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F u n d a m e n to s e M e to d o lo g ia d a E d u c a ç ã o d e J o v e n s e A d u lt o s Ana Maria SoekAna Maria Soek 1Capa.indd 1 21/7/2010 10:56:04 02 6º PERÍODO - 1 PROVA - 21/07/2010 APROVAÇÃO: NÃO ( ) SIM ( ) ____________ Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos Curitiba 2010 Ana Maria Soek FAEL Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Diretor Administrativo-Financeiro Cássio da Silveira Carneiro Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Geral Dirlei Werle Fávaro SiStEmA EDuCACioNAL EADCoN Diretor Executivo Julián Rizo Diretores Administrativo-Financeiros Armando Sakata Júlio César Algeri Diretora de operações Cristiane Andrea Strenske Diretor de ti Juarez Poletto Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado EDitorA FAEL Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Silvia Milena Bernsdorf Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin ilustração da Capa Cristian Crescencio Diagramação Denise Pires Pierin Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424 Soek, Ana Maria S681f Fundamentos e metodologia da educação de jovens e adultos / Ana Maria Soek. – Curitiba: Editora Fael, 2010. 145 p. Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação de jovens e adultos. I. Título. CDD 371.9 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Dedico esta obra à minha filha Ana Paula, que me fez companhia em seus primeiros meses de vida, enquanto eu escrevia este livro. Agradeço a Deus pela sabedoria maior. Aos meus pais pelo dom da vida. Ao meu esposo, Paulo Morais, pelo incentivo e apoio em todos os momentos de nossas vidas. A todos os familiares pela compreensão. Aos mestres da Universidade Federal do Paraná que sempre se dispuse- ram a compartilhar seus conhecimentos durante minha formação. Aos meus educandos, com os quais tive o prazer de aprender e ensinar durante minha trajetória profissional. À equipe editorial da Editora Fael, por todo o profissinalismo na execu- ção deste trabalho. apresentação Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção e construção. Paulo Freire A tarefa de falar da obra da professora Ana Maria Soek nos permi- te fazer uma retomada de sua trajetória de pesquisa, onde se percebe a responsabilidade acadêmica e cientifica aliada a uma sensibilidade social com aqueles que, por diferentes fatores, não tiveram a oportuni- dade de escolarização. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos per- mite não somente a ampliação dos conhecimentos, de forma prazerosa e significativa, acerca da história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil e suas diferentes políticas e encaminhamentos, mas, também, contribui para uma reflexão sobre o educando da EJA, que, muitas vezes, é visto como um trabalhador pobre, oprimido e excluído, mas que, no entanto, possui um papel atuante na sociedade, sendo responsável pela produção social. A autora traz diferentes metodologias que podem ser empregadas na busca incansável de se enfrentar e superar os desafios da alfabe- tização, do letramento, do desenvolvimento da oralidade e do raciocí- nio lógico, fundamentais para o indivíduo enfrentar o mundo moderno e construir a consciência de sua condição na sociedade. Esta produção didática busca, ainda, analisar a influência da me- diação sociocultural na aprendizagem, bem como o contexto em que se articulam as experiências dos educandos da EJA na construção do conhecimento. Assim, as especificidades do trabalho pedagógico são apresentadas de forma a valorizar os interesses individuais e o ritmo de aprendizagem do educando, levando em consideração seus saberes e experiências adquiridos. apresentação Para encerrar sua trajetória crítica, o livro dá destaque a um dos pontos fundamentais no trabalho com a EJA – a formação do educador –, ressaltando que, além da necessidade de uma formação contínua, os edu- cadores devem perceber a realidade social e a condição de seus educan- dos, proporcionando-lhes um ensino que possibilite reflexão e criticidade, de modo que possam compreender os múltiplos mecanismos sociais. Sinto-me incorporado a esse trabalho, pois eu e Ana Maria Soek vive- mos ricas experiências educacionais durante o Mestrado, no qual pudemos discutir os diferentes encaminhamentos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Assim, além de recomendar a obra, fico à vontade para dizer que ela contribuirá de maneira significativa na formação dos profissionais que irão atuar com jovens e adultos e que deverão ter responsabilidade, com- prometimento e consciência de suas condições enquanto educadores. Francisco Carlos Pierin Mendes* * Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua na rede publi- ca de ensino e é professor do curso de pedagogia da FAEL nas modalidades presencial e a distância. apresentação apresentação Prefácio..................................................................................... 11 1 Aspectos sócio-históricos e filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil ....................................................... 13 2 Sistema organizacional da EJA no Brasil ................................. 35 3 Especificidades do trabalho pedagógico frente ao perfil do educando da EJA ........................................................ 49 4 Mediação pedagógica na EJA .................................................. 65 5 Relações de ensino e aprendizagem na EJA ........................... 79 6 Função social da leitura e da escrita ....................................... 89 7 Desenvolvimento da oralidade e do raciocínio lógico ........... 101 8 Desenvolvimento cognitivo e social dos educandos da EJA .................................................................. 115 sumário sumário 9 Teoria e prática nas relações fundamentais do trabalho docente .................................................................... 125 Referências............................................................................. 137 sumário sumário 11 prefácio prefácio Posso dizer que as inspirações para uma obra como esta sur- giram bem antes de me tornar professora. Ainda pequena, assim que aprendi a ler e a escrever, já aspirando à profissão docente, adorava brincar de escolinha. E foi em uma dessas brincadeiras de infância que alfabetizei o primeiro jovem trabalhador. Lembro-me bem de que em uma tarde, enquanto brincava de escolinha, um dos trabalhadores do sítio em que eu morava se inte- ressou pela “dinâmica da aula” e pediu para que eu escrevesse o nome dele em um papel. Imediatamente comecei a rabiscar o nome solici- tado e, na medida em que eu escrevia o nome do jovem trabalhador, ele solicitva que eu escrevesse outros nomes, como o de seus pais e irmãos, bem como o de uma moça por quem estava apaixonado. Nos dias seguintes, sempre quando eu brincava de escolinha, o jovem vinha até mim e perguntava como se escrevia uma ou outra coisa. De vez em quando, trazia, também, um pedaço de papel com alguma coisa escrita para eu ler para ele. Assim, com o tempo, aquele jovem aprendeu a escrever o próprio nome e a ler e a escrever outras coisas de seu mundo que lhe interessavam. Na época, não percebi o que essa experiência significou: foi a única oportunidade que aquela pessoa teve de aprender alguma coisa relacionada ao mundo da leitura e daescrita. Durante muitos anos, eu tinha em mente que as pessoas aprendiam a ler e a escrever natu- ralmente. Como pode alguém não saber escrever o próprio nome? Com o passar do tempo, percebi, também, que meus pais tinham dificuldades com o mundo da escrita, e que muitas pessoas na região em que eu nasci possuíam poucos anos de estudo. 12 Desse contexto, surgiram a necessidade e a vontade de fazer algu ma coisa pelas pessoas pouco escolarizadas, e o caminho escolhi- do foi me tornar uma professora. Mesmo estudando em uma escola rural, com poucos recursos, sempre mantive o sonho de chegar à faculdade. Assim, estudei pedagogia e me especializei em Educação de Jovens e Adultos. Derivam dessa história e da minha dissertação de Mestrado as principais ideias contidas nesta obra, que também é resultante da convivência com educandos jovens e adultos com os quais tive o pra- zer de aprender e de ensinar durante minha trajetória profissional. Com o mesmo prazer, espero poder compartilhar com inúmeros edu- cadores os pressupostos teóricos e metodológicos apresentados e dis- cutidos neste livro, assim como inspirar a beleza que o ato de lecionar ainda apresenta. A autora.* * Ana Maria Soek é pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, atualmente, vem se dedicando à Educação a Distância e à educação de pessoas adultas. Além disso, trabalha com a formação de professores e é autora e editora de materiais didático-pedagógicos. prefácio prefácio 13 Neste capítulo, será enfocada a história da Educação de Jovens e Adultos (EJA), desde as primeiras iniciativas de educação da nação brasileira, até a constituição da EJA como uma modalidade educativa que possui especificidades próprias. Para melhor compreender a trajetória histórica das lutas pela edu- cação de uma nação, é necessário estabelecer paralelos com a própria história do país. Por isso, durante este capítulo, apresentaremos as prin- cipais iniciativas da Educação de Jovens e Adultos no decorrer da histó- ria do Brasil, situando os aspectos sociopolíticos e filosóficos que per- mearam as mais relevantes campanhas educativas para essa faixa etária. Primeiras iniciativas de Educação de Jovens e Adultos1 Pode-se dizer que os primeiros educadores foram os Jesuítas, que chegaram ao Brasil com a pretenção de catequisar a população a par- tir de princípios religiosos, transmitindo normas de comportamento e ensi nando ofícios necessários ao funcionamento da economia colonial. Como a maioria da população era analfabeta, o método de ensino dos jesuítas consistia em um conjunto de regras e preceitos religiosos, deno- minado de ratio studiorium e transmitido, basicamente, pela oralidade. As primeiras escolas apareceram bem mais tarde, ainda sobre influên- cia dos jesuítas, que se encarregaram de organizar escolas de humanidades, 1 As principais ideias aqui apresentadas foram originalmente construídas para a disserta- ção de Mestrado de Ana Maria Soek (2009). Aspectos sócio-históricos e filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 14 que eram baseadas em princípios cristãos. De acordo com os estudos de Paiva (1987, p. 58), ao se analisar os registros históricos, percebe-se que, no Brasil, durante quase quatro séculos, prevaleceu o domínio da cultura branca, cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura dos índios, negros, mulheres e não alfabetizados, o que gerou uma educação seletiva, descri- minatória e excludente, que mantém similaridades até os dias atuais. ReflitaReflita Como vimos, o conceito de educação está fortemente atrelado ao contexto e ao momento histórico vivenciado. Fazendo um parale- lo entre esse primeiro momento histórico do Brasil e o que você já sabe sobre a Educação de Jovens e Adultos, que comparações po- dem ser estabelecidas? O que podemos analisar, por exemplo, sobre a situação que durou qua- se quatro séculos na história do Brasil de “domínio da cultura branca, cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura dos índios, negros, mu- lheres e analfabetos”, o que gerou uma “educação seletiva, descrimina- tória e excludente”, conforme citado dos estudos de Paiva (1987)? ReflitaReflita Na primeira Constituição Brasileira (1824) encontramos registros sobre a instrução primária gratuita para todos os cidadãos; no entanto, sabe-se que, durante um longo período da história do Brasil, essa educa- ção foi destinada somente às elites, uma pequena parcela da popu lação. Em consequência disso, pouco a pouco, foi aumentando o percentual de pessoas não alfabetizadas. De acordo com o censo do ano de 1920, havia um índice de 72% da população, com idade acima de cinco anos, que nunca havia ido à escola. A Revolução de 1930 deu início ao processo de reformulação da função do setor público no Brasil, e a sociedade brasileira passou por grandes transformações decorrentes do processo de industrialização. Com a promulgação da Constituição de 1934 foi previsto o ensino obrigatório, tanto para crianças, quanto para adultos, sendo a primeira Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 15 vez em que se apontou a necessidade de oferecer educação básica também para jovens e adultos que não haviam frequentado a escola quando crian- ças, rompendo com a ideia predominante, até então, de que a escola era necessária somente a crianças. Foi mencionado, ainda, o direito de o estu- dante ter acesso ao livro didático e ao dicionário de língua portuguesa. No recenseamento geral de 1940, a divulgação de que 55% dos brasileiros, com mais de 18 anos, não haviam sido alfabetizados desper- tou o país para o combate nacional ao analfabetismo. Essa iniciativa, ligada às campanhas de alfabetização propostas aos países com gran- des desigualdades sociais pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) impulsionou o projeto de implantação, no Brasil, de uma rede de ensino primário supletivo para adultos não alfabetizados. Primeira grande campanha de educação de adultos A partir de 1945, com o fim da ditadura de Getúlio Vargas, o Brasil viveu a efervescência polí- tica da redemocratização. Era ur- gente a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a susten- tação do governo central, inte- grar as massas populacionais de imigração recente e, sobretudo, incrementar a produção. Para tan to, era necessário oferecer ins- trução mínima à população. Em 1947, foi lançado um projeto nacional intitulado Cam- panha de Educação de Adul- tos, idealizado por Lourenço Filho e inspirado no método de Laubach, que se fundamentava nos estudos de psicologia expe- rimental realizados nos Estados Manuel Lourenço Filho nasceu em Porto Fer‑ reira, São Paulo, em 1897, e faleceu em 1970. Educador do magistério público, foi responsá‑ vel pela reforma do ensino público no Ceará e, em 1935, foi nomeado professor de psicologia educacional e diretor da Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal. Em 1938, a pedido do ministro Gustavo Capanema, organi‑ zou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógi‑ cos que, em 1944, lançou a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Lourenço Filho defen‑ deu a necessidade da elevação dos níveis de instrução de toda a população como condição para o desenvolvimento econômico da nação e foi protagonista da Campanha de Educação de Adultos, em 1940, que visava instituir políticas globais para solucionar os problemas da esfera educacional. Em 1949, organizou e dirigiu o Seminário Interamericano de Alfabetização e Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciênciae a Cultura (Unesco). Nessa ocasião, recebeu o título de “Maestro de las Américas”. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 16 Unidos, nas décadas de 20 e 30 do mesmo século. As experiências de Laubach chamaram a atenção de vários governos no mundo, e ele pró- prio chegou a preparar lições e treinar pessoas em mais de cem países. Em 1945, a convite de Lourenço Filho, Laubach este- ve no Brasil proferindo pales- tras e cursos sobre seu método de ensino. A metodologia proposta por Laubach apresenta os seguintes princípios (BRASIL, 2005, p. 36): oferecer oportunidades e incentivos aos alfabetizandos, porque todos • são capazes de aprender; construir a educação de jovens e adultos a partir dos conhecimentos já • existentes, cabendo ao educador a tarefa de ajudá-los a construir novos conhecimentos; despertar no alfabetizando o interesse por assuntos que fazem parte de • seu cotidiano, para que ele possa estabelecer relações entre o conhecido e o novo; incentivar o alfabetizando sempre, mesmo que erre, observando que as • correções devem ser feitas de forma a motivá-lo a novas tentativas; elogiar com palavras de ânimo e conscientização;• manter entre o educador e o alfabetizando, antes de tudo, uma relação de • amizade, na qual a confiança e o preparo façam uma grande diferença; propor um caminho para a escrita e a leitura sem grandes dificuldades e • abstrações, para que o alfabetizando sinta-se capaz diante dos desafios, já que conseguirá ler palavras e até um pequeno texto na primeira aula; Frank Charles Laubach nasceu na cidade de Benton, Pensilvânia, Estados Unidos. Formou‑se na Universidade de Princeton, especializou‑se em letras, pedagogia e teolo‑ gia e doutorou‑se em sociologia, na Univer‑ sidade de Columbia. Iniciou um trabalho de assistência humanitária nas Filipinas, em 1915, e, em 1928, formulou um método baseado no conhecimento prévio dos adultos, alfabeti‑ zando 60% do total da população nativa. Seu método foi adaptado para os 17 dialetos falados nas Filipinas. Saiba mais Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 17 utilizar material de apoio com adaptações necessárias às atividades que • serão propostas em sala de aula; orientar o processo de construção e compreensão da linguagem oral e • escrita, veiculando o significado e a representação do objeto, além do do- mínio dos mecanismos do ler e do escrever, evidenciando, dessa forma, que se deve trabalhar, primeiramente, o significado do conhecimento; criar condições para o reconhecimento do caminho mais lógico da lei-• tura, para, a partir deste estágio, ser possível a elaboração de outros caminhos; partir, sempre, do conhecido para o desconhecido, do geral para o par-• ticular; respeitar as diferenças individuais e o ritmo próprio de aprendizagem • de cada alfabetizando; ensinar os alfabetizandos em diferentes estágios, o que consiste em um • ganho e não um problema; oferecer o melhor para os alfabetizandos em todos os aspectos; porém, • se não houver material didático ou instalações disponíveis, deve-se alfa- betizar com os recursos existentes, em qualquer lugar ou circunstância; lembrar que a idade não importa, pois todos alfabetizandos podem • aprender. Para Laubach, o adulto não alfabetizado não deixa de ser uma pessoa instruída pelo fato de não saber ler e escrever. Ele só não teve acesso ao conhecimento formal. Para esse educador, promover a alfa- betização é mudar a consciência da pessoa, reintegrando-a ao meio em que vive e colocando-a no mesmo plano de conhecimento de direitos humanos fundamentais. No Brasil, a primeira Campanha de Educação de Adultos, inspi- rada nos princípios do método Laubach, consistiu em um processo que contemplava desde a alfabetização intensiva, com duração de três meses, passando pelo curso primário, que era dividido em dois períodos de sete Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 18 meses, e culminando na etapa final, denominada ação em profundidade, voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário. Em um curto período de tempo, foram criadas várias escolas suple tivas, mobilizando esforços das esferas administrativas e de diver- sos profissionais e voluntários. Além disso, foi criado, pela primeira vez, um material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos. O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga escala para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método silábico. Consistia no uso de uma cartilha padroni- zada, com lições de ênfase na organização fonética das palavras. As lições partiam de palavras-chave selecionadas e or ganizadas segundo as características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos, como foco de estudo. As síla- bas deveriam ser memorizadas e remontadas para formar ou- tras palavras. As primeiras lições também continham pequenas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as fra- ses compunham pequenos textos contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens de moral e civismo (RIBEIRO, 1997, p. 29). Dessa forma, a educação de adultos desenvolveu-se a partir de ati- vidades de alfabetização, que forneciam, além dos códigos linguísticos, os valores culturais que permitiam a participação social, pois essa alfa- betização era orientada para integrar os adultos iletrados ao meio em que viviam, ensinando-lhes, fundamentalmente, a leitura, a escrita e o cálculo matemático. O educador, em grande parte, era leigo, e o ensino resumia-se nas orientações da cartilha. A avaliação da Campanha de Educação de Adultos mostrou-se vito riosa em sua primeira década, pois, além da ampliação das classes e escolas, possibilitou a elevação da taxa de alfabetização. No entanto, a execução da campanha foi sendo cada vez mais descentralizada, e, com a mudança de governo, foram se extinguindo as verbas, ficando as ações da campanha cada vez mais dependentes de doações e dos trabalhos de voluntários da base popular. Com o tempo, outras campanhas foram organizadas pelo Ministério da Educação e Cultura: em 1952, a Campanha Nacional de Educação Rural e, em 1958, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabe- tismo. Ambas tiveram vida curta e pouco realizaram, pois a preocupação, Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 19 mesmo que inserida dentro da vertente da Educação Popular, era muito mais em diminuir índices de analfabetismo, do que com a qualidade da educação e a emancipação política e cultural da população. Alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire No final da década de 50 do século XX, as críticas à Campa- nha de Educação de Adultos di- rigiam-se tanto às suas deficiên- cias administrativas e financeiras quanto à sua orientação peda- gógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado, que se efetivava no curto período da alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e o uso do mesmo material didá- tico (cartilha) para as diferentes regiões do país. Todas essas críticas con- vergiram para uma nova visão sobre o problema do analfabe- tismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educa- dor pernambucano Paulo Freire voltado sobretudo em uma pro- posta de educação popular. Os programas de Educação Popular foram empreendidos em grande parte por educado- res leigos, estudantes e católicos engajados em uma ação política junto aos grupos de vertentes populares. Esses diversos grupos Paulo Reglus Neves Freire, grande educador brasileiro, nasceu no dia19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco. Inspirador da Educação Popular, tornou‑se referência para as gerações de educadores, especialmente na América Latina e na África. Sofreu a persegui‑ ção do Regime Militar no Brasil (1964‑1985), sendo preso e forçado ao exílio. Com a experiência em Angicos (Rio Grande do Norte), Freire alfabetizou trezentos trabalha‑ dores em 45 dias, sem usar a tradicional carti‑ lha e com uma perspectiva de educação para a libertação dos oprimidos, transcendendo as técnicas e centrando o processo de alfabetiza‑ ção em elementos de conscientização. O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de adultos, inspiraram os principais progra‑ mas de alfabetização e de Educação Popular, realizados no país no início dos anos 60 do século XX e que trabalhavam com uma pers‑ pectiva político‑cultural, envolvendo a Igreja, partidos políticos de esquerda, estudantes e outros setores. Em 1980, depois de 16 anos de exílio, Freire retornou ao Brasil, onde escreveu dois livros tidos como fundamentais em sua obra: Peda- gogia da esperança (1992) e À sombra desta mangueira (1995). Entre suas maiores obras está Pedagogia da autonomia, publicada em diversos países. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 20 de educadores articularam-se e passaram a pressionar o Governo Fede- ral para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional para as iniciativas da sociedade civil. Plano Nacional de Alfabetização Em janeiro do ano de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação de programas de educação de adultos, orientados pela proposta de Paulo Freire, por todo Brasil. Contando, em grande parte, com educadores populares, a preparação do plano, com forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, foi interrom- pida, alguns meses depois, pelo Golpe Militar. ReflitaReflita Imagine como estaria o Brasil hoje se o Plano Nacional de Alfabetização proposto por Paulo Freire não fosse interrompido pelo Golpe Militar? ReflitaReflita O paradigma pedagógico proposto por Freire baseava-se em um novo entendimento da relação entre as problemáticas educacional e a social. “Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabe- tismo passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.” (PAIVA, 1987, p. 216). Freire (1996) criticou a chamada “educação bancária”, que con- siderava o analfabeto como alguém que não possui cultura ou conhe- cimento, uma espécie de banco onde o educador deveria depositar o conhecimento. Como contraponto a esse modelo, Freire fez referência à educação problematizadora. A educação apregoada por Freire não se caracteriza pela transmissão de conhecimentos, como se o processo de ensino e de aprendizagem circulasse em uma rua de mão única. Tomando o alfabetizando como sujeito de sua aprendizagem, ele pro- punha uma ação educativa que não negasse a cultura, mas que fosse transformando-a através de um diálogo ancorado no tripé educador/ alfabetizando/objeto do conhecimento. Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 21 Com uma proposta conscientizadora de alfabetização de adultos, prescindindo da utilização de cartilhas, valorizando os saberes dos alfa- betizandos, dos quais se originavam os conteúdos de ensino, e consi- derando que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, Freire (1996) desenvolveu um conjunto de ações pedagógicas, amplamente divulgadas e conhecidas. A proposta de Freire previa a realização de uma pesquisa que deveria ser realizada pelo educador, acerca da realidade existencial do grupo junto ao qual iria atuar. Concomitantemente, deveria ser feito um levantamento do universo vocabular, ou seja, das palavras utilizadas por esse grupo para ex- pressar sua realidade, com o objetivo de levar o alfabetizando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, valorizando a cultura local. Desse uni- verso, o educador deveria selecionar as palavras com maior sentido, que expressassem as situações existenciais mais importantes para o grupo. De- pois, seria necessário selecionar um conjunto que contivesse os diversos padrões silábicos da língua, organizando-o segundo seus graus de comple- xidade. Essas seriam as “palavras geradoras”, a partir das quais se realizaria tanto o estudo da realidade, quanto a leitura e a escrita, ou seja, a leitura de mundo e a leitura da palavra. Utilizando a exposição escrita aliada a uma ilustração, o educador deveria dirigir a discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos ho- mens como produtores de diferentes formas de cultura. A partir da situa- ção-problema ou da “palavra geradora”, desencadeava-se um debate dirigido e, em seguida, a palavra escrita era analisada em suas partes componentes: as sílabas. Na sequência, era apresentado um quadro com as famílias silábi- cas com as quais os alfabetizandos deveriam construir novas palavras. Com um elenco de dez a vinte “palavras geradoras”, mantendo-se a se- leção gradual das dificuldades fonéticas, acreditava-se conseguir alfabe- tizar, ainda que em um nível rudimentar. Em uma etapa posterior, as “palavras geradoras” seriam substituídas por “temas geradores”, a partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam as análises dos problemas comunitários e sociais, sempre em uma visão crítica do contexto em que estavam inseridos. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 22 Nesse período, foram produzidos diversos materiais orientados por princípios freirianos para a alfabetização de adultos. Esses mate- riais, normalmente elaborados regional ou localmente, procuravam expressar o universo vivencial dos alfabetizandos. Para contextualizar esse universo, os materiais continham as “palavras geradoras”, que eram acompanhadas de imagens relacionadas a temas para debates, e os qua- dros de descoberta, com as sílabas derivadas das palavras, acrescidas de pequenas frases para leitura. O que caracterizava esses materiais não era apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas, principal- mente, a intenção de problematizar essa realidade. Golpe Militar e seu impacto na alfabetização de adultos Com o reordenamento político para proporcionar condições de desenvolvimento do modelo capitalista, a educação básica para jovens e adultos ficou nas mãos de governos autoritários, a partir do ano de 1964, havendo repressão direta aos trabalhos envolvidos com a Educa- ção Popular proposta por Paulo Freire. Nesse momento, houve várias mudanças no campo das políticas sociais, e, em especial, na educação de adultos. Pessoas e grupos que esta- vam, até então, voltados para os trabalhos com a Educação Popular foram reprimidos, e os responsáveis, expulsos do país, entre eles Paulo Freire. A multiplicação dos programas de alfabetização de adultos, fecundada pela organização política das massas, aparecia como algo especialmente ameaçador aos grupos direitistas; já não parecia haver mais esperança de conquistar o novo eleito- rado [...] a alfabetização e educação das massas adultas pelos progra mas promovidos a partir dos anos 60 aparecia como um perigo para a estabilidade do regime, para a preservação da ordem capitalista. Difundindo novas ideias sociais, tais pro- gramas poderiam tornar o processo político incontrolável por parte dos tradicionais detentores do poder e a ampliação dos mesmos poderia até provocar uma reação popular importante a qualquer tentativa mais tardia de golpe das forças conserva- doras (PAIVA,1987, p. 259). Com o Golpe Militar de 1964, os movimentos de alfabetização foram proibidos, e algunslivros, utilizados nesses programas, foram confis cados por serem classificados como de teor comunista e uma ameaça à ordem instalada pelo Poder Militar. Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 23 Em 1966, o programa de alfabetização encerrou-se em alguns estados devido à pressão exercida pelo governo militar, que só per- mitia a realização de programas de alfabetização de adultos com caráter assistencialista e conservador, até que, em 1967, assumiu o controle dessa atividade, lançando o Movimento Brasileiro de Alfa- betização (Mobral). Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) O Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi a resposta do regime militar à grave situação de analfabetismo no país. Criado em dezembro de 1967, com o objetivo geral de erradicar o analfabetismo e possibilitar a educação continuada aos jovens e adultos, esse progra- ma demonstrou a necessidade de dar continuidade à escolarização. De acordo com Paiva (1987), com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 5.692, de 1971, que foi, sem dúvidas, o evento de maior destaque para a reinserção escolar daqueles que não tiveram oportunidade de estudar na época certa, expandiu-se a necessi- dade de criação do ensino supletivo. Nesse contexto, passou-se a entender a política educacional de adultos como a incorporação das práticas de temas ligados ao desen- volvimento, como educação e investimento, teleducação e tecnologia educacional, evidenciando que a educação deveria estar alinhada ao modelo global que buscava racionalizar recursos e estabelecer metas. No decorrer desse mesmo período, foram criados os Centros de Es- tudos Supletivos (CES), nos quais as atividades desenvolvidas basea- vam-se nos princípios do ensino personalizado, com metodologia própria, que recomendava a adoção de estudo dirigido, a orientação individual ou em pequenos grupos, a instrução programada e o uso de rádio, televisão e multimeios. No modelo de alfabetização proposto pelo Mobral, as técnicas uti- lizadas consistiam em codificações de palavras preestabelecidas, escritas em cartazes com as famílias fonéticas, quadros ou fichas de descoberta, muito próximos das metodologias anteriormente utilizadas no mo- delo de Paulo Freire. No entanto, havia uma diferença fundamental: as “palavras”, tanto quanto as fichas de codificações eram elaboradas da mesma forma para todo o Brasil, a partir de problemáticas sociais Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 24 particulares do povo. Tratava-se fundamentalmente de ensinar a ler, a escrever e a contar, deixando de lado a autonomia e a conscientização crítica e transformadora da linha iniciada por Paulo Freire. Para se atingir os objetivos do programa, foram criados materiais didá- ticos constituídos de livro-texto, livro-glossário, livro para exercitar o cálcu- lo, livro do educador e um conjunto de cartazes. Esse material foi modifi- cado em 1977 e passou a ser chamado de Conjunto Didático Básico. A capacitação dos educadores (também chamados de monitores ou educadores não profissionais) pautava-se na ideia de que o recurso da uti- lização de pessoas da comunidade em geral para ensinar aos que sabiam menos era válido, legítimo, natural e, também, uma grande opção para os países ou regiões que possuíam escassez de recursos humanos qualifi- cados para realizar tal função (PAIVA, 1987). E o que se fez, então, para eliminar os problemas decorrentes dessa decisão? O entendimento era de que um bom material didático, acompanhado de um manual-guia para o educador, que tivesse um “treinamento” e seguisse as recomendações didáticas, bastariam para a qualidade do trabalho pedagógico vinculado ao processo de alfabetização. Essa concepção deriva do modelo tecnicis- ta, influência recebida dos Estados Unidos e das pesquisas behavioristas baseadas nos mecanismos de estímulo-resposta propostos por Skinner. No modelo tecnicista, o ensino é representado por padrões de com- portamento, que podem ser mudados por meio de treinamentos. A aprendizagem consiste em um arranjo e planejamento de continências de reforços (elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento do mestre e dos colegas, prestígios). É o educador quem deve dirigir o ensino para asse gurar a aquisição dos padrões da leitura, da escrita e do cálculo e pre- ver o repertório final desejado. O behaviorismo refere-se a um conjunto de pressupostos baseado nos pa- drões de comportamento, sendo Skinner um dos principais representantes dessa corrente. Para os behavioristas, o comportamento pode ser moldado. Dessa forma, o método do Mobral não partia do diálogo e da rea- lidade existencial, mas de lições preestabelecidas pelo contexto militar. Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 25 Considerando as similaridades das propostas, podemos afirmar que o método de Paulo Freire foi refuncionalizado com princípios metodo- lógicos que não respeitavam a conquista da autonomia e o desenvolvi- mento da consciência crítica do alfabetizando. Com a emergência dos movimentos sociais e o início da aber - tura política na década de 80 do século XX, as pequenas experiências de alfa betização foram se ampliando, construindo canais de trocas de vivên cias e reflexões e a articulação de novas ações pedagógicas. Projetos de alfabetização se desdobraram em turmas de pós-alfabetização, em que se avançava no trabalho com a língua escrita, além das operações matemáticas básicas. Também as administrações de alguns estados e municípios maiores passaram a ganhar autonomia com relação ao Mobral, acolhendo educa- dores que se esforçaram na reorientação de seus programas de educação básica de adultos. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, pois, além de não conseguir manter os programas educativos, propunha uma metodologia considerada ultrapassada, o Mobral foi extinto em 1985. Seu lugar foi ocupado pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (Fundação Educar), que abriu mão de executar diretamente os programas, passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas não governamentais (ONGs), entidades civis e empresas conveniadas. O Mobral esteve presente por um longo período na história recente do nosso país e ainda hoje encontramos alunos e professores que vivencia- ram esse período da história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Movimento de alfabetização em parcerias A Fundação Educar foi criada em 1985, substituindo o Mo- bral. Substancialmente, a Fundação Educar promovia a execução dos programas de alfabetização por meio do apoio financeiro e técnico às ações de outros níveis de organizações não governamentais e de empresas, não havendo uma unidade de esforços do governo para a alfabetização de jovens e adultos. Havia, portanto, uma retirada das ações do Estado em relação a essa modalidade de educação. Com a Constituição de 1988, o dever do Estado com a Educa- ção de Jovens e Adultos foi ampliado ao se determinar a garantia de Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 26 “Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988). Contudo, a partir de 1988, com as políticas de descentralização de poder e descentralização administrativa, viabilizaram-se parcerias entre organizações da sociedade civil e o Estado, nos mais diversos níveis, visando à definição e execução das políticas sociais e municipalização das ações do Estado nas diversas áreas, como saúde, educação e assis- tência social. Nas campanhas de alfabetização de jovens e adultos, essas medidas refletiram nas iniciativas privadas e não governamentais que, durante a década de 90 do século XX, foram as maioresresponsáveis pela atuação nesse setor. Mesmo assim, a taxa de analfabetismo da popu lação rural situava-se em um patamar bastante alto. Em 1990, foi realizado em Jomtiem, Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, que explicitou a dramática realidade mundial de anal- fabetismo de pessoas jovens e adultas e propôs maior equidade social nos países mais pobres e populosos do mundo. Esse mesmo ano foi considerado pela Unesco como Ano Internacional da Alfabetização. A partir de então, têm-se intensificado em todo o mundo as discussões em torno da alfabetização e da necessidade de progressiva escolarização de pessoas adultas, assim como uma série de ações têm chamado a atenção do mundo sobre problemas internacionais cruciais das áreas de alimentação, saúde e educação. Adentrando a década de 90, no limiar do século XXI, o Brasil apresentava um quadro com 20% da população total, com 15 anos ou mais, em estado de analfabetismo. Esse quadro revela-se ainda mais severo considerando-se o contingente de analfabetismo funcional, ou seja, aqueles com escolaridade média, dessa faixa etária, inferior a qua- tro anos de estudos, ou que “não conseguem ler e escrever um bilhete simples”, conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- tatística (IBGE, 2000). Ainda na década de 90, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Ba- ses da Educação Nacional n. 9.394/96, na qual a EJA passou a ser Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 27 considerada uma modalidade da educação básica nas etapas do Ensinos Fundamental e Médio, usufruindo de uma especificidade própria. Na segunda metade dessa mesma década, evidenciou-se, também, um processo de articulação de outros segmentos sociais, como Organi- zações Não Governamentais (ONGs), Movimentos Sociais, Organiza- ções Empresariais, “Sistema S”, Alfabetização Solidária, Universidade, entre outros, buscando debater e propor políticas públicas para EJA. Nesse período, passaram a se articular movimentos que deram origem aos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, denominados Enejas (En- contros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos). No Paraná, houve os Epejas (Encontros Paranaenses de Educação de Jovens e Adultos), assim como outros estados passaram a articular seus próprios fóruns. No final de 1990, foi implantado o Programa Nacional de Alfabe- tização e Cidadania (PNAC), no governo do então presidente Fernando Collor de Melo, com o objetivo de reduzir o índice de analfabetismo em 70%, em um período de cinco anos. No entanto, o PNAC não durou nem um ano sequer. Com a transição de governo, a atuação que mais se sobressaiu, no cenário da alfabetização, foi a do Programa Alfabetização Solidária (PAS), que contava com parcerias firmadas entre o governo e insti- tuições públicas e privadas, como as instituições de Ensino Superior. O PAS foi implantado em janeiro de 1997 como uma meta governa- mental do presidente Fernando Henrique Cardoso. O programa tinha como proposta inicial atuar na alfabetização de jovens e adultos nas regiões Norte e Nordeste do país, porém conseguiu abranger as regiões Centro-Oeste e Sudeste, inclusive alguns países da África. O PAS foi concebido em parceria entre o Conselho da Comuni- dade Solidária e o Ministério da Educação. Quando foi criado, o PAS tinha como objetivo: [...] desencadear um movimento nacional no combate ao analfabetismo no Brasil. Diferentemente de outros programas já desenvolvidos, o Programa Alfabetização Solidária tem, des- de o seu nascedouro, a clareza de que não pode resolver os problemas sozinho. Nesse sentido, incentiva a parceria entre governo, a iniciativa privada, as universidades públicas e pri- vadas e as prefeituras para, no conjunto, somar esforços com vistas à redução dos índices de desigualdades e de condições subumanas, especialmente, nas regiões e populações mais neces sitadas (PAS, 1997, p. 11). Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 28 O formato de parcerias proposto pelo programa é baseado em um modelo solidário, em que “o empenho da sociedade como um todo é fundamental, quando se enfrenta um problema social tão grave quanto o analfabetismo” (PAS, 1997, p. 11). A efetivação do programa ocorre na realização de atividades educadoras nos municípios parceiros, sendo essas atividades organizadas em módulos, com duração de seis meses. O pri- meiro mês é destinado ao curso de capacitação dos educadores, e os outros cinco meses são destinados ao processo de alfabetização em sala de aula. Na concepção do PAS, para se iniciar o processo de alfabetização é necessário, inicialmente, “capacitar” o educador com cursos preparató- rios. Cabe ressaltar que nesse programa não há unicidade na recomenda- ção nem quanto à capacitação do educador, nem quanto à metodologia e recursos didáticos que podem ser utilizados. Dessa forma, o modelo de alfabetização e de “capacitação” ficava a cargo da instituição responsável por esse processo, no caso, as universidades, às quais cabia o papel de sele cionar e capacitar os educadores e de realizar visitas mensais às tur- mas em andamento, para acompanhamento e orientação do trabalho. Sobre o curso de capacitação de educadores, o documento do PAS destaca: A fase de capacitação dos educadores é, sem dúvida, uma etapa muito importante do Programa; pode-se mesmo afirmar que é nesse momento que o sucesso ou fracasso da alfabetização se inicia, pois muitas vezes, mesmo tendo concluído o curso de magistério, os professores dos municípios apresentam carên- cias de conteúdo bem relevantes (PAS, 1997, p. 13). Cabe ressaltar que, para uma atuação eficaz na alfabetização de jovens e adultos, é necessário mais do que somente cursos de capacitação. São ne- cessários projetos de formação inicial e, também, formação continuada. Ainda no modelo de gestão do PAS, havia um coordenador muni- cipal, normalmente indicado pelo prefeito, e um assessor pedagógico, função criada em 1999 com o intuito de auxiliar o coordenador muni- cipal, que além do acompanhamento às turmas e do gerenciamento de distribuição de merenda, era responsável por todos os aspectos infraes- truturais para execução do PAS em seu município. À empresa parceira, cabia a “adoção” de um ou mais municípios e, ao fazê-lo, responsabilizava-se por despesas que se teria durante os Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 29 módulos, como alimentação, transporte, hospedagem, merenda dos alunos e bolsas dos educadores. Cada educador ficava encarregado por uma turma, com um mí- nimo de 12 a 15 alunos e no máximo 25. Já o Conselho da Comuni- dade Solidária, através da coordenação executiva do PAS, definia os municípios, articulando as entidades envolvidas e mobilizando novos parceiros. A ela cabia o gerenciamento de todo o processo e encaminha- mento para o repasse dos recursos obtidos junto às empresas parceiras. Aos educadores, era pago um valor por aluno em sala de aula, ou seja, quanto mais alunos, mais o educador recebia. Além do controle dos pagamentos dos educadores, a coordenação executiva era responsável pela gestão dos recursos destinados à formação dos educadores. Uma das publicações oficiais sintetiza o modelo de parceria ado- tado pelo PAS: Um modelo simples de atuação, desenvolvido a partir do Con- selho da Comunidade Solidária, permite que o custo mensal para a manutenção de um aluno do Programa Alfabetização Solidária seja de somente R$ 34,00, ao longo de um semestre. Esse valor é dividido entre os parceiros, empresas ou pessoas físicas, e o MEC. Cada parte contribui com apenas R$ 17,00 por mês, o equivalente a cerca de dois ingressos em cinemas das grandes capitais brasileiras (PAS, 2003, p. 4). O PAS previa a realização periódica de avaliações das atividades desenvolvidasnos municípios a partir da mediação das instituições de Ensino Superior envolvidas no processo. As informações obtidas eram, posteriormente, tabuladas pela coordenação executiva do programa, responsável também pela divulgação desses dados. As avaliações apre- sentavam dados sobre os alunos do programa, como gênero, faixa etá- ria, aprendizagem, e o número de alunos atendidos, entre outros. Até o ano de 2002 o Programa Alfabetização Solidária de- senvolveu, entre outros, os seguintes projetos: Projeto Ver (1999) visava “reduzir uma das principais razões da evasão dos alunos: os problemas de visão dos quais se queixam mais de 18% dos alunos que abandonam a sala de aula”; Proje- to Grandes Centros Urbanos (1999) “para atender jovens e adultos nas regiões metropolitanas, onde o índice percentual Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 30 de analfabetismo não é tão elevado, mas a concentração de pessoas não alfabetizadas é grande; Projeto Rádio Escola: melhorando o trabalho em sala de aula, criado em 2001 a partir de parceria com a Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação, baseava-se na utilização, tanto na capacitação dos educadores quanto nas salas de aulas, de programas radiofônicos que visavam “enriquecer as aulas de alfabetização e estimular o interesse da participação de alunos e educadores”; Projeto Alfabetização Digital (2001), atendeu a 20 municípios em projeto-piloto com a finalidade de propiciar, aos municípios, computadores para que os edu- cadores tivessem contato com a tecnologia e estreitassem contatos com as instituições de Ensino Superior; Projeto Promoção da Saúde (2001) desenvolvido em parceria com o Ministério da Saúde, consistia na distribuição de cartilhas com as quais o Programa “não somente melhora a qualidade de vida de seus alunos e educadores, mas também agrega valor à aprendizagem da leitura e da escrita, inserindo-a em um processo maior de introdução social e exercício pleno da cidadania” (PAS, 2003, p. 6). Com a mudança de governo, em 2002, assumindo o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PAS passou a se chamar Alfabetização Soli- dária (Alfasol), uma organização não governamental (ONG) que con- tinua a atender os alfabetizandos por meio de recursos provindos de parceiros, entre eles o Programa Brasil Alfabetizado, programa oficial de alfabetização de jovens e adultos no Governo Lula. Dimensões contextuais do analfabetismo nacional Na virada do século XX para o XXI, o Brasil ainda contava com cerca de 13% da população não alfabetizada. Além disso, existia um contin- gente de 33 milhões de brasileiros em estado de analfabetismo funcional. Na tabela a seguir, observa-se a evolução histórica dos índices de analfabetismo de jovens e adultos no Brasil no último século e entre os últimos anos da década de 90, em que é denotada uma relativa estagna- ção nas taxas de analfabetismo. Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 31 Tabela Tendência do analfabetismo no Brasil, entre as pessoas com 15 anos de idade ou mais, a partir de 1920. ANO (FONTE) TOTAL ANALFABETA ANALFABETA % 1920 (censo) 17.557.282 11.401.715 64.9 1930 (censo) 20.699.500 12.067.808 58.3 1940 (censo) 23.709.769 13.269.381 56.0 1950 (censo) 30.249.423 15.272.632 50.5 1960 (censo) 40.278.602 15.964.852 39.6 1970 (censo) 54.008.604 18.146.977 33.6 1980 (censo) 73.541.943 18.716.847 25.5 1990 (censo) 96.646.265 17.731.958 18.3 1991 (PNAD)2 95.810.615 18.587.446 19.4 1992 (PNAD) 96.625.133 16.604.738 17.2 1993 (PNAD) 98.517.026 16.191.648 16.4 1995 (PNAD) 103.326.410 16.087.456 15.6 1996 (PNAD) 106.169.456 15.560.260 14.7 1997 (PNAD) 108.025.650 15.883.372 14.7 1998 (PNAD) 110.722.726 15.260.549 13.8 1999 (PNAD) 113.081.110 15.073.055 13.3 2000 (Censo) 119.533.04 16.294.889 13.6 Fonte: IBGE (2000). Na tentativa de reduzir as taxas de analfabetismo foi lançado no ano 2000 o Programa Brasil Alfabetizado, organizado em edições anuais, cada uma com duração de aproximadamente sete meses. Os educadores são contratados por meio do sistema de bolsas e não mantêm vínculos empregatícios. Em grande parte, as pessoas contratadas são educadores populares e não professores, pois não é exigida uma formação específica para atuar no Programa. A gestão do Programa Brasil Alfabetizado é descentralizada, cada instituição parceira é responsavél pela gestão de recursos, bem como pela seleção e acompanhamento dos educadores, que, por sua vez, são responsaveis pela composição das turmas. Contudo, há a necessidade de prestação de contas, e os dados do Programa são acompanhados 2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 32 pelo MEC através de um “mapa do analfabetismo”, em que os dados cadastrais de alfabetizandos, educadores e dos locais de alfabetização são compilados em um sistema eletrônico aberto para consulta dos par- ceiros e da comunidade. Na virada do século, além do redesenho do próprio Programa Bra- sil Alfabetizado, um importante avanço diz respeito à incorporação da EJA no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o que garante recursos próprios para oferta de EJA, e, com isso, há um estí mulo à expansão dessa oferta e de matrículas. Contudo, mesmo com os avanços perceptíveis, ainda há muito que avançar, considerando que existe um grande contingente de educandos a serem atendidos. Assista ao filme Narradores de Javé. Nele os moradores de um pequeno vi- larejo de Javé se deparam com o anúncio de que a cidade poderia desapa- recer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Essa ameaça à pró- pria existência pode mudar a rotina dos habitantes. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heroicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores são analfabetos, a primeira tarefa é encontrar alguém que pu- desse escrever essas histórias. O único habitante alfabetizado de Javé é Antônio Biá, um funcionário do correio local que, para manter seu emprego, passou a escrever cartas para várias pessoas de outros locais, contando as fofocas das principais figuras locais, fato que lhe rendeu incontáveis inimigos. Porém, não res- tou outra opção ao povo de Javé senão exigir que Antônio Biá escrevesse de “forma científica” o documento que demonstrasse a importância his- tórica da região. O filme retrata o perfil de muitas comunidades caren tes do Brasil e as difi- culdades de suas lutas. De modo hilariante, o filme nos mostra a dinâmica de transição da tradição oral para a tradição escrita, e a graça reside no fato de a memória oral privilegiar alguns detalhes em detrimento de outros. Como Dica de Filme Capítulo 1 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 33 Dica de Filme diz o próprio Biá: “uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito”. Por isso, o filme nos leva a refletir sobre a importância da leitura e escrita para o desenvolvimento social do país e, consequentemente, para o exer- cício da cidadania. No universo da Educação de Jovens e Adultos, ressalta-se a importância de que as histórias individuais e coletivas dos moradores de tantas outras Javés que existem pelo Brasil sejam valorizadas e não tenham as suas memó rias esquecidas e destruídas. Isso demonstra o quanto a história pessoal está intimamente ligada à história e ao momento histórico do país. NARRADORES de Javé. Direção de Eliane Caffé. Brasil: Bananeira Filmes; Gullane Filmes; Laterit Productions: Dist. Riofilme, 2003. 1 filme (100 min), sonoro, color. Da teoria para a prática Uma sugestão de atividades para se realizar com os educandosda EJA é organizar uma roda de prosa, em que cada um relate os principais fatos da história de suas vidas. Uma sugestão é que educandos tragam fotos ou recortem figuras que representem esses acontecimentos, o que irá facilitar a apresentação para os colegas. Oriente os educandos a sentarem em forma de roda e inicie a con- versa deixando-os à vontade para falar. Você, enquanto educador, pode começar a exposição. Lembre-se de que o objetivo dessa atividade é conhe cer melhor seus educandos e possibilitar a interação entre eles. Por isso, é importante criar um clima de confiança e respeito, desta- cando o quanto a história de vida de cada um está relacionada a outras histórias e à história da comunidade, do município, do estado e da nação a que pertencem. Se possível, relacione os fatos apresentados com pontos da história do país. Com as fotos e figuras trazidas pelos educandos crie um painel denominado de “Imagens da Vida” para deixar no mural da sala. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 34 Síntese Ao estudar a história da Educação de Jovens e Adultos, no Brasil, percebe-se que o conceito de educação está fortemente atrelado ao con- texto político e aos momentos históricos vivenciados. Fazendo um para- lelo entre o histórico da EJA e analisando a própria história do Brasil, é possível fazer comparações de acordo com os meandros sociopolíticos, que acabaram tomando corpo nas questões culturais do país. Por isso, é importante conhecer tanto a história do país a que pertencemos, como, também, enquanto profissionais da área, conhecer a trajetória histórica da alfabetização do povo brasileiro, refletindo sobre as influências que permearam e ainda permeiam todo esse processo. 35 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na- cional n. 9.394/96, a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade da educação básica, nas etapas dos Ensino Fundamental e Médio, que usufrui de uma especificidade própria que, como tal, deve receber um tratamento consequente. Para tanto, além de adequações nas questões curriculares, deve-se considerar a forma como os conteúdos/conceitos devem ser tratados e as aspirações e interesses dos educandos. No processo de seleção de conteúdos, o desafio que se apresenta é identificar, dentro de cada um dos vastos campos de conhecimento das diferentes áreas, quais são socialmente relevantes e em que medida con- tribuem para o desenvolvimento intelectual do educando. Em outras palavras, o desafio é identificar que conteúdos permitem a construção do raciocínio, o desenvolvimento da criatividade, da intuição, da capa- cidade de análise e de crítica, e a constituição de esquemas lógicos de referência para interpretar fatos e fenômenos da sociedade. Neste capítulo, serão apresentadas as orientações e diretrizes gerais para a EJA, quanto à seleção de conteúdos, às funções e aos aspectos legais que regem as políticas dessa modalidade de ensino, no Brasil. Legislação e fundamentos da modalidade EJA A EJA, enquanto modalidade da educação básica, não pode ser pensada como uma oferta melhor, pior, ou menos importante, mas, sim, como uma modalidade educativa, um modo próprio de conceber a educação básica que é determinado pelas especificidades e interesses dos sujeitos envolvidos. Sistema organizacional da EJA no Brasil 2 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 36 Em termos de legislação, as recomendações são claras e direcionam para a necessidade de se buscar condições, alternativas e currículos ade- quados à realidade desses sujeitos, ou seja, uma prática educativa que leve em conta os saberes, os conhecimentos até então produzidos e as experiências de vida dos educandos, considerando as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho. A EJA é direcionada a todos àqueles que não tiveram acesso ou não completaram o processo de escolarização básica. Para ingresso nos cursos de EJA, de acordo com a LDB n. 9.394/96, é necessário que o educando tenha mais de 15 anos, para concluir o Ensino Fundamental, e mais de 18 anos, para o nível de conclusão do Ensino Médio. De modo geral a EJA é dividida nas fases de alfabetização, geral- mente concebida em programas de curta duração, 1º e 2º segmento, correspondentes respectivamente aos anos iniciais e finais dos Ensinos Fundamental e Médio. Cada sistema de ensino, seja municipal, esta- dual, federal ou particular, pode usar diferentes nomenclaturas para a organização dos sistemas de EJA, mas todos devem cumprir a carga horária mínima recomendada para cada etapa educativa e observar os fundamentos e princípios dessa modalidade, descritos nos documentos oficiais e nas propostas pedagógicas. Nas Diretrizes Curriculares de EJA (BRASIL, 2000), formuladas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), os conteúdos estão dimen sionados não só em conceitos, mas também em procedimentos e atitudes, apresentados em blocos de conteúdo ou em eixos temáticos, de acordo com as áreas. Os conteúdos de natureza conceitual envolvem a abordagem de conceitos, fatos e princípios e referem-se à construção ativa das capaci- dades intelectuais, para operar com símbolos, signos, ideias e imagens capazes de representar a realidade. Para concretizar essa aprendizagem, o educando precisa adquirir informações e vivenciar situações e generalizações que, mesmo sen- do análises e sínteses parciais, permitem verificar se o conceito está sendo aprendido. A formulação dessas generalizações permitirá que o educando atinja conceitualizações cada vez mais abrangentes que o levarão à compreensão de conceitos no plano da abstração e da apren- dizagem significativa. Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 37 Essa aprendizagem ocorre, em um primeiro momento, de ma- neira memorizada. No entanto, a memorização não deve ser enten- dida como um processo mecânico de representar as informações, mas, sim, como um estímulo significativo, para que o educando se empenhe em estabelecer relações entre o que já sabe (conhecimentos prévios ) e os conteúdos que estão sendo sistematizados pela escola. A abordagem dessas relações está diretamente relacionada ao conteú- do procedimental. Os conteúdos de natureza procedimental expressam um “saber fazer”, que envolve a tomada de decisões e a realização de uma série de ações, de forma ordenada e não aleatória, para que se atinja uma meta. Os conteúdos procedimentais sempre estão presentes nos projetos de ensino, pois realizar uma pesquisa, desenvolver um experimento, fazer um resumo e construir uma maquete são proposições de ações presen- tes nas salas de aula. Na organização de uma pesquisa, por exemplo, é necessário pla- nejar os procedimentos, ou seja, pesquisar em mais de uma fonte, fazer entrevistas, comparar os dados obtidos, registrar o que for relevante e organizar as informações obtidas para produzir um texto de pesquisa e, depois, apresentá-lo à classe, elaborar a síntese do tema pesquisado. No planejamento e na realização desses procedimentos, o educan- do necessita da mediação do educador, pois a aprendizagem de um conteúdo procedimental não é espontânea nem depende somente das habilidades individuais. Analisar, compreender e criar estratégias para comprovar hipóteses e “saber fazer” são conteúdos procedimentais que devem ser mobilizados em sala de aula pela mediação do professor. No processo educativo, devem ser incluídos, também, os conteú- dos de natureza atitudinal, que incluem normas, valores e atitudes e permeiam todo o conhecimento escolar. A escola é um contexto socia- lizador, gerador de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade. Atitudes são bastante complexas, pois envolvem tanto acognição (conhecimentos e crenças), quanto os afetos (sentimentos e preferên- cias) e as condutas (ações e declarações de intenção). Por isso, é impres- cindível que o educador adote, em sala de aula, uma posição crítica em relação às atitudes e aos valores éticos e culturais da sociedade em geral. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 38 É preciso lembrar, no en- tanto, que nas relações interpes- soais vivenciadas no contexto escolar, o grande desafio é con- seguir se colocar no lugar do ou- tro, compreender seus pontos de vista e motivações e desenvolver a capacidade de conviver com as diferenças. Nesse sentido, so- mente as informações do dia a dia, apesar de necessárias para concre- tizar uma atitude de forma eficaz, não são suficientes para o ensino de valores, atitudes e normas em sala de aula. Na abordagem didática dos conteúdos atitudinais é necessário que a equipe escolar vivencie essas práticas por meio de atitudes cotidianas, para que o educando possa observá-las e incorporá-las em seu convívio social. Com essa percepção, os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais devem ser contemplados de maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem. Os desafios da EJA exigem do educador um olhar cuidadoso sobre as questões que norteiam a relação entre professor, aluno e conheci- mento e que podem interferir no sucesso escolar. Essas ques- tões implicam a consideração de fatores importantes no processo de ensino e aprendizagem, como o contrato didático, a gestão do tempo, a organização do espaço, os recursos didáticos, a interação e a cooperação, e a interação da escola com as práticas sociais. [...] a inovação curricular não consiste apenas em mudar, ou tentar mudar, o que se ensina e se aprende na escola. Tão im- portante quanto o que se ensina e se aprende é como se ensina e como se aprende. Na verdade, hoje sabemos que ambos os aspectos são indissociáveis. O que finalmente os alunos apren- dem na escola depende em boa medida de como o aprendem; e o que finalmente nós professores conseguimos ensinar aos nossos alunos é indissociável de como lhes ensinamos (COLL SALVADOR, 1999, p. 30). Para saber mais sobre as diretrizes da EJA, você pode ler os documentos oficias disponíveis no site do Ministério da Educação (<http://www. mec.gov.br/>), no link sobre essa modalidade educativa, ou procurar conhecer as propostas pedagógicas do seu município ou do seu esta‑ do para os programas de EJA. Saiba mais Contrato didático refere‑se aos “combinados” feitos entre professor e aluno. Parte de uma metodologia de trabalho, são os combinados didáticos que vão garantir uma boa organi‑ zação da aula, envolvendo desde o processo disciplinar até mesmo a seleção e o modo de passar os conteúdos. Saiba mais Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 39 Nesse sentido, o processo educativo não se caracteriza pelo recebi- mento, por parte dos educandos, de conhecimentos prontos e acaba- dos, mas pela reflexão sobre os conhecimentos que circulam e que estão em constante transformação. Educadores e educandos são produtores de cultura; todos aprendem e todos ensinam, são sujeitos da educação e estão permanentemente em processo de aprendizagem. Funções da Educação de Jovens e Adultos As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000, p. 15) destacam que a EJA, enquanto modali- dade da Educação Básica, deve considerar o perfil e a faixa etária de seus alunos ao propor um modelo pedagógico, de modo a assegurar: equidade ● – distribuição específica dos componentes curricu- lares, a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades em face do direito à educação; diferença ● – identificação e reconhecimento da alteridade pró- pria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada um e do desen- volvimento de seus conhecimentos e valores. ReflitaReflita Para você, qual deveria ser a real função da Educação de Jovens e Adultos em um país como o nosso? ReflitaReflita As Diretrizes Curriculares da EJA (BRASIL, 2000, p. 18) deter- minam, ainda, que essa modalidade educacional deve desempenhar as seguintes funções: função reparadora ● – preocupa-se em propiciar não só a entra da dos jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela restauração de um direito a eles negado – o direito a uma Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 40 escola de qualidade –, mas, também, o reconhecimento da igualdade ontológica de todo ser humano de ter acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Contudo, não se pode confundir a noção de reparação com a de suprimento. Para tanto, é indispensável um modelo educacional que crie situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessida- des de aprendizagem específicas de alunos jovens e adultos. função equalizadora ● – diz respeito à igualdade de oportuni- dades, que possibilita aos indivíduos novas inserções no mun- do do trabalho, na vida social, nos espaços culturais e nos canais de participação social. A equidade é a forma pela qual os bens sociais são distribuídos, tendo em vista uma maior igualdade dentro de situações específicas. Nessa linha, a EJA representa uma possibilidade de construir um caminho de desenvolvimento em todas as pessoas, de todas as idades, per- mitindo que jovens e adultos atualizem seus conhecimentos, mostrem habilidades, troquem experiências e tenham acesso a novas formas de trabalho e cultura. função qualificadora ● – refere-se à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano, cujo poten- cial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares. Mais que uma função, é o próprio sentido da Educação de Jovens e Adultos. Recomendações internacionais para as políticas de EJA A Conferência Internacional da Unesco sobre Educação de Jovens e Adultos (Confintea), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na Alemanha, orientou para determinados parâmetros, conforme apresen- tados a seguir: seus objetivos visavam manifestar a importância da aprendi- ● zagem de jovens e adultos e conceber compromissos regio- nais, em uma perspectiva de educação ao longo da vida, que objetivasse facilitar a participação de todos no desenvol- vimento sustentável e equitativo, a promoção de uma cultura Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 41 de paz baseada na liberdade, na justiça e no respeito mútuo e a construção uma relação sinérgica entre a educação formal e a não formal. os documentos produzidos na Confintea demonstram que, ● devido às transformações socioeconômicas e culturais viven- ciadas a partir das últi- mas décadas do século XX, a EJA deve seguir novas orientações, le- vando em conta que o desenvolvimento das sociedades exige de seus membros a capa- cidade de descobrir e potencializar os conhe- cimentos e aprendiza- gens de forma global e permanente. Segundo as recomendações da Confintea, a Educação de Jovens e Adultos deve: priorizar a formação integral voltada para o desenvolvimento ● de capacidades e compe tências adequadas ao enfrentamento, no mar co do desenvolvimento sus tentável, das novas trans- formações cientí ficas e tecnológicas e de seu impacto na vida social e cultural; contribuir para a formação de cidadãos democráticos, me- ● diante o ensino dos direitos humanos, o incentivo à partici- pação social ativa e crítica, o estímulo à obtenção de solução pacífica de conflitos e à erradicação dos preconceitos culturais e da discriminação, por meio de uma educação intercultural; promovera compreensão e a apropriação dos avanços cientí- ● ficos, tecnológicos e técnicos, no contexto de uma formação de qualidade, fundamentada em valores solidários e críticos, tendo em vista o consumismo e o individualismo; elaborar e implementar currículos flexíveis, diversificados e ● participativos, que sejam definidos a partir das necessidades A Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos (Confintea) é um evento mundial promovido pela Unesco para discutir os rumos da Educação de Jovens e Adultos no mundo. A Confintea ocorreu pela primeira vez na América Latina, especificamente em Belém do Pará (Brasil), no ano de 2009, quando já estava em sua 6ª edição. Para saber mais sobre a Confintea acesse <http://www.unesco.org/pt/confinteavi/ background/>. Saiba mais Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 42 e interesses do grupo, de modo a levar em consideração sua realidade sociocultural, científica e tecnológica e reconhecer o seu saber; garantir a criação de uma cultura de questionamento nos ● espa ços ou centros educacionais, contando com mecanismos de reconhecimento da validade da experiência; incentivar educadores e educandos a desenvolver diversifica- ● dos recursos de aprendizagem, utilizar os meios de comuni- cação de massa e promover a aprendizagem dos valores de justiça, solidariedade e tolerância, para que se desenvolva a autonomia intelectual e moral dos alunos envolvidos na Edu- cação de Jovens e Adultos. Princípios da Educação de Jovens e Adultos A Confintea considera como princípios da EJA: a inserção em um modelo educacional inovador e de quali- ● dade, orientado para a formação de cidadãos democráticos e sujeitos de sua ação, valendo-se de educadores que tenham for- mação permanente para respaldar a qualidade de sua atuação; um currículo variado, que respeite a diversidade de etnias, de ● manifestações regionais e da cultura popular, em que o conhe- cimento seja concebido como uma construção social, fundada na interação entre a teoria e a prática, e o processo de ensino e aprendizagem, como uma relação de ampliação de saberes; a abordagem de conteúdos básicos, disponibilizando os bens ● socioculturais acumulados pela humanidade; o acesso às modernas tecnologias de comunicação existentes, ● para a melhoria da atuação dos educadores; a articulação com a formação profissional: no atual estágio de ● globalização da economia, marcada por paradigmas de orga- nização do trabalho, essa articulação não pode ser vista de forma instrumental, pois exige um modelo educacional vol- tado para a formação do cidadão e do ser humano em todas suas dimensões; Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 43 o respeito aos conhecimentos construídos pelos jovens e adul- ● tos em sua vida cotidiana. Fatores estratégicos para a formação humana A produção de conhecimento e a aprendizagem permanente se constituem em elementos essenciais na mudança educacional requerida pelas transformações globais. Dessa forma, a Unesco, por intermédio do Relatório Educação para o Século XXI (DELORS,1998), recomenda fatores estratégicos para a formação dos cidadãos, tendo por princípio quatro pilares básicos. 1. Aprender a conhecer; 2. Aprender a fazer; 3. Aprender a conviver; 4. Aprender a ser. De acordo com o relatório, para poder dar resposta ao conjunto de suas missões, a educação deve se organizar em torno dessas quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo da vida, serão, de acordo com cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhe- cer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, que possibilita exercer ação sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros, em todas as ativi- dades humanas; e, finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. Essas quatro vias do saber se constituem em apenas uma, tendo em vista que há, entre elas, múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. Desse modo, de acordo com o relatório, aprender a conhecer visa não tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domínio dos próprios instrumentos de conhecimento, que po- dem ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais e para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer e de descobrir. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos FAEL 44 Aprender a fazer de modo que se possa adquirir não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, as competên- cias que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Envolve, também, um aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adultos, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formal- mente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. Aprender a conviver, sem dúvidas, é uma aprendizagem que repre senta, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação. O mun- do atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperan- ça posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi conflituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade, no decorrer do século XX. Quanto à aprendizagem aprender a ser, a Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI adere plenamente ao postulado do relatório de que “O desenvolvimento tem por objeto a realização com- pleta do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas ex- pressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos”. Esse desenvolvimento do ser humano, que se desenrola des- de o nascimento até à morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo, para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é, antes de tudo, uma viagem interior, cujas etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade. Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso, a educação como meio para uma tal realização é, ao mesmo tempo, um processo indivi- dualizado e uma construção social interativa. É, dessa forma, aprender a ser, para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir, cada vez mais, com maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não se deve negligenciar, na educação, nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. Assim, a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético e responsabilidade pessoal. Todo ser humano deve ser preparado, espe- cialmente graças à educação que irá receber, para elaborar pensamentos Capítulo 2 Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos 45 autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como deverá agir nas diferentes circunstâncias da vida. Em geral, os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendiza- gem; na EJA, para uma educação comprometida, importa conce- ber o processo como um todo. Esta perspectiva deve inspirar e orientar
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