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DE GIORGI, Alessandro. A Miséria Governada Através do Sistema Penal

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Prévia do material em texto

SU ES Pensamento
Criminológico 12
Alessandro De Giorgi
Coleção Pensamento Criminológico
Alessandro De Giorgi
A miséria governada através 
do sistema penal
Tradução 
Sérgio Lamarão
%
Instituto 
C a r io c a de 
C rim in o logia
Editora Revan
323EE Pensamento
Criminológico
Direção
Prof. D r. Nilo Batista
© 20 06 Instituto Carioca de Crím inoiogia
Rua Aprazível, 85
Rio de Janeiro - RJ 20241-270
tel. (21)2221-1663
fax (21)2224-3265
criminologia@icc-rio.org.br
Edição e distribuição 
Editora Revan S.A.
Rua Paulo de Frontin, 163 
Rio de Janeiro - RJ 20260-010 
tel. (21)2502-7495 
fax (21)2273-6873 
editora@revan.com.br 
www.revan.com.br
Projeto gráfico
Luiz Fernando Gerhardt
Revisão
Sylvia Moretzsohn 
Diagramação 
lido Nascimento
Giorgi, Alessandro De.
A m iséria governada através do sistem a penal. 
Alessandro De Giorgi. - Rio de Janeiro: Revan: ICC, 
2006. (Pensamento criminológico; v. 12).
128 p.
Inclui bibliografia 
ISBN 85-7106-336-2 
1~. Direito penal
Sumário
P re fác io à ed ição b ra s ile ira ..................... ................................................. 5
D iscussão à guisa de p refác io
Cárcere, pós-fordismo e ciclo de produção da “canalha”
D a iio M elossi ........................................... ............................................ 9
In trodução ....................................................................................................25
Capítulo 1
Regime disciplinar e proletariado fo rd is ta ................................... 33
Econom ia política do controle social ................... ....................... 33
N ascimento da sociedade industrial
e disciplinamento do proletariado ............................................. 39
Pena e subsunção real do trabalho ao capital .............................. 43
Encarceramento e desem prego na época fordista ..................... 47
O limite da economia política da penalidade fo rd is ta ............... 55
C ap ítu lo 2 ^
Excesso pós-fordista e trabalho da m ultidão ..............................63
Pós-fordismo: o regim e do excesso ............................................ 63
O excesso negativo ........................................................................... 66
O excesso positivo ........................................................................... 71
M ultidão ............................................................................................... 77
C apítu lo 3
. Governo do excesso e controle da m u ltid ã o .............................. 83
Da disciplina da carência ao governo do excesso .................... 83
O controle como “não-saber” ........................................................ 89
O controle da m ultidão . 
O risco aprisionado 
A m etrópole pun itiva
A rede im bricada .....
N ovas resistências .........
B ibliografia
Prefácio à edição brasileira
Vera Malaguti Batista
Este livro de Alessandra De Giorgi atualiza o conjunto de reflexões que 
o Instituto Carioca de Criminologia vem publicando ao longo dos últimos 
dez anos. A Coleção Pensamento Criminológico tem como elo de articula­
ção a produção teórica acerca da questão criminal que se opõe ao grande 
movimento de criminalizàção da pobreza, gerado pelo processo de acumu­
lação de capital ao longo dos séculos.
Na etapa em que nos encontramos, de capitalismo de barbárie, pode­
mos observar a expansão do mercado em todas as direções, mas principal­
mente no esfacelamento das redes sociais de proteção coletiva do capitalis- ■" 
mo industrial, do Estado Previdenciário ou Welfare State. No âmbito penal 
há uma expansão análoga, no sentido de um crescimento sem precedentes 
da pena de prisão. Como diria Lote Wacquant, o outrora denominado mun­
do livre está sendo encarcerado...
A lessandro De G iorgi aprofunda esta reflexão crítica acerca do 
encarceramento em massa da força de trabalho excedente utilizando a eco­
nomia política da pena no desemprego pós-fordista. Uma das principais 
qualidades deste livro é aproximar o marxismo do pensamento de Michel 
Foucault. Aqui no Brasil ergueu-se uma parede entre essas duas escolas de 
pensamento; esta parede é, a meu ver, ilusória. Tenho dito que, sem a 
militância no Partido Comunista Francês, Foucault não poderia ter efetua­
do a reflexão que fez. A partir do marxismo frankfurtiano de Georg Rusche, 
Foucault m ergulha na in tegração h istó rica do sistem a penal com o 
disciplinamento do mercado de mão-de-obra.
Foucault investe no corpo como centro nevrálgico do poder, e também 
do podér punitivo. Percebe-se em Vigiar e punir a apropriação da descrição 
de Rusche acerca dos mecanismos de disciplinamento dos cárceres, suas 
normas para a regulamentação do cotidiano na direção da constituição dos 
corpos dóceis. Mais adiante, Foucault vai trabalhar com a idéia de biopoder, 
este colossal dispositivo de apropriação e disciplinamento dos corpos, que 
caminha junto ao assujeitamento massivo das almas.
5
De Giorgi aposta nessa crítica materialista da pena: “o fio condutor da I 
economia política da pena é construído pela hipótese geral segundo a qual a '■ 
evolução das formas de repressão só pode ser entendida se as legitimaçoes | 
ideológicas historicamente atribuídas à pena forem deixadas de lado”. Seu j 
trabalho cumpre, então, a função fundamental de desativar o dispositivo do 
dogma da pena. Existe nos dias de hoje uma polissemia de discursos, uma j 
saturação de informações que conduzem à transformação de toda a con- 3 
flitividade social em problema penal. A discursividade vai acompanhando j 
então a pauta da reprodução deste capital de barbárie: a imigração é crimina- I 
lizada, bem como as estratégias de sobrevivência da pobreza em todas as ; 
partes do mundo. As políticas criminais de droga, as operações “anti-cor­
rupção”, as cruzadas contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro são 
nada mais nada menos do que expansão dos territórios de ocupação física e ; 
virtual pelo capital financeiro soberano.
O autor avança também na crítica à contradição estrutural da sociedade 
capitalista, a partir de Marx: o paradoxo entre a idéia da igualdade formal em 
relação a uma desigualdade fundamental: “o objetivo, coerentemente, é o de 
reproduzir um proletariado que considere ü^safátio Como justa retribuição 
do próprio trabalho e a pena como justa medida dos seus próprios crimes”, 
diz ele acerca da ideologia retributiva-legalista do fordismo.
O trabalho de De Giorgi ultrapassa os limites da economia política da 
penalidade fordista, quando a pós-industrialização se apresenta como uma 
explicitação do excesso de mão-de-obra, o regime do excesso. Isto quer 
dizer que temos que nos livrar das permanências subjetivas, da maneira de 
pensar o mercado de trabalho e o sistema penal e encarar as transformações 
a que 0 capital submete a mão-de-obra, o trabalho da multidão1. O demônio 
que o capital vídeo-financeiro persegue é o tempo livre da força de trabalho, 
num modo de produção que já descartou completamente as ilusões do pleno 
emprego. É aí que o dogma da pena e a criminalização da pobreza e dos 
conflitos sociais, da luta de classes, são discursos estratégicos à reprodu­
ção desse capital.
Nessa direção, a análise de De Giorgi aponta para os novos dispositivos 
dirigidos “à contenção de uma população excedente e de um surplus de
1 O conceito de multidão aqui utilizado, na trilha de Negri, abre espaço para uma 
longa discussão a ser tomada no campo marxista. Pessoalmente, acredito que o 
conceito não consegue dissociar-se da carga histórico-ideológica positivista da 
expressão, tal como definido por Gustave Le Bon.
força de trabalho desqualificada; elas prescindem explicitamente da consu­
mação de um delito, das características individuais de quem está envolvido 
nele e de qualquer finalidade reeducativaou correcional, para orientar-se no 
sentido da ‘estocagem’ de categorias inteiras de indivíduos considerados de 
risco” . Ele se vale então da idéia do cárcere atuarial, a partir das “represen­
tações probabilístieas baseadas na produção estatística de classe, simula­
cros do real: imigrantes clandestinos, afro-americanos do gueto, toxico- 
dependentes, desempregados” , É o atuarialismo penal que vai produzir as 
metrópoles punitivas.
Esta obra é de uma riqueza impressionante para nós que pensamos a
questão criminal na periferia do capitalismo, na nossa gigantesca instituição 
de seqüestro, como vaticinou Raúl Zaffaroni, na sua busca das penas perdi­
das. Nós, os indignados, os resistentes a esse gigantesco projeto de 
assujeitamento aos desígnios do capital, podemos contar com a munição 
proposta pela presente reflexão, que transformou nossas favelas/prisões em 
campos de extermínio e tortura, numa escala até então nunca vista. O livro 
da Alessandra De Giorgi vem aprofundar e substancializar a nossa luta e a 
nossa clareza acerca das funções reais do sistema penal e dos discursos 
punitivos nos dias de hoje. Como se fora pouco, o livro vem com uma 
genial interlocução, “discussão à guisa de prefácio” , desenvolvida por Dario 
Melossi, revigorando ainda mais a análise de De Giorgi, atualizando aquela 
proposta pelo já clássico Cárcere e fábrica. Regalai-vos, pois, criminólogos 
e penalistas críticos brasileiros: esta obra tem novidades!
Rio de Janeiro, setembro de 2005.
7
Discussão à guisa de prefácio
Cárcere, pós-fordismo e ciclo de produção da “canalha”
Dario Melossi
Entre 1968 e 1975, produziu-se uma radical renovação nos estudos de 
sociologia penal. Durante o ano de 1968 foi reeditada nos Estados Unidos a 
obra Piinishment and Social Structure. Publicado pela primeira vez em 1939, 
sob a assinatura conjunta de Georg Rusche e Otto Kirchheimer1, Punishment 
and Social Structure foi o primeiro texto em inglês da famosa Escola de 
Frankfurt, e em particular da sua representação institucional, o Instituto para
o F.studo das Ciências Sociais de Frankfurt. A publicação foi praticamente 
concomitante à complexa e difícil transferência do Instituto para Nova Iorque, 
junto à Universidade de Columbia, provocada pelos acontecimentos pré-bé- 
licos alemães e pela perseguição à sociologia, sobretudo à sociologia marxis­
ta praticada em grande parte por intelectuais de origem judaica, que eram os 
principais protagonistas da produção do Instituto.
Já o ano de 1975 é marcado pela publicação daquela que foi provavel­
mente a obra mais conhecida de Michel Foucault, Surveiller et punir2. Entre 
essas duas datas, estende-se o último grande,período de agitações sociais 
que ocorreram, com intensidade variada, em todos os países mais desenvol­
vidos (mas não apenas neles), e que no interior de cada um desses países 
afetou não somente os principais núcleos da atividade produtiva - a fábrica, 
tal coifío a conhecíamos até então mas também todas aquelas instituições
1 Sobre os vários acontecimentos que interferiram na atorm entada elaboração 
deste texto, ver a introdução à edição italiana (D. Melossi, “Mercato dei lavoro, 
disciplina, controllo sociale: una discussione dei testo di Rusche e Kirchheimer” , 
in G. Rusche e O. Kirchheimer, Pena e struttura sociale. Bolonha, II Mulino, 1978) 
e a introdução à edição francesa (R. Levy e H. Zander, “Introduction”, em G. 
Rusche e O. Kirchheimer, Peine et structure sociale. Paris, Cerf, 1994). [N. do T.: 
edição brasileira Punição e estrutura social. Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2“ éd., 
2004, tradução e apresentação de Gizlene Neder].
2 Michel Foucault, Sorvegliare e punire. Turim, Einaudi, 1977 [N. do T.: ediç^i- > 
brasileira Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 26a ed., 2002, 
tradução de Raquel Ramalhete].
que, à época, foram descritas como “subalternas”3 à fábrica, em particular a 
instituição carcerária.
O texto de Rusche e Kirchheimer, que na atmosfera imediatamente ante­
rior à guerra foi quase ignorado (salvo algumas louváveis exceções, registradas 
mais no campo da história econômica do que no da criminologia4), permitia 
uma releitura da história da pena numa perspectiva marxista, O texto de 
Foucault, a apenas sete anos de distância, oferecia a possibilidade não só de 
dar a sua contribuição àquela interpretação, mas também de ir além dela, 
ingressando num espaço que escapava dos esquemas mais rígidos da leitura 
marxista5. Após o trabalho de Foucault, desenvolveu-se uma ampla literatu­
ra, sobretudo em língua inglesa, amplamente influenciada pelo reaparecimento 
das hipóteses de Rusche e Kirchheimer, que procurou checar a veracidade 
empírica da hipótese de uma relação entre variáveis estruturais fundamen­
tais, especialmente as de natureza socioeconômica, e a evolução das institui - 
ções penais6.
Se, portanto, ainda em 1955, Donald Cressey, ao fazer o levantamento de 
campo de uma “sociologia da pena” , relacionou um número de obras que 
podiam ser contadas nos dedos de uma mão ou no máximo de duas7, no final 
do século X X já dispúnhamos de uma vasta literatura8. Um filão fundamental 
dessa sociologia é exatamente aquele que De Giorgi identifica como “econo­
mia política da pena” , isto é, uma interpretação da história da penalidade na 
qual o objeto fundamental consiste em relacionar as categorias de derivação 
marxista à reconstrução dos processos de desenvolvimento das principais 
instituições penais. Ao menos duas são as contribuições centrais do trabalho
3 Dario Melossi, “Istituzioni di controllo soei ale e organizzazione capitalistica dei 
lavoro: alcuni ipotesi di ricerca” , in La questione criminale, 2, 1976, pp. 293-317, 
in prim is, naturalmente, aquelas que eram então chamadas de “instituições to­
tais”, como em E. Goffman, Asylums. Turim, Einaüdi, 1968 (ed. orig. 1961).
4 Para mas detalhes, ver as introduções citadas na nota 1.
5 A minha leitura não concorda aqui com a de D. Garland, Pena e società moderna. 
Milão, II Saggiatore, 1999 (ed. orig. 1990), capítulos IV ao VII.
6 Sobre esta literatura, remeto à exaustiva seção no texto de De Giorgi que se 
segue (infra, Capítulo 1).
7 D. R. Cressey, “Hypothesis in the Sociology of Punishment”, in Sociology and 
Social Research, 39, pp. 394-400.
8 Ver, além de D. Garland, Pena e società moderna, cit., os ensaios na antologia 
por mim organizada, The Sociology o f Punishment. Aldershot, Ashgate, 1998.
10
i|iic De Giorgi apresenta aqui. A primeira é reconstruir o percurso da econo­
mia política da pena tal como vejo se desenvolvendo até os dias de hoje. A 
M\'.’unda é procurar fornecer uma contribuição original a esse desenvolvi­
mento, estendendo-o do período que De Giorgi chama de “fordista” até o 
atualmente consagrado como “pós-fordista” .
O ponto de partida de De Giorgi, de uma perspectiva empírica, é absolu­
tamente macroscópico em termos de história das instituições penais. Desde 
a primeira metade dos anos 1970, em particular no interior das instituições 
penais cios Estados Unidos, assistimos a um impressionante crescimento 
tanto da população penitenciária quanto da parcela da população que é sub­
metida, de um modo ou de outro, às diversas autoridades definidas como 
“correcionais” . Esse crescimento é de tal monta que a probabilidade de um 
homem afro-americano terminar sob o controle de uma dessas “autoridades 
correcionais” no decorrer da sua vida já está se aproximando daquela de se 
obter “cara” na brincadeira de “cara ou coroa”.
Esse fenômeno, que mudou profundamente as trends anteriormente obser­
vadas, foi cada vez mais notado por um grande número de observadores9, 
mas as razões são muito complexas para serem exploradas exaustivamente. 
E certo que na época elas não eram esperadas. Uma das conseqüências da 
crítica radical às instituições totais e em particular às instituições carcerárias 
que, note-se,ocorreram imediatamente antes desse aumento impressionante, 
foi que, ainda no início dos anos 1970, tanto as principais orientações políti­
cas nos Estados Unidos e nos outros países desenvolvidos quanto as princi­
pais leituras dos fenômenos previam uma obsolescência mais ou menos ve­
loz da instituição carcerária, bem como um aumento dos sistemas de contro­
le extra-institucionais, “em comunidade”, como se costumava dizer.
Assim, Andrew Scull pôde intitular um importante trabalho de sua lavra, 
lançado em 1977, de Decarceration; Ivan Jankovic e eu pudemos escrever, 
no mesmo ano, sobre a probation como a forma penal do futuro, enquanto o
9 Entre outros, ver N. Christie, II business penitenziario. La via occidentale al 
Gulag. Milão, Eleuthera, 1998 (ed. orig. 1993); M. Tonry, Malign Neglect: Race, 
Crime and Punishment. Nova Iorque, Oxford University Press, 1995; M. Mauer, 
Race to Incarcerate. Nova Iorque, The New Press, 1999; Loíc Wacquant, Parola 
d ’ordine: tolleranza zero. La trasform azione dello stato penale nella società 
neoliberale. Milão, Feltrinelli, 2000 (ed. orig. 1999), e o mesmo De Giorgi. Zero 
Tolleranza. Strategie e pratiche delia societá di controllo. Roma, DeriveApprodi, 
2000. Ver também o número especial da revista Punishment and Society dedicado 
ao tema “Mass Imprisonment in the United States” (2001).
11
reconhecido criminólogo — absolutamente não marxista - AI Blumstein es­
creveu sobre uma substancial “estabilidade” nas taxas de encarceramento, 
remetendo-a a explicações funcionalistas, de inspiração durkheim iana10. E no 
entanto, o que já estava em curso naqueles anos era, ao contrário, o mais 
notável aumento da população de detentos na história moderna das institui­
ções penitenciárias, que com toda razão poderia ser comparado ao “grande 
internamento” sobre o qual Michel Foucault escreveu em História da loucu­
ra na Idade Clássica, a propósito da França do século X VII". Mais uma vez 
nos Estados Unidos, mas não apenas lá, depois da suspensão devida a uma 
decisão da Corte Suprema entre 1972 e 1976, ocorreu uma retomada firme 
na cominação e na condenação à pena capital, primeiro de modo mais ou 
menos simbólico e em surdina, depois de maneira cada vez mais maciça até 
atingir o número de 98 condenações executadas em 1999. É bem verdade 
que esse movimento foi caracterizado desse modo tão ostensivo somente 
nos Estados Unidos. Para os países europeus, verificou-se um certo aumen­
to nas taxas de encarceramento, mas nem de longe comparável ao norte- 
americano, nem generalizado a todos os países (e com exceções bastante 
relevantes, como a Alemanha e a Itália até o início dos anos 1990).
Os primeiros autores que procuraram dar conta desse fenômeno retoma­
ram alguns dos elementos desenvolvidos por aqueles que, alguns anos antes, 
tinham diagnosticado um aumento d a probation, e os usaram para explicar o 
que estava acontecendo nas prisões. Talvez a contribuição mais importante 
nesse sentido tenha sido a de Stanley Cohen, que escreveu sobre a tendência 
do sistema correcional de “widening the nét” - “ampliar a rede” - , e também 
sobre a nova lógica penitenciária vista enquanto uma lógica de “warehousing”, 
i.e., de “armazenamento” dos detentos12.
Mas procedamos com ordem, ainda que de forma extremamente sintéti­
ca, ao percorrermos as etapas desta “economia política da pena”. Segundo a
10 A. Scull, Decarceration. New Brunswick (NJ), Rutgers University Press, 1977; 
I. Jankovic, “Labor Market and Imprisonment” , in Crime and Social Justice, 8, 
1977, pp. 17-31; D ano Melossi, “Strategies of Social Control in Capitalism: A 
com m ent on recent work”, in Contemporary Crises, 4, 1980, pp. 381-402; A. 
Blumstein e J. Cohen, “A Theory of the Stability of Punishment” , in Journal o f 
Criminal Law and Criminology, 64, 1973, pp. 198-207.
11 Michel Foucault, Storia delia fo llia nelVetà classica. Milão, Rizzoli, 1963 (ed. 
orig. 1961). [N. do T.: edição brasileira História da loucura na Idade Clássica. 
São Paulo, Perspectiva, 1989, tradução de José Teixeira Coelho Netto].
12 S. Cohen, Visions o f Social Control. Cambridge, Polity Press, 1985.
12
ótica que poderemos chamar de “neo-marxista", que procurei desenvolver 
na seção que me foi confiada de Cárcere e fábrica13, era possível aplicar a 
grade interpretativa marxista clássica - derivada sobretudo do Livro Primei­
ro de O capital, centrada sobre a gênese do modo de produção capitalista e 
na qual se destaca o conceito de “acumulação primitiva” 14- à história da 
instituição penitenciária. Essa instituição foi, de fato, criada contemporanea- 
mente aos processos de acumulação primitiva ou original, nos lugares onde teve 
inicio o modo de produção capitalista, numa conexão não casual e weberiana 
com os locais onde o protestantismo se revestiu das suas formas mais radicais.
O cárcere tivera como antepassado a “casa de trabalho”, espécie de ma­
nufatura reservada às massas que, expulsas dos campos, afluíram para as 
cidades, dando lugar a fenômenos que preocupavam as elites mercantis (e 
proto-capitalistas) da época: banditismo, mendicância, pequenos furtos e, 
last but not least, recusa a trabalhar nas condições impostas por essas elites. 
A casa de trabalho - um “proto-cárcere” que seria depois tomado como 
modelo da forma moderna do cárcere no período iluminista, isto é, quando 
ocorreu a verdadeira “invenção penitenciária” — não parecia ser outra coisa 
senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao modo de pro­
dução capitalista; afinal, para elas, esse modo de produção era uma absoluta 
novidade (e nesse sentido, a casa de trabalho era uma instituição “subalter­
na” à fábrica).
Não por acaso, Cárcere e fábrica encerrava essa reconstrução ao final 
histórico desse movimento originário, por volta da primeira metade do sécu­
lo XIX. Tratava-se, todavia, de uma leitura que, assim como no caso das 
outras leituras “revisionistas” , permitia reconstruir a história do cárcere da 
perspectiva da crise da fábrica tradicional que se estava verificando naqueles 
anos, e portanto da perspectiva da crise da relação entre cárcere e fábrica. 
Do mesmo modo que, naquele momento, era possível desnaturalizar a fábri­
ca como ela era então conhecida, e vê-la inscrita no interior de uma parábola 
que estava conhecendo o seu êxito final, era lógico aplicar esse mesmo modo 
de pensar a uma instituição como a carcerária que fora criada - como mal
13 Dario Melossi, “Cárcere e Iavoro in Europa e in Italia nel período delia formazione 
dei modo di produzione capitalista”, in Dario Melossi e Massímo Pavarini, Cárcere 
efabbrica. Bolonha, II Mulino, 1977 [N. do T.: edição brasileira Cárcere e fábrica. 
Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2006, tradução de Sérgio Lamarão].
14 Karl Marx, II capitale, vol. I. Roma, Riuniti, 1964 (ed. orig. 1867) [N. doT.: edição 
brasileira O capital: critica da economia poli ti ca. Rio de Janeiro, Civilizaçao 
Brasileira, 1970-71, 74. 6v.].
.
tínhamos descoberto! - juntamente com a fábrica. Por conseguinte, parecia 
lógico que ela seguisse o seu destino. (Note-se, porém, que, como bem 
havia esclarecido Bentham, na sua “Introdução” a um P anop ticon que, nes­
se meio tempo, Foucault havia tomado famoso, o cárcere não era senão a 
mais “completa” das instituições que “têm por finalidade manter muitas pes­
soas sob vigilância”15, dos cárceres aos hospitais psiquiátricos, das manufa­
turas aos hospitais tou t court, das escolas aos quartéis). Daí a hipótese, 
elaborada sob diversas formas por vários autores, de que, assim como a 
fábrica tornava-se cada vez mais social e se difundia para fora de muros bem 
marcados - o início da transição ao pós-fordismo o cárcere teria seguido 
esse mesmo percurso.
Portanto, não era tanto a pena pecuniária, como havia predito Kirchheimer, 
que se colocaria como substituta do cárcere na época contemporânea,mas 
sim as várias formas de controle extra-institucional que haviam surgido, já 
há várias décadas, nos países de língua inglesa, e que pareciam se multipli­
car, sobretudo quando escrevíamos Cárcere e fá b r ica . A “crítica do cárce­
re”, que emanava seja das revoltas generalizadas em todo o Ocidente (mas não 
apenas nele), seja da literatura “revisionista”, parecia colher, portanto, uma ori­
entação tendencial do próprio capitalismo em organizar-se não mais sob a for- 
ma-fábrica e sob a forma-cárcere subalterna, mas sim através de formas de 
controle “em comunidade”, como então se dizia, in prim is, as várias formas de 
probation, ou “confiança na prova”, como a lei de 1975 traduziu em italiano. Tal 
desenvolvimento parecia estar bem de acordo com um outro fenômeno que 
se desenhava cada vez mais claramente naqueles anos e que está na base do 
texto de Andrew Scull, isto é, a “crise fiscal do Estado”, no sentido em que 
já haviam explicado Habermas e 0 ’Connor16, De acordo com essa visão, o 
Estado parecia não estar mais em condições de “manter juntas” as funções 
que garantiam, ao mesmo tempo, a legitimação e a acumulação, ou seja, 
aquilo que depois passou à História como a “crise do W elfare S ta te”.
Porém, as coisas não caminharam exatamente desse jeito, pelo menos 
nos Estados Unidos, em virtude do fenômeno, como já recordamos no iní­
15 Jeremy Bentham, Panopticon, ovvero la casa d ’ispezione. Veneza, Marsilio, 
1983 (ed. orig. 1787). [N. do T.: edição brasileira O panóptico, Belo Horizonte, 
Autêntica, 2000, tradução de Tomaz Tadeo da Silva].
16 J. Habermas, Legitimation Crisis. Boston, Beacon Press, 1975 [N. do T.: edição 
brasileira A crise de legitimação no capitalismo tardio. Rio de Janeiro, Tempo 
Brasileiro, 1980, tradução de Vamireh Chacon]; J. O’ Connor, La crisifiscale dello 
stato. Turim, Einaudi, 1977 (ed. orig. 1973). .
14
cio, do acentuado aumento da população carcerária que começou exatamen­
te naquele período. Para dizer a verdade — e isso dever ser sublinhado - , a 
análise que via n a probation a forma de intervenção penal tendeneialmente 
predominante revelou-se exata do ponto de vista da proporção relativa às 
intervenções correcionais. Com efeito, o aumento tio número de pessoas em 
liberdade submetidas a controle foi amplamente superior, também nos Esta­
dos Unidos, ao número daquelas sob controle dentro das prisões. A veloci­
dade com que as várias formas de controle em liberdade aumentaram tam­
bém na Europa superou, sem dúvida, o aumento das detenções, dramático 
nos EUA, e bem mais discreto nos países europeus.
Porem, o que não estava previsto era o aumento excepcional, ainda que 
em virtude da grave crise fiscal dos anos 1970 e 1980, do compromisso 
com o setor penal, de tal forma que Loic Wacquant pôde descrever as trans­
formações ocorridas naqueles anos como uma verdadeira passagem do “Es­
tado social” para o “Estado penal” 17. O aumento nas formas de probation 
ocorria, pois, juntamente com um aumento dramático, nos-Estados Unidos, 
das outras formas penais mais clássicas, e com um aumento da detenção no 
seu interior. Assim, quanto mais prisões, mais severos eram os regimes 
detentivos e mais se lançava mão da pena capital.
Nas páginas que se seguem, Alessandro De Giorgi avança num terreno 
ainda amplamente inexplorado, em língua italiana e em outras línguas, ten­
tando verificar a possibilidade de a “economia política da pena” dar conta 
deste último período, disso que aconteceu a partir daquelas transformações 
que comumente são localizadas nos primeiros anos da década de 1970 e que 
ele reúne sob o termo de “pós-fordismo” . Certamente sem estar fazendo 
justiça à sua complexidade, para a qual remetemos o leitor às páginas do livro 
propriamente dito, parece-me que a tese que De Giorgi apresenta pode ser 
resumida na idéia de que, numa situação de expulsão permanente e estrutural 
da força de trabalho do processo produtivo - e, ao mesmo tempo, de pro­
funda transformação do modo pelo qual a força de trabalho vem sendo cons­
tituída na fase atual - , a “subalternidade” das principais instituições de con­
trole social em relação à fábrica está de algum modo perdida e se teria torna­
do obsoleta. O ensinamento disciplinar não tem mais sentido na sociedade 
pós-industrial/pós-fordista porque não há mais ensinamento a propor; por 
isso, as instituições que foram criadas na modernidade com esse objetivo 
perdem progressivamente a razão de ser. Resta apenas aquilo que Cohen
17 Lofs Wacquant, Pa rola (Uordine: tolleranza zero, cit.
chamou de warehousing, o “armazenamento” de sujeitos que não são mais úteis 
e que, portanto, podem ser administrados apenas atrayés da incapacitation, da 
neutralizazzione [“neutralização”], como se diz em italiano18.
Essa afirmação é tanto mais verdadeira se considerarmos que aquilo que, 
por um lado, é “excesso” de força de trabalho - com relação aos estratos 
sociais expulsos da produção —, é, ao mesmo tempo, “excesso” de força 
produtiva em relação ao tipo de força de trabalho que se tornou cada vez 
mais central ao processo produtivo numa época na qual a profecia marxista 
dos Grundrisse, de uma força de trabalho que vai desenvolver a função de 
general intellect do capital19, parece enfim ter encontrado concretização. 
Uma vez que a realidade atual do modo de produção vê como central a esse 
processo um reservatório de capacidades intelectuais que excedem continu­
amente as possibilidades de exploração, controle e contenção da parte da 
razão capitalista, qualquer forma de “disciplinamento”, mesmo que do tipo 
mais refinado, perde toda a razão de ser (se vocês me perdoem o nada casual 
jogo de palavras).
A tese é fascinante, mas, parece-me, não completamente convincente. E 
isso ocorre por múltiplas razões, algumas das quais podem provavelmente 
ser resumidas na sua excessiva tendencialidade, no seu deslocamento talvez 
para muito além do calor da (futura) observação, correndo o risco de perder 
contato com o que podemos observar hoje, à nossa volta. Não é possível, 
nas poucas páginas de um prefácio, confrontar completamente a riqueza da 
análise de De Giorgi, menos ainda de um ponto de vista crítico. Oferecere­
mos apenas alguns temas de discussão.
Começamos olhando à nossa volta. Até alguns meses antes do 11 de 
setembro de 200120, quem vagasse pelas ruas principais das metrópoles do 
centro do Império - para usar uma metáfora que recentemente reencontrou 
um uso intenso21 - ou seja, Nova Iorque, Londres, as principais cidades da 
Califórnia, teria visto em muitas vitrinas nas quais o Império orgulhosamente
18 T. Bandini, U. Gatti, M. I.Marugo e A. Verde, Criminologia. Milão, Giuffrè, 1999, 
p p .651-757.
19 Karl Marx, Lineamenti fondamentali delia crítica deli 'economia política. Flo- 
rença, La Nuova Italia, 1970 (ed. orig. 1857-1858). Ver sobretudo pp. 400-403.
20 Nesse momento já era mais do que claro, para quem quisesse ver, que estava 
ocorrendo uma recessão de uma certa consistência nos Estados Unidos.
21 M. Hardt e A. Negri, Impero. Milão, Rizzoli, 2002 (ed. orig. 2000) [N. do T.: 
edição brasileira Império. Rio de Janeiro, Record, 2001, tradução de Berilo Vargas].
16
ostentava suas mercadorias o cartaz “help w a n ted ”, “precisa-se de empre­
gado”. E a essa distraída observação corresponde o fato de que nestes mes­
mos centros do Império a taxa de desemprego caíra quase aos seus mínimos 
históricos e isso por um período de tempo bastante longo, capaz até de 
colocar em dúvida, aos estudiosos dos ciclos econômicos, o primado da 
década de 1960 corno os anos de maior prosperidade do capitalismo recente. 
E claro que aqueles cartazes de “help w anted ’ nutrem um processo de de­
senvolvimento e de ocupação que foi definido, com um bruto mas eficaz 
neologismo, de “macdonaldização”22.
Isso quer dizer que a oferta de trabalho certamente não se dirige parao 
tipo de emprego perdido nos anos 1970 e 1980 - trabalhos relativamente 
bem pagos, estáveis, sindicalizados, em grande parte masculinos, com bene­
fícios generosos de tipo assistencial (pensões e assistência médica) e cen­
trais ao processo produtivo - , mas sim para um novo tipo de emprego, 
muitas vezes part-time, flexível, com pouca ou nenhuma proteção, em gran­
de parte feminino e “marginal” ao percurso produtivo. Isso tanto é verdade 
que uma das teses mais sérias propostas no interior da academia criminológica 
norte-americana para explicar o inegável decréscimo da criminalidade na 
segunda metade dos anos 1990 - tese alternativa ao estardalhaço feito a 
propósito da “tolerância zero”, tão característica da Nova Iorque de Rudolph 
Giuliani e que foi reproduzida de modo mais ou menos análogo era quase 
todas as outras grandes cidades norte-americanas no mesmo período!23 - 
baseava-se exatamente no fato de que aqueles anos assistiram a uma oferta 
sustentada de trabalho que se dirigia para os estratos sociais marginais, jo ­
vens e em geral “étnicos de cor”, que tinham sido os protagonistas, alguns 
anos antes, de um inusitado aumento de violência, ligado às batalhas pelo 
controle do crack entre as várias gangues24.
Isso, em outras e breves palavras, que acontece entre os anos 1970 e 
1990, pode ser interpretado também como fase “cíclica”, e em particular 
como a fase descendente de um “ciclo longo” da economia, aquele tipo de 
ciclo que é acompanhado por transformações muito profundas do modo de 
produção capitalista em termos de setores econômicos de ponta, tecnologias,
22 G. Ritzer, II mondo alia McDonalds. Bolonha, II Mulino, 1997 (ed. orig. 1993).
23 A. De Giorgi, Zero Tolleranza. Strategie e pratiche delia soei età di controllo, cit.
24 A. Biumstein e R. Rosenfeld, “ExplainingRecent Trends in U.S. Homicide Rates”, 
in The Journal o f Criminal Law and Criminology, 88, 1998, pp. 1175-1216 (ver, 
sobretudo, pp. 1210-1212); R. Rosenfeld, “Crime Decline”, in Context (no prelo).
17
transformações sociais conexas etc.25. O que De Giorgi chama de “pós- 
fordismo” poderia também corresponder a uma fase cíclica da economia, 
mais do que ao tipo de transformação “tópica” que parece transparecer das 
suas palavras e da literatura na qual se inspira. Isso teria também conseqüên­
cias relevantes do ponto de vista das “estratégias do controle social” , se é 
que estamos nos referindo ao controle social de tipo formal e penal em par­
ticular, como me parece ser o caso de De Giorgi.
Mas avancemos na ordem cronológica. Na passagem dos anos 1960 
para os 1970 desenvolve-se um embate duríssimo em muitos países, em 
particular nos Estados Unidos, que envolve o conjunto da “fábrica social”, 
como se dizia então. No que concerne aos EUA, devemos recordar a situa­
ção de insubordinação geral, aguda e contemporânea que afetava não tanto e 
não somente as fábricas (como ocorria, cada vez mais, na Europa), mas 
também as minorias étnicas, os estudantes, o Exército, os jovens em geral, 
as mulheres. A “criminalidade” — que em alguns dos seus aspectos especial­
mente preocupantes para a classe média (o chamado Street crim e) havia au­
mentado sensivelmente no correr dos anos 1960 - foi explicada por conta da 
referida insubordinação. A começar pelo primeiro mandato presidencial de 
Richard Nixon, o martelamento da propaganda esteve na ordem do dia, asse­
melhando-se bastante àquilo a que fomos submetidos na Itália antes das 
últimas eleições: o crime não é outra coisa senão a “ponta do iceberg” de 
uma insubordinação e de uma falta, de controle de “certos” estratos sociais 
(nos quais, num códice não tão críptico, deviam ser reconhecidas as mino­
rias de cor, nos Estados Unidos, e os imigrados, na Itália) que colocam em 
risco a ordem social e em relação aos quais é necessário tomar providências 
para restaurar o bom tempo passado, que corre o risco de ir-se embora para 
sempre se não houver uma intervenção imediata.
A repetição deste refrão por cerca de 20, 25 anos, conduziu a um tre­
mendo aumento da penalidade, a que já nos referimos acima (nos Estados 
Unidos; na Itália, conforme se verá, por causa de algumas contradições de 
certa importância neste campo, no interior da coligação conservadora que
25 Para a aplicação desta abordagem ao tema da exclusão penal, ver Dario Melossi, 
“Punishment and Social Action: Changing Vocabularies of Punitive Motive Within 
a Political Business Cycle”, in Current Perspectives on Social Theory, 6, 1985, pp. 
169-197; C. Vanneste, Les Chijfres cies Prisons. Paris: L’Harmattan, 2001. As con­
tribuições de Hobsbawm, Kalecki, Kondratieff e Schumpeter encontram-se entre 
as mais conhecidas que podem ser remetidas, ainda que de modos diversos, a 
essa perspectiva.
18
venceu as eleições). Mas não foi só isso. Ela contribuiu também, ainda que 
simbolicamente, para um processo de disciplinamento social geral, que foi 
acompanhado por uma profunda reestruturação da economia. Vale recordar 
que nos cerca de 20 anos da “virada”, de 1973 aos primeiros anos da década 
de 1990, o salário médio horário do trabalhador norte-americano foi reduzi­
do em aproximadamente 20%, e o motivo pelo qual a renda das famílias 
permaneceu basicamente a mesma foi a entrada maciça e sem precedentes 
das mulheres no mundo do trabalho assalariado26.
Ao mesmo tempo, os estratos mais fortes da classe operária foram ex­
pulsos do processo produtivo e, por conseguinte, perderam a centralídade 
de que desfrutavam no passado. Essa central idade foi transferida para a 
força de trabalho intelectual que se tornou crucial no interior do novo pro- 
cèsso produtivo “guiado” pela informática, mas que é mínima do ponto de 
vista ocupacional, ao passo que a maior parte dos empregos teve lugar no 
interior dos “serviços” que eram oferecidos às margens desta junta produti­
va central e que, em grande medida, nada tinha a ver com um “terciário 
avançado”. Trata-se, isso sim, da oferta no mercado de todas aquelas ativi­
dades que anteriormente eram desenvolvidas, em grande parte, por meio do 
trabalho doméstico não pago (que agora as mulheres executam, cada vez 
mais, também fora de casa), pelos serviços de restauração veloz, aqueles ao 
encargo dos jovens e dos velhos em toda uma série de serviços de entreteni­
mento - em resumo, exatamente a “macdonaldização” .
Estamos seguros de que é possível afirmar, com relação especialmente a 
estes últimos estratos sociais, que não existe mais “projeto de disciplinamento” 
porque eles não constituem categorias “centrais” ao processo produtivo, no 
sentido de que não executam aquelas funções do “general intelect", em que
26 W. C. Peterson, The Silent Depression: The Fate o f the American Dream. Nova 
Iorque, Norton, 1994; J. B. Schor, The Overworked American. Nova Iorque, Basic 
Books, 1991; Dario Melossi, “Gazette of Morality and Social Whip: Punishment, 
Hegemony and the Case of the USA, 1970-1992”, in Social & Legal Studies, 2, 
1993, pp. 259-279 (pode-se notar, en passant, como este é o “segredo” do extraor­
dinário nível de participação no mercado de trabalho nos Estados Unidos que 
hoje é apresentado como um modelo a ser atingido pela economia italiana!). Esse 
também é o motivo pelo qual, no último ensaio citado, eu propus relacionar as 
taxas de encarceramento na Itália com o nível da “performance” requerida à classe 
operária em seu conjunto numa determinada fase, ao invés de remetê-las apenas 
à taxa de desemprego, como a literatura da “economia política da pena” geralmen­
te procede.
os conceitos de capital variável e capital fixo “entraram em colapso”, por 
assim dizer, em conjunto. Mas se cada vez faz menos sentido a distinção 
entre capital fixo e capital variável, entre trabalho “produtivo” e trabalho 
“improdutivo” - visto que, no final das contas, aqueles que inventam novos 
algoritmos para o software continuama ter necessidade de quem cozinhe 
seus hambúrgueres, lave suas camisas e lhes garanta um certo relaxamento 
à noite, diante de um aparelho de televisão ou em qualquer outro local - se, 
em suma, é o mesmo “processo de vida real”27 que constitui a base da repro­
dução capitalista, como podemos afirmar que o emprego “pós-fordista” é 
aquele emprego que não necessita mais de um aparato “subalterno” a uma 
“fábrica social” em vias de desaparecimento, e que, por conseguinte, não 
requereria mais estratégias de “disciplinamento”?
Na minha opinião, o enorme processo de encarceramento que se verifi­
cou nos Estados Unidos nas “décadas da crise” - para citar Hobsbawm28- 
deveria ser reconsiderado a partir deste ponto de vista, ainda que não haja 
nenhuma dúvida de que, no seu interior, tenham convivido e ainda convivam 
tendências de tipo meramente “detentivo-neutralizante” e tendências, ao con­
trário, de tipo “autoritário-ressocializante” . As segundas, na minha opinião, 
estão mais presentes exatamente em virtude da superação da fase mais nítida 
de reestruturação da economia, nos anos 1970 e 1980, e de retomada no 
período posterior, no qual o tema da re-emissão de nova força de trabalho no 
interior de uma nova fase de desenvolvimento se impôs com maior peso. Eis 
que nos anos 1990 começam a reaparecer preocupações que são apresenta­
das, com todas as letras, como “neo-paternalistas”, como nos trabalhos de 
Lawrence M ead29; eis também que na segunda metade de 2000, pela primei­
ra vez desde 1972, registrou-se uma diminuição na população de presos30 (e 
o uso da pena capital torna-se, novamente, matéria de discussão entre as 
elites norte-americanas). Esses acenos de uma inversão de tendência na es­
fera do controle social pareceriam responder, segundo a leitura de longo
27 Karl Marx, Lineamenti fondamentali delia critica de li’economia política, cit., 
p. 403.
28 Eric Hobsbawm, II secolo breve. Milão, Rizzoli, 1995 (ed. orig. 1994). [N. do. T.: 
edição brasileira A era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo, 
Companhia das Letras, 1998, tradução de Marcos Santarrita]. Vale destacar que 
também para o aumento nas taxas de encarceramento o ano da virada é 1972.
29 L. Mead (ed.), The New Paternalism. Washington D. C., Brookings Institution 
Press, 1997.
30 U. S. Department of Justice. Bureau of Justice Statistics, Prisoners in 2000.
20
ciclo das hipóteses de Rusche e Kirchheimer que aqui são propostas, à in­
versão ocorrida por volta da metade dos anos 1990 no campo das relações 
socioeconômicas, em direção a uma nova fase ascendente.
O que pretendo afirmar, em outras palavras, é que o cárcere parece per­
durar obstinadamente como uma espécie de grande portão de ingresso ao 
contrato social, ou mesmo como introdução à forma de trabalho subordina­
do. E um pouco como se a descoberta dos comerciantes holandeses (e de 
outros similares), no início do século XVII — isto é, a descoberta de que eles 
podiam “utilmente” “pôr para trabalhar” , juntamente com os seus capitais, 
os pobres, os mendigos, os vagabundos, os ladrõezinhos, os rebeldes que o 
processo de racionalização da agricultura estava expulsando dos campos - 
continuasse a se reproduzir junto com a “colonização” capitalista de “novos 
territórios”, territórios que podiam estar dentro de uma jurisdição política e 
social específica. Um exemplo dessa situação é o deslocamento dos negros 
americanos do sul para o norte dos Estados Unidos entre o primeiro pós- 
guerra e os anos 1950, ou a entrada em massa no mercado de trabalho das 
mulheres, especialmente as de cor, dos anos 1970 em diante. Vale notar que 
as taxas de encarceramento feminino nos Estados Unidos, embora ainda 
bastante baixa em termos absolutos, aumentaram de modo sensivelmente 
maior do que para os homens.
Há também as situações externas, como é o caso da imigração africana, 
asiática, latino-americana e do Leste europeu para a América do Norte e a 
União Européia. É como se, nas “margens” do desenvolvimento, o processo 
de “acumulação primitiva” continuasse incessantemente no seu percurso de 
“colonização” de “mundos” “outros”31. Se considerarmos, por exemplo, no 
nosso pequeno mundo “italiano” , o modo pelo qual o fenômeno da imigração 
fez reviver, em certo sentido, a instituição carcerária - que no Centro-Norte 
e com respeito a “usuários” específicos, como os menores de idade, está 
literalmente se “especializando” na direção dos estrangeiros - , compreende- 
se então como “a crise do cárcere” dos anos 1960 e 1970, as suas aparente­
mente manifestas obsolescência e antiguidade estão ligadas a um “público” 
particular que vinha sendo concebido como “além” do cárcere. A situação 
mudou de forma dramática a partir dos primeiros anos da década de 1990, 
quando teve início um processo de imigração de alguma relevância (também
31 J. Habermas, Teoria dei agire comunicativo, vol. 2. Bolonha, II Mulino, 1986 
(ed. orig. 1981), pp. 951-1088 [N. do T.: edição brasileira Agir comunicativo e 
razão destrancendentaüzada. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2002, tradução 
de Lúcia Aragão],
por causa naturalmente de mecanismos jurídicos particulares como os da 
permissão de estadia, mas é dos efeitos sociais que aqui nos ocupamos e não 
da sua legitimação jurídica).
Parece-me difícil, em suma, ignorar o caráter “cíclico” que tão bem des­
creve, embora não explique, esses fenômenos, também no que diz respeito a 
uma “filosofia da história” diversa, organizada em torno de uma sucessão de 
transformações “tópicas” . Em certos níveis de “poder”, adquiridos pela for­
ça de trabalho - poder que ao mesmo tempo é de tipo político-tecnológico- 
sindical no interior da esfera mais diretamente produtiva e de tipo político- 
político, no seu exterior o trabalho se torna um limite ao desenvolvimento 
capitalista, determinando portanto uma “crise” dentro da qual ocorre tanto 
uma “reorientação” produtiva, em direção a um modo de produção que se 
livre da hipoteca do poder do trabalho, quanto um notável redimensionamento 
também do poder político da classe operária. Ao mesmo tempo instrumento 
e sinal de tais processos de reestruturação, emerge uma nova classe operá­
ria, ou novos setores da classe operária, recrutados, exatamente como se 
dizia acima, no bojo da expansão do desenvolvimento capitalista, quer esse 
desenvolvimento se dirija para o mercado de trabalho “interno” (jovens, 
mulheres, ex-trabalhadores agrícolas, ex-pequenos proprietários e empresá­
rios), quer para o “externo” (países há pouco, e de vários modos, incorpora­
dos por um desenvolvimento capitalista mais direto e dinâmico).
Esses novos segmentos sociais vão constituir uma “classe operária em 
formação”32, e em formação pelo menos em dois sentidos: porque se está 
inserindo no interior de processos de trabalho correspondentes a projetos 
empresariais novos ou renovados (macdonaldização, transformações indus­
triais, “novo mercado”); e porque não tem nenhum sentido de si enquanto tal 
(os clássicos teriam dito que lhes “falta consciência de classe”). E destino 
comum desses setores da “classe operária em formação” serem normalmen­
te descritos - pelo ressentimento das “velhas” categorias operárias, ajudadas 
nisso por vários tipos de agitadores e por comentaristas “autorizados”, que 
se encarregam de racionalizar este ponto de vista - como “excremento”, 
“classe perigosa”, subproletariado, underclass, para usar um termo norte- 
americano recente.
32 Sobre o caso italiano atual, ver a minha “Introdução” , em Dario Melossi (org.), 
Multiculturalismo e sicurezza in Emilia-Romagna: Secondci parte. Quademo n. 
21-ab dei “Progetto C ittà S icure” . Bolonha, Regione Em ilia-Rom agna, 2001 
(cittasic.ure@regione.emilia-romagna.it).
22
Essas descrições se baseiam, naturalmente, também era “fatos reais” , 
visto que o processo de desenvolvimento capitalista ocorre geralmentede 
modo um tanto anárquico e irracional, e o deslocamento dos futuros operá­
rios do campo para as cidades não é nem automático nem indolor, provocan­
do fenômenos de inserção de alguns dos novos que chegam no interior dos 
mercados do chamado “ilícito” (que, por outro lado, faz parte daquele mer­
cado “efetuai” , no interior do qual também se necessita de mão-de-obra, 
como ocorre hoje na Itália com a droga e a prostituição), e igualmente de 
rejeição e de hostilidade da parte dos estratos sociais, também operários, 
precedentes. Por conseguinte, o excremento, a classe perigosa, a underclass 
será encerrada (e “cultivada”) no interior de um sistema carcerário que, 
reencontrando seus próprios hóspedes preferidos de sempre - ex-campone­
ses que se dirigem à cidade, mesmo que a sua cor, a sua língua ou a sua 
religião sejam agora diferentes - , se sentirá renascer, reconhecendo nos no­
vos recém-chegados os próprios “eternos hóspedes”, por assim dizer a linfa 
vital da qual o sistema se nutre (não obstante a ingenuidade ocasional de um 
ou outro magistrado que, tomando ao pé da letra a forma do direito, tentou 
enviar para a prisão, nesse meio tempo, hóspedes por assim dizer “inespera­
dos” , mas isso acabou não dando certo!). Porém, como já acontecera no 
passado com aqueles velhos operários (e os seus pais e os seus avós), que 
agora maldizem a “incivilidade” dos recém-chegados, assim também estes 
últimos crescerão juntamente com o tipo de desenvolvimento em que foram 
imersos e encontrarão, de acordo com formas solidárias e organizativas, o 
modo de considerar a si mesmos, e a outros como eles, não mais como 
excremento mas como seres humanos, e daí a pouco também como seres 
humanos dotados de um certo poder.
Como dizia uma palavra de ordem que circulava entremos trabalhadores 
da província de Reggio Emilia, há cerca de um século atrás, “unidos somos 
. tudo/divididos somos canalha”33. Para que tal modo de pensar se torne um 
modo de pensar largamente compartilhado, isso depende não somente do 
esforço infatigável de organizadores e ativistas, mas também, e naturalmen­
te, dos acontecimentos registrados no desenvolvimento das forças produti­
vas (muito embora as duas coisas não possam ser separadas uma da outra). 
O fato é que, quando isso acontecer, e la canaille não for mais a canalha, 
este será também o momento em que novamente o cárcere será visto como
33 M aterial recolhido por ocasião da celebração do centenário da Câm ara do 
Trabalho de Reggio Emilia (2001).
um resíduo arcaico do passado e serão previstas novas “alternativas” puniti­
vas, “correcionais” e “reeducativas” ; ao mesmo tempo, em algum canto do 
mundo, as primeiras patrulhas em busca de uma nova “canalha” estarão 
começando a apressar-se, num incansável movimento, em direção aos con­
fins do contrato social/império.
24
Introdução
Paris, 1676.
Não obstante numerosas providências, todo o restante dos mendigos 
continuou a viver em plena liberdade em toda Paris e nos subúrbios; eles 
chegavam ali provenientes de todas as províncias do reino e de todos os 
países da Europa. O seu número crescia dia após dia, até se constituírem 
como um povo independente, que não conhecia nem lei, nem religião, nem 
autoridade, nem polícia; a crueldade, a baixeza, a libertinagem era tudo que 
reinâva entre,eles. No dia 13, uma missa solene ao Espírito Santo foi cantada 
na igreja da Pitié e no dia 14 a reclusão dos Pobres foi levada a bom termo 
sem nenhuma perturbação.
Naquele dia toda Paris mudou de aspecto, tendo a maior parte dos mendigos 
se retirado para as províncias, e os mais espertos pensando em encontrar 
sustento com as suas próprias forças. Houve, indubitavelmente, um ato da 
proteção divina sobre esta grande iniciativa, porque não se poderia jamais 
acreditar que se chegaria a um resultado tão feliz com tão pouco esforço1.
Nova Iorque, 1997.
Grafites e outros sinais da desordem estavam por toda parte. Durante os 
anos 1970 e boa parte dos anos 1980, não havia um único vagão do metrô da 
cidade que não estivesse com pletam ente coberto daquilo que alguns, 
impropriamente, definiam como uma forma de arte urbana, os grafites. As 
estações do metrô transformavam-se em bidonvilles para os homeless, e a 
esmola arrogante crescia, exacerbando um clima de medo. Assim, mal você 
colocava os pés em Manhattan, dava de cara com o estandarte não oficial da 
cidade de Nova Iorque; a epidemia dos lavadores de carros. Bem-vindo a 
Nova Iorque. Estes tipos tinham sempre nas mãos um trapo sujo, e empor-
' .L'Hòpital Général, opúsculo anônimo de 1676, citado por Michel Foucault in 
Storia delia follia nell’età classica, trad. it. Milão, Rizzoli, 1998, pp. 459-460. [N. 
do T.: edição brasileira H istória da loucura na Idade Clássica. São Paulo, 
Perspectiva, 1989, tradução de José Teixeira Coelho Netto],
25
calhariam o vidro do teu carro com algum líquido imundo, para depois pedir 
dinheiro. Quem andasse pela Quinta Avenida, pela área dos negócios da alta 
moda e dos edifícios chiques, esbarrava por toda parte com ambulantes não 
autorizados e mendigos. Se voltasse ao metrô, deparava com artistas 
equilibristas que se comportavam como vândalos, exigindo que os passageiros 
lhes dessem dinheiro. Mendigos em todos os vagões. Nos trilhos, cidades de 
papelão serviam de moradia aos homeless. Dominava a sensação de uma 
cidade permissiva, de uma sociedade que autorizava coisas que não teriam 
sido permitidas anos antes2.
A primeira impressão que se pode ter ao se ler os textos reproduzidos 
acima é que pouca coisa mudou nos três séculos que separam a Paris do 
Hôpital Général da Nova Iorque da Zero Tolerance. O autor anônimo do 
opúsculo do século XVII e o ex-chefe de polícia de Nova Iorque, que foi o 
principal artífice das estratégias da Zero Tolerance, parecem se inspirar na 
mesma filosofia: idêntico é o desprezo pór aquela pobreza extrema que, de 
modo desabusado, ousa mostrar-se, contaminando o ambiente metropolitano; 
idêntico o entrelaçamento entre motivos morais e alusões vagamente eugênicas; 
idêntica a hostilidade contra tudo aquilo que perturba o quieto e ordenado 
fluir da vida produtiva citadina, defendendo-a da infecção do não-trabalho, 
do parasitismo econômico, do nomadismo urbano; idêntica, sobretudo, a 
implícita equação entre marginalidade social e criminalidade, entre classes 
pobres e classes perigosas. Todavia, a uma observação mais atenta, esta 
impressão se revela completamente inexata.
O opúsculo anônimo se coloca historicamente no limiar da transição de 
um regime de poder, que Michel Foucault define como “soberano”, para um 
modelo de controle de tipo “disciplinar” . Diante do espetáculo da mendicância, 
da pobreza e da dissolução moral oferecido pelos pobres na Europa entre os 
séculos XVII e XVIII, as estratégias do poder mudam lentamente, passando 
de uma função negativa, de destruição e eliminação física do desvio, a uma 
função positiva , de recuperação, disciplinam ento e norm alização dos 
diferentes. É aqui que se inicia a era do “grande internamento”. Pobres, 
vagabundos, prostitutas, alcoólatras e criminosos de toda espécie não são 
mais dilacerados, colocados na roda, aniquilados simbolicamente através da 
destruição teatral dos seus corpos.
2 W. J. Bratton. “Crime is Down in New York City: Blame the Police” , in N. Dennis 
(ed.), Zero Tolerance. Policing a Free Society. Londres, Institute of Economic 
Affairs, 1997, pp. 33-34.
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De forma muito mais discreta, silenciosa e eficaz, eles são encerrados. 
Eles começam a ser internados porque se compreende que eles são passíveis 
de constituir uma massa que as nascentes tecnologias da disciplina podem 
forjar, plasmar, transformar em sujeitos úteis, isto é, em força de trabalho. 
Do “direito de morte” ao “poder sobre a vida”, da neutralização violéntade 
indivíduos “infames” à regulação produtiva das populações que habitam o 
território urbano, é isso que, com vigor religioso, o autor anônimo do opúsculo 
invoca, ao mesmo tempo que anuncia precisam ente o »na«cimení©-*4a 
írmpolftica3.
Articulando-se entre disciplina do corpo eregulação dos grupos humanos, 
'a biopolítica organiza um poder eficaz sobre a vida, agrupa um conjunto de 
tecnologias de governo que contrapõem à dissipação e ao esbanjamento 
(dos corpos, das energias, dos recursos, mas também do poder) uma gestão 
racional das forças produtivas'.
a adequação da acum ulação do s hom ens à do capital, a articulação 
do crescim ento dos grupos humanos co m a ex p an são das forças 
produtivas e a repartição diferencial do lucro se tornaram possíveis 
cm parte devido ao exercício do biopoder, em suas formas e com os 
procedimentos os mais variados. O investimento do corpo vivo, a 
sua valorização e a gestão distributiva das suas forças foram, naquele 
momento, indispensáveis .
J n ausura-se. assim, Jõ modelo de controle social disciplinar que carac­
terizará toda a fase de expansão da sociedade industrial, até o seu apogeu, 
durante o período do capitalismo fordistãTJSerá, de fato, no decorrer da 
primeira metade do século XX que o projeto de uma perfeita articulação 
entre disciplina dos corpos e governo das populações se completará, mate- 
rializando-se no regime econômico da fábrica, no modelo social do Welfare 
State e no paradigma penal do cárcere “correcional”.
Zero Tolerance e as práticas de discurso que a acompanham já se situam 
num contexto radicalmente mudado, marcado pela crise e pelo progressivo
3“Poder-se-ia dizer que o velho direito de fazer morrer ou deixar viver foi substituído 
por.um poder de fazer viver ou de rejeitar a morte”(Michel Foucault, La volontà di 
sapere, trad. it. Milão, FeHnnelii, 1997, p. 122) [N. do T.: edição brasileira História 
da sexualidade 1: vontade de saber. São Paulo, Graal, 1977, tradução de.M aria 
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque].
4 Iclem, p. 125.
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abandono do grande projeto disciplinar da modernidade capitalista. Aqui, as 
tecnologias do disciplinamento não são mais um instrumento eficaz de controle 
e governo da dissipação e do desperdício da força de trabalho (talvez porque 
dissipação e desperdício não existam mais) jPobres, desempregados, mendi­
gos, nômades e migrantes representam certamente as novas classes perigosas, 
“os condenados da metrópole” , contra quem se mobilizam os dispositivos de 
controle5, mas agora sãoj;jiiprewadas^estt3 tégia&.difereiites nesse confronto? 
Trata-se, antes de tudo, de indmdualizá-los e separá-los das “classes laboriosas”. 
Esta tarefa é, de fato, bastante simples numa metrópole produtiva, na qual a 
contínua precarização do trabalho, o emprego - que se torna cada vez mais 
flexível, incerto e transitório - , e a constante superposição entre economia “legal” 
e economias submersas, inform ais e também ilegais, determ inam uma 
progressiva solda entre trabalho e não-trabalho e entre classes laboriosas e classes 
perigosas, a ponto de tomar qualquer distinção praticamente impossível. Trata- 
se, pois,, defneutralizar a “periculosidade” das classes perigosas através de 
técnicas de prevenção do risco, que se articulam principalmente sob as formas 
de vigilância, segregação urbana e contenção carcerária^
Se voltarmos o olhar às tecnologias de controle que emergem no ocaso 
do século XX e anunciam a aurora do século XXI, podemos certamente 
falar de um segundo grande internamentOLX>e um internamento urbano, que 
tem a forma do gueto, de um internamento penal, que tem a forma do cárcere, 
e de um internamento global, que assume a forma das inumeráveis “zonas de 
espera”, disseminadas pelos confins internos do Império6. Porém, diferen­
temente do internamento do qual nos fala Foucault, a sua reedição atual não 
parece cultivar nenhuma utopia de tipo disciplinar. O novo internamento se 
configura mais do que qualquer outra coisa com o|iina tentativa de definir 
/um espaço de contenção, de traçar um perímetro material ou imaterial em 
í torno das populações que são “excedentes”,/seja a nível global, seja a nível 
metropolitano, em relação ao sistema de produção vigente.
5 S. Palidda, Polizia postmoderna. Etnografia dei nuovo controllo sociale. Milão, 
Feltrinelli, 2000.
6 M. Hardt e A. Negri, Impero. II nuovo online delia globalizzione, trad. it. Milão, 
Rizzoli, 2002 [N. do T.: edição brasileira Império. Rio de Janeiro: Record, 2001, 
tradução de Berilo Vargas]. Pensamos aqui, obviamente, nos processos de controle 
implementados em relação aos migrantes. Sobre esse tema, ver particularmente S. 
M ezzadra e A. Petrillo (org.), / confini delia globalizzazione. Lavoro, cultura, 
cittadinanza. Roma, Manifestolibri, 2000.
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novas? historicamente sempre foram.
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i Aqui se determina, por conseguinte, uma nítida separação entre biopolítica
e d iscip linaridade , na qual a primeira se expressa, paradoxalmente, através 
da negação da segunda. Resta a instalação biopolítica de um poder entendido 
mais como regulação de populações produtivas, como controle dos fluxos 
da força de trabalho global num espaço tornado imperial, e menos como 
aquela “anatomo-política do corpo” da qual nos fala Foucault, aquele “fazer 
viver” produtivo que integra, ao nível dos indivíduos singulares, a regulação 
das populações no seu conjunto.
Também têm menos espaço aquelas tecnologias de sujeitificação que 
perseguiam o objetivo de transformar os indivíduos por meio de um controle 
individualizado. Em outras palavras, (não se trata mais de “fazer viver ou 
repelir a morte” , mas talvez de “fazer viver através do repelir a morte^jEste 
“repelir a morte”, imposto a uma parte da força de trabalho global, parece 
constituir-se hoje no pressuposto para “fazer viver” a produtividade social 
conjunta do capitalismo pós-fordista. Falamos aqui de uma morte que se 
concretiza na violência institucional dos dispositivos de controle que sustentam 
o domínio capita lista, de um a m orte que incide sobre a ex istência afetiva, 
social e econômica dos indivíduos e que se apresenta como limitação das 
expectativas subjetivas, como expropriação de possibilidades, como negação 
do direito de circular livremente.(Antes e ainda mais do que da morte biológica, , 
/falamos da morte como experíencia b iográ fica da força de trabalho con- 
: temporânea, que se materializa na biografia dos migrantes que morrem nos
confins da fortaleza européia, na tentativa de exercitar um “direito de fuga” I 
negado7, nas biografias dos dois milhões de prisioneiros encerrados no gulag 
\ americano ou nas daqueles para quem o horizonte de vida tende a coincidir/ 
|,com a fronteira de um gueto.
Michel Foucault reconstruiu a genealogia de um poder disciplinar que se 
inscreve na formação do modo de produção capitalista e que se estende até à 
época da sociedade industrial fordista. A disciplinaridade pode ser compreendida 
apenas a partir da constituição da produção industrial, do seu nascimento ao seu 
declínio. Por sua vez, o desenvolvimento do capitalismo industrial não pode ser 
concebido se prescindirmos das estratégias de produção de subjetividade e de 
força de trabalho que se concretizam nas técnicas disciplinares. Mas aquilo que
7 Sobre “direito de fuga” (entendido, também, significativamente, como exercício 
de uma “crítica prática” da divisão internacional do trabalho), ver S. Mezzadra, 
‘Migrazioni”, in A. Zanini e U. Fadini (org.), Lessico postfordista. Dizionario cli 
idee delia mutazione. Milão, Feltrinelli, 2001, pp. 206-211; e S. Mezzadra, Diritto 
di fuga. Migrazioni, globaUzzazione, cittadinanza. Verona, Ombrecorte, 2001.
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temoshoje diante de nós é precisamente a superação do modelo capitalista * 
fordista para o qual aquelas tecnologias foram por tanto tempo destinadas8. f 
Percebemos sinais inequívocos desta superação. Dispomos de descrições, I 
análises e definições que, sobretudo nos últimos dez anos, foram condensadas f 
numa já extensa literatura9. O termo “pós-fordismo” - em uso tanto na lin- i 
guagem sociológica, política e econômica, quanto no léxico comum — indica- \ 
nos saltos de paradigma e transições radicais, que reescrevem a fundo a f 
nossa experiência da contempOraneidade. Ao mesmo tempo, emergem ten- í 
tativas de reconstrução das mutações que investem a geografia do controle ! 
social. Termos como “sociedade de controle” e “sociedade da vigilância” | 
parecem indicar o epílogo e a superação do regime disciplinar, uma transição I 
que se consumiria a partir do esgotamento da estrutura produtiva fordista. | 
Todavia, enquanto o trabalho de Michel Foucault inscrevia a análise do I 
“controle disciplinar” diretamente na materialidade das relações de produção ? 
capitalistas, nos processos de constituição do proletariado e nas formas de | 
produção de subjetividade da força de trabalho industrial, as análises das í 
estratégias do “contro le social” custam a assum ir um a perspectiva metodo- ? 
lógica análoga, limitando-se essencialmente a uma fenomenologia de superfície, s 
Em outros termos, podemos afirmar que^ã disciplinaridade se revela cada vez 
mais inadequada com relação às novas formas de produção e impotente para 
exercitar práticas de controle eficazes no confronto com as novas subjetividades 
do trabalho;/porém, não estamos em condições de reconduzir essa inadequação j 
e essa impotência aos processos de transformação em curso na produção.
Chegamos assim ao objeto deste livro, que consiste na individualização 
de algumas hipóteses para preencher este aparente vazio. O Qbjetjyp, um 
tanto ambicioso, consiste em (descrever algumas mutações ocorridas nas 
formas do controle a partir da emergência de uma nova articulação das relações 
de produção, perguntando-se de que modo as estratégias atuais de controle 
se inscrevem no contexto produtivo pós-fordistaTJNo entanto, fazer essa
8 “A abordagem foucaultiana permite ler o desenvolvimento da sociedade moderna 
e a relação nela existente entre Estado e sociedade até o momento histórico do 
fordismo (...) Mas é este, exatamente, o ponto crucial. Esta configuração é arrastada, 
faz tempo, numa crise aparentemente sem saída, pelo desmoronamento do seu eixo 
central, vale dizer, do valor social paradigmático da disciplina de fábrica de tipo 
fordista” (L. Ferrari Bravo, “Sovranità”, in Zanini e Fadini (org.), Lessico postfordista, 
cit.,p.280).
9 A transição do fordismo ao pós-fordismo (e as descrições desta transição) será 
objeto de uma seção posterior desta obra.
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pergunta significa, necessariamente, fazer convergir a análise do controle 
com aquela, complementar, da força de trabalho contemporânea, até o ponto 
de fundir as duas.
Entra aqui em jogo o conceito, fundamental, de “multidão!’, com o qual se 
pretende exprimir o caráter compósito, enraizado e múltiplo da força de trabalho 
pós-fordista, em relação à qual um conjunto de caracterizações, distinções e 
separações, referenciáveis à classe operária, parece perder progressivamente 
consistência. Vale dizer porém que o conceito de multidão não pretende aludir 
a uma subjetividade auto-consciente, à emergência de um novo sujeito revolu­
cionário, ou à formação de uma identidade paradigmática da força de trabalho 
contemporânea. Ao contrário, o termo multidão define um processo de 
subjetivação em andamento, um “tornar-se múltiplo” das novas formas de 
trabalho sobre as quais convergem as tecnologias do controle pós-disciplinar. 
Multidão indica, sobretudo, a impossibilidade de uma rechictio acl unam das 
diversas subjetividades produtivas comparáveis àquela que permitia individua­
lizar, na classe operária, a forma de subjetividade hegemônica durante a época 
do capitalismo fordista.
A partir do conceito de multidão veremos então que aquela que, à primeira 
vista, se revela como inadequação das tecnologias disciplinares em relação 
ao novo horizonte produtivo, configura-se, na realidade, como um excesso 
daquilo que deve ser controlado (a nova força de trabalho social) no que 
concerne aos dispositivos de controle, uma nova constituição do trabalho 
que transgride continuamente as determinações e as formas de subjetivação 
impostas pelo domínio. Será então possível afirmar que/a construção de um 
modelo de governo do excesso expressa pela multidão produtiva pós-fordista 
toma-se uma prioridade das atuais estratégias de controleJSerá preciso, porém, 
articular estas transições seguindo uma certa ordem e situá-las num contexto 
histórico mais geral.
A economia política da penalidade parece poder-nos oferecer esta possi­
bilidade. Trata-se de uma orientação da criminologia crítica, de derivação princi­
palmente marxista e foucaultiana, que investigou, sobretudo a partir dos anos 
1970, a relação entre economia e controle social, reconstruindo as coordenadas 
da relação que parece manter juntas determinadas formas de produzir e 
determinadas modalidades de punir10. Como veremos, ela concentrou suas
10 O texto fundamental, do qual depois foram derivadas mais ou menos diretamente 
todas as análises posteriores, é G. Rusche e O. Kirchheimer, Pena e struttura sociale. 
trad. it. Bolonha, II Mulino, 1978 ]N. do T.: edição brasileira: Punição e estrutura 
social, Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2a ed., 2004, tradução e apresentação de Gizlene 
Neder].
próprias análises particularmente nos nexos entre “cárcere e fábrica”, entre 
“encarceramento e desemprego” , questionando a relação entre dinâmicas do 
mercado de trabalho e estratégias repressivas no interior de um cenário fordista. 
Mas os instrumentos críticos produzidos pela economia política da penalidade
- tanto por meio da reconstrução histórica do nascimento da penitenciária e 
da reclusão quanto através da análise da relação atual entre economia e pena
- constituem uma herança significativa, que deve ser recolhida e levada em 
conta para se empreender uma crítica do controle social pós-fordista.
Por conseguinte, gostaria de ter como ponto de partida a economia política 
da penalidade para nela individualizar as diretrizes teóricas fundamentais e 
investigar sua dupla dimensão histórica e contemporânea. Emergirão, assim, 
alguns lim ites deste paradigm a de análise, ligados em particu la r às 
transformações que, nestes anos, afetaram a produção social. Será, pois, 
necessário valtar nossas atenções para estas transformações, para nelas 
colhermos as tendências e os efeitos no plano da subjetividade produtiva. 
Apenas neste momento serão pesquisadas as formas de controle da multidão 
através das quais um regime de governo do excesso começa a se revelar.
Parte deste trabalho constitui uma reelaboração de dois artigos: “OItre 
1’economia politica delia penalità: posfordismo e controllo delia moltitudine” 
[“Além da economia política da penalidade: pós-fordismo e controle da m ul­
tidão”], in Dei delitti e dellepene, 1-2, 2000, e “Società di controllo: lavori in 
corso” [“Sociedade de controle: trabalhos em curso”], in DeriveAprodi, 20, 
2001 .
Desejo agradecer a Venere Bugliari, Richard Sparks, Stefania De Petris, 
Thea Hinde, Dario Melossi e Sandro Mezzadra pelos seus preciosos co­
mentários.
32
Capítulo 1
Regime disciplinar e proletariado fordista
A prim eira fu n çã o era subtrair o tempo, 
fa zendo com que o tempo dos homens, 
o tempo das suas vidas, se transformasse 
em tem po de trabalho. A segunda função 
consistia em fa ze r com o que o corpo 
dos hom ens se tornasse fo rça de trabalho. 
A função de transform ação do corpo 
em fo rça de trabalho corresponde à funçãode transform ação do tempo em tempo de trabalho.
M. Foucault, 
A verdade e as fo rm as juríd icas
Economia política do controle social
A criminologia nasce como um saber inseparável das tecnologias de po­
der que remetem ao universo criminal. Ela é produto daquilo que Foucault 
define como “civilização inquisitória” . A sua genealogia faz parte do proces­
so histórico de transformação no sentido “governamental” da razão de Esta­
do que tomou forma entre os séculos XVIII e XIX. Neste período, a ciência 
de governo se especializa e se diferencia em seu próprio interior, dando vida 
a saberes sobre a população, tais como a estatística, a urbanística, a higiene, 
a psiquiatria, a medicina social e a criminologia". O potencial “inquisitorial”
- que a criminologia acumula e, ao mesmo tempo, libera em relação ao des­
vio - produz, por conseguinte, uma ordem peculiar do discurso e um con­
junto de verdades que se concretizam historicamente nas figuras do hom o 
crim inalis, do reincidente, do ambiente críminógeno e da classe perigosa'2.
. 11 M. Foucault, “La governamentalità” , trad. it. .in M. Foucault, Poteri e strategie.
L ‘assoggetamento dei corpi e Velemento sfuggente (P. Delia Vigna, org.). Milão, 
r^M imesis, 1994, pp. 43-67.
12 “A inquisição: forma de poder-saber essencial à nossa sociedade. A verdade da 
experiência é filha da inquisição - do poder político, administrativo, judiciário de 
"Q/Colocar perguntas, de extorquir respostas, de recolher testemunhos, de controlar 
afirmações, de estabelecer fatos — como a verdade das medidas e das proporções era
Ao longo de toda a primeira metade do século XX, a investigação crimi- 
nológica permanece fortemente caracterizada por um saber a serviço do 
“príncipe”, incapaz de superar o estatuto epistemológico consolidado na fase 
inicial da sua história. Esta marca fundamentalmente “tecnocrática” , que 
torna a criminologia uma verdadeira “ciência de polícia” (Polizeiwissenschaft), 
dificulta por muito tempo a elaboração de teorias do controle social, ou seja, 
a formação de paradigmas de análises capazes de interrogar criticamente as 
dinâmicas de reação social e institucional em relação ao desvio.
Apenas com o desenvolvimento das teorias do “etiquetamento” nos anos 
1960 é que o poder punitivo faz o seu ingresso efetivo no horizonte crim i­
nológico como universo de investigação parcialmente independente da cri­
minalidade13. Os teóricos do “etiquetamento” foram os primeiros a promo­
ver um processo de renovação crítica do saber criminológico, propondo 
uma valorização do desvio enquanto diversidade estigmatizada pelos meca­
nismos de poder. Porém, ao fazerem isso, eles continuaram confinados aos 
limites de uma perspectiva micro-sociológíca.
“R evolucionário” sob certos aspectos, o projeto interacionista — voltado 
para uma reavaliação da identidade desviante diante dos rituais de repressão 
e degradação social dos quais é objeto - não se fundamentava, porém, em 
hipóteses abrangentes, relativas ao fundamento material do poder de “eti­
quetar” e reprimir. De um lado, o universo desviante descrito pelos labelling 
theorists parece incapaz de produzir resistências ao poder que não sejam 
totalmente individuais e quase sempre oportunistas. Por outro lado, o poder 
de definição do desvio só encontra algum fundamento nos processos de 
interação simbólica que têm lugar no microcosmo das instituições totais14.
Esses aspectos tendem a prejudicar o potencial crítico da análise 
“interacionista” em relação às estratégias punitivas, visto que restituem uma
filha de dike” (M. Foucault, 1 corsi al College de France. I Resumées, trad. it. Milão, 
Feltrinelli, 1999, p. 22) [N. do T.: edição brasileira Resumo dos cursos do Collège de 
France: 1970/1982. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, tradução de Andréa Daher, 
consultoria de Roberto Machado], Sobre o nascimento da criminologia e sobre a sua 
relação com a ‘‘governamentalidade’’ e a disciplina, ver R Pasquino, “Criminology: 
the Birth of a Special Saviour”, in Ideology and Consciousness, 7, 1980, pp. 17-33.
13 Sobre as teorias de etiquetamento, ver a coletânea de escritos publicados em E. 
Rubington & M. Weinberg (eds.) Deviance. The Interactionist Perspective. Nova 
Iorque, MacMIllan, 1973.
14 E. Goffman, Asylums, trad, it. Turim, Einaudi, 1968.
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im a g e m d o p o d e r p u n i t iv o fu n d a m e n ta lm e n te des-h istoric iz .ada e 
descontextualizada. A crim in o lo g ia crítica com eça, po rtan to , a denunc ia r a 
urgência de um a fundação m ateria lis ta da aná lise dos p rocessos institucionais 
dc con tro le do desvio, is to é, de um a an á lise capaz de ex am in a r criticam ente 
os Icibellers (as institu ições e as es tra tég ias do p o d er pun itivo ) e tam bém os 
labelled (aqueles que são os destin a tário s im ediatos dos labellers). E sse es­
tímulo político-intelectual determ ina , ou pelo m enos agiliza, d e m odo sign ifi­
cativo, a en trada do m arx ism o na socio log ia crim inal, oco rrida en tre o final 
da década de 1960 e o in ício dos anos 197015.
Nao duas as principais d ireções de investigação que se delineiam neste 
período. A prim eira é co n stitu íd a po r um con jun to de estudos h istó ricos que 
descrevem o papel exercido pelos sis tem as p rodu tivos na afirm ação h istó ri­
ca das re lações de p rodução c a p ita lis ta s16, U m a h is tó ria d a pena, que até 
aquele m om ento era rep resen tad a co m o um progresso con tín u o da c iv iliza­
ção ju ríd ica em direção à rac io n alid ad e e à hum an ização da punição , agora é 
descrita com o um a concatenação de estra tég ias com as q u a is a ordem cap i­
talista im pôs, no tem po, suas fo rm as p ecu lia res de subord inação e repressão 
de classe. Já a segunda d ireção de investigação se o rien ta para as prá ticas 
contem porâneas dos sis tem as de co n tro le e, sobretudo , do d ispositivo ca rce­
15 Ver sobretudo a crítica na perspectiva marxista feita por Alvin Gouldner aos 
labelling theorists no seu Per Ia sociologia. Ri/movo e critica delia sociologia 
dei nostri tempi, trad. it. Nápoles, Liguori, 1977. Seria simplista remeter as diver­
sas orientações que se desenvolveram neste período no âmbito da criminologia 
crítica apenas à influência teórica do marxismo. Surgem, por exemplo, correntes 
anarquistas, que se consolidarão posteriormente no movimento abolicionista, e, 
sobretudo, são lançadas as bases para o nascimento das diversas criminologias 
feministas. Para uma reconstrução da história da criminologia crítica em todas as 
suas correntes (embora lim itada ao contexto europeu), das suas origens até a 
metade dos anos 1990, ver R. Van Swaningen, Criticai Criminology. Visions froni 
Europe. Londres, Sage, 1997.
16 M. Foucault, Sorvegliare e punire, trad. it. Turim, Einaudi, 1976 [N. do T.: 
edição brasileira Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 2002, 
26a ed.; tradução de Raquei Ramalhete]; M. Ignatieff, Le origini dei peninteziario. 
Sistema carcerario e rivoluzione industriale inglese 1750-1850, trad. it. Milão, 
Mondadori, 1982; Rusche e Kirchheimer, Pena e struttura sociale, cit.; D. Rothman, 
The Discovery o f the Asyliim. Social Order and Disorder in the New Republic. 
Boston, Little Brovvn, 1971; D. Melossi e M. Pavarini, Cárcere efabbrica. Bolo­
nha, II Mulino, 1977 [N. do T.: edição brasileira Cárcere e fábrica. Rio de Janeiro, 
Kevan/ICC, 2006, tradução de Sérgio Lamarão],
rário. A análise se concentra, aqui, no papel desempenhado pelos aparelhos : 
repressivos em relação às dinâmicas econômicas atuais e, em particular, em 
relação ao funcionamento do mercado de trabalho nas sociedades industria­
lizadas.
A convergência dessas duas direções de investigação dá forma, final­
mente, a uma crítica materialista da penalidade. O fio condutor da economia 
política

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