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01 BARROS, R. B. Clinica Grupal

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CLÍNICA GRUPAL*
Regina D. Benevides de Barros**
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 RESUMO
 
O tema dos grupos em auge na década de 70 no Brasil vem sofrendo declínio visível 
desde então, pelo menos no campo da demanda por atendimento clínico grupal. As 
explicações para o fato permanecem, entretanto, pouco criticadas apontando para a 
existência de um imaginário social habitado por naturalizações tanto no que se refere à 
noção de indivíduo quanto a de grupo. A noção de dispositivo em Foucault e Deleuze 
pode ser instrumento fundamental para uma aposta numa outra concepção de grupo.
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Palavras chaves: Grupo; Psicologia Clínica; Dispositivo.
 GROUP PSYCHOLOGY
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ABSTRACT
 The group framework which had its peak in Brazil in the 70’s, has been 
declining since then, at least concerning demand for group clinical aproach. The 
explanations for it remain, however, nearly untouched. Such lack of criticism 
indicates that there is a social imaginary inhabited by naturalizations regarding the 
concept of individuality as well as of the group. Foucault nd Deleuze’s conception 
of device can be a fundamental tool for betting on another group understanding.
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Key words: Group; Clinical Psychology; Device
* Publicado na Revista de Psicologia/UFF, n.7, 1996
** Psicóloga, Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal 
Fluminense/RJ, Dra. em Psicologia Clínica.
Em uma recente apresentação de caso numa sessão clínica, foi-me perguntado que 
nome daria ao trabalho a ser apresentado. Ao responder, incerta, “clínica grupal”, alguns 
colegas sorriram perguntando, entrelinhas, se o que eles faziam era, então, “clínica dual”. 
A provocação fez-me lembrar um artigo editado na revista de domingo do Jornal do 
Brasil em 1992, onde o repórter entrevistava alguns psicanalistas sobre um assunto há 
muito fora das manchetes - a “análise de grupo”. O repórter afirmava ...”A terapia de 
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grupo está em crise. Depois de virar moda e mexer com a cabeça de muita gente a partir 
dos anos 70, a prática agora recebe a alta definitiva dos analisandos e corre o risco de 
ser sepultada bem antes do terceiro milênio...”. Esta era bem a sensação que 
experimentara no início da sessão clínica - a de que eu estava “desenterrando um 
cadáver”. Por outro lado chamava-me a atenção a incerteza com que eu havia respondido 
“clínica grupal”. Isto seria sinal de dúvida sobre o que eu fazia, receio de ser entendida 
como “exumadora de cadaveres”? 
GRUPO: MORTO OU VIVO?
Na mesma reportagem acima mencionada os entrevistados listavam razões para a 
existência de “grupos” na década de 70 e, dentre elas, destacavam duas principais: uma 
de ordem “ideológica” - era coisa de vanguarda, era um reduto de liberdade em tempos 
de repressão- e outra de ordem “econômico-circunstancial” - era mais barato e existiam 
muitos clientes e poucos terapeutas.
Estes dois argumentos parecem ainda habitar o imaginário social a respeito dos 
grupos de tal maneira que, passadas duas décadas, o que se verifica é um acentuado 
desinteresse e, no melhor dos casos, uma forte crítica desqualificadora das chamadas 
práticas grupais. O efeito-ideologizante que acabou por revestir as práticas grupais a fez 
migrar de modo empobrecido para ser técnica a ser aplicada em “trabalhos em escolas, 
empresas e, quando muito, em comunidades ”. O efeito-econômico-circunstancial 
redundou, na área da saúde, em sua utilização como recurso para postos e centros de 
saúde da rede pública, para “diminuir a fila de espera”. Como efeito-dominó, a produção 
teórico-crítica e a invenção de outras práticas em “grupo” escasseou de modo evidente 
(1) criando um circuito fechado fortalecedor de um imaginário onde o grupo aparece, 
ainda, como “moda de certa época em que havia repressão política”e “solução para a 
baixa oferta de serviços e seu alto custo”.
Tomado por este ângulo, o raciocínio seria o seguinte: dada certa difusão de 
técnicas grupalistas, dadas certas condições de estreitamento dos espaços coletivos de 
fala., dado o aumento de procura aos serviços especializados, utiliza-se o grupo, que se 
tornaria descartável quando tais problemas fossem sanados. Esta hipótese nos parece 
estar em acordo com o que os fatos subsequentes nos apontam: nas décadas de 80/90 
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observa-se uma desvalorização do grupo, um decréscimo de oferta de espaços 
terapêuticos grupais, pouca insistência na utilização das práticas grupais nos serviços de 
atendimento “psi” da rede pública. As alegações para este anti-boom variam desde a 
“inconsistência teórica” dos modelos grupalistas à falta de procura por atendimentos em 
grupo por parte dos usuários, ao mesmo tempo que se constata a entrada de outras 
correntes de pensamento psi (especialmente a psicanalítica-lacaniana).
 Isto se confirma na continuação da referida reportagem, quando os entrevistados 
alegam como fatores responsáveis pela diminuição atual da “procura por grupos”: a falta 
de desenvolvimento teórico na área; questões ligadas ao setting; aspectos técnicos 
diversos; o desrespeito às individualidades; a falta de sigilo no grupo; a difusão da 
psicanálise lacaniana, a inibição das pulsões de agressividade, já que no grupo as 
relações tendem a ser muito amorosas.
As argumentações, apoiadas no eixo ideologização-contexto de época, retiram das 
práticas grupais sua potência analítica, enterrando-as numa espécie de vala comum 
juntamente com outras tantas práticas sociais “fora de uso”. Em algumas situações, elas 
chegaram a sobreviver como “recurso de segunda categoria para serem utilizadas por 
analistas de segunda categoria”(2). O que temos, então, no primeiro caso, é um grupo-
morto e no segundo, um grupo-desvitalizado-quase-morto. A sensação de exumação não 
era, portanto, fortuita... Mas, estaria minha proposta de clínica grupal caminhando no 
sentido do desenterramento do quase-morto-grupo? E mais, por que a incerteza em 
nomear a proposta de “clínica grupal”? 
HÁ MESMO UM MORTO / QUASE-MORTO? 
Façamos um pequeno desvio em nossas perguntas. A decretação de morte ao 
grupo supõe uma certa concepção de grupo - uma totalidade, uma unidade, que é “mais 
do que a soma das partes”, um todo que homogeneiza e impede as individualidades de 
serem vistas/ouvidas. Essa idéia de totalidade/unidade faz parte, bem sabemos, da 
“história do grupo”. Outros autores, rastreando etimologicamente o vocábulo, apontam 
que “gruppo” significava um certo tipo de pintura característico do século XVI, onde se 
retratava um “conjunto de pessoas colocados de forma circular” tendo o termo, no século 
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XVIII, se expandido para significar “reunião de pessoas”. Este “retrato de grupo” é, 
então, expressão de um laço social tirado da vida pública tipicamente burguesa dos 
séculos XVII/XVIII. Encontramos, dessa forma, duas principais significações associadas 
ao grupo - círculo e laço (coesão).
Tais significações emergem num contexto de revalorização do homem, de 
reposicionamento das relações com o Estado, de nuclearização da família, do advento da 
revolução industrial e da valorização dos espaços privados em restrição aos do domínio 
público. O fortalecimentodo “contrato social”, onde cada um era livre e responsável na 
construção da sociedade que almejassem, dava a dimensão de uma 
valorização/exacerbação do indivíduo como centro de interesse da sociedade. 
O indivíduo/ indiviso, peça-chave de toda esta engrenagem sócio-política, seria 
atravessado, especialmente no século XIX, por movimentos de massa que a nivel 
macropolítico, incentivavam o agrupamento, a reunião, como condição de possibilidade 
para reivindicações/conquistas político-civis fundamentais. O “polo-sociedade” impõe-se 
ressaltando uma querela que estava apenas começando... indivíduo ou sociedade, quem 
determina quem?
Entre o indivíduo e a sociedade, entre um psicologismo e um sociologismo, o 
grupo se erige como “tentativa de solução para o impasse”. 
A tênue linha que atravessara alguns séculos ganhava aí caráter institucional. O 
“gruppo-retrato” passa a “grupo-instituição”, o “círculo-retrato” passa a ser um modo de 
se estruturarem intercâmbios, o “laço-retrato” passa a “laço-psíquico” elemento fundante 
das relações entre os componentes do grupo.
O grupo, agora instituição, se faz forma na história, composição de linhas que ao 
se atravessarem produzem campos de saber, redes de poder, especialismos. Linhas que 
compõem territórios, produzindo tanto objetos quanto sujeitos. Práticas que ao se 
naturalizarem apresentam-se como “já-lá”, descolando-se de seu processo de produção. A 
instituição-grupo assume seu papel intermediador entre as outras duas unidades - 
indivíduo e sociedade- e se faz, também, unidade. O grupo surge, dessa forma, como 
objeto histórico, de um desdobramento da mesma lógica antitética, respondendo às 
injunções das redes de saber-poder. Ele vem marcado pelas características desta lógica e 
se definirá à semelhança dos elementos anteriores de sua cadeia generativa - por um lado 
4
Psicologismo - tendência para tentar fazer com que prevaleça o ponto de vista da psicologia sobre o de outra ciência qualquer, numa questão comum.
Sociologismo - Teoria segundo a qual a sociologia é suficiente para explicar os fatos sociais, dispensando outras abordagens como, p.ex., a psicologia, a biologia etc.nullTendência a valorizar exageradamente os conhecimentos sociológicos.
o indivíduo, que lhe garante a idéia de indiviso, particular e, por outro, a sociedade, que 
lhe dá a idéia de todo, de universal. 
A sociedade, O indivíduo, O grupo. Três unidades, três totalidades.
Tomando a tríade poderíamos dizer que o modo de subjetivação que se opera aí é 
o mesmo- um modo-indivíduo, que vê compostos unitários, com relações mutuamente 
interdependentes buscando equilíbrio entre as partes. Não teria sido neste sentido que o 
grupo teria sido tomado nas experiências relatadas na referida reportagem? Não teria sido 
ele tratado como um espaço unificador funcionando através da coesão que o havia 
fundado enquanto prática? 
Castel (3) destaca, nas últimas décadas, o incentivo massivo às trocas, às relações 
entre as pessoas e a oferta expressiva que as práticas psi tem feito: terapias alternativas, 
redes de convivência, encontros de grupos, grupos de auto-ajuda, etc. Estabelece 
conexões entre tal situação e o modo privatizado com que temos vivido as trocas sócio-
políticas. Haveria, segundo ele, um superinvestimento das práticas relacionais. A um 
sujeito inteiramente privatizado nada mais restaria do que “inter-agir”, relacionar-se...
O que Castel põe em relevo é o lugar que podem ocupar as práticas grupalistas. 
Em sua tarefa de estabelecer laços, elas podem ter se constituído como oferta de apanágio 
para os males da distância historicamente estabelecida entre as pessoas. Neste sentido, o 
grupo estaria cumprindo um papel de intensificador do mesmo modo de subjetivação. Ao 
tomar os indivíduos como indivíduos, o grupo se transforma em mais um indivíduo, 
construindo outro ser uno/indivisível - o ser-do-grupo. Não teria sido assim tratado o 
grupo por aqueles que hoje o enterram como “técnica” ultrapassada e fora de moda?
Mas, insistimos na pergunta: o que estaria ultrapassado e fora de moda? Se 
entendemos o grupo como intermediando, acompanhando e produzindo modos-
individualizados de subjetivação ele só poderia ser considerado morto a ser enterrado por 
sua forma e não por sua função subjetivadora. Estamos querendo chamar a atenção é para 
um certo modo de subjetivação presente ainda hoje que se engendra pela interiorização 
dos conflitos, que captura o desejo na falta esterilizando sua potência criadora. Neste 
sentido é que afirmamos que a função subjetivadora-individualizante permanece 
dominante nas práticas psi, sejam elas “individuais” ou “grupais”. Dizer que o grupo é 
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morto a ser enterrado antes do início do terceiro milênio é se ater a apenas uma das 
formas através das quais tem se expresso a subjetividade - o modo-indivíduo-, modo de 
subjetivação contemporâneo dominante, que insiste se atualizando seja nos chamados 
atendimentos clínicos individuais e/ou grupais. Enterrar o grupo toma aqui, portanto, 
sentido meramente formal pois a produção de subjetividades individualizadas subsiste 
nas práticas clínicas em vigor.
Se há algo a ser enterrado, portanto, não seria o grupo, mas sim a função que ele, 
assim como as demais práticas psi, tem posto em funcionamento, de transformar aquilo 
que é da ordem da multiplicidade em unidade e identidade.
Talvez aí estivesse situada a incerteza em nomear a proposta que apresentava na 
sessão clínica como “grupal”. O receio estava em que ela fosse tomada em sua faceta de 
“mais uma técnica” ou que o grupo fosse visto, como tem sido na maior parte das práticas 
grupalistas, como outro ser, outra unidade. Neste mesmo sentido é que não considerava 
estar “desenterrando um morto” pois aquele grupo-todo era o que também queria 
enterrar.
 
 
AFINAL, DE QUE PROPOSTA GRUPAL ESTAMOS FALANDO?
Nosso ponto de partida está na noção de subjetividade que não se situa no campo 
individual, mas no campo de todos os processos de produção social e material. A 
individualização da subjetividade, entendemos, é simplesmente um caso de 
agenciamento, dentre outros possíveis. A subjetividade é, portanto, produzida. A cada 
momento da história, dadas certas conjugações de forças, a cada composição das relações 
saber-poder, certas máquinas se põem em funcionamento, alterando os desenhos até 
então configurados, puxando outras linhas que passam a circular como matéria de 
expressão disponível à montagem de outras subjetividades. A noção de subjetividade 
implica imediatamente a de multiplicidade, pois ela pode se apresentar de formas 
parciais e fragmentadas, não sendo passível de totalização ou centralização. As 
subjetividades do tipo indivíduo são, assim, efeitos da serialização capitalística que 
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investe o desejo como sendo do indivíduo e o social como sendo algo exterior ao mesmo, 
seja ele construído a partir desse desejo individual, seja conformando-o.
A noção de produção de subjetividade resgata as relações de luta na pluralidade 
de forças que constituem cada acontecimento. Colocando-se como contrária à constância, 
às totalidades bem fechadas, essas subjetividades múltiplas circulam nos conjuntos 
sociais podendo ser apropriadas de forma criativa, produzindo singularizações.
Singularizar, portanto, está no domínio da ruptura, da afirmação da potência, do 
escape do que está naturalizado, separado de seus movimentos de produção. Singularizar 
é inventar, criar outros modos de existência que não sobrecodifiquem as experiências.O que caracteriza tal processo de singularização é sua capacidade de se 
automodelar, isto é de captar os elementos da situação que construa suas próprias 
referências teórico-práticas. Guattari chamou a este processo, numa certa época, de 
“experiência de grupo sujeito”.
Uma experiência de grupo-sujeito não se identifica, em nenhum momento, à idéia 
de sujeito-do-grupo. Se numa primeira leitura da proposta guattariana ainda podemos 
reconhecer um certo dualismo (grupo sujeito/grupo sujeitado), assim como uma tentativa 
de superação das verticalidades opressoras e burocratizantes através do grupo sujeito, o 
que poderia levar a uma nova totalização, é numa perspectiva estratégica que tal 
experiência se coloca. Estratégia para introduzir a dimensão analítica na luta política e a 
dimensão política
na análise.
Assim, o que está aí se colocando é não uma “nova” proposta de grupo, mas o 
desencadear do processo analítico por ampliação de graus de transversalidade. No caso 
dos grupos isto se daria quando eles pudessem se por como suportes para diversos modos 
outros de expressão.
Efeito-grupo e não natureza-grupo pois aqui se destitui o grupo daquilo que 
parecia ser seu destino inexorável: massificação ou libertação da alienação. O grupo não 
é, então, um dado, é construção, desenho que se configura a cada situação. É desde esta 
perspectiva processual que o grupo é exigido à abertura que o confronta com as capturas 
coisificantes que determinam seu lugar de objeto de investimento por sujeitos 
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individuados que temem a morte “que vem de dentro”e a “que vem de fora”. Os papéis, 
as identificações, as lideranças são efeitos de certo modo de produção de grupo.
Voltando-se, portanto, contra o reducionismo político operado pela maior parte 
das propostas grupalistas, contra sua utilização como técnica-em-si, contra o 
psicologismo que remete ao grupo a seu ”interior”, contra as substancializações que 
transformaram o grupo num objeto a ser pensado/trabalhado como fonte de mudanças de 
comportamento, o grupo aparece como potente dispositivo no processo de produção de 
subjetividade.
Eis um ponto sobre o qual vale a pena nos deter. O grupo-dispositivo afirma-se 
em sua capacidade catalizadora dos fluxos dispersos que se apresentam em cada cena. 
Como dispositivo, recusa qualquer forma de totalização e unidade. Como dispositivo, é 
sempre multilinear. Como composto de linhas de natureza diversas, o grupo-dispositivo 
está sempre nas adjacências de modos outros de territorialização. Em todo dispositivo, 
disse Deleuze (4), “ é necessário distinguir isto que nós somos, isto que não somos mais, 
e isto em que estamos nos tornando...”. É assim que entendemos o grupo - um dispositivo 
que põe a funcionar máquinas de desmanchamento do “indivíduo” que nós somos, que 
acionam movimentos no que deixamos de ser no encontro com a alteridade que nos 
avizinha e no deslizar pela superfície daquilo que estamos em via de diferir e nos tornar. 
GRUPO - UM OUTRO LUGAR?
Esta pergunta que poderia parecer simples à primeira vista, coloca certos 
problemas que merecem ser analisados mais de perto.
 Se entendermos que o grupo é um outro lugar para o exercício do trabalho do 
psicólogo, poderemos estar tomando-o como mais um “campo de trabalho”, um campo a 
ser dominado por um especialista, algo a ser repartido no mercado de bens capitais de 
profissionais. Aqui o grupo muito se aproximaria da versão “a ser enterrada” na 
mencionada reportagem .
Outra maneira de entendermos o grupo como “lugar” vem da tradição do próprio 
termo que considera ser condição de possibilidade para sua existência o fato das pessoas 
se ligarem por certas constâncias de espaço e tempo. Uma clássica definição de grupo é 
8
elucidativa a esse respeito quando diz ser o grupo ”um conjunto de pessoas ligadas entre 
si por constantes de tempo que se reúnem em torno de uma tarefa, durante um tempo 
determinado”.
A palavra “lugar” remete, ainda, a estabelecimento, organização pautada por 
regras e normas. Tomado por este sentido, grupo equivaleria a um dos níveis desta 
organização, elemento de um estrutura onde se integrariam partes numa escala 
hierarquizada.
Domínio de especialistas, condição “sine qua non” de existência, parte de uma 
estrutura hierarquizada ... O grupo é um outro lugar? 
Se tomarmos o grupo como dispositivo como há pouco falávamos, justamente o 
que estará sendo acionado é a descristalização de lugares e papéis, a começar pela própria 
idéia de grupo como um outro “lugar”. 
Não podemos aqui dispensar a noção de instituição desenvolvida pelos analistas 
institucionais. A demarcação crucial que estabelecem desloca o conceito do campo 
jurídico-funcionalista para o histórico-político. Destituída de sua equivalência a 
estabelecimento, organização, “lugar”, a instituição recupera sua historicidade e sua 
capacidade de instaurar movimentos. O que configura, em especial, seu sentido na 
história, é seu caráter não-natural, instrumentalizando ações que estejam voltadas para 
um processo de permanente problematização daquilo que “aparece” como dado. 
É neste sentido que podemos dizer que o grupo é uma instituição, porque ele 
condensa fluxos de toda ordem, ele aglutina forças que travam lutas pela definição de um 
determinado domínio, por um determinado campo de saber-poder, pelo desenho de um 
território.
Todo território, bem sabemos, é feito de linhas de segmentação duras, flexíveis e 
de fuga. Podemos dizer que o modo de subjetivação individualizante é linha de 
segmentação dura dominante no modo de produção capitalista. Nos territórios 
existenciais então conformados, entretanto, sempre há algo que “escoa”, algo que “vaza” 
ou “foge”.
É aí que acreditamos poder o grupo-dispositivo funcionar, como uma fissura, uma 
fenda que segmente de forma flexível os territórios existenciais tão marcados pelos 
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funcionamentos “individualizantes”, abrindo passagens para a multipicidade de 
subjetividades outras.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) É bastante escassa a produção teórica sobre trabalhos em grupo no Brasil. Destaque-se : Saidón,O. et al. 
Práticas grupais, RJ, 1983, Campus; Baremblitt,G., org. Grupos, teoria e técnica, RJ, Graal, 1982; 
Baremblitt,G. et al , O inconsciente Institucional, Petrópolis, Vozes, 1984 . E, mais recentemente, 
Lancetti,A. et al. Saúde e Loucura,4. São Paulo, Hucitec,1994 ; Rodrigues,H.B.C. As intervenções grupais: 
epistemologia ou história das práticas? Rev. do dep. de Psicologia da UFF(3/4), jan/dez, 91/92 e 
Barros,R.D. Benevides de . Grupo: afirmação de um simulacro. Tese de doutorado, PUC/SP, 1994.
(2) Esse destaque é feito por Saidón,O. em 1982 a partir dos resultados de uma pesquisa que resultou no 
livro Práticas Grupais , op. cit.
(3) Castel,R. A gestão dos Riscos. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1987
(4) Deleuze,G. O que é um dispositivo? In: Michel Foucault, Philosophe Rencontre International. Paris, 
1988.
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