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forma mais primitiva de economia de subsistência, que é a do homem que vive na floresta tropical, e que pode ser aferida por sua baixíssima taxa de reprodução. Excluídas as conseqüências políticas que possa haver tido122, e o enriquecimento forruito de reduzido grupo, o grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão-de-obra. (122) A busca de seringais levou os brasileiros a penetrar no território fronteiriço da Bolívia, cujos limites com o Brasil e o Peru ainda não haviam sido perfeitamente definidos nessa região. Como conseqüência dessa invasão criou-se o Território do Acre, finalmente anexado ao Brasil mediante indenização à Bolívia de 2 milhões de libras e obrigação do Brasil de construir uma estrada de ferro que proporcionasse á Bolívia acesso ao curso navegável do rio Madeira, afluente do Amazonas. CAPÍTULO XXIV O PROBLEMA DA MÃO-DE-OBRA IV. Eliminação do trabalho escravo Já observamos que, na segunda metade do século xix, não obstante a permanente expansão do setor de subsistência, a inadequada oferta de mão-de-obra constitui o problema central da economia brasileira. Vimos também como esse problema foi resolvido nas duas regiões em rápida expansão econômica: o planalto paulista e a bacia amazônica. Sem embargo, não seria avisado deixar de lado um outro aspecto desse problema, que aos contemporâneos pareceu ser em realidade de todos o mais fundamental: a chamada "questão do trabalho servil". Mais que em qualquer outra matéria, nesta dificilmente se conse- guem separar os aspectos exclusivamente econômicos de outros de cará- ter social mais amplo. Constituindo a escravidão no Brasil a base de um sistema de vida secularmente estabelecido, e caracterizando-se o sistema econômico escravista por uma grande estabilidade estrutural, explica-se facilmente que para o homem que integrava esse sistema a abolição do trabalho servil assumisse as proporções de uma "hecatombe social". Mesmo os espíritos mais lúcidos e fundamentalmente antiescravistas, como Mauá, jamais chegaram a compreender a natureza real do proble- ma e se enchiam de susto diante da proximidade dessa "hecatombe" inevitável123. Prevalecia então a idéia de que um escravo era uma "riqueza" e que a abolição da escravatura acarretaria o empobrecimento do setor da população que era responsável pela criação de riqueza no país. Faziam- se cálculos alarmistas das centenas de milhares de contos de réis de riqueza privada que desapareceriam instantaneamente por um golpe legal. Outros argumentavam que, pelo contrário, a abolição da escrava- tura traria a "liberação" de vultosos capitais, pois o empresário já não necessitaria imobilizar em força de trabalho ou na comercialização de es- cravos importantes porções de seu capital. (123) Veja-se VISCONDE oe MAU*, op. c«f.. p 219-20. A abolição da escravatura, à semelhança de uma "reforma agraria", não constitui per~se nem destruição nem criação de riqueza. Constitui simplesmente uma redistribuição dá propriedade dentro de uma coletividade. A aparente complexidade desse problema deriva de que a propriedade da força de trabalho, ao passar do senhor de escravos para o indivíduo, deixa de ser um ativo que figura numa contabilidade para constituir-se em simples virtualidade. Do ponto de vista econômico, o aspecto fundamental desse problema radica no tipo de repercussões que a redistribuição da propriedade terá na organização da produção, no aproveitamento dos fatores disponíveis, na distribuição da renda e na utilização final dessa renda. À semelhança de uma reforma agrária, a abolição da escravatura teria de acarretar modificações na forma de organização da produção e no grau de utilização dos fatores. Com efeito, somente em condições muito especiais a abolição se limitaria a uma transformação formal dos escravos em assalariados. Em algumas ilhas das Antilhas inglesas, em que as terras já haviam sido totalmente ocupadas e os ex-escravos não dispunham de nenhuma possibilidade de emigrar, a abolição da escravatura assumiu esse aspecto de mudança formal, passando o escravo liberado a receber um salário monetário que estava fixado pelo nível de subsistência prevalecente, o qual por sua vez refletia as condições de vida dos antigos escravos124. Nesse caso extremo a redistribuição da "riqueza" não teria (124) 0 caso da ilha de Antígua é apresentado na literatura especializada inglesa como demonstrativo do caráter puramente formal da abolição da escravatura ali onde as terras estavam monopoliza- das por uma classe social. A assembléia dessa ilha dispensou os escravos das obrigações cria- das peto Apprenticeship System, introduzido pelo Parlamento britânico como medida de transi- ção na abolição da escravatura. Esse sistema obrigava os escravos menores de seis anos a tra- balhar seis anos para os seus amos durante uma jornada de Th horas diárias, mediante alimen- tação, roupa e alojamento. Ao escravo ficava a possibilidade de trabalhar pelo menos duas ho- ras e meia diárias mais, mediante salário. Concedendo de imediato a liberdade total, os latifundistas de Antígua se concertaram para fixar um salário de subsistência extremamente baixo. A conseqüência (oi que os ex-escravos, em vez de trabalhar 7V4 horas para cobrir os gastos de subsistência, como ocorreria se se aplicasse o Apprenticeship System, tiveram que trabalhar dez horas diárias para alcançar o mesmo fim. Não existindo possibilidade prática de encontrar ocupação fora das plantações, nem de emigrar, os antigos escravos tiveram que submeter-se. Com razão se pode afirmar no Parlamento britânico, nessa época, que os rrdhces de libras de indenização pagos pelo governo da Grã-Bretanha aos senhores de escravos antifrianos consti- tuíram um simples presente, sem conseqüências práticas para a vida das populações trabaffia- dor as. Em outras palavras, a abolição da escravatura só trouxe benefícios aos escravistas. Para uma análise completa do caso de Antígua. veja-se LAW MATWESON. British Slavery and Its AboStíon 1023-1838. Londres. 1926. sido acompanhada de quaisquer modificações na organização da - produção ou na distribuição da renda. O caso extremo oposto.seria-aquele em que a oferta de terra fosse totalmente elástica: os escravos, uma vez liberados, tenderiam, então, a abandonar as antigas plantações e a dedicar-se à agricultura de subsistência. Neste caso, as modificações na organização da produção seriam enormes, baixando o grau de utilização dos fatores e a rentabilidade do sistema. Esse caso extremo, entretanto, não poderia concretizar-se, pois os empresários, vendo-se privados da mão-de-obra, tenderiam a oferecer salários elevados, retendo por essa forma parte dos ex-escravos. A conseqüência última seria, portanto, uma redistribuição da renda em favor da mão-de-obra. No Brasil não se apresentou nenhum dos dois casos extremos referidos no parágrafo anterior. Contudo, pode-se afirmar que a região açucareira aproximou-se mais do primeiro caso e a cafeeira mais do segundo. Na região nordestina as terras de utilização agrícola mais fácil já estavam ocupadas praticamente em sua totalidade, à época da abolição. Os escravos liberados que abandonaram os engenhos encontraram grandes dificuldades para sobreviver. Nas regiões urbanas pesava já um excedente de população que desde o começo do século constituía um problema social. Para o interior a economia de subsistência se expandira a grande distância e os sintomas da pressão demográfica sobre as terras semi-áridas do agreste e da caatinga se faziam sentir claramente. Essas duas barreiras limitaram a mobilidade da massa de escravos recém-liberados na região açucareira. Os deslocamentos se faziam de engenho para engenho eapenas uma fração reduzida filtrou-se fora da região. Não foi difícil, em tais condições, atrair e fixar uma parte substancial da antiga força de trabalho escravo, mediante um salário relativamente baixo. Se bem não existam estudos específicos sobre a matéria, seria difícil admitir que as condições materiais de vida dos antigos escravos se hajam modificado sensivelmente após a abolição, sendo pouco provável que esta última haja provocado uma redistribuição de renda de real significação. A indústria açucareira, no decênio que antecedeu a abolição, havia passado por importantes transformações técnicas, beneficiando-se de vultosas inversões de capital estrangeiro, sob os auspícios do governo central'25. Sem embargo, o último decênio do século se caracteriza por modificações fundamentais no mercado mundial do açúcar, como conseqüência da libertação política de Cuba. Inversões maciças de capitais norte-americanos foram feitas na indústria açuca- reira dessa ilha, a qual passou a gozar de uma situação de privilégio no mercado dos EUA126. Tanto as inovações técnicas como as dificuldades de exportação contribuíram para reduzir a procura de mão-de-obra. Destarte, a contração da oferta, provocada pela abolição da escravatura, não chegou a ter conseqüências graves sobre a utilização dos recursos e muito provavelmente não provocou qualquer modifi- cação sensível na distribuição da renda. Na região cafeeira as conseqüências da abolição foram diversas. Nas províncias que hoje constituem os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, em pequena escala em São Paulo, se havia formado uma im- portante agricultura cafeeira à base de trabalho escravo. A rápida des- truição da fertilidade das terras ocupadas nessa primeira expansão cafeeira - situadas principalmente em regiões montanhosas facilmente erodíveis - e a possibilidade de utilização de terras a maior distância com a introdução da estrada de ferro haviam colocado essa agricultura em situação desfavorável já na época imediatamente anterior à abolição. Seria de esperar, portanto, que ao proclamar-se esta ocorresse uma gran- de migração de mão-de-obra em direção das novas regiões em rápida expansão, as quais podiam pagar salários substancialmente mais altos. Sem embargo, é exatamente por essa época que tem início a formação da grande corrente migratória européia para São Paulo. As vantagens que apresentava o trabalhador europeu com respeito ao ex-escravo são demasiado óbvias para insistir sobre elas. Todavia, se bem não houve um forte incentivo para que os antigos escravos se deslocassem em (125) Em 1875 o Parlamento aprovou uma lei autorizando o governo imperial a dar garantia de juros a capitais estrangeiros invertidos na indústria açucareira até o montante de 3 milhões de libras. Nos dez anos seguintes se instalaram cinqüenta usinas de açúcar com equipamento moderno, financiadas quase sempre por capitais ingleses ao abrigo dessa lei. (126) O tratado de reciprocidade, firmado entre Cuba e os EUA, depois da independência da ilha, concedeu ao açúcar cubano uma redução de 20 por cento na tarifa americana. Esse privilé- gio, vindo-se somar aos custos reduzidos do transporte e às facilidades criadas pela grande afluência de capital norte-americano, tornou possível o surto excepcional da produção cu- bana no primeiro quartel do século xx. massa para o planalto paulista, a situação dos mesmos na antiga região cafeeirà~passou a ser muito mais favorável que a daqueles da região açucareira dcrNordeste. A relativa abundância dê terras tornava possível ao antigo escravo refugiar-se na economia de subsistência. A dispersão entretanto foi menor do que se poderia esperar, talvez por motivos de caráter social e não especificamente econômicos. A situação favorável, do ponto de vista das oportunidades de trabalho, que existia na região cafeeira valeu aos antigos escravos liberados salários relativamente elevados. Com efeito, tudo indica que na região do café a abolição provocou efetivamente uma redistribuição da renda em favor da mão-de-obra. Sem embargo, essa melhora na remuneração real do trabalho parece haver tido efeitos antes negativos que positivos sobre a utilização dos fatores. Para bem captar esse aspecto da questão é necessário ter em conta alguns traços mais amplos da escravidão. O homem formado dentro desse sistema social está totalmente desaparelhado para responder aos estímulos econômicos. Quase não possuindo hábitos de vida familiar, a idéia de acumulação de riqueza é praticamente estranha. Demais, seu rudimentar desenvolvimento mental limita extremamente suas "necessidades". Sendo o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio o bem inalcançável, a elevação de seu salário acima de suas necessidades - que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo - determina de imediato uma forte preferência pelo ócio. Na antiga região cafeeira onde, para reter a força de trabalho, foi necessário oferecer salários relativamente elevados, observou-se de imediato um afrouxamento nas normas de trabalho. Podendo satisfazer seus gastos de subsistência com dois ou três dias de trabalho por semana, ao antigo escravo parecia muito mais atrativo "comprar" o ócio que seguir trabalhando quando já tinha o suficiente "para viver". Dessa forma, uma das conseqüências diretas da abolição, nas regiões em mais rápido desenvolvimento, foi reduzir-se o grau de utilização da força de trabalho. Esse problema terá repercussões sociais amplas que não compete aqui refletir. Cabe tão-somente lembrar que o reduzido desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a segregação parcial desta após a abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país. Por toda a primeira metade do século xx, a grande massa dos descendentes da antiga população escrava conti- nuará vivendo dentro de séu limitado sistema de "necessidades", cabendo-lhe um papel puramente passivo nas transformações eco- nômicas do país. Observada a abolição de uma perspectiva ampla, comprova-se que a mesma constitui uma medida de caráter mais político que econômico. A escravidão tinha mais importância como base de um sistema regional de poder que como forma de organização da produção. Abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma parte houve modificações de real significação na forma de organização da produção e mesmo na distribuição da renda. Sem embargo, havia-se eliminado uma das vigas básicas do sistema de poder formado na época colonial e que, ao perpetuar-se no século xix, constituía um fator de entorpecimento do desenvolvimento econômico do país. CAPÍTULO XXV NÍVEL DE RENDA E RITMO DE CRESCIMENTO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX Considerada em conjunto, a economia brasileira parece haver alcançado uma taxa relativamente alta de crescimento na segunda metade do século xix. Sendo o comércio exterior o setor dinâmico do sistema, é no seu comportamento que está a chave do processo de crescimento nessa etapa. Comparando os valores médios correspondentes aos anos noventa com os relativos ao decênio dos quarenta, depreende-se que o quantum das exportações brasileiras aumentou 214 por cento. Esse au- mento do volume físico da exportação foi acompanhado de uma eleva- ção nos preços médios dos produtos exportados de aproximadamente 46 por cento. Por outro lado, observa-se uma redução de cerca de 8 por cento no índice de preços dos produtos importados, sendo, portanto, de 58 por cento a melhora na relação de preços do intercâmbio externo. Um aumento de 214 por cento do quantum das exportações, acompa- nhado de uma melhora de 58 por cento na relação de preços do inter- câmbio, significa um incremento de 396 por cento na renda real gerada pelo setor exportador'27. Dessa forma o setor mais dinâmico da economia quintuplicouno período considerado. Qual teria sido o aumento do conjunto da renda gerada no território brasileiro no correr desse meio século? A informa- ção disponível não nos permite ir mais além de conjeturas sobre este assunto. Se observarmos os dados relativos aos principais produtos ex- portados, constataremos grandes discrepâncias. Assim, se bem que o (127) Os índices de quantum e preços das exportações foram calculados com base no decênio 1841-50. incluídos os seguintes produtos: cate. açúcar, cacau, erva-mate, fumo. algodão, bor- racha e couros. No referido decênio esses produtos representaram 88,2 por cento do valor das exportações, subindo essa participação para 95.6 por cento nos anos noventa. Como ín- dice de preços das importações se utilizou o das exportações inglesas, o qual constitui uma boa indicação do comportamento dos preços das manufaturas no comércio mundial. Todavia, é possível que os preços das importações brasileiras hajam baixado ainda mais do que indica esse índice, em razão da importância do trigo nas compras do Brasil e do forte declínio ocorrido nos preços desse cereal no último quartel do século passado.
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