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2artigo def. leitores iniciantes e comportamento perene de leitura

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LEITORES INICIANTES E COMPORTAMENTO PERENE DE LEITURA
João Luís Ceccantini
UNESP – FCL Assis 
	O contato sistemático com estudos realizados hoje por aqueles que se interessam pela questão da leitura conduzem a um paradoxo: o de que nunca se leu tanto quanto no século XXI, mas também, sob outros ângulos de análise, o de que nunca se leu tão pouco quanto neste século que se inicia. Essa tensão básica faz-se presente, em maior ou menor grau, em pesquisas realizadas em diversos países – ainda que, por vezes, assuma feições distintas e sejam apontadas para sua origem diferentes razões –, o que faz pensar num fenômeno bastante geral e característico da cultura contemporânea. 
No caso brasileiro, somos surpreendidos a cada instante por números e cifras associados à leitura que impressionam, quando comparados com dados de tempos não tão remotos, e que sugerem avanços significativos nesse âmbito. Causa impacto, por exemplo, o fato de que, num país em que há menos de um século o índice de analfabetismo atingia cerca de 80% da população, hoje se vendam milhões de exemplares deste ou daquele best-seller ou que escritores-celebridades recebam milhares de reais (ou dólares, ou euros) como luvas para mudar de editora, assim como acontece com famosos jogadores de futebol quando passam de um time a outro. 
Muitos outros exemplos também podem ilustrar a importante dimensão que, na atualidade, a leitura assume no país, mesmo se for considerada apenas a leitura específica de livros: a quantidade assombrosa de títulos lançados no mercado editorial brasileiro a cada ano; os muitos novos escritores que despontam na esfera da cultura nacional; a rapidez com que títulos de sucesso internacional são aqui traduzidos e postos em circulação, com bastante êxito; a multiplicação de pontos de vendas de livros, que podem ser comprados não apenas em livrarias, mas também em supermercados, farmácias, lojas de conveniência etc.; a criação de centenas de novas editoras como produto das facilidades propiciadas pelas novas tecnologias; os multimilionários negócios envolvendo a aquisição de grandes e tradicionais editoras brasileiras por poderosas multinacionais do livro; os gigantescos projetos de compra e distribuição de livros por sucessivos planos governamentais; a realização de incontáveis eventos ligados ao livro e à leitura (bienais, feiras, salões, jornadas etc.); estes, entre tantos outros fatos que apontam para a idéia de que se lê muito e que põem em evidência um universo do livro em franca ebulição, movimentando grandes capitais, gerando empregos e produzindo desenvolvimento em diversas frentes.
Sob um prisma menos eufórico, porém, também é possível constatar que, embora a situação do alfabetismo� no Brasil apresente hoje um quadro significativamente mais positivo do que a situação de um século atrás, 9% da população ainda permanecem num patamar de analfabetismo absoluto e 65% se inserem num estágio intermediário de alfabetismo, caracterizado pelo fato de ainda não dominarem plenamente as principais habilidades leitoras nem se revelarem totalmente familiarizados com práticas de leitura freqüentes e necessárias no mundo atual. Assim, somente 26% da população brasileira (aproximadamente uma para cada três pessoas) dominam de maneira efetiva as habilidades e práticas típicas do universo da leitura. 
Nesse cenário menos alentador, diversos problemas têm sido enfatizados, muitos deles ligados particularmente à leitura de livros. A idéia de que hoje se lê menos do que há tempos atrás apóia-se sobretudo no gradativo desinteresse pela leitura literária ao longo das últimas décadas, em especial se essa for compreendida no sentido estrito das obras “clássicas” ou canônicas, encarregadas da transmissão de certo patrimônio cultural de excelência entre as gerações:
Aqueles que apregoam a crise da leitura não pensam na leitura em geral, e sim na leitura de certo tipo de livros – aqueles que formam a tradição erudita nacional e internacional. Estes são efetivamente pouco lidos, assim como são pouco freqüentados os espaços em que se manifesta a alta cultura. (Abreu, 2003, p.40) 
Observa-se que, cada vez mais, no gosto de ampla faixa dos cidadãos a leitura dessas obras tem pouco ou nenhum espaço, fazendo-se presente a leitura de títulos de caráter utilitário (como, por exemplo, os livros de auto-ajuda ou obras de natureza religiosa) ou de títulos voltados sobretudo ao entretenimento. Isso, quando a leitura de livros não é preterida, pura e simplesmente, pela leitura vinculada a outras tantas linguagens e suportes em circulação (tais como jornais, revistas, filmes, dvds, quadrinhos, videogames, internet etc.), onde os leitores vão buscar as doses de ficção e informação de que sentem necessidade.
Também tem sido reiterado que, mesmo entre os leitores que configuram aquele percentual avaliado como o dos plenamente alfabetizados (cerca de 26% da população), o nível recorrente de leitura que muitos fazem das obras de qualidade, tanto literárias quanto informativas, é epidérmico, revelando uma formação distante da usufruída por outras gerações, ainda que se admita que aqueles que dominavam esse nível de leitura mais vertical constituíam um grupo mais restrito e privilegiado do que usualmente se costuma imaginar. 
Assim, apesar de nunca se ter lido tanto no Brasil, ainda se lê bem menos do que o desejável, na medida em que grandes faixas da população permanecem numa posição periférica em relação à leitura, sobretudo quando o critério de análise se apega a uma dimensão mais qualitativa, seja no que concerne aos suportes (livros ou outros materiais de leitura), à escolha de obras (literárias ou não-literárias) e à consistência e profundidade das leituras realizadas. Nesse contexto bastante complexo em que a leitura hoje está inserida e que depende da ação de inúmeras variáveis – de ordem política, econômica, educacional, entre tantas outras – serão abordados aqui dois tópicos ligados à questão da mediação, aspecto essencial para a formação de leitores, mas que, naturalmente, devem estar integrados a uma ampla rede de políticas e ações culturais, sem a qual não há mediação individual e quixotesca que faça milagres. 
O primeiro tópico alinha-se a essa perspectiva dos avanços que efetivamente o país tem conseguido implementar no campo da leitura, e que, portanto, faz todo sentido enfatizar, multiplicar, aprimorar, cada vez mais. Trata-se da animação de leitura, realizada junto às crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental e o papel essencial que tem representado na conquista de novos leitores. O segundo tópico situa-se no âmbito do muito que ainda há por fazer e das soluções a buscar, concentrando-se num ponto de estrangulamento crucial da formação de leitores no país, e que diz respeito ao afastamento do universo da leitura por parte de muitos leitores assíduos formados com sucesso durante os primeiros anos da escolarização. Pesquisas recentes demonstram que há um abandono paulatino das práticas de leitura, à medida que esses leitores recém-cultivados vão deixando a infância e alcançando a juventude, num processo gradativo que só faz se intensificar ao longo da vida. 
A partir de meados da década de 70, vai-se tornando corrente, no Brasil, a noção da enorme importância exercida pelo contato com os livros já desde os primeiros anos de idade para a formação global da criança e para um processo de escolarização bem sucedido, particularmente no que diz respeito à competência de leitura e de escrita. É representativa, nesse sentido, a receptividade com que foi acolhida a tradução e a publicação de Como incentivar o hábito da leitura (1977)�, do austríaco Richard Bamberger (1911-2007)�, obra onde o pesquisador defende essa idéia e que obteve ampla circulação no país. Nos anos subseqüentes ao lançamento da obra, inúmeros psicólogos, lingüistas, pedagogos e profissionais das mais diferentes áreas e filiações teóricas se empenharam em reiterar a função essencial desempenhada pelo contato precoce das crianças com
os livros e outros materiais de leitura no processo geral do letramento, na medida em que esse contato cria condições favoráveis para que a criança se transforme num jovem de comportamento leitor ativo e maduro e este, por sua vez, se transforme num adulto leitor assíduo e capaz de encontrar na leitura múltiplos sentidos para sua vida. 
Nesse contexto, deixada de lado uma visão ingênua que, muitas vezes, imaginava a leitura como um caminho espontâneo e natural, percorrido apenas pelos que possuíssem uma “queda”, um “dom” ou um “pendor” para essa atividade, passou-se a um enfoque mais realista da questão, constatando-se que duas instituições – a família e a escola – assumem uma dimensão da maior relevância para o desenvolvimento do comportamento leitor da criança, com conseqüências diretas para a vida do potencial adulto leitor. Assim, cresce a cada dia a consciência geral entre pais, educadores e os responsáveis pelas políticas públicas de leitura quanto à necessidade de uma mediação contínua e dinâmica entre a criança e o livro, sempre articulada com um contexto social bastante amplo. 
Ana Maria de Oliveira Galvão, analisando os dados da pesquisa INAF, uma das mais sérias investigações sobre a leitura no Brasil realizadas nos últimos anos, enfatiza precisamente o peso que tem a família como influência no comportamento dos leitores:
“Os dados analisados revelam (...) grandes tendências em relação à transmissão do hábito de ler: parecem existir relações bastante estreitas entre os usos que da leitura e da escrita são feitos pelos entrevistados e os níveis, os hábitos e as práticas de leitura de seus pais. O contato com objetos escritos desde a infância também se revelou um fator fundamental para determinar o grau de alfabetismo dos entrevistados. Esses dados são bastante semelhantes àqueles encontrados em outras pesquisas, realizadas, inclusive, em outros países.” (Galvão, 2003, p.141) 
Com a ampla disseminação dessa idéia, de que a família influencia fortemente o comportamento das futuras gerações de leitores, cada vez mais são destacados, seja pelos especialistas, seja pela mídia, aspectos e ações que caberia aos pais realizar para estimular a formação de leitores competentes e duradouros: 
a leitura de histórias aos filhos desde a primeira infância, impregnando de afetividade tanto o ato de ler quanto as obras lidas; 
a ampla disponibilização de livros e materiais de leitura diversificados e de boa qualidade; 
a leitura cotidiana de livros, jornais e revistas de modo a oferecer modelos positivos de leitura, que possam ser continuamente introjetados pelas crianças; 
o debate freqüente das leituras realizadas pelos integrantes da família; 
a constante visita a bibliotecas, feiras do livro, bate-papos com escritores e ilustradores, estas, entre outras possibilidades.
Naturalmente que se trata de uma situação absolutamente idealizada, em oposição às reais condições materiais e afetivas vivenciadas no dia-a-dia pela absoluta maior parte das famílias brasileiras – isso, para não mencionar as crianças que nem sequer estão efetivamente protegidas por uma família... Mas se há famílias que, em situação econômica e emocional favorável, têm podido implementar ações como essas e têm colhido bons resultados na formação de leitores, por outro lado, as enormes desigualdades sociais do país, a velocidade das transformações por que vem passando a instituição familiar, as pressões da vida urbana contemporânea, a ausência de consciência sobre o problema ou a simples falta de uma tradição letrada que estimule a encarar frontalmente a questão poderiam conduzir a um prognóstico muito pessimista quanto à leitura, para uma parcela muito grande das crianças brasileiras. Estariam elas condenadas a ser não-leitoras por não possuírem um modelo familiar de leitura adequado? 
Muitas vezes o senso comum tem insistido nessa idéia ou mesmo isso é sugerido por um ou outro especialista. No entanto, não é o que mostram dados recentes sobre o assunto. Na mesma pesquisa do INAF, anteriormente citada, essa visão apocalíptica é negada: 
 “... pode-se, então, chegar à conclusão de que a família é a única e principal mediadora entre o indivíduo e sua relação com a escrita? Evidentemente não. A escola, pelo menos nas últimas décadas e para grande parte da população brasileira, tem-se constituído na principal via de acesso à leitura e à escrita – embora essa afirmação não seja válida para as gerações mais velhas.” (Galvão, 2003, p. 150) 
	No caso das gerações mais novas, portanto, a pesquisa deixa claro o papel fundamental desempenhado pela escola na formação de um contingente muito significativo de leitores. 
Para os profissionais ligados à educação que, nos últimos anos, têm freqüentado regularmente escolas de Educação Infantil ou das séries iniciais do Ensino Fundamental uma realidade que salta aos olhos no cotidiano escolar, seja na esfera pública, seja na escola privada, é a de que o ensino brasileiro amadureceu muito no sentido de promover atitudes afirmativas e comportamentos mais ativos em relação à leitura, talvez como resultado de anos a fio de debate do tema nas mais diferentes esferas: cursos de licenciatura e de formação continuada, seminários e congressos, diretrizes educacionais em âmbito regional ou nacional, farta bibliografia especializada e disponível sobre o assunto, estímulo do um forte mercado editorial de literatura infantil, entre outras possíveis razões por trás desse novo estado de coisas. 
Hoje, em inúmeras escolas, é fato corriqueiro, por exemplo, deparar com a cena de um conjunto de crianças alvoroçadas e barulhentas ou, ao contrário, silenciosas e extasiadas, que, sentadas em círculo, no pátio, na biblioteca ou na própria sala de aula, ouvem um adulto contando uma história com um livro aberto nas mãos. Trata-se geralmente de uma sessão da “hora do conto”, atividade muito praticada nas escolas e emblemática do que se convencionou chamar de animação de leitura, essa peça-chave de projetos de leitura eficientes no contexto contemporâneo�. 
Na verdade, identificar somente a “hora do conto” à animação de leitura peca por uma simplificação grosseira. No entanto, fazê-lo talvez se justifique aqui na medida em que “a hora do conto” se reveste de um poderoso valor simbólico. Remete ao gesto ancestral dos homens de outras épocas, que, sentados à beira de uma fogueira, compartilhavam experiências, histórias, sentidos, quando ainda não havia o livro e essa atividade era vital para a continuidade entre as gerações. Assim, quem sabe, é possível pensar “a hora do conto” como a atualização, para os pequenos leitores em formação, desse gesto fundamental de construção de sentidos, sem o qual não há educação de qualidade.
O mínimo que se espera de uma escola hoje em dia, portanto, é que se reservem amplos espaços e tempos para “a hora do conto”. Ainda que, naturalmente, o ideal é que se promovam muitas outras atividades de animação de leitura. De uma certa forma, reviver esse ritual da “hora do conto” é espalhar aos quatro ventos uma mensagem clara de que, nessa escola, a leitura é uma prioridade; compartilhar experiências é um imperativo. E qualquer um ficaria estarrecido de encontrar, ainda hoje, alguma escola que, por mais limitações de recursos materiais e humanos que possua, não tenha integrado ao cotidiano escolar sequer essa atividade, ignorando a contribuição significativa que um gesto simples como esse, desde que reiterado, tem para a formação de leitores.
Mas a animação de leitura não pode ficar restrita à “hora do conto”. É muito mais do que isso e é precisamente a sua prática sistemática, de maneira planejada e criativa, que tem ocorrido na faixa de escolarização que vai da Educação Infantil até cerca do 5.o ano do Ensino Fundamental, um importante fator responsável pela melhora da situação da leitura no Brasil ao longo das últimas décadas. Como algumas pesquisas têm demonstrado, muitos dos adultos hoje leitores maduros, afeiçoados ao livro e à leitura, foram crianças
que vivenciaram práticas escolares acertadas no trabalho com a leitura, estudantes em boa parte das vezes oriundos da escola pública e de famílias não-leitoras.
Assim, desperta entusiasmo observar no ambiente escolar brasileiro, hoje, a crescente recorrência de crianças das séries iniciais que, sob a ação da animação de leitura, se demonstram estimuladas a ler, freqüentam a biblioteca da escola (ou outras bibliotecas, motivadas por seus professores), retiram livros com regularidade, elegem obras e autores de sua preferência (bem com rejeitam tantos outros...), assumem posições firmes sobre as obras lidas, compartilham vivências de leitura com os colegas. Tudo levando à convicção de que é preciso investir, cada vez mais, na animação de leitura, reproduzindo iniciativas já experimentadas com sucesso, aprimorando aquelas em curso, criando estratégias dinâmicas e inovadoras, de modo a expandir a faixa de alunos motivados para a leitura e a alcançar patamares de crescente qualidade. 
	Se é o próprio professor de uma turma que irá assumir a função da animação de leitura ou se será designado um animador específico para isso, parece ser questão menos relevante e a ser solucionada conforme as possibilidades concretas de cada escola. O mais importante, no processo, é reservar para o ato de ler uma posição central no conjunto de atividades desenvolvidas pela escola, bem como tentar compreender em profundidade a natureza da mediação de leitura e definir com clareza seu papel. 
	Num número recente da revista espanhola CLIJ (Cuadernos de Literatura Infantil y Juvenil), que tem por matéria de capa a animação de leitura, José Antonio Camacho e Fernando A. Yela Gómez apresentam um longo balanço sobre o tema, enfocando-o tanto no âmbito escolar quanto no das bibliotecas de um modo geral. Como provocação a seus virtuais leitores, estabelecem, de início, algumas “regras da animação da leitura”, elencadas a seguir:
ter desejo de animar a ler;
despertar a vontade de ler;
colocar livros à disposição das crianças; 
tornar os livros acessíveis ao leitor, de modo que possam ser facilmente encontrados;
contar com uma biblioteca organizada e um pessoal com conhecimento, tempo, idéias claras e muita boa vontade; 
trabalhar em equipe e estabelecer um plano de atuação;
contar com uma mãe e um pai leitores e com vontade de que seus filhos leiam.
 (Camacho; Yela Gómez, 2008, p.8-10)
Trata-se, esta também, de uma situação idealizada, mas que, no contexto da discussão proposta pelos dois autores, deve servir como uma espécie de meta a ser atingida para alcançar um trabalho eficiente de formação de leitores estáveis. Na sua argumentação, os dois atribuem um enorme peso à figura do mediador, deixando tácita como condição para o êxito na formação de leitores que esse mediador deva ser, ele mesmo, um leitor voraz e apaixonado, totalmente convencido de que ler é um valor e de que há um sem-número de obras memoráveis que valem a pena ser lidas. Esse mediador sempre imaginará que, dentre essas obras todas, há aquelas capazes de seduzir o mais refratário, relutante e empedernido dos (não)leitores e que cabe precisamente ao processo de mediação identificar essas obras, torná-las acessíveis e transformá-las no objeto do desejo desse leitor-em-potencial. Pressupõem que o mediador aficionado das boas obras toma as “regras da animação de leitura” como um desafio, o que o levará a propor em diversos níveis – dos essencialmente individuais aos francamente coletivos – as ações precisas para vencê-lo. 
	Pedro Cerillo, um dos maiores especialistas espanhóis em questões sobre leitura e mediação, procura estabelecer de maneira objetiva o papel do mediador: 
“... criar e fomentar hábitos leitores estáveis, ajudar a ler por ler, orientar a leitura extra-escolar, coordenar e facilitar a seleção de leituras por idades e preparar, desenvolver e avaliar animações de leitura”. 
 (Cerrillo, 2002, p.445) 
Ao salientar a necessidade de que “o ler por ler” está entre uma dessas funções basilares do mediador, Cerrillo toca num aspecto delicado e que, muitas vezes, costuma constituir uma das principais razões para o fracasso de muitas animações de leitura, sobretudo quando quem as conduz é o professor, situação em que se sobrepõem numa só pessoa a figura do mestre, compreensivelmente mais pragmática, e a do animador de leitura, em princípio mais libertária. 
A instrumentalização da leitura na animação, em que até mesmo a literatura é usada para atender a esta ou aquela atividade que visa diretamente ao aprendizado escolar, por mais bem intencionadas que sejam as intenções de quem as propõe, costuma pôr a perder todo o esforço investido no processo, contrariando o princípio básico – e desafio – de toda animação: despertar um desejo autêntico de ler, ao contrário de fazer ler a qualquer custo, coisa, aliás, que a escola tradicional sempre fez, e com resultados muitas vezes desastrosos e sobejamente conhecidos, vacinando gerações a fio contra a leitura. 
Esse alerta contra o utilitarismo associado à leitura, particularmente da leitura da literatura, tem sido enfatizado também por Agustín Fernández Paz, um importante autor infanto-juvenil espanhol, de expressão galega, conhecido, ainda, por uma vasta produção sobre leitura e animação de leitura, elaborada com base em sua longa experiência como professor nos diversos níveis de ensino. Fernández Paz, em seus textos sobre o assunto, rejeita os enfoques pouco criativos, burocráticos e pragmatistas que se façam da leitura e faz uma defesa apaixonada de funções que são próprias da literatura e da arte em geral, desde tempos imemoriais: 
(...) é uma obrigação imprescindível propormos nas aulas uns objetivos mais ambiciosos que a prática funcional da leitura e da escrita e, em conseqüência, mergulhar de forma decidida no autêntico sentido de saber ler e de saber escrever. Descobrimos, assim, que algo que aparentemente iria contra a leitura/escrita (a diminuição de sua utilidade funcional imediata) é, paradoxalmente, o que nos vai permitir descobrir a verdadeira dimensão dessas duas capacidades e compreender a sua utilidade real (mais profunda, mais rica, mais complexa, mais decisiva).
	A escola de hoje deve abordar a conquista da leitura pelas crianças a partir de uma visão plural em que, para além da evidente visão instrumental, como ferramenta necessária para a aquisição de todo tipo de aprendizagens, se destacam estes outros aspectos:
- o livro como brinquedo, como um elemento que nos introduz nas possibilidades lúdicas da língua, constituindo-se numa fonte de prazer;
- o livro como porta aberta ao conhecimento do mundo e das pessoas, como instrumento para essa aprendizagem vital que se dá ao vivermos histórias que outras pessoas nos contam por meio deles (“sinto que por trás deste livro há uma pessoa que me fala”, dizia Montag, o protagonista de Fahrenheit 451�);
- o livro como elemento motivador, que nos impulsiona a deixar de ser tão somente receptores e a nos convertermos em construtores ativos das nossas próprias histórias. (Fernández Paz, 1994, p.76) 
	Na perspectiva assumida por Fernández Paz, que fique bem claro que o fato de o escritor defender a leitura e a literatura abordadas de uma perspectiva não-utilitarista não significa, em hipótese alguma, cair no extremo oposto, o de endossar o espontaneísmo. Em seus diversos trabalhos sobre o assunto, ele insiste na idéia de que a leitura não é instintiva, mas, ao contrário, pede uma postura ativa, demanda esforço contínuo, exige um investimento grande, tanto do leitor em formação quanto do mediador. Apresenta, assim, de modo sistemático, em livros e artigos de sua autoria, propostas bem concretas de animações de leitura, meticulosamente planejadas, organizadas segundo faixas etárias e séries escolares, com cada passo pormenorizado, abarcando pontos que vão da discussão da natureza das obras selecionadas à descrição minuciosa das propostas de atividades. 
Entretanto, o escritor
enfatiza a idéia de que não se pode perder de vista, em momento algum, a dimensão criativa em que deve ocorrer o processo de animação e que seu propósito central deve ser o de levar a criança a ler, não para que realize esta ou aquela atividade, mas ler para si mesma, ler para atender a uma necessidade interna, ler para satisfazer um gosto pessoal, aspectos que cabe ao mediador criar as condições para que aflorem plenamente. 
Não é o caso e nem há o espaço aqui para detalhar as inúmeras atividades e aspectos abordados por Fernández Paz nas suas propostas para sessões de animação de leitura (1991, 1994, 2002). Mesmo porque grande parte dos tópicos que explora está disseminada na fartíssima bibliografia disponível atualmente também no Brasil tanto em obras impressas quanto na Internet. Bibliotecas de classe, paratexto, ilustração do livro infanto-juvenil, materialidade das obras, reconstrução de histórias, murais, resenhas, quadrinização, jogos poéticos, jogos dramáticos, marionetes, contatos com escritores e ilustradores, debates, entrevistas, enquetes, desenhos, colagens, criação de histórias coletivas, listas, registros de leitura, “hora do conto”: estes são alguns entre inúmeros outros tópicos que têm sido abordados nos últimos anos, configurando a natureza diversa que pode assumir a animação de leitura. Hoje é possível ter acesso fácil a experiências dessa ordem, como produto dos mais diferentes contextos geográficos, sociais e culturais, experiências que podem ser reproduzidas ou servir de inspiração para a criação de novas propostas e ações, mas que – não é demais repetir – certamente só cumprirão efetivamente seu objetivo, se tiverem por base muitos dos princípios sobre mediação aqui expostos. 
	É com uma concepção de animação de leitura inserida num horizonte mais amplo, em que se busquem a colaboração e a sintonia entre diferentes agentes e instituições, tais como estado, município, biblioteca pública, biblioteca escolar, gestores educacionais, professores de língua materna, professores de outras disciplinas, animadores culturais, bibliotecários, pais etc., que se pode pensar em resultados mais efetivos. Além disso, é preciso a consciência de que a formação de leitores não admite imediatismo e pressupõe longo prazo para alcançar objetivos consistentes, ainda mais em tempos não exatamente afáveis para com a leitura de livros. Camacho e Yela Gómez situam bem o problema: 
(...) a realidade que nos rodeia costuma ser pouco propícia a esse encontro entre criança e livro: pais que lêem pouco, meios de comunicação que nos bombardeiam constantemente com efeitos pouco benéficos para o leitor, uma sociedade pouco dada ao silêncio e ao ritmo pausado, outras prioridades dos que nos governam na hora de administrar os dinheiros públicos, uma escola em muitos casos mais distanciada que impulsionadora da animação de leitura...
Por conseguinte, são necessários planos de atuação e estratégias que ponham em contato a obra do escritor com o destinatário. Planos que não podem ser flor de um dia nem campanhas grandiloqüentes que levem boa parte dos recursos públicos. Os melhores projetos de animação de leitura são aqueles que de forma discreta se prolongam no tempo, que vão se infiltrando como a chuva fina que ao passar do tempo faz germinar os campos. Os resultados da animação de leitura não se fazem de hoje para amanhã. É provável que não os veja quem está plantando e regando a semente. Mas se o trabalho for bem programado, constante e feito com carinho e dedicação, os efeitos serão vistos. 
 	 (Camacho; Yela Gómez, 2008, p.15-16)
Perder de vista que a formação do leitor é um processo que, além de altamente complexo, presume muito trabalho e objetivos a ser cumpridos a longo prazo tem levado a que bons resultados colhidos numa primeira fase de escolarização nem sempre tenham sua contrapartida em fases mais avançadas da vida escolar ou mesmo no comportamento leitor dos adultos. Esse fenômeno, do gradativo abandono do universo da leitura, na transição da infância para a juventude, ou mesmo na passagem da adolescência para a vida adulta, tem sido observado com muita recorrência no país, nos últimos anos, merecendo um permanente esforço de compreensão e a busca de ações que revertam o processo. 
Ana Paula Corti e Raquel Souza, especialistas em questões ligadas à juventude, chamam a atenção para um fenômeno de caráter geral que caracteriza a escola de nossos dias e que tem repercussão muito marcada na questão que nos interessa – a formação de leitores perenes. Na comparação entre as respostas que a instituição escolar tem conseguido oferecer às questões da infância e às da juventude, dizem: 
(...) a escola avançou muito mais em relação às crianças. Embora esse processo seja recente no Brasil, a educação infantil e primária tem conseguido incorporar os saberes científicos sobre a infância no seu cotidiano. Ao entrarmos numa escola primária percebemos a presença infantil por todos os lados: na disposição e formato dos móveis, na decoração, nos trabalhos realizados, nas cores, nos espaços recreativos e de alimentação. (Corti; Souza, 2005, p.119) 
Não se pode dizer que o mesmo ocorra em relação à juventude. Ao lidar com as questões ligadas aos jovens e, particularmente no que diz respeito à leitura, a escola brasileira não tem sabido encontrar soluções convincentes, de maneira oposta ao que se tem passado em relação à infância, em que, pouco a pouco, se vão acumulando sucessos relevantes. Hoje, sem dúvida, um dos maiores problemas a enfrentar na formação de leitores é o de como dar continuidade às conquistas obtidas junto às crianças, à medida que vão crescendo, de tal modo que continuem sendo leitores fiéis e motivados. Não bastam leituras que os jovens fazem por pressão direta ou indireta do ambiente escolar. E esse problema não parece específico do Brasil, mas global, como têm verificado estudos de vários países. É o que aponta, por exemplo, um grupo muito representativo de pesquisadores espanhóis da Universidad de Cantabria: 
Não há dúvida de que, para muitos jovens, a leitura é um efeito de sua permanência no universo escolar e, por esta razão, fora dele lêem menos e quando abandonam de forma definitiva o mundo da escola e suas obrigações, no caso de muitos desses jovens praticamente se produz um abandono da leitura. (Grupo Lazarillo, 2006, p.96) 
	Ao contrário do que costuma afirmar o senso comum, os jovens brasileiros constituem uma grande parcela da população leitora e também da que lê literatura. Mas fazem isso, sobretudo, sob a ação das coerções típicas do sistema escolar. Márcia Abreu, comentando a pesquisa do INAF e valendo-se também de uma importante pesquisa recente, realizada pela Câmara Brasileira do Livro (“Retrato da Leitura no Brasil”), apresenta dados significativos, no que diz respeito ao comportamento dos leitores jovens da população e dos leitores situados em faixas etárias subseqüentes: 
Contrariando o propalado desinteresse dos jovens pela literatura, eles formam o grupo de leitores mais assíduos de ficção (44% das pessoas entre 15 e 24 anos dizem ler “romance, aventura, policial, ficção”) e de poesia (lida por 35% dos que estão nessa faixa etária). À medida que envelhecem as pessoas vão progressivamente se desinteressando da literatura: entre os 25 e os 24 anos, 30% se dizem leitores de ficção e 16% de poesia; dos 35 aos 49, 24% interessam-se por ficção e 14% por poesia, e quando se chega à faixa dos que têm mais de 50 anos, apenas 18% lêem ficção e 10%, poesia.
A pesquisa Retrato da Leitura no Brasil chegou a conclusões semelhantes ao indicar que o leitor mais comum tem entre catorze e dezenove anos de idade (45% do total de entrevistados). 
 (Abreu, 2003, p.39) 
	Dados de uma outra pesquisa, ainda mais recente do que a INAF e a “Retrato da Leitura no Brasil”, também exemplificam o que há de artificial e pouco convincente nesse comportamento leitor dos jovens, na medida em que parece estar atrelado ao período em que
se encontram na escola e depois decresce sensivelmente: trata-se do “Perfil da juventude brasileira”� (2003/2004). Nessa pesquisa, quando se pergunta aos jovens brasileiros (de 15 a 24 anos) o que fazem de seu tempo livre no final de semana, em questionário que propõe resposta espontânea e única, a leitura se faz presente em apenas 1 % dos casos. Fica no mesmo patamar do cinema (1%), compondo, juntamente com esse tópico, os 2% da rubrica “Atividades culturais”. Isso, em contraste com 45% de “Lazer e entretenimento”, 22% das “Atividades dentro de casa” ou 18% de “Atividades Esportivas”. Quando se pergunta a esse mesmo jovem “o que gostaria de fazer sem quaisquer impedimentos”, também com a demanda de resposta espontânea e única, a leitura sequer aparece... No entanto, quando o questionário propõe questões com resposta estimulada (tal como nas pesquisas INAF e “Retrato da Leitura no Brasil), a coisa muda de figura e não se mostra assim tão negativa: 46% lêem revistas no final de semana, 33% lêem jornais, 20% estudam fora da escola e 34% dizem “ler algum livro (sem ser para escola ou trabalho)”. Ou seja, há um descompasso entre o que diz a resposta espontânea e a resposta estimulada no que se refere ao papel que a leitura ocupa na vida desses jovens. 
Assim, pode-se dizer que o jovem brasileiro lê. Mas esse descompasso sugere que a leitura desempenha um papel bem pequeno no imaginário, na afetividade, nos desejos, dos jovens pesquisados, reforçando a idéia de que, embora queiram se mostrar à pesquisa como leitores, quando o assunto leitura é evocado, os eventuais vínculos estabelecidos com a leitura na infância não se revelam suficientemente duradouros. Na verdade, já teriam enfraquecido e, para muitos deles, estariam em vias de desaparecer, tão logo se vejam distanciados do sistema escolar, sugerindo, portanto, um comportamento leitor bastante distante do perene.
	Nas pesquisas aqui citadas, a atividade leitora dos jovens, que, à primeira vista, poderia parecer bem animadora, demonstra-se, por conseguinte, como um comportamento razoavelmente efêmero, que põe em evidência que nem todos os objetivos que se esperam de uma política de formação leitora consistente estão sendo cumpridos. Afinal, os dados mostram que o simples fato de se ter despertado o gosto pela leitura nas séries iniciais, contando-se com leitores assíduos e motivados na infância, não tem sido suficiente para garantir a estabilidade desse comportamento em fases posteriores da escolarização. 
	Diversas razões, de cunho geral ou específico, costumam ser associadas ao fato de que a escola não está conseguindo consolidar comportamentos de leitura criados na infância: professores que não recebem formação adequada sobre a questão da leitura nos cursos de licenciatura; falta de políticas oficiais de fomento à leitura que sejam mais abrangentes e melhor definidas para todos os níveis de ensino; menor acesso material aos livros pelos jovens do que pelas crianças; pouco tempo para a leitura, gerada pelo fato de que grande parte dos jovens trabalha; excessiva instrumentalização da leitura nas séries mais avançadas; menor identificação dos jovens com os livros que circulam nas séries finais do Ensino Fundamental e Médio; o apelo de outros suportes e linguagens, que roubam tempo da leitura de livros; entre outros aspectos. 
No conjunto, todas essas razões se sustentam e convergem para uma questão de larga envergadura que apontam Corti e Souza: a escola ainda não conhece bem o mundo juvenil. De um lado, há pouca pesquisa sobre o assunto; de outro, o conhecimento que existe está longe de ter sido assimilado pela escola e transformado em práticas produtivas, que respondam às reais necessidades dos jovens que hoje freqüentam uma instituição em contínua expansão e transformação. Como explicitam as autoras: 
A escola e os professores desconhecem o processo cognitivo do aluno jovem e as variáveis que intervêm em seu processo de aprendizado. Deste aluno é subtraída toda sua condição bio-psico-social, como se seu papel de aluno já estivesse construído de antemão e fosse suficiente para explicar e definir sua relação com o conhecimento. (Corti; Souza, 2005, p.119)
Nesse contexto permeado de tensões, verifica-se um permanente estranhamento entre a escola e a juventude, em que acusações recíprocas se fazem, a propósito das razões de uma rotina escolar em que sobressaem a indisciplina, a agressividade e a apatia, aspectos que, antes de tudo, podem ser vistos como uma resposta dos jovens a uma instituição que não tem conseguido oferecer sentidos e referências significativas para suas vidas. 
	Para o caso da leitura, vale a pena salientar dois aspectos que mantêm estreitas relações entre si, e não têm sido devidamente considerados pela tradição escolar, mas que, uma vez levados em conta, têm implicações substantivas para o envolvimento dos jovens com os livros. O primeiro deles, de cunho bastante geral, diz respeito ao fato de que, superada a infância, um impulso de profunda socialização passa a balizar o cotidiano do jovem, modulando profundamente seus desejos, ações e visão de mundo. O outro aspecto, diretamente ligado a esse, reporta-se à noção de protagonismo juvenil (Corti; Souza, 2005), que tem se revelado uma estratégia diferenciada para mobilizar o jovem, para levá-lo a sair de uma atitude hostil ou indiferente frente a um modelo de escola em que não se reconhece, permitindo seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, que estabeleça uma interação transformadora com o meio no qual está inserido. 
	Se o conjunto de dados até aqui apresentado torna patente que a animação de leitura não pode se restringir às crianças e precisa ter continuidade ao longo de toda a escolarização, deverá sofrer, entretanto, as adaptações adequadas aos jovens, com ênfase para a questão da socialização. Os princípios básicos da animação permanecem os mesmos. A maior parte das atividades propostas às crianças também pode ser apresentada aos jovens, ainda que com um nível maior de complexidade e desde que não se deixe de lado a idéia básica da não-intrumentalização. É fundamental, contudo, priorizar aquelas que atendam a esse impulso para a vivência coletiva. 
	O desafio para o animador passa a ser o de tentar conciliar a dimensão essencialmente solitária da leitura (em última instância, sempre um embate subjetivo entre o leitor e a obra) e essa forte tendência juvenil que, muito mais do que em fases anteriores, se volta para a convivência em grupo, para a necessidade intensa de buscar as “tribos” que – paradoxalmente – auxiliam o jovem na construção de sua identidade individual. 
No âmbito da leitura, em oposição à atitude do leitor isolado e contemplativo, fruindo sua obra serenamente numa doce solidão, podem ser tomados como exemplos significativos de práticas de leitura vinculadas à idéia de sociabilidade, fenômenos contemporâneos como os fanfictions, as séries ou mesmo determinados blogs, que têm na internet seu suporte básico, ainda que presumam a leitura prévia de obras por vezes calhamaçudas (como Harry Potter ou o O Senhor dos Anéis). São demonstrações concretas dessa necessidade que os jovens têm hoje de explorar até mesmo o universo da literatura de uma forma que implique interação permanente entre pares. Querem compartilhar impressões de leitura e reescrever coletivamente esta ou aquela obra-matriz, dessas que fundam mitologias contemporâneas, em exercícios lúdicos capazes de arregimentar multidões de leitores. Eloy Martos Nuñez, pesquisador espanhol da Universidad de Extremadura, que estuda as práticas leitoras emergentes, valoriza precisamente esse traço agregador que caracteriza essas novas práticas: 
(...) do ponto de vista dos fãs (mas também da educação literária) a apropriação sem intenção de lucro destes mundos imaginários é um aperitivo para o desenvolvimento da criatividade pessoal e da colaboração em grupo, pois normalmente os fãs tendem a agrupar-se e compartilhar atividades de todo tipo, como “webs”, comunidades virtuais, convenções, jogos
de disfarces, livros de imagens com seus personagens favoritos etc.. Forma-se, assim, uma mitomania leitora que faz lembrar bastante, em Didática, o que se descreve como currículo oculto ou paralelo ao currículo oficial, neste caso, como um tipo de leitura subjacente ao cânon instituído e prestigiado pela sociedade, a escola ou a biblioteca. Não é à toa que o “fandom” [“domínio” virtual onde atuam os internautas fãs] se associa principalmente à fantasia, à ficção científica e ao terror, gêneros marginais e, ao mesmo tempo, emergentes. 
 (Martos Nuñez, 2006, p.67)
	Trata-se de um exemplo de prática leitora coletiva que, embora no Brasil esteja ainda razoavelmente restrita a grupos de classe média/alta, por depender das novas tecnologias, é sugestivo e inspirador de direções criativas pelas quais pode enveredar a animação de leitura destinada a jovens. Nas pesquisas de leitura que vêm sendo lembradas aqui, é flagrante o abismo entre esse desejo que os jovens têm de viver experiências culturais e de lazer em grupo e o quase nada que lhes é oferecido pela sociedade, incluída aí a escola. É assustador que no “Perfil da juventude brasileira” 88% dos jovens informem que nunca participaram de algum projeto cultural desenvolvido por governo ou ONG (e esse índice chega a 94% na zona rural). É de espantar que 59% informem que nunca participaram de atividade cultural desenvolvida pela escola no fim de semana. E choca, ainda mais, que, na época da pesquisa, somente 3% estivessem efetivamente participando de alguma atividade do gênero (Brenner; Dayrell; Carrano, 2005). Para não dizer que, entre os 38% que alegaram já ter participado alguma vez de projetos culturais, foi apenas uma ou outra vez e assim mesmo em tempos remotos...
	 Está sendo profundamente subestimado o papel que podem desempenhar iniciativas ligadas à leitura, que enfatizem a sociabilidade, sendo necessário atribuir um peso muito maior à questão da cultura e do lazer dos jovens: 
Uma dimensão inovadora constatada em várias pesquisas sobre as práticas juvenis no Brasil e em outros países se refere à importância da esfera cultural e do lazer como espaço produtor de sociabilidade. Nos espaços de lazer, os jovens podem encontrar as possibilidades de experimentação de sua individualidade e das múltiplas identidades necessárias ao convívio cidadão nas suas várias esferas de inserção social. As diferentes práticas de experiência coletiva em espaços sociais públicos de cultura e lazer podem ser considerados como verdadeiros laboratórios onde se processam experiências e se produzem subjetividades 
 (Brenner; Dayrell; Carrano, 2005, p. 177) 
	Corti e Souza, em Diálogos com o mundo juvenil (2005), ao discorrer sobre a entrada progressiva dos jovens na vida pública, comentam as diferentes estratégias de que os jovens se utilizam como maneira de construir sua “visibilidade pública e sua práxis social”, tais como o movimento estudantil – em décadas passadas – e o movimento antiglobalização – mais recentemente. Também reportam-se a tendências e movimentos variados que se vinculam à cultura ou ao esporte e que dão vazão a outras facetas do caráter gregário da juventude atual – é o caso dos skatistas, dos rappers, dos punks etc. Dentre essas formas de visibilidade, as duas pesquisadoras dedicam atenção especial à questão do “trabalho voluntário”, que tem constituído importante elemento aglutinador dos jovens em torno de causas as mais variadas, que podem ir da reabilitação de um centro esportivo degradado num velho bairro do centro paulistano à construção de cisternas no interior da Bahia. 
Enfatizam que, embora o “trabalho voluntário” não constitua propriamente um movimento autônomo dos jovens, sendo via de regra estimulado por instituições especificamente a ele dedicadas, se apóia no conceito de protagonismo juvenil, que, posto a serviço da educação, tem alcançado resultados estimulantes no cenário brasileiro: 
Trata-se de um princípio educativo de acordo com o qual os adolescentes passam a ser vistos como sujeitos capazes de agir no seu contexto social, e não como meros aprendizes espectadores. O protagonismo fundamenta uma metodologia para a formação de jovens em que a ação direta é tida como principal instrumento para a construção dos aprendizados, que possuem o duplo sentido de favorecer o desenvolvimento individual do jovem através do aumento progressivo de sua autonomia e iniciativa, e contribuir com serviços e ações em prol da coletividade.
 (Corti, 2005, p.63)
No que concerne à animação de leitura para jovens, a idéia do protagonismo está particularmente afinada com a sociabilidade almejada pela juventude, tanto porque se fundamenta na ação direta, propícia ao trabalho cooperativo, quanto porque se dirige para a comunidade, envolvendo potencialmente o jovem numa vasta teia de relações. Uma animação de leitura que, além do protagonismo, também se propuser incorporar a idéia do “trabalho voluntário” certamente constituirá uma alternativa a mais nesse esforço de levar o jovem a viver experiências intensas com a leitura, particularmente com a leitura literária. Entraria em jogo, assim, uma dupla mediação: a do professor (ou bibliotecário ou animador cultural), que desencadeia e orienta o processo, e a do estudante, que se torna, ele também, um mediador.
Num país em que há tanto por fazer pela leitura, sem dúvida que haverá espaço para a atuação do jovem como animador. E seu desejo, manifestado nas pesquisas, “de participar de projetos culturais”, poderá ser, em parte, atendido, com a particularidade de que se verá na posição de sujeito do processo. Independentemente de que esse jovem não seja um exímio leitor, sempre haverá faixas em que ele pode atuar: na própria escola, com estudantes de séries ou idades abaixo da sua; em bibliotecas comunitárias; em associações de bairro; em hospitais e asilos; em igrejas; nas mais variadas ONGs. Aspectos valorizados pelo jovem como autonomia, liberdade, independência, tão presentes, por exemplo, nas práticas leitoras dos adeptos dos fanfiction, blogs e séries, também aqui são fatores importantes do processo, de um lado respeitando a natureza do jovem, de outro, permitindo seu auto-desenvolvimento. O quanto não crescerá um leitor claudicante, selecionando obras para os fins da animação, lendo-as e relendo-as para planejar atividades, discutindo-as com seus colegas e, num momento posterior, com seus potenciais leitores?
Por outro lado, a animação de leitura realizada por jovens abriria espaço importante, não apenas para aqueles leitores que devem aprimorar competências, manter-se assíduos ou aprofundar vínculos em relação ao universo da leitura, mas também para um tipo de leitor que sofre uma marginalização às avessas no universo escolar: o leitor excepcional. Trata-se daquele leitor inveterado, compulsivo, aficionado da literatura, o qual é comum encontrar ao menos um em cada sala de aula (nas pesquisas sobre leitura, seu tipo corresponde geralmente a cerca de 5% dos leitores). Trata-se de um leitor que, muitas vezes, emergiu de um meio sócio-econômico muito pouco favorável para que se formasse leitor, mas que, na contramão das probabilidades, assim o fez. Muitos desses jovens são oriundos de famílias não-leitoras e nunca tiveram a chance de freqüentar boas escolas. Com esse tipo de leitor, a instituição escolar costuma ficar em débito; oferece a ele muito pouco: notas altas, meia dúzia de elogios, mas poucas oportunidades de efetivo aprimoramento na leitura, raras possibilidades de alcançar níveis de excelência, de expandir seu repertório de leituras rumo a direções mais ousadas, de trocar experiências com leitores do seu naipe. 
	Numa situação de animação de leitura, esse indivíduo pode trazer contribuições muito significativas para seu grupo, como, por exemplo, na seleção de títulos para as atividades, uma vez que, mais próximo das crianças e jovens, tanto pela faixa etária quanto pelo meio social, tem mais chances de estar em sintonia com seus interesses
e rejeições do que o próprio professor. Além disso, seria uma oportunidade de se liberar do estigma de avis rara a que normalmente o grupo condena esses leitores por sua “estranha condição” de ler espontaneamente e com enorme prazer. É curioso que as pesquisas sobre esse tipo de leitor mostrem que, no nível do lazer, ele costuma fazer tudo o que seus companheiros fazem, muitas vezes até destinando o mesmo tempo a isso – esporte, música, amizades, namoro, televisão –, mas ainda assim costuma ser visto com preconceito por ser leitor voraz.
	Na verdade, há todo um trabalho a fazer com esses leitores excepcionais que vai bem além de, eventualmente, delegar a eles o papel de animadores de leitura. A escola brasileira, na ânsia de compreender o fracasso escolar e buscar soluções para sua superação, geralmente se esquece de cuidar dos estudantes que, ao contrário, têm um desempenho muito acima da média e poderiam alcançar níveis de excelência. Esses leitores merecem um tratamento diferenciado, participando de círculos de leitura onde possam trocar impressões sobre as obras lidas com leitores do seu nível; recebendo orientação mais exigente de um mediador especializado, que proponha contínuos desafios quanto a autores e obras, que avance, numa leitura compartilhada, para questões mais densas de análise e interpretação, que os leve a alcançar patamares de um modo geral muito mais elevados no universo da leitura e da literatura, uma vez que – destes, sim, pode-se dizer sem temor – possuem “queda”, “pendor”, “dom” para a leitura e a literatura.
	A questão destes jovens leitores muito competentes e que se tornaram leitores em condições sociais adversas, caracterizando-se, portanto, como azarões no cenário brasileiro ligado à leitura, auxiliam na relativização de posturas demasiadamente deterministas que se possa querer assumir no esforço de compreender o processo de formação de leitores no país, um risco sempre iminente. Por outro lado, numa espécie de inevitável circularidade, o caso desses leitores que ainda constituem exceção à regra traz nossa discussão de volta ao começo, reforçando a idéia de que a leitura, no Brasil, configura um contexto bastante complexo e paradoxal, em que se sobrepõem aspectos díspares, ora sugerindo uma visão mais positiva do problema, em que sobressaem os avanços que temos conseguido implementar, ora apontando para uma dimensão mais sombria da questão, em que se divisam os muitos obstáculos ainda a superar. 
	A abordagem dos dois aspectos aqui focalizados – o sucesso gradual que o país vem obtendo com a animação de leitura nas séries iniciais da escolarização e o afastamento do universo da leitura por parte de muitos leitores assíduos à medida que passam os anos e, sobretudo, com o distanciamento do ambiente escolar – não teve a menor a pretensão de ser exaustiva, tendo sido deixados de lado vários aspectos que também seria importante explorar. 
O principal deles diz respeito à qualidade literária das obras que devem estar na base da animação de leitura, atividade defendida aqui não apenas na fase do letramento inicial do indivíduo, mas ao longo de toda a escolaridade. A problematização da seleção das obras destinadas ao processo de animação foi deliberadamente escamoteada aqui e se aceitou como tácito que sejam exploradas obras literárias de boa qualidade, mas sem que se entrasse no mérito da natureza do literário e do julgamento de valor aí implícito. No entanto, trata-se de uma questão densa e polêmica, que exige uma discussão específica e sobre a qual é fundamental ter um ponto de vista claro para um trabalho eficiente de mediação, embora não seja possível fazê-la neste espaço.� 
	O que se pode fazer é enfatizar que, hoje, estará fadado ao fracasso o projeto que identificar a formação de leitores ao modelo tradicional do “ensino de literatura”, fundado num conjunto de obras fechado e generalizado para qualquer contexto, geralmente apresentado ao aluno por meio de fragmentos de um livro didático, aos quais o estudante se dirige para atingir este ou aquele objetivo pragmático. Como diz Pedro Cerrillo: “Provavelmente o que é necessário hoje, mais do que ensinar literatura – de acordo com o conceito tradicional (...), seja ensinar a gostar da literatura ou, de qualquer modo, levar os alunos a uma postura propensa a apreciá-la e valorizá-la (2005, p.28). Para buscar esse objetivo, será necessário lançar mão, sem pudor, de uma postura não-instrumental e de um conjunto bastante aberto de obras, contemplando não apenas aquelas inseridas no cânon, mas também aqueles textos capazes de estabelecer um diálogo vibrante com referências que sejam significativas para o grupo de crianças ou jovens com os quais o mediador quiser interagir. Sem isso, a velha fogueira de tempos primevos certamente continuará perdendo de sua roda preciosos integrantes. 
Referências 
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� Tanto o emprego do termo alfabetismo quanto os números aqui comentados tomam por fonte a Pesquisa INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), com resultados apresentados na obra Letramento no Brasil (2004), organizada por Vera Masagão Ribeiro. 
� Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix; MEC.
� O autor foi um dos fundadores da Associação Internacional de Pesquisa em Literatura Infantil (IRSCL – International Research Society for Children’s Literature), criada em 1970, na Alemanha.
� Neste artigo, a questão da mediação
e da animação de leitura é considerada, sobretudo, na sua dimensão escolar, o que não significa que, para muitos dos tópicos abordados, não se possa fazer ilações correlatas para o caso de bibliotecas não-escolares e outros contextos de leitura também muito importantes. 
� Romance norte-americano publicado em 1953, por Ray Bradbury (1920), sobre uma sociedade em que o governo queimava todos os livros existentes. 
� A pesquisa já deu origem a dois livros bastante relevantes sobre a situação geral da juventude no Brasil de hoje, ambos publicados pela Fundação Perseu Abramo: Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação, organizado por Regina Novaes e Paulo Vannuchi, e Retratos da juventude brasileira, organizado por Helena Wendel Abramo e Paulo Martoni Branco. 
� Em linhas gerais essa questão foi abordada por mim “Leitores de Harry Potter: do negócio à negociação da leitura”. In: RETTENMAIER, Miguel; JACOBY, Sissa. (Orgs.). Além da plataforma nove e meia: pensando o fenômeno Harry Potter. Passo Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 2005. p. 23-52. 
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