamente o moralmente bom. Quanto a isso, 
conforme a concepção kantiana, o conhecimento moral ordinário está fundado na 
nossa capacidade de poder distinguir o bom do útil e do agradável. Nesse contexto, o 
moralmente bom é algo que tem valor pura e simplesmente por oposição àquilo que 
é útil ou agradável. Kant defende que a boa vontade é a única coisa que a razão 
prática pode produzir por si mesma de forma incondicionada, e o seu valor para tal é 
incomparável com o valor da razão para satisfazer nossas inclinações (que sempre 
sãocondicionadas). Dito isso, o próximo passo de Kant é vincular a noção de boa 
vontade com o conceito de dever. Para tal, dentre outras coisas, Kant oferece duas 
proposições importantes. 
 
 
24 
 
 
A primeira proposição é apresentada do seguinte modo: temos uma boa 
vontade se nossas ações são realizadas por dever, não por alguma inclinação outra. 
Quanto a isso, é importante ter em vista aquilo que Kant está excluindo da noção de 
moralidade. O que ele exclui do horizonte da ação que pode ser denominada como 
boa é seu condicionamento pelo nosso desejo em detrimento do sentido da ação. Ou 
seja, para ele não se trata do desejado e do não desejado, mas do dever, do 
imperativo que a ação nos coloca. Assim, qualquer ação que seja contrária ao dever; 
e, em segundo lugar, ações que, embora estejam em conformidade com o dever, não 
são realizadas pelo próprio dever, mas visando a alguma outra coisa, devem ser 
excluídas do que Kant entende por boa vontade (NORDARI, 2009). 
A segunda proposição afirma que a boa vontade está ligada à intenção da ação, 
não às suas consequências: 
[...] uma ação por dever tem seu valor moral não no intuito a ser alcançado 
através dela, mas, sim, na máxima segundo a qual é decidida, logo, não 
depende da realidade efetiva do objeto da ação, mas meramente do princípio 
do querer (KANT, 2007, p. 125). 
Se o que estamos procurando é o valor incondicionado da moralidade, torna-
se evidente que não será possível encontrá-lo nas consequências das ações, pois 
nesse caso o valor da ação estaria calcado na obtenção de um resultado outro que a 
própria boa vontade. No entanto, o valor incondicionado da boa vontade está antes 
naquilo mesmo que a motiva do que nas consequências que dela se geram. No 
exemplo anterior, suponhamos que, ao se levantar em nome do dever para oferecer 
o seu lugar para uma mulher grávida, alguém se aproveita da situação e senta antes 
da grávida. Isso, por si só, não desqualifica em nada o valor moral da sua ação, pois 
ele não está nas consequências da ação, mas na sua intenção ao agir. Agora, se a 
pergunta consiste em interrogar o dever que condiciona a boa vontade, bem como o 
que devemos fazer para sermos moralmente bons, a resposta kantiana passa pela 
noção de imperativo categórico, que como já vimos tem um caráter determinante na 
concepção de moralidade e ética em Kant. 
Na perspectiva de Kant, nossas ações realmente morais são governadas por 
máximas que podem ser universalizáveis. Tais máximas são chamadas de 
imperativos, que, por sua vez, podem ser de dois tipos: hipotéticos e os categóricos. 
Os imperativos hipotéticos são aqueles que ordenam que façamos algo como meio 
 
 
25 
 
 
para conseguir alguma coisa que queremos. Já os imperativos categóricos são 
aqueles que ordenam que se faça algo por si mesmo, isto é, sem referência a outro 
fim que não a si mesmo. De modo que, enquanto um imperativo hipotético só se 
constitui na medida em que há uma condição outra pela qual somos motivados a agir, 
o imperativo categórico é tal que a mera representação de si é suficiente para me 
fornecer o que ele contém, na medida em que ele se estabelece em si e por si mesmo. 
Assim, se a ação é boa para outra coisa, então o imperativo que a ordena é hipotético, 
ao passo que, se a ação é boa por si mesma, então o imperativo é categórico. 
Percebamos que, embora o imperativo categórico kantiano se assemelhe à 
máxima cristã que diz não faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem com 
você, ele possui um caráter ainda mais geral, pois, no caso da máxima cristã, ainda 
dependeremos de avaliações subjetivas e, nessa medida, não universalizáveis — no 
caso do imperativo categórico, a máxima deve ser absolutamente universal e objetiva. 
Além disso, o imperativo categórico também não consiste em uma regra ou um 
conjunto de regras, aos moldes do decálogo bíblico, pois ele é, sobretudo, um 
mecanismo racional de avaliação da moralidade das nossas ações, ele está de acordo 
com a dimensão transcendental da experiência humana (NODARI, 2009). 
3.6 O pensamento estético de Kant: um aspecto da terceira crítica 
A filosofia de Kant possibilitou também uma nova compreensão teórica da 
experiência estética, abrindo caminho para reformulação da temática das relações 
entre arte e realidade. Como vimos até agora, é a perspectiva crítica que orienta os 
objetivos e o sentido da filosofia de Kant, desenvolvida em três obras fundamentais: 
Crítica da razão pura, 1781, Crítica da razão prática, 1788, e a Crítica do juízo, 1790. 
Conforme, o caminho crítico de sua obra, Kant não especula acerca da natureza das 
coisas estéticas, das obras de arte, tendo em vista sua forma em si ou suportes pelos 
quais a significação artística se manifesta, mas busca no sujeito da experiência as 
condições de possibilidade da experiência estética, tal como realizou quando visava 
a experiência moral e a experiência da razão teórica (NODARI, 2009). 
 
 
26 
 
 
Kant inicia sua análise estética a partir do juízo de gosto, o qual ele determina 
como sendo essencialmente estético, ou seja, de uma natureza diferenciada dos 
juízos da razão e dos juízos éticos ou morais. Nas palavras do filósofo: 
O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte 
não é lógico, e sim estético, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento e 
determinação não pode ser senão subjetivo. Toda referência das 
representações, mesmo a das sensações, pode, porém, ser objetiva (e ela 
significa então o real de uma representação empírica); somente não pode sê-
lo a referência ao sentimento de prazer e desprazer, pelo qual não é 
designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si 
próprio como ele é afetado pela sensação. (KANT, 2016, p. 119) 
Embora subjetivos, os juízos de gosto possuem como qualidade essencial o 
desinteresse, pois não se relacionam a nenhuma inclinação pessoal, ou seja, não são 
produtos de motivações privadas no momento de seu julgamento. Disso, decorre, a 
insistência dos autores de juízos estéticos na amplitude de suas experiências e 
proposições, pois, se não há um elemento pessoal determinante para eles, então 
estes só podem ligar-se a uma característica universalizante que determina a 
apreensão sensível (KENNY, 2009) 
Conforme sua posição do tema, Kant não está de nenhum modo advogando a 
favor da possibilidade de estabelecer critérios objetivos para determinar o belo 
artístico, mas buscando entender como uma experiência pessoal pode ter alcance 
universal, consegue, assim, significar o contato com uma forma de expressão que não 
depende de estruturas conceituais para sua determinação, mas alcança, no nível 
subjetivo, um sentido que ultrapassa as percepções mais mundanos do sujeito 
(NUNES, 2006). 
O belo, por não estar ligado a conceitos, uma vez que estes não conduzem o 
prazer estético, é desprovido de realidade externa, estando, na perspectiva de Kant 
condicionado ao sujeito naquilo que ele tem essencial, suas condições de abertura 
aos fenômenos. Não se trata de uma experiência simplesmente sensível ou orgânica, 
já que o que torna o belo é de ordem espiritual, fundado nas vivências puras e 
imediatas do sujeito. Portanto, a universalidade de que ele trata remete apenas a uma 
certa demanda que a consciência faz em razão do caráter desinteressado do juízo 
estético. 
 
 
27 
 
 
No entanto, isso não deixa de gerar complicações conceituais decisivas para 
quem procura pensar o belo do ponto de vista da filosofia da arte. Considerar o belo 
universal e ao mesmo tempo confiná-lo ao sujeito parece uma solução pouco atrativa 
para resolver a discussão sobre a qualidade e o sentido das obras de arte. Contudo, 
a perspectiva de Kant ultrapassa o âmbito das querelas artísticas e se estende à 
compreensão das mais diversas manifestações do belo, que incluem também o belo 
Natural. Em sua teoria, para fundamentar suaposição, Kant distingue os pontos que 
diferenciam o belo do agradável. Este, segundo ele, está atrelado a posições 
meramente pessoais causadas por sensações, orientando pelo prazer e desprezar 
em sentido mundano (NUNES, 2016). 
Desse modo, conforme sua perspectiva, não cabem sobre a agradabilidade 
quaisquer questionamentos acerca de sua veracidade para além do indivíduo: “com 
respeito ao agradável, cada um resigna-se com o fato de que seu juízo, que ele funda 
sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz, 
limita-se também simplesmente a sua pessoa” (KANT, 2016, p. 124). Portanto, a 
variabilidade daquilo que agrada não proporciona problemas maiores com relação a 
esses juízos. Todos os indivíduos podem declarar que algo é agradável sem que isso 
provoque a mínima contestação, já que julgam com base exclusivamente em suas 
percepções. Desse modo, o gosto define-se como algo restrito à declaração dos 
estados pessoais frente ao aparecimento de um fenômeno. A experiência do belo, por 
outro lado, tem, segundo o filósofo, um estatuto diferenciado, por força de sua 
constituição: 
Com o belo passa-se de modo totalmente diverso. Seria (precisamente ao 
contrário) ridículo que alguém que se gabasse de seu gosto pensasse 
justificar-se com isto: este objeto (o edifício que vemos, o traje que aquela 
veste, o conceito que ouvimos, o poema que é apresentado ao ajuizamento) 
é para mim belo. Pois ele não tem que denominá-lo belo se apraz meramente 
a ele. Muita coisa pode ter atrativo e agrado para ele, com isso ninguém se 
preocupa; se ele, porém, toma algo por belo, então atribui a outros 
precisamente essa mesma complacência: ele não julga simplesmente por si, 
mas por qualquer um e nesse caso fala da beleza como se ela fosse uma 
propriedade das coisas. Por isso ele diz: a coisa é bela e não conta com o 
acordo unânime de outros em seu juízo de complacência por que ela a tenha 
considerado mais vezes em acordo com o seu juízo, mas exige deles. (KANT, 
2016, p. 124) 
Nessa contraposição, enuncia-se uma diferença fundamental, que está na 
pretensão de validade entre um juízo e outro. Enquanto o agradável restringe-se 
 
 
28 
 
 
apenas a perspectiva singular do indivíduo, não levantando desse modo qualquer 
problemática acerca desse juízo para os outros; o belo, enquanto abertura ao 
universal, se funda na pretensão de ser acordado entre todos os sujeitos, é uma 
declaração subjetiva que se quer intersubjetiva. Logo, evocar a beleza de algo é 
sempre reivindicar dos outros um ponto de aceitação em relação a esse juízo, razão 
pela qual este não pode ser proferido de maneira inconsequente como o são os 
julgamentos sobre a agradabilidade de alguns fenômenos. 
Porém, como já observamos, essa universalidade na experiência do belo não 
significa que haverá, neste juízo, uma atividade de conhecimento ou algum tipo de 
especulação teórico-empírica. Nesse sentido, Kant declara que “quando se julgam 
simplesmente segundo conceitos, toda a representação da beleza é perdida” (KANT, 
2016, p. 127). A discussão sobre o belo não pertence ao reino dos conceitos e das 
considerações racionais. O que há é somente o assentimento universal que permeia 
a atribuição de belo a um objeto, e que faz com que cada indivíduo reivindique uma 
validade evidente acerca de seu julgamento, ao mesmo tempo em que recai sobre ele 
a responsabilidade dessa atribuição, já que não se pode invocar o belo sem estar 
disposto a assumir a universalidade que o integra (KANT, 2016). 
Tais posições de Immanuel Kant trazem como consequência a primazia do 
sujeito nos juízos estéticos. Apartado dos objetos, o belo não possui a menor 
possibilidade de vigorar coisificadamente, salvo pelos julgamentos subjetivos que se 
pretendem como tendo um sentido comum, válido a todos. O homem, portanto, 
constitui enquanto a figura central todo processo artístico e estético, pois é nele e 
somente nele, e não em alguma propriedade autônoma, que o belo encontra a sua 
possível figuração. Kant sintetiza essa compreensão através da seguinte proposição: 
“belo é o que é conhecido sem conceito como objeto de uma complacência 
necessária” (KANT, 2016, p. 167). 
A reflexão estética de Kant não se restringe ao tema do belo, o filósofo também 
trata da experiência do sublime. Para além das diversas posições e elucubrações 
acerca deste tradicional problema filosófico no campo da teoria da arte e da estética, 
Kant encaminha sua reflexão para uma descrição em que o sublime passa significar 
aquilo que existencialmente pode indicar aos seres humanos sua relação de 
pequenez em relação ao universo, a natureza. Essa relação é pressentida como afeto 
 
 
29 
 
 
que marca também a inserção da experiência em um ambiente universal que diz 
respeito ao ‘homem’, mas também é vivenciado através de suas possibilidades de 
apreensão e compreensão diante daquilo que pode se dar como seu outro. 
Kant identifica o sublime como determinado pelos mesmos princípios que 
perpassam a experiência da beleza. Desta maneira, ele não retoma a análise destes 
princípios. No entanto, em nossa exposição julgamos retomar. Na experiência do 
sublime, o que é central é a apreensão desinteressada de um conteúdo que não é 
conceitualmente determinado, mas também é universalmente aceito, tal como 
acontece no belo. Trata-se de uma experiência do sujeito e não diz respeito à 
realidade em si do objeto que se torna ocasião para experiência do sublime. No 
entanto, o filósofo indica uma divisão que não aparecia no debate anterior: a presença 
do sublime-matemático e do sublime-dinâmico, com os quais suas posições assumem 
um novo rumo. 
Nessa perspectiva, o sublime é o que é absolutamente grande, o que leva o 
sujeito à experiência de uma imensidão capaz de lhe mostrar a sua pequenez. Dito 
isso, podemos dizer que há uma apreensão do sublime pelo olhar humano quando 
nos surpreendemos com nossa pequenez diante do tamanho do céu ou quando ele 
se depara com o movimento das águas do mar. Tais experiências são possíveis 
porque alguns elementos podem ser quantificados objetivamente em sua magnitude, 
por cálculos e medições de referência, mas outros não, indicando um limite das 
capacidades de apreensão teórica da subjetividade. A experiência do sublime, 
envolve, portanto, uma medida subjetiva, que, como o belo, visa obter o assentimento 
universal. Este é um aspecto importante da problematização do sublime. No entanto, 
deve-se considerar que as apostas são “absolutamente altas” e não simplesmente 
altas, o que implica que o que se trata é algo além da medida. Essa dimensão de 
medição do sublime é o que Kant denomina sublime-matemático (NUNES, 2000). 
4 FILOSOFIA E HISTÓRIA: O PENSAMENTO DE HEGEL 
A realização sistemática de uma filosofia consiste em um pensamento que busca 
através do arranjo de suas partes, isto é, através de conceitos, axiomas e redes de 
argumentação dar conta do conjunto da experiência e da realidade a qual ela se 
 
 
30 
 
 
refere, mostrando uma conexão entre seu conteúdo e o mundo. O sistema tem como 
característica, portanto, o esforço de dar à filosofia a forma de um monumento que 
possa ser expressão da complexidade do real. Os filósofos desde o começo de seu 
trabalho na Grécia apresentaram o sistema como algo desejável à filosofia, pensando-
o enquanto reflexo de força e veracidade de uma forma filosófica de considerar o 
mundo. Platão e Aristóteles foram até certo ponto sistemáticos, já que podemos 
considerar que suas filosofias têm um fundo lógico (rede conceitual) a partir da qual 
os conteúdos se desdobram. Contudo, em Hegel o sistema assume sua forma mais 
acabada, sendo inclusive, considerado pelo filósofo, o seu sistema, aquele pelo qual 
todos os outros tomariam sentido. 
Hegel nasceu em 27 de agosto de 1770, e morreu aos 61 anos, de cólera. Em 
sua juventude, foi amigo do poeta e filósofo Friedrich Hölderlin(1770, 1884), com qual 
partilhou certo romantismo diante da vida e também o ideal de uma filosofia ou visão 
de mundo que conseguisse abarcar a totalidade da experiência e do real. Johann 
Christian Friedrich Hölderlin foi um filósofo, poeta lírico e romancista alemã o, amigo 
íntimo de Hegel em sua juventude e participando com ele, do movimento literário e 
cultural que foi conhecido Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), de caráter 
romântico. Hölderlin conseguiu sintetizar em seu trabalho o espírito da Grécia antiga, 
a visão romântica da natureza e de forma não-ortodoxa foi capaz de pensar questões 
relacionadas ao cristianismo, tornando-se, um dos maiores pensadores germânicos, 
contribuindo de modo decisivo para a visão quase teológica que Hegel tinha da 
existência do espírito (REALE; ANTISERI, 2006b). 
Hegel estudou teologia na Universidade de Tubingen e ensinou em Jena até 
essa universidade ser encerrada em consequência da invasão francesa. Foi em 1807 
que publicou a Fenomenologia do Espírito, considerado seu livro principal. Trata-se 
de uma experiência literária e filosófica fabulosa, pois o filósofo pretendeu descrever 
e exprimir as fases de desenvolvimento do espírito, entendido por ele como Espírito 
Absoluto, fazendo da história humana e seus produtos manifestação dessa 
experiência absoluta do espírito, que tem em sua filosofia um sentido especial, como 
poderemos constatar no decorrer da exposição (REALE; ANTISERI, 2006b). 
Apenas em 1816, Hegel se tornou professor universitário, momento a partir do 
qual se tornou uma referência para vida intelectual alemã, causando impactos 
 
 
31 
 
 
consideráveis dentro e fora do ambiente universitário. Algumas de suas obras são 
muito significativas para o entendimento de sua filosofia: A ciência da lógica e sua 
Enciclopédia de ciências filosóficas, por exemplo, obras da maturidade nas quais seu 
sistema filosófico se apresenta em toda sua complexidade e acabamento (REALE; 
ANTISERI, 2006b) 
No entanto, o conjunto de sua obra é monumental. Enquanto esforço 
sistemático de apreensão do real a partir de um conceito central, isto é, o conceito de 
espírito, ela se desdobra em direção a todas as áreas do saber e da experiência 
humana, visando a natureza e a cultura em suas dimensões e camadas mais variadas, 
sendo impossível, nesse sentido, um olhar definitivo sobre sua filosofia. Outro aspecto 
importante da obra, é a relação do filósofo com a escrita. A escrita hegeliana é 
considerada extremamente difícil. Bertrand Russell afirma em sua história da filosofia 
que a Fenomenologia do Espírito é o livro mais difícil de estudar, ainda que não seja 
o mais verdadeiro e o mais profundo (RUSSERL, 2021). A questão é que Hegel foi o 
último filósofo sistemático e nele o sistema toma a forma de uma obsessão: o sistema 
deve refletir a intuição central do filósofo, aquela pela qual ela entende que a realidade 
está toda dado no movimento do espírito absoluto que só podemos apreender através 
de suas manifestações na história e na natureza, principalmente na medida em que 
essa história e natureza está relacionada com a nossa existência (MARCONDES, 
2000). O tratamento que daremos à filosofia de Hegel visará alguns conceitos 
fundamentais do autor e também os impactos de sua filosofia no pensamento 
contemporâneo, mas não uma visão completa de sua filosofia. Pretendemos, assim, 
dar coordenadas que possam servir para adentrar no ambiente filosófico hegeliano. 
Trataremos, assim, do caráter idealista de sua filosofia e dos conceitos de dialética, 
espírito e história e sua relação e sua relação com o pensamento de Marx e Engels. 
 Através de sua filosofia, Hegel pretendeu abarcar todos os níveis de existência 
passando pela natureza, pela cultura e pela experiência humana. Para isso, ele 
estabeleceu uma descrição a partir de uma rede de relações dialéticas entre cada 
instância, buscando atingir a compreensão de como as formas ‘individuais’ de 
existência seriam manifestação da experiência da consciência e do Espírito absoluto. 
Ele entende o movimento do espírito como histórico, uma história espiritual que se 
manifesta sensivelmente através das criações humanas, o que nos leva pensar que a 
 
 
32 
 
 
própria humanidade é manifestação e expressão deste espírito, sendo ainda, o que o 
torna possível, pois, há um sistema de espelhamento entre as formas empíricas 
(históricas) de existência e o espírito. Conforme Bertrand Russell (2021), sua filosofia 
representou o ápice do movimento que, na filosofia alemã, teve início com Kant, isto 
é, o sistema de Hegel é o momento mais acabado do que se chama idealismo alemão 
(RUSSEL, 2021) 
O idealismo alemão, que pode ser datado entre 1780 e 1850, e desenvolvido 
especialmente nas universidades de Iena e Berlim (Alemanha), teve como base um 
estudo crítico e apaixonado da obra de Kant. Esses filósofos, entre Fichte, Schelling 
e Hegel se preocuparam em construir sistemas filosóficos baseados no caráter ideal 
e espiritual da experiência, a partir do qual pudessem dar explicações abrangentes 
sobre o fenômeno humano em diversos níveis. amento que explicasse todas as coisas 
do mundo. Eles, em sua maioria, eram, em sua essência, pelo menos quando 
começaram a desenvolver suas respectivas formas de pensamento, kantianos, e 
buscavam resolver impasses colocados pela filosofia kantiana. Hegel, por exemplo, 
apesar de se lançar em uma empreitada filosófica crítica em relação a Kant, jamais 
poderia ter existido sem o sistema de Kant. Por outro lado, cabe lembrar, que ambos, 
cada um ao seu modo, orientaram a filosofia ao seu destino contemporâneo: Kant, 
pela crítica do sujeito. Hegel, pela necessidade de pensar a história e o caráter 
concreto do espírito (REALE; ANTISERI, 2006). 
4.1 O sistema de Hegel é idealista. 
Em filosofia, o idealismo consiste na consideração da existência de uma 
realidade espiritual ou ideal como anterior aos processos materiais que constituem o 
mundo que apreendemos diretamente pelos sentidos. O idealismo consiste, assim, na 
explicação do mundo concreto pelo mundo ideal, conforme a consideração que as 
ideias são anteriores às suas manifestações materiais de cunho social e intersubjetivo 
e são os fatores determinantes da existência. Em história da filosofia, o termo 
idealismo engloba diferentes correntes de pensamento que têm em comum a 
interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior, 
subjetivo ou espiritual. O idealismo implica, nesse sentido, na redução do objeto do 
 
 
33 
 
 
conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale à redução da 
matéria ao pensamento ou ao espírito (JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D, 2001). 
Encontramos, assim, um idealismo metafísico que vê a realidade como 
constituída, ou dependente do espírito (finito ou infinito) ou de ideias (particulares ou 
transcendentes) — Hegel e Platão podem ser considerados como parte desta 
tendência, — como também há um idealismo epistemológico que parte da primazia 
da ideia na formulação do conhecimento e da verdade. O idealismo epistemológico 
marca decisivamente a filosofia moderna e contemporânea. No debate entre 
empiristas e intelectualistas, por exemplo, temos o idealismo dos racionalistas 
mediado pelo discurso dos empiristas, que, em alguns casos, como em Berkeley 
(1685-1753), acaba por reduzir o sentido sensível à experiência de uma percepção 
absoluta, de estatuto ontológico divino quando afirma que ser é ser percebido 
(BERKELEY, 2010), mas ainda se situa no âmbito empirismo, porque trata da 
experiência como sensível como fonte de conhecimento, mas o faz na perspectiva de 
um idealismo espiritual e um empirismo extremo, pois não se trata do sujeito singular 
o pensamento que percebe, mas de uma ‘realidade’ teológica (JAPIASSÚ, H.; 
MARCONDES, 2000.) 
O Idealismo de Hegel, por outro lado, é filho da crítica de Kant às posiçõesintelectualistas e empiristas: é a retomada de um terreno onde se pode começar a 
pensar o ideal como aquilo que engloba o conjunto da experiência. Na história do 
idealismo, existem formas variadas de ‘idealismo’: encontramos um idealismo 
histórico que entende as ideias e/ou consciência como agentes fundamentais e únicos 
da transformação histórica, desconsiderando as relações concretas como fundantes 
do mundo social e da cultura, ou pelo menos, tratando-as como secundárias em 
relação às ideais. Em muitos casos, um idealismo ontológico ou absoluto como de 
Hegel pode gerar posições deste tipo, ainda que esse não seja o caso de Hegel, mas 
de autores da direita hegeliana, um movimento intelectual do século XIX que se 
baseou no pensamento de Hegel para discutir questões políticas e culturais na 
Alemanha, de um ponto de vista conservador, buscando justifica, por exemplo, que o 
desenvolvimento do espírito tinha se realizado completamente na Prússia do século 
XIX. O idealismo histórico, muitas vezes, tende a se transmutar em ideologia já que 
 
 
34 
 
 
dá às ideias uma força maior que os fatos e se cristaliza em posições que terão a 
função de manutenção do tempo presente (HYPPOLITE, 2003). 
Podemos falar também de um idealismo ético, de caráter mais comportamental 
do que filosófico, baseada em um processo de projeção empiricamente infundado 
enquanto uma maneira de julgar ou racionalizar a vida cotidiana. Nesse caso, o 
idealismo também se converte em um esforço de modificação da vida material, mas 
que se despede das condições dadas. O idealismo de Hegel carrega um pouco de 
todos os idealismos, pois é um idealismo que busca englobar através da história as 
formas pelas a experiência humana se desenvolve enquanto ideia, mas ao se colocar 
o problema da história, do movimento histórico do espírito, ele se torna uma descrição 
concreta complexa da experiência humana. Seu idealismo é, portanto, englobante e 
sistemático. 
4.2 Hegel e a história 
Hegel foi um dos primeiros filósofos a considerar as formas de existência 
humana em seu sentido cultural, político e histórico, de modo sistemático e propondo 
uma explicação a partir da qual a história humana pudesse ser tratada como orientada 
para um sentido. Assim, ele buscou tratar a história considerando seu caráter interno 
e específico, através da compreensão de que história tinha um sentido ou finalidade 
que se manifestava paulatinamente em todas as atividades humanas. Isso quer dizer 
o seguinte: se a história tem um sentido é porque ela tende para um fim, se faz 
conforme uma finalidade, ou seja, ela tem um objetivo: as vivências e eventos 
históricos existem conforme algo que deve ser plasmado, e também expresso ao fim 
de sua trajetória (KENNY, 2009). 
No caso de Hegel, o que se preconiza é a experiência de uma evolução 
espiritual, que conflui para o desenvolvimento total do todo, ou seja, do espírito 
absoluto. Ou seja, sua posição era de que através de um movimento dialético baseado 
em tese, antítese e síntese, a história revelava as formas de desenvolvimento e 
evolução das construções humanas entendidas como manifestação e expressão do 
espírito absoluto. 
 
 
35 
 
 
Nesse sentido, sua filosofia busca compreender a evolução do ser humano e 
do conhecimento, apostando na ideia de que a história é perpassada por um processo 
de aprimoramento. Ele descreveu, portanto, um sistema de relações pela qual se 
atenta para compreender os processos históricos, os fatos cotidianos, a vida do 
homem tal como ela é uma vida com os outros, em sociedade, marcada pela disputa 
política e pela dialética do senhor e do escravo, da relação entre dominadores e 
dominados. Hegel considerava que as dimensões da existência humana estão 
submetidas a um sistema não linear, dentro do qual sempre haveria superação, mas 
esse sistema não era material em sua essência, mas primordialmente espiritual. 
Hegel sintetiza através do seu pensamento as teorizações sobre história que 
antecederam sua reflexão, pois importa teses características da visão cristã ao 
conceber a história como o desenvolvimento de um plano espiritual. Sua filosofia faz 
referência à teoria de Santo Agostinho em “A cidade de Deus”, que se torna a 
finalidade da vida temporal humana, quando através de seu desenvolvimento histórico 
busca imitar e mesmo espelhar a cidade divina. Por outro lado, Hegel, parte ainda do 
evolucionismo — se adaptando à noção de progresso característica do período 
moderno —, tomando como base a ampliação da noção de liberdade individual (ou, 
vocabulário de Hegel: vontade subjetiva). No entanto, ele supera 'dialeticamente 
essas visões, ao descrever uma história cujo núcleo imanente é a realização história 
da própria razão (KENNY, 2009). 
4.3 Hegel e a noção de espírito (GEIST) 
O termo Geist, alemão, é utilizado por Hegel como base para descrever e 
construir sua noção de espírito, mais precisamente sua concepção de espírito 
absoluto, enquanto o todo e o universal em autêntica complexidade e manifestação 
(RUSSERL, 2021, p. 294). Interessante notar, que o primeiro sentido da palavra, o 
mais imediato, se relaciona com a palavra fantasma, sendo o espírito algo que é 
diferente de um corpo na forma como pode se manifestar para um sujeito humano. O 
fantasma também significa aquilo que assombra seja como marca de uma memória 
ou convite a um futuro impossível e indesejável. Tardiamente, na cultura alemã, ela 
ainda recolheu em seu interior o sentido da palavra francesa esprit para identificar 
 
 
36 
 
 
qualidades humanas como “vivacidade”, “perspicácia” e “gênio”, deixando entender 
que ter ‘espírito’ é possuir certas habilidades que permitem desenvoltura em assuntos 
especificamente humanos, principalmente aqueles relacionados à vida social e a 
política (INWOOD, 1997). 
Geist é uma noção complexa, polissêmica, que entra no campo da filosofia, 
através de Hegel pelo esforço de descrever fenômenos culturais e históricos segundo 
sua diferença em relação à natureza e as coisas simplesmente coisas (Ding). Na 
tradição teológica alemã, da qual Hegel era conhecedor e mesmo estudioso, Geist se 
desdobra no termo espírito santo, a terceira pessoa da Trindade (der heiliger Geist), 
orientado para significar algo como spiritus sanctus de origem latina, estando assim, 
vinculado a uma fé católica. No entanto, esse espírito santo, para os alemães 
protestantes, da época de Hegel, também tinha um significado específico. Estava na 
ordem de um possível arrebatamento místico, de uma modificação de perspectiva que 
pode ser aqui na terra, enquanto passagem do material ao para o espiritual, ou em 
termos escatológicos: o dia do juízo, da separação entre eles e aqueles 
((INWOOD, 1997). 
Bertrand Russell (2016), considera que Hegel desenvolveu seu percurso 
intelectual a partir de uma visão mística que, posteriormente, estaria na base de suas 
elaborações filosóficas. Isso significa ser possível entender a ideia de espírito absoluto 
em Hegel como remetida à toda essa tradição e até como esforço de dar sentido 
filosófico aquilo que era tratado no âmbito da religião e da cultura, ou seja, pelo 
movimento de expressar o alcance ontológico da noção de espírito: “o todo, em toda 
sua complexidade e seu sentido” (RUSSERL, 2021). 
O termo, Geist, portanto, pode marcar a diferença entre a dimensão material 
do 'homem', sua carne, seu corpo e sua dimensão espiritual. Trata-se do esforço de 
diferenciar a existência humana da natureza, pondo em relevo um dualismo primitivo, 
primordial, onde os seres humanos se reconhecem como dotados de uma dimensão 
material e espiritual, ainda que não estejam representando continuamente sua 
existência dessa forma. Cabe ainda frisar, que todos esses significados têm um 
núcleo comum próximo à ideia de que aquilo que ultrapassa a simples matéria tem 
um sentido e existe por esse sentido: o espírito é visto pelo modo

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