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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APOSTILA 2017 Esta apostila contém excertos de textos, artigos e pesquisas dos respectivos autores para fins de leitura e estudos na área da Educação 2 Sumário A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: ESTUDO DAS MOTIVAÇÕES MOBILIZADORAS DETERMINANTES DA SUA PERMANÊNCIA EM SALA DE AULA ............................................ 5 O JOVEM EM CONFLITO COM A LEI E O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA ......................... 14 3 A Educação de Jovens e Adultos: Estudo das Motivações Mobilizadoras Determinantes da sua Permanência em Sala de Aula Autor: Gislaine Rodrigues da Silva RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar o resultado da pesquisa acerca da permanência de alunos da EJA em sala de aula, na Escola Municipal de Educação Básica Sadao Watanabe, município de Sinop-MT. Identificar as motivações mobilizadoras desta permanência em sala de aula, bem como compreender as dificuldades encontradas por eles, os motivos que os fizeram voltar à sala de aula e a relação com o professor. Para fundamentar a pesquisa recorremos aos autores: Freire (1979, 1987, 1989, 1990, 1996), Soares (2004), Pinto (1982). Quanto a metodologia, utilizamos a pesquisa qualitativa com estudo de caso, onde foram feitas observações diretas, participação da pesquisadora com o meio pesquisado. Com a professora regente obtivemos as respostas necessárias através de conversas informais, quando das nossas observações e estágio, e aplicação de um questionário semiestruturado. Foram aplicados os questionários a cinco (5) alunos, onde apenas um tinha idade inferior a quarenta (40) anos. Com as respostas em mãos e observações feitas, constatamos que professor e aluno estão permanentemente interligados através do carinho, respeito e paciência com que ele trata seus educandos. Os alunos que frequentam a sala da EJA superam obstáculos e dificuldades, graças ao seu anseio e força de vontade em adquirir o conhecimento letrado. Pois, muitos buscam uma melhora de vida e acreditam que isso só se fará através da educação. Esforços somados à vontade de sair do analfabetismo os estimulam a continuar. Palavras chave: Educação de jovens e adultos, superação, motivações, mobilizadora 4 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S A referida instituição de ensino foi criada em 1993 sob a lei nº 284, autorização nº 121 do C.E.E de 1997. Inaugurada no dia 14-09-1993 na gestão do prefeito Antonio Contini. Situada à Avenida das Sibipirunas, nº 5651, bairro Jardim das Primaveras em Sinop MT tendo como agentes da pesquisa estudantes da Edu- cação de Jovens e Adultos que estão frequentando regularmente as aulas, e são matriculados na primeira, segunda, terceira e quarta fase da EJA. Este trabalho está dividido em três partes distintas e considerações finais. No primeiro capítulo abordarmos a educação de jovens e Adultos (contexto histórico). Para maior entendimento, tornou-se necessário con- hecermos estudos realizados por autores como: Soares, Pinto, Freire entre outros. Na terceira parte faremos análise dos dados obtidos, buscando um entendimento com teóricos estudados, acerca da Educação de jovens e adultos. E finalmente, trataremos das considerações finais, onde retrataremos as conclusões que a pesquisadora obteve não se trata de con- clusões finais, mas de possibilidades que con- tribuem para a permanência do aluno da Edu- cação de jovens e Adultos em sala de aula, ou até mesmo de um incentivo, para futuros estu- dos. A Educação de Jovens e Adultos: Estudo das Motivações Mobilizadoras Determinantes da sua Permanência em Sala de Aula 2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: dados históricos Compreende-se por educação de jovens de adultos o processo de alfabetização que inicia-se com alunos maiores de 18 anos, que por algum motivo não tiveram acesso ou não concluíram seus estudos. Uma vez que a educação de jovens e adultos está regulamen- tada, pela resolução nº01/2000 CNE parecer 11/2000 CNE/MT e pela resolução nº180/2000 CEE/MT onde garante, entre outros, o ensino a todos os cidadãos que não 1 INTRODUÇÃO A educação escolar é um bem indis- pensável para o desenvolvimento do indivíduo, não somente no que diz respeito ao mercado de trabalho, mas também para seu desenvolvimento e atuação na sociedade. Quando a educação iniciou no Brasil, somente tiveram direito a ela pessoas de classe privilegiada. Isso fez com que um número reduzido de pessoas tivesse acesso ao mundo do saber. Esta problemática perdura até os atuais dias. Como forma de tentar sanar tamanho abismo, os responsáveis pelas decisões políticas educacionais criaram a EJA (Educação de Jovens e Adultos). A EJA surge com o objetivo de atender aquelas pessoas que não tiveram ou, não pud- eram estudar em sua idade série adequadas. Porém, da construção a consolidação desta ideia muitos são os desafios. O desafio funda- mental, o que julgo determinante para o sucesso ou insucesso desta perspectiva é a evasão. Este trabalho tem como objetivo apre- sentar um estudo das motivações mobilizado- ras determinantes da permanência deste grupo de educandos em salas de aula. O caminho daqueles que decidem ingressar ou retomar o papel de aluno e transformar-se em cidadão letrado, crítico e participativo na sociedade, é bastante árduo, pois exige destas pessoas muita força de vontade e determi- nação. Um número considerável desses alunos chega às salas da Educação de Jovens e Adul- tos com vontade de estudar, com o passar do tempo iniciam um processo de desânimo em relação à sua escolarização, o que o leva a abandonar o curso. O ensino de Jovens e Adul- tos é para muitos a realização do sonho da alfabetização, no entanto, acaba por transmitir além do conhecimento propriamente dito, a integração do indivíduo à sociedade, como cidadão participativo e não mais somente observador. A pesquisa foi desenvolvida em uma escola da rede municipal de Sinop-MT, Escola Munici- pal Sadao Watanabe. 5 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS A Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996 da Educação de Jovens e Adultos apresenta em sua SEÇÃO V, DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada aqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamen- tal e médio na idade própria. 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropria- das, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. 2º O Poder Público viabilizará e estimu- lará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e com- plementares entre si. Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos que com- preenderão a base nacional comum do currícu- lo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se ao: I - no nível de conclusão do ensino fundamen- tal para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de quinze anos; III - no nível de conclusãodo ensino médio, para os maiores de dezoitos anos. 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais são aferidos e reconhecidos mediante exames. Paulo freire tem sido referência para as reflex- ões acerca da educação de Jovens e Adultos, no entanto esta modalidade de ensino vem buscando concretizar o ideal de um Brasil alfabetizado, muito antes de seu surgimento. O Brasil vem a muitos anos lutando para extirpar o analfabetismo de jovens e adultos no país, inúmeros foram os projetos e cam- panhas para que a erradicação. No entanto, por um longo período, surgiram variadas nomenclaturas para campanhas semelhantes que não alcançaram o objetivo esperado. tiveram oportunidade de estudar em idade adequada. [...] A palavra clássica "pedagogia" se aplica a educação de crianças como estabelece a etimologia. De acordo com Jiménez Ortiz, o conceito de Andragogia é um neologismo proposto pela UNESCO em substituição a pala- vra pedagogia, para designar a ciência da formação dos homens, de maneira que não haja confusão com a educação de crianças, sendo uma educação permanente. (CAZAU, 2001, apud Florentino, 2007, p.06) Porém, para que a Educação de jovens e Adultos que se propõe a preparar o indivíduo para que este possa viver em sociedade, atuando de forma participativa no meio, prin- cipalmente no que diz respeito ao mercado de trabalho, deve ainda passar por grandes trans- formações, necessita de mudanças. Sendo assim, a Educação de Jovens e Adultos deve, de acordo com os Parâmetros Curricu- lares Nacionais, buscar a socialização entre práticas pedagógicas e práticas administrati- vas, afim de proporcionar de forma satisfatória ao cidadão condições voltadas especifica- mente para sua alfabetização, buscando não apenas torná-lo letrado, mas contribuindo para que o mesmo, conheça através da alfabetização princípios éticos, morais, deveres e direitos dentro de uma sociedade. ...o alfabetismo tem o poder de promover o progresso social e individual; seu pressuposto é a crença de que o alfabetismo tem, necessar- iamente, consequências positivas, e apenas positivas: sendo o uso das habilidades e con- hecimentos de leitura e escrita necessária para "funcionar" adequadamente na socie- dade, participar ativamente dela e realizar-se pessoalmente, o alfabetismo torna-se responsável pelo desenvolvimento cognitivo e econômico, pela mobilidade social, pelo progresso profissional, pela promoção da cidadania. (SOARES, 2004, p. 35) No entanto, essa sociedade de forma geral é injusta com o seu iletrado, na maneira que trata esse sujeito. 6 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S escritor, que lutou arduamente contra o anal- fabetismo de jovens e adultos, cria sua própria concepção de alfabetizar, que ficou conhecido como "método Paulo Freire ou método Freiria- no". Exilado, esteve na Bolívia e depois no Chile, onde por quatro anos trabalhou junto ao serviço de extensão cultural do governo de Salvador Aliende desenvolvendo o mesmo tipo de atividade e pesquisa que realizava no Brasil. Sua experiência do exílio pode ser qualificada como profundamente pedagógi- ca, pois lhe possibilita questionar Brasil, compreendê-lo melhor, compreender o que havia feito, e oferecer sua contribuição a outros povos. (MOLL, 2001, p.94). Nem mesmo o exílio fez com que Paulo freire deixasse de desenvolver seu conceito de alfabetização usando palavras geradoras, no exterior, que antes de serem analisadas em um contexto dialético, eram analisadas em contexto de vivência do educando, e aplicadas de forma que ele se identificasse dentro deste contexto. Foi com certeza um dos maiores avanços no que se refere a educação de jovens e adultos. A fim de divulgar seu "método" de alfabetização, Freire buscou auxílio junto aos governantes, porém, não aspirava finalidades políticas. Todavia, muitos aproveitaram para fazer-lhe críticas. Seu método espalhou-se rapidamente por todo país, e influencia educa- dores até os dias atuais. Freire era contrário ao método utilizado em cartilhas, onde o educando deveria conhecer as sílabas e orientado pelo professor, passa- vam a juntá-las e criar palavras, frases soltas, sem sentido para o mesmo. Assim, quando Paulo Freire se insurge contra as lições que falam de Evas e de uvas a homens que ás vezes conhecem poucas Evas e nunca comeram uvas, não está se insurgindo contra o "método" que, das "palavras gerado- ras" Eva e uva, tira a "família va- ve- vi- vo- vu", porque ele também propõe que das "palavras geradoras" tijolo ou favela se tirem as "famílias" ta- te- ti- to- tu, fa- fé- fi- fo- fu; está se insurgindo, isto sim, contra a distância entre Evas e uvas e a experiência existencial do alfabetizando, que empilha tijolos e mora em favela; está se insurgindo contra a alfabet- ização considerada apenas aquisição de uma técnica mecânica de codificação/decodifi- Somente na primeira metade do século XX, após incansáveis movimentos de massas pop- ulares que pediam por melhores condições e direitos sociais de cidadania, é que o Governo Federal atuou de maneira severa e a Educação de Jovens e Adultos torna-se parte de uma política de educação nacional. Na década de 40 a criação do Fundo nacional de ensino Primário (FNEP), do Instituto Nacion- al de Ensino e Pesquisas (INEP), lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) e surgimento das primeiras obras, destinadas ao ensino supletivo é que a educação de jovens e Adultos, ganha espaço e firma-se como questão nacional. Segundo Moll (2001, p.27) "O movimento de redemocra- tização do país, a partir de 1945, depara-se com 56% da população adulta (15 anos e mais) analfabeta." Em 1946 o Brasil passa de um modelo agrícola para modelo industrial, o que gerou a necessidade de uma mão de obra qualificada e alfabetizada, Por isso o MEC lança em 1947 a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) que visava não só alfabetizar, mas também qualificar o trabalhador. Esta campanha foi desenvolvida no meio rural e urbano. Nos anos 50 foi criada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), esta marca uma nova etapa sobre a Educação de Jovens e Adultos, pois seus organizadores compreendiam que alfabetizar adultos não traria benefícios e buscavam atentar-se para a alfabetização de crianças e jovens, visto que este "benefício" ainda poderia ser de grande valia e transformação em sua vida. Campanha que foi extinta em 1963. Segundo Pinto (1982, p 81), "É uma tese errônea e cruel admitir que se deva condenar os adultos à condição perpétua de iletrados e concentrar os recursos da sociedade na alfabetização da criança, mais barata e de maior rendimento futuro." Em 1964 foi criado um dos últimos programa de alfabetização de adultos, que tinha como referencial o método freiriano. No entanto, a repreensão do governo no ciclo militar pôs fim a estas e outras campanhas. Freire, professor, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 7 tribuíram em investimentos para a Educação de Jovens e Adultos. De acordo com relatório da comissão inter- nacional sobre a educação para o século XXI, da UNESCO, a educação deve ser um meio que conduza a transformação não somente do edu- cando, no que diz respeitoao seu crescimento intelectual, mas de toda uma sociedade visan- do o seu desenvolvimento em amplitude harmoniosa, exclusão de preconceitos, mel- hores condições de vida, sem violência e sem guerras. Entre os acordos firmados em Dacar durante encontro de educação, dois dizem respeito à Educação de jovens e Adultos, são eles: "garantir que as necessidades básicas de aprendizagem dos jovens sejam satisfeitas de modo equitativo, por meio de acesso a programas de aprendizagem apropriados; atingir, até 2015, 50% de melhoria nos níveis de alfabetização de adultos, em particu- lar para as mulheres, em conjunção com o acesso equitativo à educação básica e continu- ada de adultos." Em 2003 foi criada a Secretária Extraor- dinária de Erradicação do Analfabetismo, cuja meta era erradicar o analfabetismo durante os quatro anos de mandato do governo Lula. Para tanto foi lançado o Programa Brasil alfabetiza- do, que visa não só a educação de adultos, como também a formação de alfabetizadores. Visto que este é de extrema importância neste processo de alfabetização. Sabe-se que atual- mente o Brasil ocupa o 15º lugar no ranking de analfabetismo em lista onde incluem-se 22 países da América latina. O maior percentual observado dentro do país abrange adultos com 25 anos ou mais, com taxa de 12,5%. Entre eles, estão inseridos negros, nordestinos e pessoas com renda salarial baixa. 2.1 PROFESSOR DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) O professor da EJA necessita ter um perfil adequado, trabalhar com metodologias específicas para adultos. O educador exerce cação, e não como ato de reflexão, de criação, de conscientização, de libertação. Portanto: não é o método que é novo, não é um método de alfabetização que Paulo Freire cria, é uma concepção de alfabetização, que transforma fundamentalmente o material com que se alfabetiza, o objetivo com que se alfabetiza - enfim: o método com que se alfabetiza. (SOARES, 2004, p.119) O educando então, apenas memorizava e repetia este "ritual" quantas vezes fossem necessárias. Sendo assim, não desenvolvia seu senso crítico e não adquiria conhecimento intelectual. Freire acreditava que o educando adulto devesse aprender usando palavras de seu vocabulário diário, assim a construção do conhecimento estaria ligada a realidade do aluno, teria sentido para ele. Mas Paulo Freire criou; e criou muito além de um método: criou uma nova concepção de alfabetização no quadro de uma, também nova, concepção de educação. Não apenas uma concepção de educação como diálogo, que disso, realmente não foi ele o inventor (terá sido Sócrates?), mas uma concepção de educação como "prática de liberdade" edu- cação como "conscientização", e disso, real- mente, foi ele o inventor (...); mas uma con- cepção de alfabetização da cultura, como oportunidade de reflexão sobre o mundo e a posição e o lugar do homem nele. (SOARES, 2001, p38 apud SESI, 2003, p 20) Em 1964 com a tomada do poder, o golpe militar oprimiu todos os movimentos com ações sociais, temendo-se a liberdade democrática, inclusive o método freiriano. Para substituí-lo, em 1967 foi lançado o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabet- ização), que funcionou até 1985 e foi um dos mais conhecidos. Totalmente avessa ao método freiriano o MOBRAL buscava alfabetizar o adulto passan- do-lhe mensagens apelativas que apresenta- vam uma sociedade perfeita, moderna, onde ele seria inserido. A seguir foi criada a fundação Educar, extinta em março de 1990 no início do governo Collor. Década em que as autoridades pouco con- 8 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S meio, em sua casa, com sua família e principal- mente em sua profissão ou nos inúmeros trabalhos que desenvolveu. Reconhecer estes conhecimentos e despertar neste aluno o interesse em aperfeiçoá-lo através da alfabet- ização é dever do professor. Respeitar o conhecimento empírico deste aluno e partir deste ponto para a desco- berta de um mundo letrado é o grande refer- encial do método Freiriano. Cada um de nós é um ser no mundo, com o mundo e com os outros. Viver ou encarnar esta constatação evidente, enquanto educador ou educadora significa reconhecer nos outros - não importa se alfabetizados ou participantes de cursos universitários, se alunos de escolas do primeiro grau ou se membros de uma assembleia popular - o direito de dizer à sua palavra. Direito deles de falar a que corre- sponde o nosso dever de escutá-los. (FREIRE, 1989, p 26) É necessário que o professor não se revista de autoridade como forma de repreensão. É preciso saber ouvir, impor ideias e respeitar ideias, na medida certa fazer suas colocações. Só é capaz de impor autoridade, quem con- hece a liberdade. Pois ambas estão interliga- das. 2.2 O ALUNO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) O conhecimento nos acompanha desde o nascimento, é adquirido com meio, em con- strução constante. Aperfeiçoar este conheci- mento através da educação formal é sem dúvida o anseio de muitos jovens e adultos. O educando adulto é um trabalhador e como tal tem horários e deveres a cumprir, tem preocupações, vivenciam problemas, precon- ceitos e muitas vezes a autoestima está abala- da. Manter este aluno-trabalhador frequentan- do as aulas é um dos grandes desafios na edu- cação de jovens e adultos, e torna-se mais árduo uma vez que o adulto já tem hábitos papel fundamental na educação de Jovens e Adultos, dele depende o sucesso e a permanência do aluno em sala de aula. Sendo assim, este educador necessita perceber, o potencial de cada aluno, valorizando o conhe- cimento previamente adquirido. E muitas vezes, tem no professor o exemplo a ser segui- do, é preciso conquistar a confiança, desen- volver um laço afetivo com este educando. Freire (1996, p 47) descreve: "às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do profes- sor [...]" A confiança de ambas as partes, a aptidão para ensinar e aprender é o que determina o sucesso da alfabetização. Segundo Freire (1979, p 72) "Por isso a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajustado pelo educador." O adulto não alfabetizado muitas vezes con- segue de maneira simples e espontânea trans- mitir suas ideias e opiniões sem importar-se com a colocação verbal ou com o tempo em que o verbo deveria estar. O que não significa que dentro da sua simplicidade não esteja atento aos assuntos da sociedade. Pode por vezes, sentir-se constrangido em expor suas opiniões, seja por estar em determinado local ou na presença de pessoas cultas. Daí a neces- sidade de aperfeiçoar-se em seus estudos ou iniciar-se como aluno, para tanto Pinto (1982, p 83) descreve: O educador tem que considerar o edu- cando como um ser pensante. É um portador de ideias e um produtor de ideias, dotado frequentemente de alta capacidade intelectu- al, que se revela espontaneamente em sua conversação, em sua crítica aos fatos, em sua literatura oral. O que ocorre é que em presença do erudito arrogante, "culto" (o "doutor") o analfabeto se sente inferiorizado e seu comportamento se torna retraído. O aluno da EJA chega a sala de aula munido de conhecimentos, adquiridos em seu EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EDIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 9 DO CONTEXTO EMPÍRICO 3.1 ROTINA DAS AULAS PARA JOVENS E ADULTOS A alfabetização traduz muito além do que a inserção do aluno no mundo da escrita insere este educando no contexto social, ao qual sem perceber já estava fazendo parte. Muitos dos alunos, frequentadores da Edu- cação de jovens e Adultos, já passaram pelo ambiente escolar. Por algum motivo de ordem econômica, de trabalhos, acessibilidade a escola, e até mesmo por razões familiares, abandonaram a escola. Porém, estão dispostos a "recuperar o tempo perdido", o que na maioria das vezes, acaba por contribuir, para uma nova evasão ou desistência. Novamente fatores sociais, famili- ares e outros contribuem para que isto volte a acontecer. No entanto, os alunos que permanecem até o final do curso e buscam a educação letrada, passam por inúmeras dificuldades, são pes- soas que na maioria das vezes estão desprovi- das de condições financeiras, mulheres que chefiam a família e enfrentam o trabalho duro para trazer o sustendo à seus filhos, outras que são totalmente dependentes de seus maridos, cada pessoa é única e sua história de vida também. Mudar esta realidade é o que alme- jam estes alunos, conforme nos foi relatado durante os vários dias em que permanecemos na escola, em observação, estágios e coleta de dados. Os dados e demais informações, confronta- dos com o suporte teórico de: Soares, Freire, dentre outros, que permitirão compreender as ações que mobilizam a permanência deste aluno até o final do curso. As aulas iniciam-se pontualmente às 19:00 horas. A professora da sala, sempre acolhe seus alunos com um sorriso e um cumprimento amigável, o que lhe é prontamente retribuído. Após todos estarem devidamente acomoda- dos, inicia-se a aula com uma oração, com a participação de todos. Em seguida, a professo- ra pede para que os alunos peguem o caderno correspondente a matéria que será aplicada naquele dia. Todas as matérias são passadas adquiridos, provocar mudanças interfere em seu modo de vida. O adulto é por conseguinte um trabalhador trabalhado. Por um lado, só sub- siste se efetua trabalho, mas, por outro lado, só pode fazê-lo nas condições oferecidas pela sociedade onde se encontra, que determina as possibilidades e circunstâncias materiais, econômicas, culturais de seu trabalho, ou seja, que neste sentido trabalha sobre ele. (PINTO, 1982, p 80). Transformá-los em sujeitos participati- vos requer mais do que ensinar a ler e escrev- er, é necessário letrá-los, é necessário desper- tar neste aluno-trabalhador o anseio por condições de destaque dentro da sociedade. Trabalhar com ele questões socioeconômicas, de seu cotidiano. As ações educativas para o adulto que procura a escola necessitam ocor- rer no mais amplo sentido de cidadania, de participação na sociedade, muitas vezes, preconceituosa com seus analfabetos. A participação cada vez mais ativa das massas - incluindo grande número de anal- fabetos - no processo político de uma socie- dade expande a consciência do trabalhador e lhe ensina por que e como - ainda que anal- fabeto - deve caber a ele uma participação mais ativa na vontade geral. (PINTO, 1982, p 80). Na reflexão de Freire (1988, p 46) "Todos os homens são seres antologicamente iguais, finitos, inacabados, capazes de proced- erem a críticas autenticamente, "em situ- ações", sofrendo, portanto, os condicionamen- tos da realidade, mas sendo capazes de trans- formá-la porque são seres históricos". O adulto, quando alfabetizado, poderá perce- ber o valor de sua formação no momento que usar o conhecimento adquirido em sala de aula para transformar sua realidade e passar a ser sujeito construtor da sua história. 3 DA ANÁLISE DOS DADOS A COMPREENSÃO 10 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S sala de aula. 3.2 PERFIL DO ALUNO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Todos os alunos entrevistados deixaram claro, durante as entrevistas, o seu contentam- ento em poder frequentar pela primeira vez ou voltar a frequentar novamente uma sala de aula. O que em certos momentos nos emocio- nou, tamanho o esforço destes alunos em adquirir o saber letrado. Não estão acomodados, aceitando o destino que lhes foi imposto quando criança devido a várias circunstâncias, mas buscam e anseiam por educação culta, transformadora e auxilia- dora em sua intervenção na sociedade. Portanto, enquanto animal é essencial- mente um ser de acomodação e do ajustamen- to, o homem o é da integração. A sua grande luta vem sendo, através dos tempos, a de superar os fatores que o fazem acomodado ou ajustado. É a luta por sua humanização, ameaçada constantemente pela opressão que esmaga, quase sempre até sendo feita - e isso é o mais doloroso - em nome de sua própria libertação. (FREIRE, 1989, p.43). Acomodados são aqueles que tranquila- mente aceitam os obstáculos que ao longo da vida foram surgindo na caminhada. Observa-se que a maioria destes jovens e adultos busca através do estudo arrumar, ou manter o emprego, no entanto melhorar sua condição financeira, além da vontade imensa de aprender. É a oportunidade de conseguirem um trabalho de melhor qualidade com uma melhor remuneração. Segundo Fernandes: [...] a sua condição de analfabetos lhes obriga a se empregarem em trabalhos pesados e de baixa remuneração, tais como servente de pedreiros, empregadas domésticas e ajudantes, entre outras ocupações. A alfabet- ização aparece então como um meio para se na lousa e copiada pelos alunos, a professora faz questão de ler e explicar detalhadamente, o assunto à eles. As aulas são sempre muito participativas, pois os alunos são interessados e a professora faz questão de atender a todos com muito carinho e dedicação, o que com certeza faz muita diferença na Educação de Jovens e Adultos. Observamos que além de professora, ela é também amiga, conselheira e está sempre preocupada com o bem-estar de seus alunos, tanto dentro como fora da escola. Após os exercícios serem resolvidos, a professora faz a correção individualmente, na carteira de cada aluno. O intervalo é feito as 20:45 horas, todos os alunos vão para o pátio, e como não poderia ser diferente, aproveitam para conversar, contar histórias, saber dos amigos. Tivemos a oportunidade de passar vários dias entre os educandos da Escola Municipal de Educação Básica Sadao Watanabe, e fazer- mos parte deste círculo de amizade, o que con- tribuiu imensamente para esta pesquisa. Pois, podemos perceber que muitos alunos além de irem para a escola buscar conhecimento culto, vão em busca de companhia, de uma conversa amigável, de um ombro amigo. Na volta do intervalo, são distribuídos livros, revistas, e os alunos se concentram em uma leitura silenciosa e atenta para que depois, possam ler em voz alta um parágrafo. Este momento da aula é para muitos, gratifi- cante. Depois da leitura, a professora pede novamente para que eles peguem o caderno, e inicia-se nova matéria. Os alunos da Educação de Jovens e Adultos são dispensados as 22:15 horas, por se tratar de pessoas adultas, com obrigações no dia seguinte, após este horário seria quase inviável mantê-los incentivados a prestar atenção a aula. Muitos já estão cansados e várias mães são obrigadasa levar seus filhos para sala de aula, pois não tem com quem deixá-los. E na maioria das vezes, estes filhos que acompan- ham suas mães, são na verdade, seus maiores incentivadores para a sua permanência em EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 11 sentiu capaz de intervir, argumentar e buscar seus interesses, antes reprimidos por medo, pelo constrangimento de ser analfabeto. A sociedade, que contribui para esta desco- berta pelo adulto, é a mesma que será questio- nada, cobrada por ele. Deve assim, preparar-se para responder, satisfazer e realizar os seus propósitos. Pois, somente assim, ela (socie- dade) se fará sabedora que todos os seus esforços não foram em vão. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A evasão escolar desde sempre é assunto em pauta em toda discussão que diz respeito ao ambiente escolar. Também é fato que ela sempre ocorreu e que continua a acontecer. Muitas são causas, difícil é evitá-la nas escolas por mais projetos que se possa desenvolver. Mediante as observações, estágio, visitas e entrevistas com alunos e professores, apre- sento algumas considerações referente ao tema as motivações mobilizadoras determi- nantes da sua permanência em sala de aula. Podemos considerar, que o aluno que trabalha durante o dia e estuda à noite, por si só já é uma jornada cansativa. Dos entrevista- dos, todos têm família e todas as exigências e responsabilidades que esta demanda. Portan- to, trabalhar durante o dia e deixar à família todas as noites exige dos alunos muita força de vontade e persistência. Sendo assim, aqueles que hoje frequentam uma sala da EJA, vem em busca da realização de um sonho, de um desejo, do prazer em con- hecer as letras e com elas aprender a construir palavras, as quais, eles consideram uma forma de libertação. Muitas mulheres querem ler a bíblia, cartas, ajudar seus filhos com a lição de casa. Os homens veem na alfabetização a chance de melhora, de um emprego menos braçal e melhor remunerado. Orgulham-se em dizer que todos os seus filhos estão na escola, todos terão a oportunidade que eles não tiveram, pelo menos não na idade certa. As dificuldades encontradas no que diz respeito à aprendizagem são mínimas, diante de tamanho empenho, tanto por parte do edu- trocar esses empregos por outros menos des- valorizados socialmente, um serviço mais maneiro e de melhor ganho. A alfabetização desse modo se objetiva, para esses sujeitos, como uma aliada na sua fuga das condições miseráveis que lhes são impostas para produz- irem e sobreviverem.(2004, p.60) Muitos destes educandos viviam na zona rural, passaram a infância e adolescência ajudando seus pais na roça ou cuidando dos irmãos menores, não havia tempo para a escola. Ao migrarem para a cidade, sua condição de analfabeto os obrigaram a aceitar, mais uma vez, o trabalho braçal. Por isso a escola, a educação letrada é vista por estes educandos como uma meta a ser concluída, para que sua realidade de trabalhador braçal seja transformada, com um serviço menos árduo e melhor remuneração. Na segunda questão, os entrevistados falaram de como se sentem frequentando a escola depois de muito tempo fora dela? O adulto quando começa a frequentar a sala de aula, se sente valorizado. Aumenta sua autoestima, modifica seu modo de pensar e interage com pessoas que buscam ali um propósito em comum, a alfabetização, a liber- tação para um mundo antes privado de conhe- cimentos. Passa a sentir-se membro atuante da sociedade. Sente-se capaz de esboçar opin- iões, quando preciso e criticar, com intuito de reconstruir uma sociedade digna e menos preconceituosa. A escola torna-se assim, a porta de um mundo a ser descoberto. Em consequência, ao ensinar as primei- ras letras ao adulto, a sociedade estará abrin- do as portas para suas exigências educacionais futuras. E não somente é compelida a satis- fazê-las, portanto, deve desde agora prepa- rar-se para isso, mas unicamente assim adquiri sentido o intento atual da educação de adul- tos. Se assim não fosse, a sociedade estaria se empenhando num enorme esforço para nada [...] (PINTO, 1982, p.85). Ao descobrir o mundo letrado o adulto se 12 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S Terra, 1979. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler, 27ª ed. São Paulo, 1989, ed. Cortez. http://intervox.nce.ufrj.br/%7Eedpaes/magda.html LEI nº 9.394/96. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/c- civil_03/leis/L9394.htm. Acesso em 26 de Nov. De 2012 MOLL, Jaqueline. Alfabetização Possível: Reinventando o Ensinar e o Aprender 5ª ed. Porto Alegre, ed. Mediação,2004 PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo, ed. 1982. Plano Nacional de Educação: Brasília Câmera dos Deputados 2002. SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento: 2 ed. São Paulo: Contexto 2004. Departamento Nacional. Guia Para a Ação alfabetizadora: Serviço Social da Indústria Brasileira, SESI, INEP – MEC cando como do educador, que está sempre buscando a diversidade, não mede esforços, afim, de mantê-los em sala de aula. Foram semanas de observações, estágio, visitas à escola e entrevistas, para verificar- mos que a escola estudada, tem como princi- pal objetivo não medir esforços para que seus alunos da EJA permaneçam nela. Dentre outras coisas a escola oferece estru- tura pedagógica, psicológica bem como apoio emocional, pois o carinho, afeto entre aluno/- professor perpassam os portões da escola. Cabe ressaltar que há dificuldades, porém asseguramos que toda equipe escolar trabalha e empenha-se para se não sanar, ao menos suavizá-las. Observamos que o aluno da EJA precisa de um planejamento diferenciado e condizente com sua realidade cotidiana, mas, necessitam de incentivo, carinho e respeito, para que possa deixar de ser mero expectador e passe a ser autor de sua própria história. Enfim, consideramos que escola, família, comunidade, sociedade, bem como o Poder Público são corresponsáveis pela formação educacional de jovens e adultos. Acredita-se que a evasão escolar constitui uma negação desta formação. Desta maneira necessita-se buscar todos os meios e todas as ferramentas pos- síveis, afim, de sanar esse problema e garantir a todos o princípio da igualdade. REFERÊNCIAS FERNANDES, P. P. (2004). Literacia Emergente. In J. Lopes, Velásquez, P. P. Fernandez, & Bártolo. Aprendizagem, ensino e dificuldades da leitura. Coimbra: Quarteto. FERNANDES, Florestan. O significado do protesto negro. São Paulo: Editora Cortez, 1989. FUCK, Irene Terezinha. Alfabetização de Adultos. Petrópolis, ed. Vozes, 1994 FUCK, Irene Terezinha. Alfabetização de Adultos. Relato de uma experiência construtivista. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários á prática educativa 16ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Educação e mudança_ v1 Rio de Janeiro: Paz e EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 13 O JOVEM EM CONFLITO COM A LEI E O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA Valdenir Batista Veloso RESUMO: O presente artigo discorre sobre a estrutura do Sistema SocioeducativoParanaense e problematiza a garantia do direito à educação ao jovem em conflito com a lei, alvo de debates entre os estudiosos do Sistema de Garantia de Direitos desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Neste artigo, a análise recairá sobre a medida socioeducativa de privação de liberdade, a qual deveria ter um enfoque pedagógico e não punitivo de acordo com as premissas do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. O texto aborda ainda o direito à educação enquanto parte de uma integralidade de políticas públicas destinadas aos jovens que se encontram com seus direitos violados. Por fim, aborda-se também a questão da igualdade de oportunidades e da justiça social, mecanismos estes que devem oportunizar ao jovem autor de ato infracional e vitimado por uma sociedade capitalista e individualista, uma nova visão de mundo que o emancipe e que o possibilite a ser um sujeito de sua própria história. Palavras chave: Sistema Socioeducativo; Justiça Social; Direito à Educação. 14 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S 1 INTRODUÇÃO A sociedade contemporânea é marcada por uma crise de respeito aos direitos humanos e, consequentemente, a questão da alteridade e das individualidades, em que se verificam alterações importantes no que se refere a discussão de como deve ser a socie- dade em que o homem vive, se reproduz, se educa, onde vende a sua força de trabalho e onde convive socialmente. O processo de globalização mundial, ancorado no capitalis- mo, influência tais alterações, introduzindo novos padrões de sociabilidade e de humanis- mo às sociedades. No atual contexto de desintegração social e de novos padrões de sociabilidade, o jovem em conflito com a lei e, majoritaria- mente, de comunidades pobres, é constante- mente alvo de elementos ideologizados que o estigmatiza, atribuindo a ele uma índole nega- tiva, na qual não teria direito as garantias con- stitucionais no interior das instituições socioeducativas. Nos dias de hoje, está muito forte o discurso da punição ao invés da socioeducação, mesmo com os dados naciona- is demonstrando que os delitos cometidos por jovens correspondem a, aproximadamente, 1% da população carcerária imputável. Desenvolver práticas em que os direit- os sociais estejam garantidos não é tarefa sim- ples, pois tais práticas devem assumir o com- promisso com a equidade de atendimento a vida desse jovem que já teve os seus direitos violados desde o seu nascimento. Assim sendo, a igualdade de oportunidades e a justiça social devem oportunizar ao jovem autor de ato infracional e vitimado por uma sociedade capitalista e individualista, uma nova visão de mundo que o emancipe e que o possibilite a ser um sujeito de sua própria história. Na área em que se focaliza este artigo, o caminho para a efetivação de direitos soci- ais, iniciado em 1990 com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, aconteceu com o surgimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, em 2006, sendo posteriormente insti- tuído pela Lei Federal 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Dentre várias orientações, o SINASE reforça a concepção pedagógica das medidas socioeducativas, superando assim a visão san- cionatória de tais medidas. O SINASE enaltece ainda a importância de que as ações socioedu- cativas, destinadas aos jovens em conflito com a lei, estejam embasadas nos princípios dos direitos humanos. Neste sentido, o presente artigo tem como eixo central discorrer a respeito da con- statação histórica de que a educação pública e formal, na história da sociedade brasileira, por uma razão ou por outra, nunca foi de quali- dade para todos, ainda mais para àqueles que estão à margem da sociedade burguesa. Com a mesma importância, é problematizada a garantia do direito à educação ao jovem em conflito com a lei e que se encontra sob tutela do Governo do Paraná. O direito à educação é entendido neste ensaio enquanto um dos mecanismos de justiça social e que deve ser parte de uma integralidade de políticas públi- cas, onde a garantia de direitos esteja voltada para a formação da pessoa e do cidadão. 2 O ESTADO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS A Carta Magna de 1988 deixa claro que um dos objetivos fundamentais da República é erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais. No entanto, o que se vê ainda hoje é um longo caminho para atingir esse objetivo - dada à atual situação em que se encontra a disparidade social no país. Soluções mágicas inexistem! É preciso pensar em um projeto político socioeconômico que consiga no prazo de décadas estabelecer, no mínimo, uma situ- ação de maior equidade e de justiça social entre os cidadãos. As sociedades capitalistas, apesar do discurso sedutor e fetichista de oportunidade para todos, vez por outra produzem graves crises econômicas, as quais intensificam os processos de exclusão social no que se refere à garantia dos direitos da população, princi- EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 15 dade de uma educação democrática pública e de qualidade para as maiorias. Uma política de reforma cultural que pretende negar e dissolv- er a existência mesma do direito à educação. Segundo Gentili (1995), o neoliberalismo precisa, em primeiro lugar, ainda que não unicamente, despolitizar a educação, dan- do-lhe um novo significado como mercadoria para garantir, assim, o triunfo de suas estraté- gias mercantilizantes e o necessário consenso em torno delas. Enfim, dada essa diminuição do papel do Estado no atendimento das demandas soci- ais, verifica-se que para além do incremento da pobreza, há um aumento considerável das situações de violência, enquanto resposta social desses grupos, os quais não possuem acesso às políticas públicas, sendo que as políticas mais próximas são aquelas exercidas pelos aparelhos de força/coerção do Estado. Nesse contexto de violência, as crianças e os jovens são os sujeitos mais vulneráveis a situ- ações de risco pessoal e social. Destaca-se ainda que o jovem, nessa etapa da vida, dada também a situação econômica e social viven- ciada, pode ser tanto um agente promotor de violência, mas, sobretudo, uma das maiores vítimas desta sociedade unidimen- sional contemporânea. Nesta sociedade, de acordo com Marcuse (2015), os indivíduos estão alienados e se identificam com o que lhes é imposto, conformando-se com as estru- turas existentes, dada a própria existência alienada. Ainda para o autor, o homem está perdendo a sua individualidade e a capaci- dade de discordar e de decidir sobre o próprio destino. O que se observa na sociedade atual são as consequências de um materialismo e individualismo exacerbados, de mudanças econômicas e sociais que culminaram em má distribuição de renda e enormes desigual- dades sociais e, de bombardeios constantes na mídia, gerando anseios de consumo. Os jovens brasileiros estão expostos a estes fatores e, dependendo da classe social a que pertencem, encontram maior ou menor dificuldade para alcançar espaço enquanto pessoa e cidadão. palmente no que tange o acesso à renda e aos bens e serviços minimamente prestados pelo Estado. O Estado, em sua fase neoliberal, se destitui das funções referentes à proteção das demandas sociais e da regulaçãodas relações, delegando-as para a iniciativa privada, que dia após dia devora o fundo público, seja através de privatizações e/ou concessões, seja através das parcerias público-privadas. Hoje há um forte campo de disputas sobre o Estado e entre as classes, pois o Estado ainda é o elemento central de reprodução das relações e o mesmo tem muita dificuldade em romper com a hegemonia do capital. No campo da política educacional existe, atualmente, uma poderosa, bem-esta- belecida e complexa ideologia do mercado e, relacionada a isso, uma cultura da escolha, as quais estão baseadas em perigosas ideal- izações sobre o funcionamento dos mercados e sobre os incentivos dirigidos pelo “lucro”, na área da educação. “O mercado, como uma alternativa de política pública à educação como monopólio público” (BALL, 1995, p.196), caracteriza claramente o tom da política edu- cacional dos últimos anos, em todo o mundo ocidental. Nessa medida, o mercado produz exclusão e desqualificação, através de uma retórica centrada na possibilidade de as pes- soas fortalecerem seu poder de decisão. Em terceiro lugar, o mercado educacional coloca quem “escolhe mal”, em geral alguém perten- cente a um grupo minoritário, numa dupla situação de desvantagem, ao vincular a distribuição dos recursos à distribuição das escolhas. “Cria-se um sistema de exclusão e diferenciação que reforça e amplia as vanta- gens relativas das classes médias e superiores na educação estatal” (Id., p.216). O neoliberalismo ataca a escola pública a partir de uma série de estratégias privat- izantes, mediante a aplicação de uma política de descentralização autoritária e, ao mesmo tempo, mediante uma política de reforma cultural que pretende apagar do horizonte ideológico de nossas sociedades a possibili- 16 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S menos favorecidas, por isso a não prioridade nos orçamentos públicos, a fragmentação das ações propostas e a descontinuidade administrativa e financeira, fatores que ocor- rem desde a formulação das propostas até a execução/implementação das políticas. Infere-se também que a composição dos recursos para o financiamento das políti- cas sociais não se encontra ancorada em recur- sos fiscais, isto é, recursos vinculados e de gastos obrigatórios provenientes dos impos- tos, mas sim em frágeis contribuições, fundos sociais e receitas vinculadas, as quais podem a qualquer tempo ser contingenciadas pela União. Todavia, o primeiro passo para superar essa fragilidade é a definição de recursos com natureza de despesa específica nos orçamen- tos, nas três esferas de governo, do contrário a discussão ainda pautar-se-á nos próximos anos somente pelas questões conceituais das políticas sociais, entre elas a socioeducação. Assim sendo, a ineficiência do Estado na implementação de políticas públicas vem motivando o debate em torno do direito à edu- cação e os jovens privados de liberdade, orientando o pesquisador que subscreve este artigo na busca de informações acerca do Sistema Socioeducativo Paranaense e como a legislação de tal sistema aborda a questão desse direito aos jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Os doc- umentos oficiais como o SINASE, que esta- belece as diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, tem demonstra- do preocupação com a emancipação social desses jovens, atribuindo ao processo educa- cional um relevante papel. Ao analisar um sistema de socioeducação, faz-se necessário também uma análise da política de atendi- mento à infância e à adolescência e sua relação com o sistema de educação formal. 3 O JOVEM EM CONFLITO COM A LEI E O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA Inicialmente, é importante frisar que neste estudo a conceituação de emancipação do jovem em conflito com a lei acontece a partir Sobre os jovens das classes economicamente menos favorecidas, estes fatores podem ter consequências mais graves: se por um lado exige- se do jovem maior perseverança e vigor para o acesso aos bens de consumo e uma colocação no mercado de trabalho, por outro lado pode-se gerar um sentimento de frus- tração e impotência, em especial, quando o foco está na individualidade, na meritocracia, no sentimento do “ter” em detrimento do “ser”. Portanto, dada a sociedade contem- porânea e o papel do Estado, falar de políticas públicas, principalmente na área da infância e da juventude, é entender que os recursos públicos devem ter a destinação privilegiada para os programas e projetos de proteção às crianças e de oportunidades aos jovens. Assim sendo, o lugar desta parcela da população é o de estar representada significativamente nos orçamentos públicos, garantindo a efetiva elaboração, implementação e manutenção de programas e projetos que atendam às deman- das próprias e inerentes à formação pessoal e social de crianças e jovens. A destinação privilegiada de recursos para as políticas da infância e da juventude são urgen- tes e necessárias, pois segundo estudos do pesquisador Waiselfiz (2015), o Brasil é um dos países com o maior índice de violência contra crianças e jovens, com uma assustadora taxa de 13,9 homicídios para cada 100 mil crianças e jovens. Quando o recorte etário compreende o período dos 15 aos 19 anos de idade, esse índice dispara para 54,9 para cada 100 mil jovens, colocando o Brasil na terceira posição entre os países mais violentos para este seg- mento populacional. Este quadro é reflexo de um Estado que oferece pouca, ou nenhuma, política pública aos jovens pobres, os quais são a maioria dos que morrem nas comuni- dades periféricas. Talvez essa incongruência decorra do fato de que, conforme bem elucida Sposito (2003), as políticas públicas foram construídas para atender aos sujeitos de classes sociais EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 17 Catani e Gilioli, através de estudos sobre culturas juvenis, assim exemplificam o conceito de juventude: “Tratar de juventude envolve múltiplos aspec- tos a serem analisados. [...] É necessário dizer que não há apenas uma juventude e uma cultura juvenil, mas várias, que diferem segun- do condições sociais e históricas específicas. [...] Para discutir o que vem a ser juventude é necessário começar desmistificando-a como categoria apenas natural e biológica, quando na verdade ela é, sobretudo, uma construção social que varia de acordo com as diferentes culturas e mesmo no interior de cada cultura – e que nem sempre existiu como categoria socialmente visível. ” (2008, págs. 11 a 13) Nota-se que desde a promulgação da Constituição Cidadã e do Estatuto da Criança do Adolescente, a preocupação com o jovem em conflito com a lei é tema de permanentes debates no âmbito acadêmico e político. Haja vista que os delitos cometidos por esse jovem geram transtornos para a utópica convivência social harmoniosa e, assim sendo, tal “jovem delinquente” deve ser reeducado. Sendo que para muitos, que quiçá aceitam o debate sobre direitos humanos, a solução da questão está baseada principalmente no uso de instituições de internamento, sem a devida análise históri- ca e social do jovem que comete um ato infra- cional. Tais práticas de punição e de encarcer- amento que estão no imaginário de uma grande parcela da população, advém de umasociedade medieval que via a criança enquanto mero objeto e o jovem, principal- mente pobre, era destituído de qualquer função social, exceto quando do sexo femini- no, o qual tinha a sua “função” pré-definida. Convém pontuar ainda que, desde tal período histórico, as normas legais vêm sendo defini- das e elaboradas pelo poder hegemônico, o qual impõe seus conceitos e suas “verdades” para a sociedade como um todo. Felizmente, no século XXI, a discussão sobre direitos humanos ganha força no Brasil e no mundo, mesmo que com alguns retroces- sos aqui ou acolá. No caso do objeto em do ideário de Theodor Adorno (2012), onde se entende que o sentido da palavra emanci- pação deve ir para além do retórico, pois numa sociedade heterônoma e cercada de con- tradições sociais, a educação tem o papel fundante de despertar a consciência dos indivíduos para superação das contradições. Além disso, dada a temática em estudo, também se enaltece que a educação não deve servir apenas para modelar esses jovens em privação de liberdade, nem muito menos deve se reduzir a mera transmissão de conhecimen- tos, mas sim deve oportunizar a produção de uma “consciência verdadeira”, de pessoas emancipadas e que conheçam a sociedade altamente ideologizada em que vivem. Não menos importante, clarifica-se também que neste artigo o conceito de juven- tude a ser utilizado é o emanado pelas Nações Unidas, a qual define jovem como aquele cidadão entre 15 e 24 anos de idade. Dada a necessidade de um recorte temporal para o objeto de estudo e, tendo em vista a idade dos jovens que se encontram nos centros de socioeducação, isto é, dos 12 aos 18 anos (podendo chegar aos 21 anos dada a gravidade do ato infracional), considerou-se para tanto as deliberações do Conselho Nacional de Juventude que definiu como adolescente/jo- vem o cidadão com idade cronológica de 15 a 17 anos de idade. Para findar o quesito conceitos, desta- ca-se ainda que segundo o ECA, infância e ado- lescência abrangem um período cronológico compreendido entre zero a dezoito anos, sendo subdividida em duas categorias: criança e adolescente. Essa classificação é para melhor referenciar na legislação a criança (zero a doze anos incompletos), a qual são des- tinadas medidas de proteção e, o adoles- cente/jovem (doze a dezoito anos incomple- tos), ao qual são destinados, além de medidas de proteção, as medidas socioeducativas. Reit- era-se que esta conceituação do ECA é apenas jurídica, pois o entendimento sobre o jovem e as juventudes,um dos focos deste artigo, é o de que esta etapa da vida é derivada de uma construção histórica e social. 18 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ED U C A Ç Ã O D E JO V EN S E A D U LT O S E D IR EI TO S ED U C A C IO N A IS D E A D O LE SC EN TE S E JO V EN S EM C U M PR IM EN TO D E M ED ID A S SO C IO ED U C A TI V A S vem garantindo a tão almejada efetivação do direito à educação. A não garantia do direito à educação tem exercido pelo menos duas categorias de exclusão nas escolas: uma pela evasão escolar propriamente dita e outra, simbólica, por deixar claro ao aluno a sua diferença, referen- dando, desta forma, um padrão já vivido por ele e por sua família socialmente. É esse padrão, familiar/social/escolar, que é então introjetado pelo aluno e que fará parte da formação da sua identidade enquanto ser adulto. E desta forma a educação, conforme ressalta Tomasevski (2006), tem que ser disponível e acessível para todos, inclusive para as minorias, muitas vezes nem lembradas pelas políticas públicas. Tal educação também deve ser aceitável, isto é, com o mínimo de padrão de qualidade e, ainda, adaptável, que corresponda à realidade de seus sujeitos. Ainda segundo Tomasevski (2006), há uma forte correlação entre pobreza e exclusão educacional, uma vez que pobreza é resultado da negação de direitos. Neste ponto, a garantia do direito à educação tem a função de fortalecer o exercício de todos os demais dire- itos. Portanto, a função equalizadora do direito à educação tem a finalidade de tratar de forma desigual os desiguais, a tão polêmica discriminação positiva – conceito Francês para as ações afirmativas. 1 – respeitando dessa forma o direito de ser diferente de cada indivíduo. A discrimi- nação positiva e/ou a equidade na educação tem por função primordial ser justa com quem já fora discriminado anteriormente, com o intuito de garantir uma redistribuição dos bens sociais e a sua consequente alocação, consideradas as situações específicas do público a ser atendido. Aqui há que se enaltecer que o princípio da igualdade, conforme os ditames da lei, não contribui por si só para a redução das desigualdades sociais e para o acesso a cidadania plena, sendo que o mesmo se torna efetivo quando verificado, por exemplo, que em determinado grupo social há situações de estudo, para além da discussão sobre o pleno desenvolvimento do jovem na vida em socie- dade, é preciso discutir paralelamente se este jovem é negro, é homossexual, é mulher, é índio e/ou uma pessoa com deficiência. Esta discussão é necessária e faz parte desse debate tão contemporâneo do direito de minorias numa sociedade tão desigual. Abordar o direito à educação a partir do panorama anteriormente apresentado é um desafio, pois o primeiro ponto para que tal direito se concretize deve-se dar a partir de uma educação de qualidade e que a mesma possibilite a emancipação do jovem em confli- to com a lei, para que este possa enfrentar e superar as dificuldades decorrentes de suas condições de sobrevivência e, principalmente, contribuir para a formação de um indivíduo consciente, participante e historicamente engajado com o seu processo de hominização. A educação de qualidade não se faz somente com insumos, mas também com professores bem formados e valorizados, gerando assim práticas pedagógicas que possam desvelar e desmascarar todas as con- tradições e elementos opressores da estrutura capitalista vigente. Se esse jovem que se encontra em regime de internação recebe uma educação ideologizada e desprovida de senso crítico, como irá se posicionar num mundo cheio de conflitos, do qual ele já foi uma das vítimas? Como bem argumentam Oliveira e Araujo (2005), qualidade em educação não se mede somente pelos níveis de acesso e de permanência nos bancos escolares, a quali- dade almejada é aquela que possa se constitu- ir enquanto direito público subjetivo e, ainda, onde o direito das minorias esteja garantido em todo o processo educativo, buscando dessa forma a superação e/ou a minimização das históricas desigualdades sociais. Tais autores evidenciam que, apesar da prescrição de “padrão de qualidade”, previsto tanto na Constituição Cidadã, como na LDB 9394/96, ainda hoje não há a definição de quais são os elementos e/ou insumos necessários para um padrão de qualidade, o que de certa forma não EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 19 Para Arroyo (2002), o desafio é con- stante, e a finalidade maior da educação não se limita apenas ao processo de humanização, mas na recuperação da humanidade dos oprimidos/excluídos. E, enquanto o princípio da educação estiver voltado para o mercado, a educação será pobre e deficitária em sua formação, pois não visa o desenvolvimento do indivíduo, apenas o seu adestramento, a sua qualificação manual, em detrimento do ensino centrado na criticidade e na formação do pensamento. Infelizmente, apesar de pareceruniversal, a escola acaba por ser uma institu- ição isolada e onde não se discute o direito de todos, tanto é assim que o jovem em conflito com a lei, com suas inúmeras evasões e repetências, é uma vítima do atual sistema escolar que não está preparado para lidar com os diferentes e com as minorias. A luta pelo direito à educação para todas e todos deve ser constante, pois con- forme enaltece Arroyo (2002), a escola por si só não é garantia de um futuro promissor, mas ainda assim é a esperança de tornar as pessoas mais humanas. É sabido que a escola, enquan- to um dos aparelhos ideológicos do Estado, também está arraigada com ideologias que refletem o interesse das classes dominantes, por isso que a contraideologia deve acontecer para além dos muros da escola, de preferência via uma educação em direitos humanos. Esse modelo contra ideológico de edu- cação implica em práticas pedagógicas que levem o sujeito a pensar por si próprio, ver o que está errado e agir, tomar partido, se envolver, ter atitude e ir em busca de solução. O indivíduo sem essa cidadania vive à deriva, sem direção, como vítima das circunstâncias. Nesse processo de emancipação o sujeito aprenderá a utilizar novas linguagens que lhe farão compreender a realidade em que vive e desenvolverá uma nova concepção de socie- dade, diferente do modelo capitalista burguês de exclusão social e, assim, poderá comparar em qual modelo social se quer viver. O cidadão qu1e só conhece um modelo social acredita que tem somente este caminho a seguir, pois conforme Gadotti (1995), é preci- desigualdade e/ou desequilíbrio, as quais ensejam políticas compensatórias e de redis- tribuição, isto é, dar mais aos que tem menos. Neste corolário, Dubet (2008) enfatiza que para além da meritocracia, há que se pensar na “igualdade social das oportuni- dades”, tendo em vista que as condições soci- ais e culturais influenciam no sucesso ou no fracasso dos indivíduos. Todavia, o referido autor também destaca que a concepção ideológica da “norma de internalização” inculca nos indivíduos a responsabilidade total por suas ações, fazendo com que os mesmos não levem em conta as circunstâncias sociais e territoriais que permeiam as relações de sucesso ou de fracasso em que estão imersos, aceitando-se passivamente o fetiche da meritocracia enquanto caminho para a igualdade de oportunidades. Portanto, o direito à educação tem que ser compreendido para além das meras políti- cas de compensação, adquirindo o status de direito humano inalienável, natural e social, como forma de reparação e de equidade às injustiças sociais. Por isso, é preciso aper- feiçoar o Estado democrático de direito, privi- legiando o aprendizado e o exercício do diálo- go, de modo que os cidadãos – não apenas de direitos – tenham consciência de que são cidadãos e mais, que devem participar ativa- mente da construção de mecanismos que garantam a emancipação e a inclusão social de todas e todos, indiferente de credos, etnias, gênero e orientações sexuais. Nessa direção, percebe-se que a conjuntura do sistema de ensino brasileiro, mais especifica- mente dos currículos, esta alheia aos prob- lemas sociais e à realidade de negação dos direitos vivida pelos sujeitos, no caso do objeto em estudo, o jovem em conflito com a lei e seus direitos violados. Para enfrentar esse desafio, almeja-se um currículo emanci- pador e, consequentemente, uma prática ped- agógica que venha contribuir para a consciên- cia reivindicatória desse jovem, partindo do ponto de vista que a desalienação é o primeiro passo para o acesso a cidadania de forma plena. 20 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Fu nd am en to s fil os ófi co s e so ci ól og os d a eu da çã o e ps ic ol og ia d a ed uc aç ão direito à educação para os jovens em conflito com a lei, procurou-se também, durante toda a pesquisa da qual este artigo deriva, entender dialeticamente quem é esse sujeito histórico que se encontra em plena fase de desenvolvi- mento e que constantemente tem seus direit- os violados, seja por sua condição social, seja por sua condição de raça/etnia, de gênero e/ou por sua orientação sexual. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo objetivou discorrer, ainda que com estudos preliminares, a respeito da garantia do direito à educação aos jovens em privação de liberdade. Buscou-se também verificar elementos relacionados ao papel do Estado na condução das políticas públicas sociais. Não menos importante, apresentou-se um breve relato da estrutura e funcionamento do Sistema Socioeducativo Paranaense. Uma das conclusões levantadas, a partir dos estudos citados, infere que além de destituído de seus direitos, o jovem em confli- to com a lei ainda se assume como um gerador da condição em que se encontra, mesmo estando com seus direitos violados. Nesse ponto, o discurso meritocrático da sociedade capitalista que pune, culpa e tenta excluir esse jovem do convívio social, coloca no mesmo a responsabilidade de seu sucesso ou de seu fracasso. Em relação à escolarização no Sistema Socioeducativo Paranaense, é possível consta- tar que o Programa de Educação – PROEDUSE ainda encontra dificuldades para ser total- mente implementado nas unidades socioedu- cativas, ora por força do protocolo de segu- rança, que se sobressai sobre todas as demais atividades, ora por descaso do Governo do Estado para com o Programa, tendo em vista que novas disciplinas não são ofertadas e professores não são contratados. Ao discorrer sobre a garantia do direito a educação, constata-se que tal direito é uma das possiblidades de desenvolvimento da cidadania para o jovem em conflito com a lei, o qual já teve seus demais direitos violados. Há so construir outra concepção de sociedade a partir de uma educação emancipadora em que os direitos humanos estejam em evidência e não camuflados. Essa outra concepção de sociedade, fundada “em” e “para” direitos humanos deve ir além da tão almejada sociedade perfeita- mente justa, com instituições justas, como defendia John Rawls. Desta forma, ainda que sob o prisma da necessidade de instituições justas, é preciso referendar o posicionamento do Nobel de economia, Sen (2014), quando frisa que a ideia de justiça não é a de uma justiça perfeita, com instituições perfeitas, mas onde seja possível reduzir as injustiças e onde a justiça não seja indiferente às condições de vida dos sujeitos. Nessa perspec- tiva, não é correto o entendimento de que os Direitos Humanos, como assim querem propa- gar os jusnaturalistas, são uma mera abstração, um ideal de justiça ou uma atribuição natural e fixa que independe da vontade humana, mas tais direitos precisam ser entendidos enquanto produtos historica- mente e culturalmente produzidos pela socie- dade e que a ela pertencem, sem qualquer distinção. Para encerrar, mas sem finalizar a discussão do direito à educação e dos direitos humanos, é preciso compreender que o jovem que se encontra em conflito com a lei necessi- ta de oportunidades sociais e educacionais que não estejam alienadas e ancoradas na pas- sividade, as quais silenciam a liberdade de expressão desse jovem e renegam a sua trajetória pessoal e social. Todo ato educativo é sempre uma aposta no outro e, apostar nesses jovens em situação de risco pessoal e social, que pelas circunstâncias de seu meio social, de suas vidas, cometeram um ato infra- cional, implica em procurar ver no jovem não o que o diferencia, mas tudo aquilo que tem em comum com os demais; descobrir quem ele é, o que sabe e o que se mostra capaz de fazer e, ainda, não permitir que a visão preconceituosa da classe hegemônicaprevaleça. Nesse sentido, para além da discussão conceitual acerca dos direitos humanos e do EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DIREITOS EDUCACIONAIS DE ADOLESCENTES E JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 21 que se enfatizar que muitos desses jovens somente obtêm o acesso aos direitos básicos quando chegam ao Centro de Socioeducação, pois antes disso os direitos foram cerceados, inclusive o direito à educação, uma vez que a atual escola básica é um dos primeiros agen- tes de exclusão social do jovem que não se enquadra em suas normas e rotinas. Portanto, depreende-se que novas exigências são apontadas para a ação do Estado, principalmente no que tange o direito à educação e a busca de uma regulamentação do padrão mínimo de qualidade da educação a ser oferecida. Tal regulamentação também deve abarcar a qualidade do processo de esco- larização ofertado para os jovens em ambien- tes de privação de liberdade, definindo assim um custo-aluno qualidade mínimo, capaz de mensurar todos os insumos necessários para cada modalidade de ensino, seja na rede pública regular ou em ambientes de privação de liberdade. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2012. ARAUJO, Gilda C. & OLIVEIRA, Romualdo P. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação. Nº 28. 2005. ARROYO, Miguel. Educação em tempos de exclusão. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A cidadania negada: Políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Editora Cortez, 2002. BALL, Stephen J. Mercados educacionais, escolha e classe social: o mercado como uma estratégia de classe. In: Gentili, P. (Org). Pedagogia da exclusão. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1995. BRASIL. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília: CONANDA, 2006. CATANI, Afrânio M. & GILIOLI, Renato de Souza P. Culturas Juvenis. Múltiplos Olhares. São Paulo: Editora UNESP, 2008. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Editora Cortez, 1995. GENTILLI, Pablo. Educar para o desemprego. In: FRIGOTTO, G. Educação e crise do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1995. MARCUSE, Herbert. O Homem Unidimensional. São Paulo: Editora Edipro, 2015. SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2014. SPOSITO, Marília P. Trajetórias na construção de políticas públicas de juventude no Brasil. In: FREITAS, M.V.; PAPA, F.C. (Org). Políticas públicas: juventude em pauta. São Paulo: Editora Cortez, 2003. TOMASEVSKI, Katarina. Por que a educação não é gratuita? In: HADDAD, S. & GRACIANO, M. (Orgs). A educação entre os direitos humanos. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 2006. WAISELFISZ, Julio J. Mapa da Violência 2015. Adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil. Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO. Rio de Janeiro: junho de 2015. www.grupodiagrama.com.br
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