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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE MESTRADO EM EDUCAÇÃO LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E SUA PRECARIZAÇÃO. CUIABÁ – MT 2013 2 LUCIENE MANTOVANI SILVA ANDRADE A ENFERMAGEM ENQUANTO PROFISSÃO: REFLEXÕES SOBRE AS CONCEPÇÕES DOS ACADÊMICOS QUANTO AO TRABALHO E SUA PRECRIZAÇÃO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Movimento Social, Política e Cultura Popular, Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Educação. Orientador: Prof. Dr. Edson Caetano CUIABÁ – MT 2013 3 4 5 DEDICATÓRIA Este trabalho dedico especialmente a minha família: Aos meus pais e irmão (Lúcio, Sara e Leandro), Pelo carinho, compreensão e principalmente pela paciência que tiveram durante todos estes anos bem como no momento da elaboração deste trabalho. Vocês são essenciais em minha vida, nada disso faria sentido sem vocês. Amo muito vocês. As minhas tias (Marly, Maria, Neide, Neca, Vilma) e primos (Felipe, Fábio, Ilana, Jaqueline, Camila, Thiago e agregrados), Sempre presentes em todos os momentos de minha vida, compartilhando as angústias e alegrias. Quero que saibam o quanto são especiais em minha vida e o quanto aprendi com cada um de vocês. Sei que poderei contar com cada um. Aos meus amores, Natália e Manuela, Pelo amor incondicional, cumplicidade, companheirismo em todos os dias, pela compreensão das ausências, por fazerem parte de minha vida e estar tão presente nos momentos felizes e tristes. Mamãe ama de mais vocês. 6 AGRADECIMENTOS Ao longo da vida nossas vidas se cruzam com a de outras pessoas e o que as tornam diferentes de todo o mundo são como as encontramos e o que sentimos ao encontrá-las. Prof. Dr. Edson Caetano, Por ter me aceitado como orientanda e auxiliado nos meus momentos de angústia, dúvida, no desenvolvimento deste trabalho e pela paciência. Sou eternamente grata por seus esforços. Profa. Dra. Giana Silveira Lima, Prof. Dr. Silas Borges Monteiro e Profa. Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá Sinto-me honrada por aceitarem serem membros e suplente, respectivamente, na banca examinadora na defesa deste trabalho. Suellen, Cézar, Sônia e Heloísa, Pela amizade, respeito, companheirismo. Muito obrigada por estarem presente em minha vida nesse momento tão especial. Vocês fazem parte de minha história. Guardarei cada uma em minha memória, minha família postiça. Gelson, Moacir e Cláudia Barros, Pelo incentivo, pelo ouvido aberto, e pelo ombro amigo. Josi Rohden, Micnéias e Neide, Meu muito obrigada pelo apoio, e por compartilhar experiências desta aventura que foi este mestrado. Camila Emanuela, Lirian, Eloísa e Mariana, Companheiras gepeteanas, que possibilitaram minha inserção e aconchego neste novo mundo da educação, sempre com delicadeza e amizade despretensiosa. Vocês foram muito importantes. As minhas babás, Juliana, Andréia, Ariadne e todos os outros, Por todas as vezes que puderam ser por mim, e para mim, presença as minhas pequenas, obrigada. A coordenação do Instituto de Ciências da Saúde, e de Enfermagem da UFMT/Sinop, Por todas as aberturas e compreensões em ausências, além da torcida pela finalização deste trabalho. A CAPES, Pelo apoio financeiro que possibilitou a concretização deste sonho. Aos alunos da UFMT/Sinop, Sem o consentimento de vocês não seria possível o desenvolvimento deste trabalho. Minha eterna gratidão pela confiança depositada. 7 O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão. De fato, como podia Um operário em construção Compreender por que um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia... Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse, eventualmente Um operário em construção. Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma súbita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa - Garrafa, prato, facão - Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário, Um operário em construção. [...] Vinícius de Moraes 8 RESUMO ANDRADE, L. M. S. A enfermagem enquanto profissão: reflexões sobre as concepções dos acadêmicos quanto ao trabalho e a sua precarização. 2013. 176 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação, Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2013. A enfermagem desde seu início carrega concepção de ajuda, doação e vocação junto ao seu significado, porém este modo de pensar idealizado contrapõe-se as dificuldades efetivas do trabalhador enfermeiro, que vende sua força de trabalho e se sujeita ao modo capitalista de exploração garantindo assim a sua subsistência. Em qualquer momento histórico, o trabalho assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, e somente o ser humano é capaz de criar e recriá-lo. Assim o objetivo desta dissertação foi analisar as concepções que discentes de graduação em enfermagem tem sobre a profissão no início e ao término do curso e relacionar estas concepções com a precarização do trabalho na enfermagem. Para alcançar os objetivos utilizamos a metodologia da pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, realizamos entrevistas semi-estruturada com discentes ingressantes no curso de graduação enfermagem em 2012/1 de uma Instituição de Ensino Superior Federal (IES), e também em discentes concluintes 2012/1 desta mesma IES. Estes responderam o seguinte questionamento: o que significa ser enfermeiro, e porque estão fazendo este curso? A coleta de dados teve início após apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller, Cuiabá – MT, sob protocolo 161/CEP- HUJM/2011. As entrevistas ocorreram nos meses de março e abril de 2012, com um total de 9 entrevistados, sendo 4 discentes ingressantes e 5 discentes concluintes. Utilizamos o método materialista dialético histórico, como referencial a ser adotado, pois através de uma interpretação histórica e social da realidade procedemos a correlação destas concepções. Como resultados finais desta pesquisa pode-se afirmar que os alunos ingressantes atribuíram à enfermagem um caráter de valorização do contato humano, de ajuda, como uma formade satisfazer o outro, pode-se ainda observar que uma parte desses discentes indicou uma escolha pela profissão, como sendo rentável e estável. Em contra partida os discentes concluintes não demonstraram a mesma concepção em relação aos anteriores, sendo inversa, tendo um caráter profissional, como as formas de trabalho na enfermagem e na saúde, voltados para a realização de procedimentos, prevenção e orientação de pacientes, e dando ênfase maior a parte administrativa da profissão. Assim observamos que a enfermagem deixa de ter um caráter de caridade ou ajuda, voltando-se a uma manifestação de atividade profissional. Em uma reflexão podemos fundamentar estas diferenças aos momentos históricos da enfermagem, alicerçados na atual concepção da enfermagem, na década de 80, indicativa do início de uma mudança, e entendimento da enfermagem enquanto trabalho, baseado na reestruturação produtiva decorrente deste período. Consideramos assim que o fato da enfermagem ter como concepção o cunho vocacional e de ajuda, tem impedido novas formas de organizar seus trabalhadores, lutar por novas formas de condições de trabalho, livre de riscos, com condições apropriadas de execução e segurança, bem como por jornadas justas e menos penosas, além 9 de estreitar a relação percebida do modo de produção capitalista têm e refletem nas formas de precarização do trabalho na saúde. Novos estudos devem indicar a necessidade de aprofundamento do tema e assim possibilitar a superação dos limites característicos dessa profissão. Palavras-chaves: enfermagem, educação, trabalho, precarização, profissão e acadêmicos. 10 ABSTRACT ANDRADE, L. M. S. Nursing as a profession: reflections on the concepts of academic and work and its precariousness. 2013. 176 f. Dissertation (Master of Education) - Institute of Education, Federal University of Mato Grosso, Cuiabá, 2013. Nursing since its inception carries design help, donations and vocation with its meaning, but this way of thinking idealized contrasts with the difficulties of effective worker nurse, who sells his labor power and is subject to the capitalist mode of exploitation thus ensuring their livelihoods. At any moment in history, the work takes different forms depending on the modes of production, and only human beings are able to create and recreate it. Thus the aim of this thesis was to analyze the conceptions that undergraduate nursing students have about the profession at the beginning and end of the course and relate these concepts to the precariousness of work in nursing. To achieve the objectives we use the methodology of field research, qualitative approach, we conducted semi-structured interviews with students entering undergraduate degree in nursing in 2012/1 of a Higher Education Institution Federal (HEIF), and also students graduating in 2012 / 1 of that HEIF. They answered the question: what it means to be a nurse, and why they are doing this course? Data collection began after consideration of the Ethics Committee in Research of the University Hospital Júlio Müller, Cuiaba - MT, protocol 161/CEP- HUJM/2011. The interviews took place in March and April 2012, with a total of 9 respondents, 4 entering students and 5 ending students of graduating. The method was dialectical materialist history, as a reference to be adopted, because through a historical interpretation of social reality and the correlation of these conceptions proceed. As final results of this research can be stated that the freshman students assigned to nursing a character valuation of human contact, help, as a way to meet each other, we can still observe that some of these students indicated a choice of profession as being cost-effective and stable. In return the students graduating have not shown the same design over previous, and reverse, having a professional character, as forms of work in nursing and health, focusing on the performance of procedures, prevention and patient guidance and giving greater emphasis on the administrative part of the profession. Thus we see that nursing ceases to have a character of charity or help, turning to a demonstration of professional activity. In a preliminary analysis, we can substantiate these differences to the historical moments of nursing, grounded in current conception of nursing in the 80's, indicating the beginning of a change, and understanding of nursing as a job, based on the restructuring of production arising from this period. We consider how the fact of nursing have the design the stamp and vocational help, has prevented new ways to organize their employees, strive for new ways of working conditions, risk free, with appropriate conditions of application and security, as well as Journeys fair and less painful, besides strengthening the relationship of perceived capitalist mode of production and is reflected in the forms of precarious employment on health. Further studies should indicate the need for further development of the subject and thus enable overcoming the limitations characteristic of his profession. Keywords: nursing, education, labor, precariousness, profession and academics. 11 LISTA DE SIGLAS ABEN Associação Brasileira de Enfermagem CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEP Comitê de Ética em Pesquisa CNE Conselho Nacional de Educação CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNS Conselho Nacional de Saúde COFEN Conselho Federal de Enfermagem COREN Conselho Regional de Enfermagem CUS Campus Universitário de Sinop DC Discente Concluínte DI Discente Iniciante ECS Estágio Curricular Supervisionado ESF Estratégia de Saúde da Família EUA Estados Unidos da América HNA Hospital Nacional dos Alienados HPII Hospício de Pedro II HUJM Hospital Universitário Júlio Müller IES Instituição de Ensino Superior LER Lesão por Esforço Repetitivo MEC Ministério da Educação Cultura MS Ministério da Saúde OIT Organização Internacional do Trabalho PPC Projeto Pedagógico do Curso PSF Programa de Saúde da Família SAE Sistematização da Assistência de Enfermagem SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFMT Universidade Federal do Mato Grosso UTI Unidade de Tratamento Intensivo 12 SUMÁRIO INTRODUÇAO 13 CAPÍTULO 1 – ENFERMAGEM, CUIDADO E SAÚDE: HISTÓRIA DA PROFISSÃO 26 1.1 A Idade Média – enfermagem, cuidado e saúde. 26 1.1.1 O contexto religioso na Idade Média e o cuidado. 28 1.1.2 Cuidado, saúde pública e os hospitais. 29 1.2 A Idade Moderna – enfermagem, cuidado e saúde. 34 1.2.1 Os problemas de saúde na Idade Moderna. 35 1.2.2 A enfermagem e o cuidado na Idade Moderna. 38 1.3 A idade contemporânea – enfermagem, cuidado e saúde. 40 1.3.1 Saúde e enfermagem no Brasil do século XIX. 43 1.3.2 As damas da Enfermagem. 45 1.3.2.1 A dama da Lâmpada, Miss Nightingale. 45 1.3.2.2 “Mãe dos brasileiros”, Anna Nery. 50 1.3.3 A idade contemporânea e a enfermagem (1889 – 1930). 51 1.3.4 A idade contemporânea e a enfermagem (1930 – 1960). 53 1.3.5 A idade contemporânea e a enfermagem (1960 – 1990). 54 1.3.6 A idade contemporânea e a enfermagem (1990 – atualidade). 56 CAPÍTULO 2 – O MUNDO DO TRABALHO 58 2.1 O trabalho em sua dimensão ontológica. 58 2.1.1 O trabalho e suas transformações. 61 2.1.1.1 O trabalho e suas transformações com a industrialização. 64 2.1.1.2 Taylorismo e Fordismo. 66 2.1.1.3 O modelo de desenvolvimentohegemônico e sua crise. 68 2.2 Reestruturação Produtiva. 71 2.2.1 Reestruturação produtiva em saúde. 73 2.3 Precarização do Trabalho na saúde. 75 2.4 Trabalho em saúde. 76 2.5 Processo de Trabalho em Saúde. 80 2.6 Divisão técnica do trabalho em saúde. 82 2.7 O modelo hegemônico médico na saúde. 85 CAPÍTULO 3 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES NO INÍCIO DA GRADUAÇÃO 89 3.1 “EU SEMPRE GOSTEI DE AJUDAR OS OUTROS” – o cuidado como objeto de 91 13 trabalho da enfermagem. 3.2 “NÃO É ELE (ENFERMEIRO) QUE REALMENTE FICA CUIDANDO, CUIDANDO, É O TÉCNICO” - divisão técnica do trabalho em saúde e na enfermagem. 94 3.2.1 Divisão técnica do trabalho na enfermagem: suas representações nas falas dos discentes ingressantes. 97 3.2.2 Divisão do trabalho na saúde e na enfermagem: sobre a hegemonia médica. 101 3.3 “VOCÊ TEM QUE SER UMA PESSOA QUE SABE LIDAR COM O IMPROVISO” – improviso ou precarização do trabalho na enfermagem? 105 3.3.1 O conformismo sobre a forma precária como se dá o cuidado. 106 3.3.2 O conformismo pelos baixos salários e as condições de trabalho, afinal ele escolheu ajudar. 111 CAPÍTULO 4 – O CUIDAR EM ENFERMAGEM: CONCEPÇÕES AO FINAL DA GRADUAÇÃO 116 4.1 “EU GOSTO MUITO DE AJUDAR, SEMPRE GOSTEI MUITO ASSIM” - o cuidado como objeto de trabalho da enfermagem, ao final da graduação. 118 4.1.1 A opção pela enfermagem apoiado na influência familiar e no fator econômico. 120 4.2 “VOCÊ VAI MOLDANDO DENTRO DE VOCÊ A CONCEPÇÃO DE UM ENFERMEIRO” – o que é ser enfermeiro agora com a inserção na prática profissional. 127 4.3 “ QUANDO VOCÊ TÁ DENTRO DA SALA, É TUDO MUITO BONITO” – a enfermagem ideal confrontada com a prática real. 130 4.3.1 Além do ideal e o real está o trabalho no setor público e no setor privado – considerações quanto a precarização. 137 CONSIDERAÇÕES FINAIS 145 REFERÊNCIAS 149 APÊNDICE 1 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES INGRESSANTES 158 APÊNDICE 2 – INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS DISCENTES CONCLUÍNTES 159 APÊNDICE 3 – TERMO DE CONSCENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 160 APÊNDICE 4 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES INICIANTES 161 APÊNDICE 5 – ENTREVISTAS DOS DISCENTES CONCLUÍNTES 168 ANEXO 1 – FOLHA DE APROVAÇÃO COMITÊ DE ÉTICA CEP/HUJM 176 14 INTRODUÇÃO A enfermagem desde seu início carrega concepção de ajuda, doação e vocação junto ao seu significado, porém este modo de pensar contrapõe-se às dificuldades efetivas do trabalhador enfermeiro, que vende sua força de trabalho e se sujeita ao modo capitalista de exploração garantindo assim a sua subsistência. Em qualquer momento histórico, o trabalho assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, o que pode ser estendido às profissões da área da saúde, e onde o cunho vocacional persiste como na enfermagem. Resgatar a história da enfermagem permite dar início a tentativa de reflexão desse caráter de não trabalho assumido pela enfermagem, discutindo uma possível mudança de concepção ocorrida na década de 80, quando passa a suscitar novas concepções da enfermagem enquanto prática social e como trabalho. Situamos então a enfermagem, durante e depois da Idade Média e compreendemos seu caráter vocacional, posteriormente à tentativa de mudança de definição. Rodrigues (2001), em seus estudos tentou colocar a história da enfermagem como ponto de partida para desvelar em que momento o modelo vocacional/religioso da profissão se iniciou, bem como identificou através das falas de graduandos do Curso de Enfermagem as manifestações desta concepção, e por fim percebeu a necessidade de mudanças na atividade docente, para instituir o caráter de enfermagem enquanto trabalho. Ao encarar a enfermagem enquanto prática não profissional, mas também de ajuda ou vocação, suprimimos dela a parte importante que lhe cabe no serviço de saúde em geral, o cuidado ao cliente/paciente, que em um mercado de trabalho totalmente capitalista, é o trabalho realizado com qualidade, produtividade e que como em toda a profissão traz as dificuldades relacionadas a venda de sua força de trabalho. O trabalho humano pensado por Marx, é que nos permite ser diferentes dos animais, pois é uma condição necessária ao ser humano, em qualquer momento histórico, e este trabalho assume diferentes formas dependendo dos modos de produção, o ser humano é capaz de criar e recriar. É um processo pertencente ao homem e a natureza, este é capaz de através de sua ação, modificar, regular e recriar, a natureza, e fazendo isso através do uso de seus braços, pernas, mãos, apropria-se da matéria natural e utiliza-se dela de uma forma útil para sua vida, assim ao modificá-la ele também se modifica (MARX, 1982). 15 O trabalho então não se reduz ao emprego, mas tem uma dimensão muito maior, ou seja, ele responde à produção de elementos necessários para vida, e responde também às necessidades intelectuais, culturais, sociais, lúdicas, afetivas, tratando-se então de uma necessidade, que assume diferentes configurações conforme a história na qual está inserido (FRIGOTTO, 2006). Para então entendermos o trabalho, no nosso enfoque, o da saúde, é preciso entender que o objeto de trabalho, o ser humano a ser cuidado, recebe o trabalho realizado pela ação intencional do trabalhador, e através dele, utiliza-se de ferramentas, de seus meios de trabalhar e do modo que organiza seu uso. Na saúde as ferramentas de trabalho são traduzidas em imagens de valises tecnológicas, com suas ferramentas-máquinas (o seu saber-fazer clínico), e suas relações com os demais, que participam da produção e consumo do trabalho, sendo este o processo de trabalho, combinação do trabalho ato e consumo dos produtos feitos em trabalhos anteriores (MERHY; FRANCO, 2006). O trabalho feito é o que se chama “trabalho vivo em ato”, e o trabalho feito antes que só chega à forma de produto, como exemplo o aço para fabricação de estruturas, é chamado “trabalho morto”, o primeiro remete ao fato de estar ligado ao trabalhador que o faz e todo o processo que utilizou para realizá-lo, bem como com o produto e seu consumo por outros trabalhadores. Na saúde o trabalho realiza-se sobre tudo por meio do “trabalho vivo em ato”, o trabalho humano no exato momento em que é executado e que determina a produção do cuidado, mas este interage todo o tempo com instrumentos, normas, máquinas, formando assim um processo de trabalho, com diferentes tecnologias. O cuidado então é produzido através de interações, semelhante ao trabalho em educação (MERHY; FRANCO, 2006). A relação trabalho e educação diz respeito segundo Ciavatta (2006) à formação do homem, em seu caráter formativo com desenvolvimento de suas potencialidades. Levando em consideração o sistema capitalista, e o trabalho como reprodutor da vida material, e que este é vendido a preço de um salário que não expressa o excedente do trabalho do homem, visto que este passa a pertencer ao detentor do capital para acumulação, tornando-se alienante e desumanizador. Para esta autora o trabalho como principio educativo depende de vários fatores que consideram as condições para realiza-lo, os fins, e quem se apropria do mesmo, e do conhecimento a ser gerado por ele. Que no caso da sociedade capitalista o trabalho tem um tom desapropriador da classe trabalhadora no que diz respeito à riqueza social e saberes que cria, pois este trabalho é mercadoria para ser trocado na forma de um valor de troca pelos meios de produção. 16 A educação e a saúde, direitos dos seres humanos, sob o modo de produção capitalista são mercadoria, assim a educação profissionalreduziu-se a formação e treinamento para o trabalho simples da classe trabalhadora. Da mesma forma que para a formação dos profissionais da saúde, a dimensão do conhecimento tornou-se científica e tecnológica, visando atender as exigências do mercado (CIAVATTA, 2006). Para Merhy e Franco (2006), podemos exemplificar o trabalho em saúde utilizando o médico com três valises, seu arsenal tecnológico. A primeira tem instrumentos, tecnologias duras, a segunda saber técnico estruturado, tecnologias leves-duras, e a terceira relações entre sujeitos, tecnologia leve. Assim o trabalhador da saúde é um ser coletivo, pois ele não se basta sozinho, precisa da interação entre técnicos, auxiliares, enfermeiros, nutricionistas, todos com ferramentas diferentes para complementar o outro, sendo necessária a pactuação das ações, porém este tipo de interação ainda esbarra no modelo de imperialismo médico. Quando situamos a enfermagem antes, durante e depois da Idade Média é que compreendemos o caráter não profissional da enfermagem. Segundo Rodrigues (2001), nas sociedades primitivas antes do período medieval, a enfermagem era desenvolvida por mulheres, escravos, sacerdotes e também por mulheres na Sociedade Grega, isso demonstrava também as concepções do processo de saúde/doença, onde estava ligado ao sobrenatural, entendido pela ação de espíritos, e posteriormente a alterações de humores, pelos gregos. Os escravos realizavam o cuidado dos doentes, como forma de trabalho doméstico naquele contexto, o que sofreu algumas alterações no início da era Cristã, onde a enfermagem sofre transformações. A concepção de saúde/doença, nesta era pensada enquanto castigo divino, e a recuperação da mesma através do cuidado, como uma aproximação de um Deus misericordioso, modifica a concepção da enfermagem, e o caráter religioso se impregna, as pessoas que a realizavam tinham um espírito de caridade, e esse caráter mantém até os dias atuais arraigados no fazer da enfermagem (RODRIGUES, 2001). Com o capitalismo, o modelo religioso é substituído pelo vocacional, tendo início na Inglaterra, a concepção do hospital enquanto local aonde as pessoas iriam para esperar a morte, foi modificada pela ascensão da classe burguesa como classe dominante, e este local passa então a ser território de cura. Nesse novo modelo a enfermagem passa a ser exercida por pessoas leigas, e não somente por religiosos. Dando início à enfermagem moderna no século XIX, com Florence Nightingale, com preceitos como hierarquia, disciplina no trabalho, organização religiosa e militar, com relações de subordinação e dominação. No Brasil a enfermagem moderna tem início com Ana Neri, colocando como ideologia da enfermagem a abnegação, obediência e dedicação (RODRIGUES, 2001). 17 As transformações que o capitalismo trouxe, deram ao corpo humano novos significados, passando este a ser visto como fonte de lucro, tanto para quem cuidava, quanto para quem era cuidado, e se constituiu então como força de trabalho. A saúde então uma forma de produzir mercadorias, precisa de controle desta força de trabalho (LUCENA et al, 2006). Atualmente a enfermagem vocacional/religiosa apesar de estar presente no discurso de muitos profissionais, afasta-se do modo em que vivemos, onde enfrentamos dificuldades de ordem profissional, como longas jornadas de trabalho, baixos salários comparados a outros profissionais, falta de autonomia, e precarização do cuidado na saúde. Não há espaço para o ser humano, este é apenas uma peça nesta engrenagem, como é demonstrado no mercado de trabalho. O corpo humano é visto então como uma máquina, onde suas peças quando em mau funcionamento (doença), precisam ser consertadas, e a atenção à saúde passa ser centrada na doença e não mais na saúde, iniciando as especializações (LUCENA et al, 2006). Como nas linhas de montagem concebidas por Henry Ford, em meados do século XX, trabalhadores organizados em série, desempenhando papéis independentes, parcelados, cada trabalhador executa uma parte da produção, como o que acontece com os usuários de saúde, passando por uma série de ações, procedimentos e protocolos, e cada profissional o faz em um tempo diferente, tentando ser concebidas como cuidado em saúde (VIEIRA; SILVEIRA; SANTOS, 2011). Cabe aqui ressaltar que o trabalho profissional, é o trabalho exercido de forma especializada, socialmente reconhecida como necessário para uma atividade. Profissão então se origina conceitualmente do trabalho artesanal, na Idade Média exercida pelas guildas ou corporações de artífices, onde além da produção de produtos, havia a capacitação para o ofício. No contexto capitalista dos modos de produção, o trabalho parcelado e a gerência científica das profissões sofrem influências da economia. Neste sentido “profissão”, quer dizer a qualificação de um grupo de trabalhadores, em uma determinada atividade, que dominam seus conhecimentos e que fundamentam a sua realização, estabelecem regras para exercício de uma profissão, partilham leis, organizam-se em sociedades legitimadas, a fim de garantir respeito às regras, aprimoramento destes profissionais e desenvolvimento de medidas que defendam o grupo de trabalhadores (PIRES, 2009). Pires (2009), afirma ainda que a enfermagem como profissão possui pontos vulneráveis, como a autonomia do profissional e o seu reconhecimento como utilidade social, e enfatiza ainda a não existência de um corpo próprio de conhecimentos. 18 A reestruturação produtiva trazida pela crise do capitalismo no final do século e início deste forçou tanto as mais variadas empresas, bem como os serviços de saúde, a tornarem-se competitivos e acumularem capital, fazendo isso através da complexidade tecnológica e redução da força de trabalho, hierarquização, e incorporação da terceirização como novas formas de articulações, produzindo assim uma diminuição e quase finitude da prestação individual de serviços, sustentando a compra e venda desta força de trabalho, assim obrigando os profissionais a submeterem-se as mais diversas formas de precarização do trabalho (KUNZER, 2004). Conforme Pires (2006), a precarização do trabalho está registrada na literatura como formas diversas de relações contratuais, o que dificulta a atuação das diversas representações sindicais, deixando os trabalhadores em geral desprotegidos e vulneráveis às exigências do mercado, esse processo vem ocorrendo de forma intensa em setores da indústria, e na saúde de forma mais particular. No Brasil esta forma de precarização na saúde, é demonstrada pelo aumento do número de contratos temporários, com horários especiais como os plantonistas em hospitais, e na saúde pública com contratação de agentes comunitários temporários. Para Gomez e Costa (1999), as conveniências e conjunturas locais, são responsáveis por estabelecer novos modos de contratação, permitindo o surgimento de empregos chamados atípicos – terceirizados, temporários, em tempo parcial, por tarefas – e assim produzindo variação entre emprego e não emprego, contribuindo em diversos níveis para a precarização do trabalho. Ainda segundo Pires (2006), a terceirização deste setor cresce constantemente, e está empregada no setor público, a fim de diminuir custos, e como forma de fugir das conquistas salariais e direitos trabalhistas conquistados. Essas novas formas de contratação, podem ser encaradas como novas formas de flexibilização das formas de contrato, porém não é o caso do Brasil, que tem o contexto de tentar reduzir custos com a saúde pública. Em outros países a flexibilização não tem um cunho de precarização, mas sim de direitos adquiridos pelos trabalhadores de trabalhar através de contratosque atendam melhor, suas necessidades e não somente dos empregadores. O conceito de precarização remete a um sentido de perdas, e é usado extensamente para designar o que é precário, neste caso as formas de trabalho na saúde (PIRES, 2006). O Ministério da Saúde (MS) está trabalhando na tentativa de mudar este quadro de precarização, através da criação de programas que visam desprecarizar o trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS), e garantir os direitos adquiridos por lei dos trabalhadores, 19 manifestados por vezes não somente pela quebra desses direitos, mas também pela ausência de concursos públicos com cargos permanentes (PIRES, 2006). Cabe ressaltar ainda que conforme Gomez e Costa (1999), é preciso relembrar que estas novas formas de contratos adotados pelo SUS, produzem subnotificações de acidentes de trabalho, não somente físicos, coloca em outro patamar os contratos de trabalhadores temporários, suprimindo deles doenças ocupacionais como as lesões por esforço repetitivo (LER), omitindo as empresas terceirizadas a seguridade desses trabalhadores, e permitindo uma política que evita custos. Ao olhar este panorama, onde direitos do trabalhador, aqui no caso os da saúde, e deveres do empregador, são suprimidos, questionamos o precisa ser mudado a fim de alterar este quadro? Parto deste ponto para indagar enquanto docente de um Curso de Graduação em Enfermagem, e como ex-aluna, quais as concepções que discentes de graduação em enfermagem tem sobre a profissão no início e ao término do curso e relacionar estas concepções com a precarização do trabalho de enfermagem. Pois acredito que da mesma maneira que ao escolher pela minha profissão levei como um dos pontos principais de minha escolha, a vocação/religião, isto ainda acontece entre os ingressantes, e suponho que se modifique ao final da graduação. Desta maneira o salário, as condições de trabalho estiveram em segundo plano, o que agora como profissional e atuante tanto na área de docência como na área hospitalar pude perceber o quão romântica foi esta escolha. Esta pesquisa justifica-se ao direcionar a prática de enfermagem enquanto trabalho, e o processo histórico pelo qual perpassa, dando novos significados a este processo de trabalho, permitindo refletir sobre a realidade concreta dos meios de produção, para entender o fenômeno, e firmar novas possibilidades, de vislumbrar uma nova forma de cuidar e mudar a realidade, visando atender o ser humano, em suas necessidades sociais, promovendo a saúde, e prevenindo as doenças, bem como recuperando o indivíduo para sua vida. Ao refletirmos sobre as questões enunciadas acima, não somente observamos o contexto da enfermagem, mas o caminhar de uma profissão que está ainda por consolidar-se, e outras questões ainda podem surgir, tais como a saúde do trabalhador enfermeiro, que como resultado desta precarização de seu trabalho, passa a sofrer não somente fisicamente, mas também mentalmente. O enfermeiro não vê sua profissão como trabalho, torna-se então, incapaz de reivindicar melhores condições de trabalho, e torna-se um profissional a margem do serviço 20 de saúde, pois a raiz de muitos conflitos dentro da própria equipe de saúde tem origem pela submissão passional, da equipe de enfermagem a outros trabalhadores do serviço de saúde. Ao nos colocarmos como parte de uma equipe que constrói o cuidado a um paciente/cliente, percebemos que é essencial o papel profissional do enfermeiro, como organizador, cuidador, diretor, organizador desta equipe, e que possui um conhecimento próprio, cientificamente firmado, e que desta maneira é capaz de lutar por seu espaço de igualdade, como trabalho muito bem definido. Segundo Kunzer (2004), os professores assim como os enfermeiros, estão sob uma tensão relacionada a seu trabalho, visto que este possui uma natureza não-material, onde não há separação entre produto e produtor, é um processo subjetivo, porém possui as características de um trabalho, tem de ser qualificador, transformador e prazeroso, e frente a este mercado capitalista também é mercadoria comprada para valorizar o capital. Ainda deste modo, o cuidador (enfermeiro), ao vender seu trabalho como mercadoria, coloca-o sob algumas limitações, que são definidas através de contratos de trabalhos, a cada dia mais rígidos e específicos, e deste modo não é pleno e satisfatório, levando ao sofrimento e não realização pessoal. Isso explica um pouco, o que acontece nos serviços de saúde atualmente, e está demonstrada na mídia diariamente, a tendência ao não envolvimento do profissional de saúde, uma maneira de evitar o sofrimento visto que este profissional não consegue ver seu produto final, e não se satisfaz, pois está amarrado a um contrato de trabalho, a uma jornada de trabalho limitada, programada, normatizada, que tem como fachada a tentativa de organização do serviço, e melhora na qualidade do atendimento, mas que de modo geral visa à alta produtividade e lucratividade. Enfermagem enquanto trabalho ou ajuda/vocação/doação? Enquanto esta dúvida perdurar, o enfermeiro, assim como outras profissões na área da saúde, estará submetido a qualquer tipo de precarização desta profissão, e consequentemente ao sofrimento profissional. Mas a grande questão está no resultado, o paciente/cliente encontrara sempre a desumanização do seu cuidado, justamente ele, que está em uma situação de fragilidade, visto que busca a recuperação de sua saúde. A partir dos pontos apresentados para introduzir este estudo, emergiram os pontos importantes a serem discutidos no corpo do trabalho, sendo que no primeiro capítulo apresentaremos a profissão enfermagem, com um resgate histórico de sua raiz, vocacional, mística, e por fim profissional, bem como os processos políticos e históricos perpassados pelas concepções saúde e doença, da antiguidade até a atualidade. 21 No segundo capítulo caracterizamos o trabalho, sob o contexto dos modos de produção, culminando com o capitalismo, ainda colocamos pontos conceituais do trabalho na saúde, a fim de dar suporte para uma discussão a partir da prática de enfermagem sob o modo de produção capitalista. O terceiro capítulo trata das concepções dos discentes ingressantes do curso de graduação em enfermagem, em relação à escolha da profissão, do forte caráter vocacional apresentado por esses discentes, fazendo um contraponto com a precarização do cuidado, voltando-se com um caráter de submissão e apatia frente às formas de exploração do trabalho de enfermagem. Por fim o quarto capítulo trata das concepções dos discentes concluintes do curso de graduação em enfermagem, destacando uma visão real da profissão, confrontando-a com o ideal apresentado em sala de aula, também apresenta a visão sobre as práticas precárias em que ocorre o processo de produção do cuidado, enfatizando as diferenças percebidas entre ganhos salariais, jornadas de trabalho, e descaracterização do ato de cuidar no setor público e privado, que acaba por culminar na produção do cuidado desqualificado. Objetivos Como objetivo geral deste estudo buscou-se desvelar as concepções que discentes iniciantes e concluintes do curso de graduação em enfermagem têm sobre o que é a profissão e tecer considerações entre estas concepções e a precarização do trabalho na saúde e na enfermagem. E como objetivos específicos: a) Identificar as concepções dos acadêmicos de enfermagem no primeiro semestre de graduação quanto a sua escolha profissional; b) Identificar as concepções dos acadêmicos de enfermagem no último semestre de graduação quanto à enfermagem enquanto trabalho; c) Correlacionar essas concepçõescom a precarização do trabalho na saúde e na enfermagem; d) Identificar as relações entre trabalho e educação presentes na criação da concepção da enfermagem, enquanto profissão. 22 Aspectos Metodológicos Trata-se de um estudo qualitativo, uma vez que a identificação das concepções dos discentes de graduação em enfermagem quanto à enfermagem enquanto profissão interage com o universo dos significados, motivações, crenças e valores, que não pode ser quantificado segundo Minayo (1996). E de caráter exploratório, que de acordo com Gil (1999, p.43) “é desenvolvida com o objetivo de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato, esse tipo de pesquisa é realizada quando o tema escolhido é pouco estudado”. Utilizaremos a literatura para fundamentar nossa análise quanto aos momentos históricos da enfermagem, e assim encontrar alicerce da atual concepção da enfermagem, sendo que a década de 80 indica o início de mudança na compreensão da enfermagem enquanto trabalho, isso se justifica pelas mudanças ocorridas na percepção do processo de trabalho da enfermagem anteriormente a década de 80, e a reestruturação sofrida pela saúde, decorrida a fatos marcantes com a implantação do SUS, através da Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, (BRASIL, 1990), e juntamente a isso na enfermagem as mudanças que ocorreram no sentido da regulamentação e aprovação da Lei do exercício profissional – Lei 7498 e o Decreto 94.406 de 1987 (BRASIL, 1986; 1987), que podem ter repercutido na percepção de trabalho na saúde, e a sua precarização conforme os objetivos expostos acima. Foram realizadas entrevistas individuais, onde através de questões norteadoras a ambos os grupos de discentes (concluintes e iniciantes), conforme Apêndices I e II foi possível captar as concepções relacionadas ao trabalho em enfermagem presentes nas falas destes graduandos. Para que os resultados fossem fidedignos as entrevistas foram gravadas em um aparelho celular (Iphone 4 – Apple) e posteriormente transcritas na íntegra, após a devida autorização do discente. O local das entrevistas se deu em ambiente fechado, na própria instituição de ensino com horário marcado conforme acordo estabelecido entre a pesquisadora e o voluntário na pesquisa, a fim de preservá-lo e evitar constrangimentos. O método materialista dialético histórico foi adotado como referencial, pois através de uma interpretação histórica e social da realidade procedeu-se à correlação destas concepções, durante a discussão dos resultados. O método dialético baseado no pensamento de Marx foi 23 utilizado neste estudo, na tentativa da superar a separação que ocorre entre sujeitos e objeto, presente em diversos métodos. A dialética referida é diferente da concebida na Grécia antiga, como a arte do diálogo, como aquela ocorrida entre iguais, na concordância de um pensamento, uma identidade. Com Heráclito, grego 530 a 428 a.C., ocorre uma mudança da forma de pensar a dialética, para este o diálogo só existe quando há divergências, conflito de idéias (PIRES, 1997). A dialética que aqui se trata, passa a assumir com o passar do tempo um lugar importante e objeto de estudo da filosofia, com Hegel, filósofo alemão (1770-1831), elaborando a dialética como método, com o princípio da contradição, ou seja, algo é e não é ao mesmo tempo, e sob um mesmo aspecto, indicando uma totalidade e historicidade (PIRES, 1997). O método dialético então permite compreender o mundo da forma que ele o é, visto que se movimenta e é contraditório, desta forma o modo formal de pensar engessa esse tipo de raciocínio, diferente do proposto por Marx, sendo que sua dialética é material e histórica, material, pois os homens se organizam produzindo e reproduzindo a vida, e histórica, pois eles organizam-se na história através dos tempos. Marx não faz uma explanação detalhada do método em sua obra, porém mostra suas aplicações, principalmente em sua obra mais importante O capital (PIRES, 1997). A análise então partindo do materialismo histórico dialético permite refletir as questões referentes à produção da vida material dos seres humanos considerando os diferentes momentos históricos, e na análise em questão centrada no mundo do trabalho, é fundamental na medida em que permite visualizar o concreto através do trabalho, como ocorre para este profissional. O cenário da pesquisa é uma Instituição de Ensino Superior Federal (IES), a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), no campus de Sinop - Mato Grosso, instituição essa que abriga um curso de graduação em enfermagem desde o primeiro semestre de 2007, com uma entrada anual de 60 alunos, divididos em 30 alunos por semestre. Os sujeitos da pesquisa são os discentes ingressantes no curso de graduação enfermagem em 2012/1 da IES, UFMT do Campus Sinop, do Curso de Graduação em Enfermagem e também em discentes concluintes 2012/1 desta mesma IES. Justificando esta escolha por adequar-se ao período para realização do estudo, e o fato da instituição ter entrada e saída de alunos a cada semestre. Em relação à análise e coleta dos dados, os dados foram coletados em março de 2012, através da entrevista semi-estruturada, conforme os apêndices apresentados nesta dissertação e as questões abertas, ao discente houve a liberdade de aprofundar-se nas questões, sendo que 24 a interferência da pesquisadora ocorreu de forma a complementar os relatos a fim de chegar aos objetivos do estudo. Os dados coletados nas entrevistas foram tratados através da técnica de análise de conteúdo baseada em Bardin (1977) e organizados de acordo com os princípios da análise qualitativa (Minayo, 2007). Bardin (1977) revela que a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas, que possui diferentes maneiras para se analisar, como: análise de avaliação ou representacional; análise de expressão; análise de enunciação e análise temática. Neste estudo, a análise de dados foi feita através da análise temática. Assim para fazer uma análise de conteúdo temática é necessário descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença ou frequência possua algum significado para o objeto analítico visado (BARDIN, 1977; MINAYO, 2007). A análise dividiu-se em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A fase de pré-análise consistiu em organizar as ideias iniciais de modo sistemático, a fim de conduzir um esquema preciso de desenvolvimento da pesquisa (BARDIN, 1977). As hipóteses e os objetivos do estudo foram retomados, e foram elaborados indicadores para orientação da interpretação final (MINAYO, 2007). Esta fase compõe três tarefas: leitura flutuante que consiste no contato exaustivo com o material para conhecer o conteúdo; constituição do corpus que refere a forma de organizar o material respondendo algumas normas com exaustividade, representatividade, homogeneidade, pertinência e exclusividade; reformulação de hipóteses e objetivos compreende a unidade de registro e contexto, a forma de categorização, a modalidade de decodificação e os conceitos gerais que orientaram a análise (MINAYO, 2007). A exploração do material foi feita na fase em que se deve analisar o texto sistematicamente em função das categorias anteriormente formadas (BARDIN, 1977; MINAYO, 2007). Bardin (1977, p. 117) considera a categorização como “ [...] uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos”. A terceira e última fase consisteno tratamento dos resultados, inferência e interpretação, aqui as categorias que foram utilizadas como unidades de análise que permitiram ressaltar as informações obtidas. Logo após foram feitas inferências e interpretações dialogando as categorizações emergidas com os objetivos e pressupostos da pesquisa (MINAYO, 2007). 25 Ainda para utilização dos relatos lançou-se mão de pseudônimos afim de não identificar os sujeitos da pesquisa, e sim somente a identificação do grupo ao qual pertencia o relato, ou seja, Discente Iniciante (D.I) e Discente Concluinte (D.C) seguidos da numeração de identificação do sujeito de 01 a 05. Todos os discentes matriculados no primeiro semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da UFMT/Campus Sinop no semestre de 2012-1, foram convidados a participar da pesquisa, através de contato pessoal da pesquisadora no primeiro dia do semestre letivo, nesta ocasião foram explicitados os objetivos do estudo, e a importância de uma participação voluntária destes discentes iniciantes, sendo assim cinco discentes aceitaram os termos apresentados no TCLE, e a gravação das entrevistas, porém ao final deste estudo conforme previsto pela Resolução CNS 196/96, um dos sujeitos solicitou a exclusão de seus relatos deste estudo, sendo então retirado como parte da amostra de discentes iniciantes, totalizando quatro entrevistas dos ingressantes. Da mesma forma os alunos concluintes no semestre de 2012-1 foram abordados em sala de aula pela pesquisadora, e submetidos ao mesmo esclarecimento e pedido de participação na pesquisa, findando-se com uma amostra de cinco discentes concluintes que participaram voluntariamente do estudo. Respeitando os aspectos éticos da pesquisa em saúde os discentes que aceitaram participar do estudo através do contato direto, antes da concessão da entrevista realizou-se uma breve apresentação dos objetivos do estudo, solicitou-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e as entrevistas ocorreram conforme a disponibilidade dos sujeitos, seguindo o roteiro semi-estruturado, sendo que o projeto de pesquisa previamente a coleta de dados, foi submetido a apreciação ética, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller – UFMT e devidamente aprovado e registrado sob protocolo n° 161/CEP-HUJM/2011 em 05 de março de 2012, atendendo a Resolução Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/96, que dispõe sobre a pesquisa com seres humanos. 26 27 CAPÍTULO 1 – ENFERMAGEM, CUIADADO E SAÚDE: HISTÓRIA DA PROFISSÃO 1.1 A Idade Média – enfermagem, cuidado e saúde. Ao longo da história a saúde e o trabalho humano têm se conformado de acordo com as necessidades, as adversidades, os anseios e objetivos do homem. Desta forma o contexto histórico-cultural de cada época influenciou de forma diversa a evolução do homem, do trabalho e da saúde. Juntamente com a saúde, a doença caminhou inerentemente a existência humana, e as diversas formas de trata-la, preveni-la e reestabelecer a saúde surgiram, pela ação humana através do cuidado, de homens para e no homem. Ao tratar da saúde, do cuidado e da enfermagem segundo as eras históricas é preciso destacar alguns pontos, pois a história das profissões permite saber a forma como ocorreu a construção dos saberes práticos, teóricos além do modus operandi pelo qual a profissão passou e assim conhecer e compreender o presente, e traçar seu futuro (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). As profissões ao longo do tempo, mais precisamente a enfermagem, têm passado por uma construção, e reconstrução constante de seus conhecimentos e conceitos, construindo sua história, na tentativa de desfazer-se de amarras de paradigmas, preconceitos, estereótipos presentes em sua realidade. Nesse sentido é pertinente à abordagem da historicidade desta profissão, e a produção literária atual tem permitido a docentes, pesquisadores e pessoas com interesses comuns, manterem atualizados os conhecimentos clássicos e novos sobre esta profissão, seja no âmbito nacional ou internacional. Também é possível observar a criação e inserção da discussão histórica da profissão nos cursos de enfermagem, permitindo aos estudantes discutir e ter novos apontamentos a fazer quanto a profissão (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). Desta forma a História como uma ciência permite olhar o presente, mas de forma pretérita entender a construção dos fatos, sendo que o ser humano a seu tempo e de diversas maneiras, aprendeu e construiu formas de relacionar-se com o corpo, e a combater os males que padeciam, baseados então na experiência. 28 Segundo Le Goff 1 (1991 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.40), a enfermagem apresenta uma relação muito próxima ao cuidado dado pelas mães e que vem evoluindo ao longo dos tempos e dessa forma tem coexistido com este a todo momento, sendo uma ciência ligada a arte de cuidar, assim como a mãe que atende seu bebê enfermo e cuida a fim de cura-lo, sendo que esta pode ser sugerida como a primeira enfermeira da humanidade. Este capítulo trata da enfermagem, do cuidado e da saúde de modo geral, no período da idade média até a atualidade, baseando-se no contexto em que estão inseridos, tanto política quanto social e culturalmente. Na era medieval é possível afirmar que em todo o mundo duas grandes vertentes dirigiam a enfermagem: o exército e a Igreja. E também que esta História da Enfermagem concentrou-se na Europa e no Ocidente, sendo escassos os dados de outros continentes segundo Goodnow 2 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.84). O contexto social, econômico, político e cultural da Idade Média foram considerados um período obscuro na história, perdurando desde a metade do século V até a primeira metade do século XV, dividindo-se ainda em Alta e Baixa Idade Média, sendo a primeira carregada de caos e torpor entre os séculos V a IX, e a seguinte, séculos X a XV, indicando certa estabilidade (OGUISSO, 2007). A queda do Império Romano no ano de 476 e o início das formações bárbaras, indicaram um período onde os bárbaros destruíram patrimônios, devastaram a cultura, tesouros e materiais de grandes populações, sendo este período conhecido, como uma época negra para a humanidade. Estas invasões permitiram, apesar de muito danosas a vários grupos e povos, o inicio de transição entre o modo de organização econômica baseado no trabalho escravo, para o modo de produção feudal 3 . Este novo modo de produção permitiu a formação de três classes, sendo elas o clero, a nobreza e os citadinos (homens livres ou dependentes com funções como artesões, mercadores e camponeses) (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). O modo de produção feudal consolidou-se durante a Alta Idade Média, e assim um sistema de formação econômica pré-capitalista iniciou-se na Baixa Idade Média. Este novo 1 LE GOFF, J. As doenças têm história. Trad. De Laurina Bom. Lisboa: Terra-mar, 1991. 2 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 3 Modo de produção feudal baseava-se em relações de troca de produtos e toda produção era destinada ao sustento local, as relações de trabalho davam-se entre o senhor feudal e o servo ou camponês, que trabalhava na propriedade do senhor feudal e pagava um induto pelo seu uso, além disso o servo tinha que trabalhar três dias da semana de graça para o seu senhor, o trabalho não era assalariado e resultava em dependênciasocial entre o senhor feudal e seu servo, o feudalismo como era chamada, teve seu início por volta do século XIII até o início do século XV, quando atingiu seu auge de desenvolvimento, e a partir daí seu declínio iniciou (FRANCO JR, 1987). 29 contexto sócio-economico permitiu ainda o início das cidades, dos centros de artesanato e comércio, o desenvolvimento da indústria têxtil e produção de ferro, a fim de atender as necessidades desta nova divisão do trabalho, a Europa nos séculos medievais apresentou notável crescimento. Neste período ainda nota-se o início das universidades, aprimoramento do trabalho com o vidro, da maquinaria de relógios, grandes embarcações, instrumentos como bússola e astrolábio foi desenvolvido, para permitir a navegação. A família era o núcleo mais importante deste período, pois baseado nela davam-se as relações sejam elas de trabalho, afetivas ou relacionamentos, pois necessitavam vislumbrar o bem comum para a família (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). 1.1.1 O contexto religioso na Idade Média e o cuidado. Como dito anteriormente a Igreja dominou circunstancialmente este período, sendo responsável pela dominação cultural e até mesmo intelectual, assim as produções nesses campos visavam atender a conceitos de salvação divina, nas pinturas e na arte os santos e anjos são destaques, bem como as formas de penitencia e peregrinação também eram vistas com bons olhos, pois traziam o indivíduo mais perto de Deus pelo seu sofrimento. Neste período marcado pela degradação do Império Romano, devido às invasões bárbaras, o caos instaurado levou a um estado de barbárie, onde a população encontrava-se analfabeta, sem instrução e saúde, emergindo daí a figura dos monges, representantes da Igreja, em seus monastérios surgindo como ponto de apoio e instituição da ordem geral, ficando responsáveis pelo ensino da religião, enfermagem, educação e medicina, afirmando-se a Igreja como a única instituição organizada, totalmente instituída, capaz de conceder o apoio a ideologia do novo modo de produção que se configurava, o feudalismo, emergindo sobre o caos e a degradação que aquele tempo passava, segundo Goodnow 4 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.88). A moral, o direito, a disciplina e o culto à Igreja foram decisivos para o fortalecimento dessa unidade, e manter os homens daquele tempo novamente sujeitos aos códigos de ética e moral que haviam sido destruídos. Como forma de obtenção da redenção divina as boas almas deveriam realizar boas ações em hospitais, esses bons homens e mulheres eram pessoas 4 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 30 importantes que tinham como forma de penitência e caridade o serviço nestas instituições, construindo a imagem de bondade baseado na obediência a igreja. O estilo gótico das igrejas da Idade Média, além do grande número destas, dava a dimensão do domínio e impregnação pela população da religião. As Cruzadas 5 empreendidas na recuperação da Terra Santa mobilizaram milhares de homens e mulheres para a retomada de Jerusalém, a guerra gerou feridos, e a necessidade de cuidados, sendo estes assumidos pelas mulheres que também lutavam em nome da Igreja. Neste momento então também a Igreja ocupou-se na construção de hospitais e recrutamento de voluntários, surgindo então ordens de militares que tinham como tarefa diminuir doenças e a pobreza através da atenção prestada nestes hospitais, utilizando-se dos seus ideais militares. Juntamente com a ordem citada, outras insurgentes e derivadas manifestaram-se, dentre elas ainda podemos citar, Ordem dos Cavaleiros de São Lázaro, voltados aos cuidados dos leprosos, Ordem dos Cavaleiros Hospitalares Teutónicos, vistos com bons olhos pela monarquia alemã, além de seguidores com o passar do tempo e várias denominações como os Templários, Cavaleiros de Malta e Cavaleiros de Rodas. Assim reafirmando o domínio europeu decorrente das cruzadas, relações comerciais foram estabelecidas, e atividades comerciais também, permitindo o crescimento do comércio, de forma sussurrar o início da visão do lucro, da racionalidade, ou seja de uma estrutura que pode ser chamada de pré- capitalista PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). 1.1.2 Cuidado, saúde pública e os hospitais. Durante a Idade Média, os conceitos sobre o corpo, o cuidado e as doenças evoluiu de forma menos científica, e mais empírica e mística. Como relatado anteriormente o acesso a Deus era controlado pela Igreja, de forma que as epidemias, grandes vilãs daquela época, devastavam e matavam milhares, eram consideradas formas de punição a população, que se encontrava sem rumo, ou ordem ética e moral. 5 Cruzadas para recuperação da Terra Santa, aconteceram como um movimento militar mas primeiramente religioso que visava possibilitar o retorno de acesso e liberdade dos cristãos a Jerusalém, que encontrava-se dominada pelos turcos, dessa forma tropas ocidentais empreenderam uma luta que perdurou entre os séculos XI a XV, na Palestina. Liderados por Godofredo de Bulhão em 15 de julho de 1099, após matar e massacrar os turcos, possibilitou o livre acesso dos cristãos peregrinos a Jerusalém (ARRUDA, 1981). 31 Aliado as epidemias outros fatores contribuíam de forma negativa com a saúde da população em geral, entre eles a nutrição, que era por vezes precária, pela escassez e o cultivo de frutas e vegetais, tudo isso juntamente com o trabalho árduo e extenuante dessas populações visto as dificuldades geográficas e espaciais das cidades naquele tempo. Assim não havia contexto suficientemente propício para que todas as formas de vegetais fossem cultivadas, e até mesmo que o gado sobrevivesse, assim também era a expectativa de vida da população, que perecia como a terra que pela seca era massacrada, e as crianças, que pela mortalidade infantil elevada eram ceifadas, conforme Goodnow 6 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.91). As doenças mais relevantes daquele período eram a lepra e a peste bubônica, que encontravam campo fértil para a proliferação e perpetuação, haja vista a imensidão dos aglomerados humanos, da situação de higiene de animais e seres humanos, compartilhando espaços comuns, após o período das cruzadas. Essas populações iniciaram seus movimentos, e a falta de saberes sobre como se dava a cura dessas enfermidades. A lepra com destaque era contida através do isolamento dos indivíduos, baseados na forma de contagio descrita no Velho Testamento, assim iniciando um período com crescimento de leprosários pela Europa, sendo que na França por exemplo, o número de casas para esse fim elevaram-se, chegando a 19 mil em todo o continente. Novamente o pecado ou punição de Deus, eram utilizados para segregar e excluir os leprosos, pois essa doença era decorrente de pecados de ordem sexual, segundo a crença, assim esses homens e mulheres eram considerados como mortos para a sociedade, e para Deus, seu sofrimento físico na terra era recompensado pela salvação de suas almas (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). A peste bubônica castigou a população da Idade Média, tanto quanto a lepra, e esta se estendeu desde os primórdios, com registros no Egito por volta de 540, onde dizimou um quarto da população, e por volta de 1300 chegou a Europa. O controle da transmissão da doença, esta cercado de misticismo, e em relatos bíblicos, onde se acreditava que a quarentena era eficaz, pois no último dia era possível separar as formas agudas das crônicas, assim os navios permaneciamno mar até que todos atingissem o quadragésimo dia. A instituição de medidas como a transferência dos doentes para o campo, para evitar contaminação das populações na cidade ocorriam, porém esses doentes eram deixados à sorte, para recuperarem-se ou morrerem. É sabido que a situação da população em relação à higiene era precária, o corpo e sua manipulação eram considerados pecado e perigo moral, o banho 6 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 32 também poderia ser considerado uma forma de heresia segundo Siles 7 (1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.93). O cuidado com o corpo, mas principalmente os conceitos de equilíbrio da saúde, eram regados de magia, religião, rituais pagãos e cristãos, e assim, a oração, a penitencia ou mesmo o culto a santos eram usados como formas de aliviar e curar doenças. Quatro humores regulavam a saúde, sendo eles o sangue, a fleugma ou ptuita, bile amarela e bile negra, e a falta de harmonia entre esses humores era considerada a genes da doença. Por esse motivo, o tratamento dava-se através de uma forma de equilibrar esses humores, com o uso de sangrias, purgantes, ou substâncias que provocassem o vômito, baseados em conceitos hipocráticos, na tentativa de retirar conteúdos nocivos. A retirada de dentes, e realização de sangrias, o uso de ventosas era realizado por barbeiros-cirurgiões, um misto de magia, astrologia e escritos antigos que os orientavam sobre quando e como realizar tais procedimentos. Consideravam que pedras ou pó de pedras de certos locais considerados sagrados também curavam as pessoas, por isso túmulos de santos e o que deles era composto era utilizado em forma de pó, e dado como remédio, para cura de algumas doenças. Apesar de este período ser marcado pela presença da Igreja com a Inquisição, a bruxaria consolidou-se como uma prática comum entre os pobres, estas atuavam em partos, realizavam rituais com sacrifício, e ainda as mulheres que tinham longevidade também corriam o risco de serem vistas como bruxas, segundo Goodnow 8 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.95). Ao contrário do que se acredita os primeiros cuidadores na enfermagem, eram homens, e esses foram responsáveis pela fundação das primeiras ordens para esse fim, como os Irmãos de Santo Antônio e os Irmãos do Espírito Santo. O corpo do homem não poderia ser manipulado por mulheres, a não ser que de um parente próximo. Porém o cuidado que elas implementavam permanecia ocorrendo paralelamente, e com o passar dos anos esse cuidado passou a ser indispensável. Por influência católica, o clero ordenava mulheres para a realização das visitas aos doentes e do cuidado, essas eram tanto solteiras como casadas, possuíam casa, e bens herdados, cuidavam da população cristã como um todo 9 . Cuidar era um ato simples, baseado em ações de alívio e conforto, sem fundamento teórico e científico, mas sim carregados de caridade e piedade aos pobres e enfermos. Reafirmando a influencia católica sobre o cuidado, pode-se afirmar que monges, monjas 7 SILES, J. História de la enfermeira. Alicante (Espanha): Aguaclara; 1999. 8 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 9 Ibid., p. 96. 33 iniciaram o saber em enfermagem pré-clínico, dentro dos mosteiros. Estes copiavam, liam e traduziam os escritos de Hipócrates 10 , instituindo ações de alívio e conforto como aplicar água de rosas na fronte do doente para baixar a febre, colocar os pés em vinagre e sal para aliviar o cansaço, cobrir os doentes, assim essas ações simples eram baseadas também na experiência vivida e influenciados pela espiritualidade e caridade, sendo que virgens e as monjas foram responsáveis pela criação de ordens de mulheres que trabalhavam para a Igreja com esse fim (OGUISSO, 2007). Na Europa, mais precisamente em Roma, diáconos e diaconisas repassavam seus conhecimentos sobre o cuidado ao povo, baseados sua experiência, foram ordens criadas para o auxílio aos pobres, e trabalhavam juntamente com os bispos e presbíteros. Várias ordens surgiram com esse intuito na Ásia, Itália, Espanha, Irlanda e Síria. Entre as ordens podemos destacar a Ordem das Irmãs Agostinas, que trabalhavam também sob o controle do clero, e realizavam funções de enfermagem, além de administrar o Hôtel-Dieu de Paris, mesmo que rudimentar esse hospital oferecia uma forma de cuidado de enfermagem, que ia desde o auxílio em partos, e realizavam o cuidado com homens, que não era permitido para mulheres, porém como estavam sob a alcunha da Igreja, por essas mulheres poderia ser feito, conforme Goodnow 11 (1953 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.96). Destaca-se a Ordem das Beguinas, no final do século XIII, na França como sendo uma ordem não religiosa, porém fundada por um clérigo, Lambert Begh. Mulheres viúvas que realizavam ações de caridade, porém com disciplina em suas relações, cuidavam de doentes, velhos e pobres, e assim mais tarde foram chamadas de Ordens Seculares de Enfermagem, ficaram amplamente conhecidas pela população, porém a Igreja as perseguiu, já essas promoveram à população inovações e conhecimento, e por serem independentes do poder da Igreja, segundo Siles 12 (1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p.97). O parto neste período era complicado para a maioria das mulheres, e as parteiras tinham atuação decisiva, já que os médicos da era medieval, eram chamados somente nos casos em que uma cesárea seria necessário, geralmente por morte fetal ou da parturiente, visto que o procedimento era agressivo e brutal. O aleitamento materno não ocorria entre a população mais rica, pois o leite era considerado impuro, e somente Amas de leite acabavam por amamentar (OGUISSO, 2007). 10 Hipócrates considerado pai da medicina iniciou os primeiros estudos nesta área. 11 GOODNOW, M. Nursing history. Philadelphia, PA: Saunders Company; 1953. 12 SILES, J. História de la enfermeira. Alicante (Espanha): Aguaclara; 1999. 34 A introdução da instrução e cientificidades da profissões na Idade Média, foi difícil visto a restrição dos conhecimentos produzidos pelo ocidente estarem unicamente em latim, saber ler e escrever também era restrito a monges, bispos e padres, sendo que o conhecimento tornou-se um bem da Igreja. Assim o público somente teve acesso a esses escritos a partir de Carlos Magno (768 – 814), esse imperador francês foi quem primeiro incentivou a formação profissional junto aos monastérios, da mesma forma a medicina e as outras ciências da saúde ocuparam-se de superar desafios de ordem religiosa, para enfim serem reconhecidas em sua cientificidade, a medicina era conhecida como um trabalho mecânico, e o estudo da anatomia do corpo um ato pagão, pois violava o que era sagrado aos olhos de Deus (OGUISSO, 2007). Na Itália em Salermo por volta do século XI, é que a primeira escola que bordasse o conhecimento médico foi instituída, os estudantes eram jovens ansiosos em aprender, e com alguns mestres como São Francisco e São Domingos foram os primeiros a ensinar. A Escola de Salermo teve seu auge no século XIII, pois a partir dela os médicos eram requeridos com formação e estágio para trabalharem, empregando o início do saber científico para o exercício da medicina. Com as novas ideias, os médicos na Idade Média eram reconhecidos por terem realizado estudos e grau conferido pela universidade, sendo que assim diferenciavam-se de barbeiros-cirurgiões, magos e curandeiros(PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). Os hospitais medievais surgiram a partir dos monastérios que tinham o caráter religioso da caridade, e perdurou durante todo período medieval. Sendo os primeiros hospitais Hôtel-Dieu (542) em Sião, e em Paris o Hotel-Dieu (651), São Pedro e São Leonardo na Inglaterra (936), sendo que estes monastérios tornaram-se com a denominação de “hospital” por uma determinação do Concílio de Aachen (816 d.C). O caráter religioso afastou-se da assistência médica somente no século XII, depois de uma determinação, que somente médicos poderiam realizados se fossem capacitados para isso, a partir do Concílio de Viena em 1312, porém o clero não afastou-se totalmente, ficando a seu cargo os cuidados de enfermagem, e a administração desses locais. A medicina dissociou-se do seu caráter vocacional pois os hospitais não eram atrativos para o trabalho, pelas condições, e deram inicio a venda de seu trabalho (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). Assim, é possível visualizar através da Idade Média o quão enrraigada o cuidado, a enfermagem e a saúde estavam ao cristianismo, a caridade e a salvação. Os primórdios a divisão do trabalho em categorias de cuidados, e de gêneros também é observada, e assim vislumbrar através da história o contexto pelo qual as profissões perpassaram e como os conceitos de saúde-doença evoluíram até a ideia atual. A enfermagem e sua história no 35 contexto geral permite entender e desvelar as práticas, a fim de permitir à compreensão da história da profissão. 1.2 A Idade Moderna – enfermagem, cuidado e saúde. O período compreendido como Idade Moderna, estende-se do século XV ao XVIII, para a enfermagem, cuidado e saúde, além de todos os campos econômicos, políticos, um período de transição entre a Idade Média e a Moderna, mas marcado principalmente pela introdução do modo capitalista de produção, com a valorização do comércio, em substituição ao modo feudal de produção, abordados mais adiante no próximo capitulo deste trabalho. Importante ainda destacar que este período foi marcado por renascimento da arte, cultura, e ciência, bem como os grandes descobrimentos, e nesse contexto a descoberta e desbravação do novo mundo, ou seja, América do Sul e Central (PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011). A organização religiosa na Europa também sofreu mudanças, advindas da Reforma Protestante, esta reforma assumiu diferentes denominações e diferentes líderes nos locais em que se deu, mas seu ícone maior é sem dúvida Martinho Lutero, na Alemanha, dando origem ao luteranismo, sua crítica recaia principalmente sobre o teologismo com que a economia, a sociedade, a política e a cultura estavam imersas, pela ideologia da Igreja Católica Romana. Lutero foi autor de 95 livros que criticavam e instigavam a população a repensar a forma como se dava na Igreja Católica o pagamento de indulgencias, condenava também o paganismo e a avareza, propondo assim um debate teológico, com força crítica. Essa reforma apoiada no saber científico e nas questões que superavam o catolicismo, ultrapassou fronteiras e originou também na Inglaterra com Henrique VIII o anglicanismo e na Suíça, com João Calvino o calvinismo, segundo Cotrim 13 (1999 apud PADILHA; BOREINSTEIN; SANTOS, 2011, p. 114). Assim essas mudanças decorrentes do movimento de reforma acabaram por estender- se a enfermagem, ao cuidado e a saúde da população, nos locais em que ocorreram, a forma de conceber os fenômenos a partir da reforma trouxe para enfermagem, principalmente com a saída da dominação do clero nos hospitais, deixando para trás um buraco, no que diz respeito 13 COTRIM, G. História Global: Brasil e Geral. 5 ed. São Paulo: 1999. 36 a pessoas qualificadas para o cuidado. Posterior a reforma, a Igreja Católica tomou medidas para tentar conter a expansão do protestantismo, em um movimento denominado Contrarreforma, outorgado pelo Concílio de Trento, com a missão catequizar o povo das terras recém-descobertas, e instituir novamente a Inquisição, além de limitar a atuação das mulheres e, por conseguinte prejudicar as ações de enfermagem por elas instituídas (GEOVANINI et al., 2005). A Ordem dos Jesuítas ou Companhia de Jesus em 1549 foram os primeiros soldados da Igreja a adentrarem a terra nova, atuando com a catequese da população ameríndia, e as práticas de enfermagem estavam também ligadas a esta ordem no início pela forma que possuíam influência, pela falta de estrutura, e carência de assistência a saúde adequadas. Os primeiros jesuítas foram Padre Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e Antônio Vieira, sendo que estes fundaram escolas como a de São Paulo de Piratininga, e estendiam suas práticas de saúde nos hospitais, como a Santa Casa de Misericórdia e nas Igrejas, outras ordens surgiram posteriores a esta como os Franciscanos e Beneditinos que possuíam ideologias semelhantes (PIRES, 1989). 1.2.1 Os problemas de saúde na Idade Moderna. Como abordado anteriormente a peste negra, foi uma das epidemias mais devastadoras da Idade Média, refletindo através dos tempos até o período do Renascimento, visto as grande perdas humanas, e o estado de saúde geral da população sobrevivente. O conhecimento sobre o processo-saúde doença, modificou-se na Europa com as mudanças trazidas na compreensão dos fenômenos, porém isso não refletiu diretamente na melhora na qualidade de vida da população, visto que o aumento fulminante das cidades europeias, da população, e o desenvolvimento da manufatura, possibilitou que a população ficasse agora susceptível a doenças contagiosas como a tuberculose, e outras doenças de ordem nutricional e higiene também aumentassem como a desnutrição. Sem deixar de lembrar que para o avanço deste mercado crianças e mulheres entraram como mão de obra no trabalho, e as classes operárias começaram adoecer devido a acidentes de trabalho, intoxicação alimentar, culminando também com um aumento na mortalidade infantil e materna (GEOVANINI et al., 2005). Adoecer era um empecilho à força produtiva, o que poderia acarretar em dificuldades econômicas, políticas e sociais, surgiram então leis que tentaram proteger os trabalhadores 37 desses males dos quais podiam padecer advindos do trabalho, porém o interesse do Estado estava na necessidade de manter a produtividade do indivíduo, e assim não prejudicar o ganho e reprodução do capital. Dessa forma a legislação tinha como pretensão proteger a saúde do trabalhador, e as profissões na área da saúde também absorveram estas determinações (PIRES, 1989). O número de pobres e miseráveis que haviam sofrido com as epidemias do final da Idade Média havia aumentado muito, a caridade e as esmolas passaram como práticas comuns, e incentivadas pela Igreja Católica e esta incentivou a criação de entidades civis que realizassem o trabalho de atender as misérias humanas, sob o controle do clero e assim poderiam aumentar o poder eclesiástico (THOMPSON, 1987). Tendo ainda um caráter caridoso, as práticas do cuidado eram realizadas baseadas em experiências das religiosas nos contextos hospitalares, como haviam ainda muitas ordens formadas com este intuito, no período da Contrarreforma, como por exemplo, a Companhia das Irmãs de Caridade na França, fundada por Vicente Paulo 14 e Luiza de Marillac em 1633, ela filha de uma família com posses, era aluna de Vicente de Paulo na Ordem das Filhas de Caridade, nesta ordem religiosa as mulheres poderiam sair sem o uso obrigatório do hábito enquanto trabalhavam nos hospitais, tinham como objetivo alimentar os pobres, cuidar dos
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