Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
José de Albuquerque Rocha _ EORIA Geral do & $$&* •JMrirfãgSKjl S ociedade e S istem a Jurídico 1 Sociedade e D ireito 2 Funções do D ireito 2.1 Função de D ireção das Condutas 2.2 Função de Tratam ento dosConflitos Sociais 3 M odos de T ratam ento dos C onflitos 3.1 A utonom ia: A utotutela e A utocom posição 3.2 H etero n o m ia 4 M ecanism os A lternativos(Informais) de Tratam ento dos Conflitos 1 SO C IE D A D E E D IR E IT O O sistem ajurídico é u m subconjunto dogrande sistem a social.No entan to, setoda norm ajurídicaé norm a social, a recíproca não é verdadeira,pois nem toda n o rm a so cialéjurídica. Sãoincontáveis as relações entredireito e sociedade,jáque,com o vim os, o direito não é u m sistem a autoproduzido, auto-organizado. O direito, ao agir sobre a sociedade,é,elepróprio, oproduto dedeterm i nações sociais.Todavia,dofatode odireito serprodutodedeterminações sociais nãopodemos concluir seja m ero "reflexo"do social,istoé,quepossa serdeduzi dodiretam enteda realidade so cioeconôm ica.Isso é u m aform a opacade explicar a n aturezado direito,porquedeixa sem respostaim portantesquestões, com o,por exem plo, explicar com o a realidade socialtransform a-se em direito. O direito n em é u m sistem afechado,auto-regulado,n em u m sistem a aber to,hetero-regulado, m as u m sistem adotadode autonom ia relativa. ' • • . • . . - , .JJ,- tím verdade, oque a experiência n o s m ostraé a existênciade u m a relação dialética entre o sistem a social e o subsistem ajurídico.Nem o direito atua com o um a espéciedeM idasque transformaria em direito tudoquanto o sistemajurídi co apreende(sistemafechado), nem odireitolimita-se a reproduzir m ecanicamente asdeterminaçõesdainfra-estrutura sociale econômica(mero reflexodo social). Odireito traduz,sim,asdeterminações sociais,m as ofaz em suapróprialingua gem,einculcando-lhes sualógicaprópria.Porsua vez,odireito exercita um a ação de reto rn o s obre o so cial. Dessa m aneira, entre o sistema social e o subsistemajurídico existe um a causalidade circular,idéiaquedeve substituir as concepções reducionistas, seja dos norm ativistas(direito com o sistemafechado), sejado m arxismo m ecanicista (direito com o m ero "reflexo" do social). 2 FUNÇÕES DO DIREITO Só u m a análise exaustivadas relações entre o sistem a sociale o subsistem a jurídico permitiria um a apreensão m ais completadasfunções sociaisdodireito. Isso,porém,foge ao objetodestelivro.Portais razões,limitamo-nosà análisedas duasfunções m ais necessárias e universaisdodireito,a saber:(a)funçãodedire çãodas co ndutas e(b)função de tratam ento dos conflitos. 2.1 Função de direção das c o ndutas O direito com o criação socialexistiu em todas asépocas.Com efeito,des de o m om ento em que o serhumano,porm otivos econômicos,étnicos,religiosos etc, co m eça a relacionar-se e a agrupar-se, aparece a n ecessidadeda existência de regras reguladorasde su as relações sociais. A função dedireçãodas condutas consiste n a capacidadedodireitodefazer com que ogrupo social aceite os m odelosde condutaprescritosporsuas norm as com opautade comportamento.Éfunção dedutíveldaprópria essênciadodirei to,queé regulativo, atépordefinição,jáquedescreve as condutas, cuja obser vância exige com o condiçãopara evitar a sanção.Daía expressão ordemjurídica o u ordenamentojurídico paradesignar essafunção prim ária e naturaldo direito queé um a "ordem" ou "ordenamento"à m edidaqueé um a ação socialespecífica que tem porfim dirigir as c o ndutas so ciais. 2.2 Função de tratam ento dos co nflitos so ciais A necessidade de viver em sociedade reúne osindivíduos eforça-os a coordenarsuas atividadesparticularesde m aneiraque cumpram um afunção so cial n o sentido de que devem servirà realização de u m processo so cialdeterm i n ado.N o e ntanto, n o seio da so ciedade o s fatores de u nião não são o s únicos a agir,havendo,igualm ente, o sfatoresdedesunião.O próprio fato de a sociedade não co n stituir u m o rganism o biológico, m as serform ada de indivíduos não pro gram ados previam ente, torna o conflito inseparávelda vida social. Daí a essen cialidadeda função de tratam ento dos co nflitos, n o sentido deque o direito não sódirige as condutas, m as tam bém edita regraspara adm inistrar o sconflitos inerentes à vida gregária. Quando o s autores se referem a essafunção, costum am u sar expressões com ofunção depacificação socialdodireito e outras sinônim as.Evitamos o uso de en u n ciadosdessetipoporque têm conotação apologética:induzem àidéiade ser o direito instrum ento destinado a prom over a paz so cial,desconhecendo o u es condendo seupapelàs vezesdesagregador n o sentido deque n em sem pre pacifi ca o s co nflitos, m as,de quando em quando, o s agrava e reitera. A função de tratam ento dos conflitos sociais caracteriza-sepor consistir em u m aintervenção do direitoposteriorao conflito, enquanto n afunção dedireção das co ndutas su aintervençãoé anterior ao conflito.Isso m o straque o conflito n asce da inefetividade das n o rm as de direção das co ndutas, o u seja, o co nflito n asce quando falha a funçãode direçãodas co ndutas. N afunçãode tratam ento dos conflitos, o direito oferece não só as regras que servem de critério paradirim ir o conflito, com o tam bém as cham adas regras processuais.Assim,é a categoriado conflito que v aipossibilitar explicação racio n aldadiferença entre o sdoistiposde n o rm asdo sistem ajurídico: norm as subs tanciais e n o rm a sprocessuais. 3 M O D O S D E T R A T A M E N T O D O S C O N FL IT O S Alguns autores costum am descrever o s m eiosde tratam ento dos conflitos sociais com o se seu aparecim ento n a história obedecesse a rigorosa sucessão li near,queiriada autotutela, com o o m odo correspondenteàfasedabarbárie, até chegaràjurisdição, com o o m odo correspondente ao estágio m ais civilizado. Essa m a n eira de tratar o tem a é ideológica,porque parte do pressuposto, nãodem onstrado,deque ahistória obedece a algum a "razão m oral" o u "princí piodejustiça",que adirigiria sem prepara aperfeição.No entanto, a experiência m ostra que ahistória hum ana nãoé retilínea,m as contraditória,ditada nãopor algum m isterioso "espírito dejustiça" senão por condições m ateriais(interesses sobretudo).Portanto, não existe u m a cam inhada hum ana n o rum o dapurifica ção m o ral,co m o algoinexorável,ditado por algum aforça superior,m as av anços e retrocessosdeterm inadospor concretas condições m ateriaisde vida.Provadis soéquehoje,nolimiardo séculoXXI,a autotutela está m aisgeneralizadadoque em épocas passadas. Outro víciometodológico desses autores é enunciar os modos de tratamen to dos conflitos sem fazer referência aos critérios que os distinguem, ensejando confusão entre eles, ora apresentando como distintos modos semelhantes, ora apre sentando como semelhantes modos distintos. Adivisão ouclassificação deum todo, para serútücomo instrumento de pesquisa, deve obedecer aum critério, que éacaracterística que serve de ponto de referência à operação. No caso dos modos de tratamento dos conflitos a ca racterística que serve de base a sua divisão éa titularidade do poder de decidir o conflito. Se otitular do poder de decidir são as partes, individual ou conjuntamente temos a autonomia. Se o titular desse poder é um terceiro, temos a heteronomia' Diante disso, podemos agrupar os diferentes modos de tratamento dos conflitos em duas grandes classes: autonomia e heteronomia. Aautonomia com preende a autotutela ea autocomposição. Aheteronomia compreende ahetero- tutela e a heterocomposição.1 3.1 Autonomia: autotutela e autocomposição Autonomia, como dissemos, caracteriza-se por serforma detratamento dos conflitos exercitada pelas próprias partes, individual ou conjuntamente. Suas manifestações relevantes são a autotutela e aautocomposição. 3.1.1 Autotutela Émodo de tratamento dos conflitos em que adecisão éimposta pela von tade de um dos sujeitos envolvidos no conflito. Aautotutela repousa, pois, no poder de coação de uma das partes. Serve, assim, à parte mais forte. Nela ocritério dajustiça intrínseca da decisão é sacrificado, uma vez que ofator predominante éa força. Por isso, aautotutela édefinida como crime pelo art. 345 do Código Penal. No entanto, existem situações excepcionais nas quais odireito admite aautotutela como um meio legítimo de solução de conflitos. Seria o caso da legítima defesa do estado de necessidade etc. 3.1.2 Autocomposição Émodo de tratamento dos conflitos em que adecisão resulta das partes, obtida através de meios persuasivos econsensuais, residindo nisso sua diferença da autotutela, em que adecisão éimposta por uma das partes. Na autocomposição como a decisão é produzida pelas partes, seu grau de eficácia é elevado Ver Soveral Martins, Processo e direito processual, v. 1. A autocomposição pode ser unilateral ou bilateral, conforme provenha de uma das partes ou de ambas. São exemplos de autocomposição unilateral a re núncia a direito, o reconhecimento jurídico do pedido etc. São exemplos de autocomposição bilateral a conciliação, a mediação, a negociação etc. A autocomposição pode ser alcançada com a participação de terceiros atra vés das figuras do mediador e do conciliador. Na mediação, o terceiro auxilia de forma intensa as partes conflitantes, oferecendo inclusive uma proposta de autocomposição. Na conciliação, o terceiro limita-se a receber as propostas das partes e tentaconciliá-las buscando umdenominador comum. 3.2 Heteronomia A heteronomia é modo de tratamento dos conflitos em que a decisão é produto de um terceiro, que não auxilia nem representa as partes em conflito. Embora a heteronomia apresente inúmeras subespécies, interessam-nos, aqui, ape nas duas: a arbitragem e a jurisdição dos juizes estatais. A arbitragem é modo de tratamento dos conflitos em que a decisão é to mada por um terceiro designado pelas partes em conflito. Na jurisdição dos juizes estatais, a decisão é também tomada por um terceiro, mas designado pelo Estado. Sobre a jurisdição dos juizes estatais e a arbitragem, porém, falaremos, mais demoradamente, nos capítulos que lhes são destinados. 4 MECANISMOS ALTERNATIVOS (INFORMAIS) DE TRATAMENTO DOS CONFLITOS O que denominamos mecanismos informais ou alternativos de tratamen to dos conflitos são modos de regulação das disputas sociais, fora dos procedimen tos judiciais. Por exemplo: conciliação, mediação, arbitragem etc. Atualmente, observamos uma retomada desses modos de tratamento dos conflitos. As razões disso são: (a) reduzir o trabalho do Judiciário; (b) suprir sua incapacidade de dirimir a litigiosidade surgida com as novas formas de vida so cial; (c) motivações político-ideológicas ligadas ao ressurgimento do liberalismo etc. Apesar de a terminologia usada para designar o fenômeno (modos alter nativos ou informais) sugerir a idéia de algo inédito, em verdade são mecanismos bastante conhecidos, pois, em geral, constituem espécies de autocomposição (con ciliação, mediação,negociaçãoetc), ou de heterocomposição (arbitragem) a que nos referimos precedentemente. Direito Substancial e Direito Processual 1 Sociedade, Estado e Direito 2 Direito Substancial 3 Direito Processual 4 Direito Processual em Sentido Amplo 1 SOCIEDADE, ESTADO E DIREITO çn . . *°Capítul° 1descrevemos, rapidamente, as relações entre odireito ea Sora vir3 T" *?" ^ ^^f^ S°daÍS do -tema ^ di otono rr mUf adeSCreVer 3S rela?ões entre dire*° esociedade com opropósito de surpreender os critérios que servem de base para distinguir com ri gor cientifico, odireito substantivo do direito processual. Segundo aAntropologia, nas sociedades ditas primitivas que são acuela, em que nao há propriedade privada dos bens de produção nenXse TsoSs e Z<STéaüZ^Tem: C°m Uma ParCda de SUa ^ de trabalho paradoduçao da riqueza da qual participam, na medida da contribuição de cada um a conduta dos indivíduos édisciplinada por normas sociais que ^acSteanSor serem criadas egarantidas diretamente pela própria sociedade eSEconteúdo exprimem os interesses de todos os componentes do grupo sodalT Mas sabemos que asociedade édinâmica, desenvolvendo-se emodifican-do-se por força de acontecimentos econômicos, políticos, científicos, teológicos r ^i^SBftSHpfe75ntes concepções de sociedade esuas dassifi™ « Pois bem, um dos acontecimentos que mais contribuíram para a transfor mação da sociedade foi, indiscutivelmente, o surgimento da propriedade privada dos meios de produção. Determinou sua divisão em classes e modificou as rela ções de produção, ensejando à nova classe proprietária apropriar-se da maior parcela da riqueza sem participardiretamente do trabalho produtivo, em detri mento da classe dita trabalhadora, que teve diminuída sua participação na distri buição dessa riqueza. Nesse novo tipo de sociedade as antigas normas sociais, que regulavam todos os aspectos da conduta, perderam a eficácia por não consultarem o interes se da nova classe, vez que previam a participação no trabalho como condição de aquisição da riqueza. Por outro lado, a nova ordem social não atende aos interes ses dos não-proprietários, já que distribui a riqueza com base na propriedade pri vada dos meios de produção e não no trabalho. Ora, esta contradição de interes ses cria antagonismo entre as classes sociais e os próprios indivíduos, todos indu zidos à posse dos bens, visto que o importante, na nova ordem, é a acumulação de riqueza material. Na medida em que esses antagonismos se aprofundam, ameaçando a paz social, agora fundada na propriedade privada dos meios de produção, surge a necessidade da organização de um poder para manter essa ordem social fundada na propriedade privada dos meios de produção. Este poder é, justamente, o que denominamos de Estado.2 Com o advento do Estado, principalmente do moderno Estado burguês, as normas de conduta passaram a ser criadas, em sua quase-totalidade, por órgãos específicos do Estado,através das leis e outros atos semelhantes, e também ga rantidas, em última instância, pelo próprio Estado, e não mais criadas e garanti das diretamente pela sociedade, como acontecia antes. Surge, pois, um novo tipo de direito, que é o direito das sociedades classistas, caracterizado justamente por ser estabelecido pelo Estado e estar res paldado, em última instância, no aparelho coativo do próprio Estado. 2 DIREITO SUBSTANCIAL Feitas essas observações sobre a origem do direito e sua íntima e recíproca relação com a sociedade e o Estado, vejamos agora em que consiste o, assim chama do, direito substancial para, em função dele, definirmos o direito processual. Uma sociedade, para existir e continuar existindo no tempo, precisa ado tar uma ordem, seja ela qual for. A ordem, no sentido em que aqui usamos o vo cábulo, não tem nenhuma conotação moral. E simplesmente o modo como os in- 2 Sobre a origeme evolução do Estado,ver FriedrichEngels, A origem dafamília, dapro priedade e do Estado; Lawrence Krader, Laformación dei Estado. dividuos de uma sociedade se organizam para produzirem e distribuírem os bens materiais e espirituais de que necessitam para viver. Eevidente que a ordem social não surge poracaso, senão a partir de um determinado sistema de valores que, por sua vez, são solidários com uma deter minada estrutura econômico-social. Nas sociedades ditas primitivas, que, como vimos antes, são aquelas em que não hápropriedade privada dos bens de produção, nem divisão em classes, e em que todos participam da riqueza na proporção da força de trabalho com que contribuem para sua produção, a ordem social é composta de normas criadas e garantidas pelo poder social, que coincide com a população, vez que exprimem interesses de todos. Na medida, porém, em que surge a propriedade privada dos bens depro dução e a sociedade se articula em classes com interesses opostos, asnormas so ciais perdem a eficácia, já que seu conteúdo não exprime os interesses de todos os segmentos dasociedade. Aparece, então, a necessidade daorganização deum poder, que é o Estado, para controlar os antagonismos de interesses e garantir a nova ordem social, agora fundada na propriedade privada dos bens de produção. Pois bem, o direito é,justamente, umdos meios de que seserve o Estado para tutelar emanter aordem social vigente.3 Eodireito cumpre essa função pro tetora da ordem social mediante a técnica da formulação de normas, que são medidas de valor da conduta social, cuja aplicação está condicionada à verifica ção dos pressupostos de fato, previstos na fórmula normativa.4 O conjunto dessas normas de valoração das condutas sociais, visando à proteção dos interesses considerados essenciais à manutenção de uma dada for mação social cuja aplicação é garantida, emúltima instância, pelo aparelho coativo do Estado, é o que chamamos de direito substancial. Portanto, o assim chamado direito substancial é um sistema normativo de valoração de condutas que, segundo as forças sociais dominantes, são consideradas importantes para a estabihdade deumdado modo deorganização social.5 Em outros 3 Afunção de manutenção daordem, desenvolvida pelo direito, não é desmentida pelo chamado direito premiai. Oque podemos dizer éque odireito realiza sua tarefa primária de manu tenção daordem, ora desencorajando certas condutas indesejadas, mediante aameaça de castigos, ora encorajando as condutas desejadas, mediante a promessa de prêmio. Sobre odireito premiai^ ver Álvaro Melo Filho, Teoria eprática dos incentivos fiscais. 4 Sobre aproblemática danorma jurídica, ver Arnaldo Vasconcelos, Teoria da norma ju rídica. 5 Se odireito é um dos meios demanutenção daordem social, então, podemos dizer que tem uma natureza instrumental em relação aos interesses, que asforças sociais dominantes repu tam essenciais à conservação dasociedade. No entanto, seria um erro concluir que odireito sótem função de proteção dos interesses fundamentais dasociedade. Exerce, também, uma influência so bre opróprio processo econômico, político e social, estabelecendo-se, assim, uma circularidade entre as estruturas econômicas, políticas e sociais e as estruturas normativas, uma influindo sobre a ou- termos, o direito substancial é um conjunto de normas que disciplinam as condutas necessárias à manutenção das relações sociais dominantes em uma sociedade. A juricidade desse sistema normativo, em seu conjunto, resulta, como decorre da definição acima, do fato de sua aplicação ser garantida, em última ins tância, pelo mecanismo coativo do Estado. Decorre ainda da definição dada que o direito não cria do nada as condutas quevalora,nem as torna obrigatórias, comindependência de qualquervínculo com a base social como, por vezes, parece entender a doutrina. Em verdade, todo grupo tem, já em si presente e operante, uma intrínseca normatividade, que é correlata e dependente de seu ordenar-se por obra de determinadas forças político-sociais. Normatividade que, como dissemos, é inseparável de qualquer grupo humano, já que, se cada membro do grupo se comportasse de modo subjetivo, voluntarista e inesperado, a vida social seria impossível, eis que totalmente instável. Por outras palavras, a realidade social se dá como um todo estruturado, dotado de um certo equilíbrio e produzindo espontaneamente as regras que a governam. É a força normativa inerente à vida social. Isto significa que, em princípio, as condutas são criadas pela própria sociedade e são obrigatórias por exigência dela. Assim, em princípio, o direito escolhe dentre as condutas sociais possíveis, e segundo o sistema de valores dominantes, as mais convenientes à permanência da sociedade, garantindo sua observância, inclusive com o uso da força física, já que há risco das condutas desviantes. Entretanto, não desconhecemos a função promocional do direito no sentido de ser meio hábil para promover novas condu tas, função reconhecida na Constituição, art. 32 e seus incisos. 3 DIREITO PROCESSUAL Na generalidade dos casos, os indivíduos aceitam as normas jurídicas substanciais como medidas de valor de suas condutas, ou seja, os indivíduos ob servam as normas de conduta respaldadas pelo Estado. Então, a vida social de senvolve-se pacificamente. Mas, às vezes, isto não se dá. Os indivíduos deixam de observar as normas jurídicas substanciais. Quando ocorre essa situação surge o que os sociólogos chamam de conflito de interesses jurídicos, fenômeno muito comum, principalmente nas sociedades onde há a apropriação privada da rique za socialmente.produtiva, a gerar a competição entre indivíduos e classes e, por conseqüência, o conflito. Eclodindo o conflito, cria-se para o direito a tarefa de resolvê-lo, uma vez que ameaça a paz social.Embora a gestão dos conflitosseja uma tarefa do direito que só aparece em um segundo momento, isto é, quando fracassa sua função pri- tra, num incessanteritmo dialético. Parauma concepção dialéticadodireito,entre outros,verRoberto Lyra Filho, O que é direito; Tarso Genro, Introdução à crítica do direito do trabalho. ... iiiaiiLCl oiueni soC1ai através das normas ditas substanciais não obstante, a idéia do conflito e sua solução são a base apartir da qual podemos compreender odireito processual e outros importantes conceitos jurídicos De fato, osurgimento do conflito eanecessidade de solucioná-lo colocam para odireito oproblema de determinar os órgãos que devem resolver oconflito oprocedimento que esses órgãos devem seguir para chegar asua solução e bem assim, os poderes, deveres, direitos eônus das partes edo juiz. Odireito processual é, justamente, oconjunto das normas jurídicas que dispõem sobre aconstituição dos órgãos jurisdicionais esua competência disci plinando essa realidade que chamamos processo, eque consiste numa série coor denada de atos de vontade tendentes àprodução de um efeito jurídico final que no caso do processo jurisdicional, éadecisãoesua eventual execução. ' ' Por conseguinte, a essência última do direito processual em geral e do direito processual no sentido estrito que estudamos aqui, éser um conjunto de normas que tem por objeto disciplinar os atos de vontade dos órgãos jurisdicionais e partes para a criação da norma do caso concreto (decisão do conflito) e sua eventual execução. Em síntese, enquanto odireito substantivo disciplina as con dutas materiais, isto é, condutas cuja realização não cria novas normas jurídicas mas situações materiais (por exemplo: aconduta de construir uma ponte em cum primento do dever imposto por uma lei àadministração pública não produz re sultados jurídicos, senão materiais), odireito processual disciplina os atos de von tade necessários àcriação de novos normas jurídicas. No caso do direito proces sual, anova situação jurídica criada pela vontade dos órgãos jurisdicionais epar tes e a norma do caso concreto (decisão do conflito). Nisso reside sua diferença irredutível do direito dito substantivo. Atento aessa definição costuma-se dizer que odireito processual éinstru mental em face do direito dito substancial, visto que constitui, precisamente o instrumento para a tutela do direito substancial nas hipóteses em que sua obser vância nao se verifique espontaneamente. Por outras palavras, odireito substan cial constitui amatéria sobre que versa aatividade jurisdicional disciplinada pelo direito processual. Mas essa caracterização do direito processual deve ser recebi da com reserva. Epreciso não esquecer que opróprio direito substancial é tam bém instrumental a respeito dos interesses que tutela, amostrar que a instru- mentahdade eda essência do direito enquanto tal, enão só do direito processual. . Adefinição do direito processual como conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da atrvidade jurisdicional do Estado éuma conquista do Estado de Direito, ja que oEstado absolutista não se dobrava ao direito. Apresenta eran- de importância para os usuários da Justiça. Com efeito, na medida em que esta belece os orgaos da jurisdição edita-lhes aforma de manifestação da vontade e outorga direitos de participação às partes, dá a todos apossibilidade de contro lar essa atividade estatal e, conseqüentemente, avaliar sua legalidade elegiti- mídade. ° A concepção do direito processual como conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da atividade jurisdicional do Estado não é infirmada nos casos em que o conflitoresulta da violaçãodas próprias normas processuais.Mesmo em tais casos o direito processual continua a ter a mesma função, qual seja, a de discipli nar os atos de vontade do juiz e das partes, embora essa atividade desenvolva-se, no caso, a despeito da violação das próprias normas processuais. Em suma, o di reito processual disciplina sempre a atividade jurisdicional do Estado, pouco im portando o fato de que o objeto dessa atividade seja a tutela do direito substan cial ou do próprio direito processual. 4 DIREITO PROCESSUAL EM SENTIDO AMPLO O direito processual, cujo perfil acabamos de traçar, pode ser chamado de direito processual em sentido estrito, porque é relativo ao processo jurisdicional. No entanto, o direito processual pode ser entendido em um sentido amplo, como, aliás, já afirmamos em relação à Teoria Geral do Processo, que devia estudar os conceitos pertinentes não só ao processo jurisdicional como também os conceitos pertinentes ao processo legislativo, administrativo e até ao processo observado entre os particulares na feitura dos contratos, nas deliberações das sociedades, associações etc. De fato, definido o processo como uma série ordenada de atos de vontade tendentes à produção de um efeito jurídico final, verifica-se não ser este um fenô meno restrito à atividade jurisdicional, mas ocorrente também nas esferas do Legislativo, Executivo e, até, na dos sujeitos privados. Ora, se o direito processual é o conjunto de normas que disciplina essa série coordenada de atos necessários à criação de novas situações jurídicas e, por ou tro lado, se o fenômeno não é exclusivo do Judiciário, mas comum ao Legislativo, à Administração e até aos particulares, então temos um direito processual juris dicional, legislativo, administrativo e até um direito processual negociai. E como todos esses ramos do direito processual apresentam um núcleo comum, que é o fato de todos eles constituírem a disciplina normativa dessa seqüência ordenada de atos de vontade que se faz necessária à produção de um efeito jurídico final, e que chamamos de processo, então, podemos falar de um direito processual geral, definido como sendo o conjunto de normas que disciplinam essa seqüência orde nada de atos voltados à produção de um efeito jurídico final, ou, mais resumida mente, como o conjunto de normas disciplinadoras do fenômeno processo.6 Embora estejamos certos da existência de um direito processual em senti do amplo e da importância de seu estudo, entretanto, por força da tradição exis tente nas Faculdades de Direito, nossa disciplina só vai ocupar-se do direito pro cessual jurisdicional, ou seja, do direito processual em sentido estrito. 6 Nesse sentido, ver Nelson de Sousa Sampaio, O processo legislativo, p. 2.
Compartilhar