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1 O GOVERNO SARNEY A partir de 1986, com o governo da Nova República (governo José Sarney), mudou-se o diagnóstico sobre a inflação brasileira e, conseqüentemente, as novas políticas de combate à inflação. Tratava-se de um quadro de inflação inercial. Os pressupostos teóricos eram os de que a economia brasileira se encontrava altamente indexada, ou seja, todos os negócios, contratos etc. eram firmados com base em índices que procuravam garantir a correção monetária dos valores envolvidos. Dessa forma, todos os aumentos de preços eram captados pelos índices e, automaticamente, repassados para todos os demais preços da economia, gerando um processo automático de realimentação da inflação. Foi por meio desse diagnóstico inercialista que, como estudaremos depois, a partir do Plano Cruzado procurou-se romper com esse mecanismo de propagação da inflação, utilizando basicamente o congelamento de preços, salários e de câmbio (a chamada política heterodoxa), numa tentativa de eliminar a “memória” inflacionária. No ano de 1984, o Brasil estava envolvido em um momento muito significativo da sua história republicana pois, após vinte anos de um regime militar, ganhava força um grande movimento que desejava eleições diretas para presidente da República. Este movimento ficou conhecido, por meio da mídia, como o movimento por eleições “Diretas Já”. Tal movimento manifestava o desejo da sociedade brasileira de ter o direito de votar diretamente para Presidente da República e, ao mesmo tempo, o desejo da volta da democracia e com esta os direitos civis e políticos, bem como um melhor ambiente econômico; enfim, havia esperanças por uma nova realidade nacional. Havia comícios no país e tentou-se por meio da votação da Emenda Dante de Oliveira restabelecer o direito do voto popular e direto para Presidente da República. Mas apesar disso, a emenda não foi aprovada no Congresso Nacional por falta de “quorum”. A partir daí, através de uma grande articulação política, e por meio de eleições indiretas no Colégio Eleitoral, em 1985, Tancredo Neves foi eleito Presidente da República depois de 20 anos de ditadura militar. Porém, Tancredo Neves não chegou a tomar posse, pois veio a falecer devido a uma infecção generalizada em abril de 1985. Assumiu como Presidente da República o vice de Tancredo, José Sarney. 2 Antes da morte de Tancredo Neves, sua assessoria econômica identificou quatro problemas graves que asfixiavam a economia brasileira em meados da década de 1980: a recessão econômica; os elevados índices de inflação: acima de 200% ao ano; o déficit do setor público e a elevada dívida interna; a dívida externa e a sangria dos juros. Outros problemas eram também preocupantes: a defasagem dos preços de bens e tarifas de serviços públicos prestados pelas empresas estatais; os crônicos desequilíbrios na distribuição de renda; o desemprego. A par dos graves problemas, a herança deixada por Figueiredo ao novo governo incluía também ao menos três aspectos positivos no campo econômico: a economia retomara o crescimento a partir da segunda metade de 1984; o balanço de pagamentos apresentava uma situação saudável, graças ao aumento das exportações; a boa situação das reservas cambiais, que atingiam aproximadamente US$ 12 bilhões, dando relativa folga ao sucessor para definir e implementar sua orientação econômica. A partir desse diagnóstico e já como Presidente da República, José Sarney definiu as diretrizes de atuação do seu governo, contemplando quatro linhas básicas: crescimento econômico auto-sustentado, com geração de empregos e melhoria progressiva dos salários e das condições de vida da população e rigoroso combate à inflação; redução do déficit público e controle da dívida interna; equacionamento do problema da dívida externa e da questão dos juros, de modo que a transferência de capital para o exterior não prejudicasse os 3 investimentos necessários e o crescimento econômico, o que exigia uma ampla renegociação, com reprogramação global da dívida e dos juros, em condições tais que resguardassem a soberania nacional e preservassem o povo de sacrifícios insuportáveis. Havia, porém, grande distância entre os propósitos anunciados e as possibilidades concretas para a sua realização. Nas duas décadas do regime militar, com ampla utilização de recursos externos, os governos conseguiram promover um certo crescimento acelerado da economia brasileira, mas, depois, no início dos anos 1980, o país quase faliu. O novo governo (civil) pretendia obter, ao mesmo tempo, crescimento auto-sustentado, geração de empregos, distribuição de renda, controle da inflação e controle das dívidas externa e interna. A questão básica que se colocava para viabilizar tal projeto era: com que recursos? Infelizmente, para tal questão, não havia resposta segura e factível. Sarney tinha em seu governo uma equipe econômica indicada por Tancredo Neves. A área da Fazenda ficou a cargo de Francisco Dornelles e João Sayad na área de Planejamento. A Fazenda adotou uma linha de austeridade (“É proibido gastar”), seu titular procurava executar a incumbência (recebida do tio doente e que logo após veio a morrer) de reduzir o déficit público e, por conseqüência, a inflação (“pôr a casa em ordem”). O Planejamento voltava-se para o médio e longo prazos. Em agosto de 1985 ocorreu a substituição de Dornelles por Dílson Funaro na Pasta da Fazenda, com o propósito de dar mais unidade e implementar mudanças na política econômica. Os primeiros meses do novo governo (tendo como Presidente da República José Sarney) caracterizaram-se por um quase imobilismo. Faltava-lhe comando. Primeiro, em decorrência da prolongada agonia de Tancredo e, a seguir, da fraqueza e das hesitações de Sarney, inseguro e ofuscado pela sombra todo- poderosa do deputado Ulysses Guimarães e do PMDB. Mesmo assim, a economia cresceu 7,8% em 1985, enquanto a inflação apresentou relativo declínio em alguns meses. A expansão das atividades econômicas foi puxada: pelas exportações; pela dinamização do mercado interno, impulsionada por três fatores principais: 4 a credibilidade do novo governo, apesar da morte de Tancredo Neves; uma farta safra agrícola, beneficiada por condições climáticas favoráveis; o aumento do poder aquisitivo da população, graças à concessão de reajustes salariais um pouco acima das taxas de inflação. Mas a falta de medidas de profundidade, que definissem rumos e sinalizassem os investimentos, gerava incerteza na economia e insegurança na sociedade. Os grandes estrangulamentos não estavam sendo atacados. A escalada da inflação (239% em 1985) revelava que a economia não ia bem e os remédios tradicionais não surtiam o efeito desejado ou eram insuficientes. Em conseqüência, antes de completar um ano, o novo governo corria o risco de perder a credibilidade da nação e o respaldo popular que haviam marcado o alvorecer (traumático) da Nova República. Igualmente, começavam a deteriorar-se o apoio político e a base de sustentação parlamentar. Havia necessidade de uma ação mais corajosa por parte do governo. Então, em fevereiro de 1986, no segundo ano do governo Sarney, foi adotado o Plano Cruzado.
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