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SU ES Pensamento Criminológico 12 Alessandro De Giorgi Coleção Pensamento Criminológico Alessandro De Giorgi A miséria governada através do sistema penal Tradução Sérgio Lamarão % Instituto C a r io c a de C rim in o logia Editora Revan 323EE Pensamento Criminológico Direção Prof. D r. Nilo Batista © 20 06 Instituto Carioca de Crím inoiogia Rua Aprazível, 85 Rio de Janeiro - RJ 20241-270 tel. (21)2221-1663 fax (21)2224-3265 criminologia@icc-rio.org.br Edição e distribuição Editora Revan S.A. Rua Paulo de Frontin, 163 Rio de Janeiro - RJ 20260-010 tel. (21)2502-7495 fax (21)2273-6873 editora@revan.com.br www.revan.com.br Projeto gráfico Luiz Fernando Gerhardt Revisão Sylvia Moretzsohn Diagramação lido Nascimento Giorgi, Alessandro De. A m iséria governada através do sistem a penal. Alessandro De Giorgi. - Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. (Pensamento criminológico; v. 12). 128 p. Inclui bibliografia ISBN 85-7106-336-2 1~. Direito penal Sumário P re fác io à ed ição b ra s ile ira ..................... ................................................. 5 D iscussão à guisa de p refác io Cárcere, pós-fordismo e ciclo de produção da “canalha” D a iio M elossi ........................................... ............................................ 9 In trodução ....................................................................................................25 Capítulo 1 Regime disciplinar e proletariado fo rd is ta ................................... 33 Econom ia política do controle social ................... ....................... 33 N ascimento da sociedade industrial e disciplinamento do proletariado ............................................. 39 Pena e subsunção real do trabalho ao capital .............................. 43 Encarceramento e desem prego na época fordista ..................... 47 O limite da economia política da penalidade fo rd is ta ............... 55 C ap ítu lo 2 ^ Excesso pós-fordista e trabalho da m ultidão ..............................63 Pós-fordismo: o regim e do excesso ............................................ 63 O excesso negativo ........................................................................... 66 O excesso positivo ........................................................................... 71 M ultidão ............................................................................................... 77 C apítu lo 3 . Governo do excesso e controle da m u ltid ã o .............................. 83 Da disciplina da carência ao governo do excesso .................... 83 O controle como “não-saber” ........................................................ 89 O controle da m ultidão . O risco aprisionado A m etrópole pun itiva A rede im bricada ..... N ovas resistências ......... B ibliografia Prefácio à edição brasileira Vera Malaguti Batista Este livro de Alessandra De Giorgi atualiza o conjunto de reflexões que o Instituto Carioca de Criminologia vem publicando ao longo dos últimos dez anos. A Coleção Pensamento Criminológico tem como elo de articula ção a produção teórica acerca da questão criminal que se opõe ao grande movimento de criminalizàção da pobreza, gerado pelo processo de acumu lação de capital ao longo dos séculos. Na etapa em que nos encontramos, de capitalismo de barbárie, pode mos observar a expansão do mercado em todas as direções, mas principal mente no esfacelamento das redes sociais de proteção coletiva do capitalis- ■" mo industrial, do Estado Previdenciário ou Welfare State. No âmbito penal há uma expansão análoga, no sentido de um crescimento sem precedentes da pena de prisão. Como diria Lote Wacquant, o outrora denominado mun do livre está sendo encarcerado... A lessandro De G iorgi aprofunda esta reflexão crítica acerca do encarceramento em massa da força de trabalho excedente utilizando a eco nomia política da pena no desemprego pós-fordista. Uma das principais qualidades deste livro é aproximar o marxismo do pensamento de Michel Foucault. Aqui no Brasil ergueu-se uma parede entre essas duas escolas de pensamento; esta parede é, a meu ver, ilusória. Tenho dito que, sem a militância no Partido Comunista Francês, Foucault não poderia ter efetua do a reflexão que fez. A partir do marxismo frankfurtiano de Georg Rusche, Foucault m ergulha na in tegração h istó rica do sistem a penal com o disciplinamento do mercado de mão-de-obra. Foucault investe no corpo como centro nevrálgico do poder, e também do podér punitivo. Percebe-se em Vigiar e punir a apropriação da descrição de Rusche acerca dos mecanismos de disciplinamento dos cárceres, suas normas para a regulamentação do cotidiano na direção da constituição dos corpos dóceis. Mais adiante, Foucault vai trabalhar com a idéia de biopoder, este colossal dispositivo de apropriação e disciplinamento dos corpos, que caminha junto ao assujeitamento massivo das almas. 5 De Giorgi aposta nessa crítica materialista da pena: “o fio condutor da I economia política da pena é construído pela hipótese geral segundo a qual a '■ evolução das formas de repressão só pode ser entendida se as legitimaçoes | ideológicas historicamente atribuídas à pena forem deixadas de lado”. Seu j trabalho cumpre, então, a função fundamental de desativar o dispositivo do dogma da pena. Existe nos dias de hoje uma polissemia de discursos, uma j saturação de informações que conduzem à transformação de toda a con- 3 flitividade social em problema penal. A discursividade vai acompanhando j então a pauta da reprodução deste capital de barbárie: a imigração é crimina- I lizada, bem como as estratégias de sobrevivência da pobreza em todas as ; partes do mundo. As políticas criminais de droga, as operações “anti-cor rupção”, as cruzadas contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro são nada mais nada menos do que expansão dos territórios de ocupação física e ; virtual pelo capital financeiro soberano. O autor avança também na crítica à contradição estrutural da sociedade capitalista, a partir de Marx: o paradoxo entre a idéia da igualdade formal em relação a uma desigualdade fundamental: “o objetivo, coerentemente, é o de reproduzir um proletariado que considere ü^safátio Como justa retribuição do próprio trabalho e a pena como justa medida dos seus próprios crimes”, diz ele acerca da ideologia retributiva-legalista do fordismo. O trabalho de De Giorgi ultrapassa os limites da economia política da penalidade fordista, quando a pós-industrialização se apresenta como uma explicitação do excesso de mão-de-obra, o regime do excesso. Isto quer dizer que temos que nos livrar das permanências subjetivas, da maneira de pensar o mercado de trabalho e o sistema penal e encarar as transformações a que 0 capital submete a mão-de-obra, o trabalho da multidão1. O demônio que o capital vídeo-financeiro persegue é o tempo livre da força de trabalho, num modo de produção que já descartou completamente as ilusões do pleno emprego. É aí que o dogma da pena e a criminalização da pobreza e dos conflitos sociais, da luta de classes, são discursos estratégicos à reprodu ção desse capital. Nessa direção, a análise de De Giorgi aponta para os novos dispositivos dirigidos “à contenção de uma população excedente e de um surplus de 1 O conceito de multidão aqui utilizado, na trilha de Negri, abre espaço para uma longa discussão a ser tomada no campo marxista. Pessoalmente, acredito que o conceito não consegue dissociar-se da carga histórico-ideológica positivista da expressão, tal como definido por Gustave Le Bon. força de trabalho desqualificada; elas prescindem explicitamente da consu mação de um delito, das características individuais de quem está envolvido nele e de qualquer finalidade reeducativaou correcional, para orientar-se no sentido da ‘estocagem’ de categorias inteiras de indivíduos considerados de risco” . Ele se vale então da idéia do cárcere atuarial, a partir das “represen tações probabilístieas baseadas na produção estatística de classe, simula cros do real: imigrantes clandestinos, afro-americanos do gueto, toxico- dependentes, desempregados” , É o atuarialismo penal que vai produzir as metrópoles punitivas. Esta obra é de uma riqueza impressionante para nós que pensamos a questão criminal na periferia do capitalismo, na nossa gigantesca instituição de seqüestro, como vaticinou Raúl Zaffaroni, na sua busca das penas perdi das. Nós, os indignados, os resistentes a esse gigantesco projeto de assujeitamento aos desígnios do capital, podemos contar com a munição proposta pela presente reflexão, que transformou nossas favelas/prisões em campos de extermínio e tortura, numa escala até então nunca vista. O livro da Alessandra De Giorgi vem aprofundar e substancializar a nossa luta e a nossa clareza acerca das funções reais do sistema penal e dos discursos punitivos nos dias de hoje. Como se fora pouco, o livro vem com uma genial interlocução, “discussão à guisa de prefácio” , desenvolvida por Dario Melossi, revigorando ainda mais a análise de De Giorgi, atualizando aquela proposta pelo já clássico Cárcere e fábrica. Regalai-vos, pois, criminólogos e penalistas críticos brasileiros: esta obra tem novidades! Rio de Janeiro, setembro de 2005. 7 Discussão à guisa de prefácio Cárcere, pós-fordismo e ciclo de produção da “canalha” Dario Melossi Entre 1968 e 1975, produziu-se uma radical renovação nos estudos de sociologia penal. Durante o ano de 1968 foi reeditada nos Estados Unidos a obra Piinishment and Social Structure. Publicado pela primeira vez em 1939, sob a assinatura conjunta de Georg Rusche e Otto Kirchheimer1, Punishment and Social Structure foi o primeiro texto em inglês da famosa Escola de Frankfurt, e em particular da sua representação institucional, o Instituto para o F.studo das Ciências Sociais de Frankfurt. A publicação foi praticamente concomitante à complexa e difícil transferência do Instituto para Nova Iorque, junto à Universidade de Columbia, provocada pelos acontecimentos pré-bé- licos alemães e pela perseguição à sociologia, sobretudo à sociologia marxis ta praticada em grande parte por intelectuais de origem judaica, que eram os principais protagonistas da produção do Instituto. Já o ano de 1975 é marcado pela publicação daquela que foi provavel mente a obra mais conhecida de Michel Foucault, Surveiller et punir2. Entre essas duas datas, estende-se o último grande,período de agitações sociais que ocorreram, com intensidade variada, em todos os países mais desenvol vidos (mas não apenas neles), e que no interior de cada um desses países afetou não somente os principais núcleos da atividade produtiva - a fábrica, tal coifío a conhecíamos até então mas também todas aquelas instituições 1 Sobre os vários acontecimentos que interferiram na atorm entada elaboração deste texto, ver a introdução à edição italiana (D. Melossi, “Mercato dei lavoro, disciplina, controllo sociale: una discussione dei testo di Rusche e Kirchheimer” , in G. Rusche e O. Kirchheimer, Pena e struttura sociale. Bolonha, II Mulino, 1978) e a introdução à edição francesa (R. Levy e H. Zander, “Introduction”, em G. Rusche e O. Kirchheimer, Peine et structure sociale. Paris, Cerf, 1994). [N. do T.: edição brasileira Punição e estrutura social. Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2“ éd., 2004, tradução e apresentação de Gizlene Neder]. 2 Michel Foucault, Sorvegliare e punire. Turim, Einaudi, 1977 [N. do T.: ediç^i- > brasileira Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 26a ed., 2002, tradução de Raquel Ramalhete]. que, à época, foram descritas como “subalternas”3 à fábrica, em particular a instituição carcerária. O texto de Rusche e Kirchheimer, que na atmosfera imediatamente ante rior à guerra foi quase ignorado (salvo algumas louváveis exceções, registradas mais no campo da história econômica do que no da criminologia4), permitia uma releitura da história da pena numa perspectiva marxista, O texto de Foucault, a apenas sete anos de distância, oferecia a possibilidade não só de dar a sua contribuição àquela interpretação, mas também de ir além dela, ingressando num espaço que escapava dos esquemas mais rígidos da leitura marxista5. Após o trabalho de Foucault, desenvolveu-se uma ampla literatu ra, sobretudo em língua inglesa, amplamente influenciada pelo reaparecimento das hipóteses de Rusche e Kirchheimer, que procurou checar a veracidade empírica da hipótese de uma relação entre variáveis estruturais fundamen tais, especialmente as de natureza socioeconômica, e a evolução das institui - ções penais6. Se, portanto, ainda em 1955, Donald Cressey, ao fazer o levantamento de campo de uma “sociologia da pena” , relacionou um número de obras que podiam ser contadas nos dedos de uma mão ou no máximo de duas7, no final do século X X já dispúnhamos de uma vasta literatura8. Um filão fundamental dessa sociologia é exatamente aquele que De Giorgi identifica como “econo mia política da pena” , isto é, uma interpretação da história da penalidade na qual o objeto fundamental consiste em relacionar as categorias de derivação marxista à reconstrução dos processos de desenvolvimento das principais instituições penais. Ao menos duas são as contribuições centrais do trabalho 3 Dario Melossi, “Istituzioni di controllo soei ale e organizzazione capitalistica dei lavoro: alcuni ipotesi di ricerca” , in La questione criminale, 2, 1976, pp. 293-317, in prim is, naturalmente, aquelas que eram então chamadas de “instituições to tais”, como em E. Goffman, Asylums. Turim, Einaüdi, 1968 (ed. orig. 1961). 4 Para mas detalhes, ver as introduções citadas na nota 1. 5 A minha leitura não concorda aqui com a de D. Garland, Pena e società moderna. Milão, II Saggiatore, 1999 (ed. orig. 1990), capítulos IV ao VII. 6 Sobre esta literatura, remeto à exaustiva seção no texto de De Giorgi que se segue (infra, Capítulo 1). 7 D. R. Cressey, “Hypothesis in the Sociology of Punishment”, in Sociology and Social Research, 39, pp. 394-400. 8 Ver, além de D. Garland, Pena e società moderna, cit., os ensaios na antologia por mim organizada, The Sociology o f Punishment. Aldershot, Ashgate, 1998. 10 i|iic De Giorgi apresenta aqui. A primeira é reconstruir o percurso da econo mia política da pena tal como vejo se desenvolvendo até os dias de hoje. A M\'.’unda é procurar fornecer uma contribuição original a esse desenvolvi mento, estendendo-o do período que De Giorgi chama de “fordista” até o atualmente consagrado como “pós-fordista” . O ponto de partida de De Giorgi, de uma perspectiva empírica, é absolu tamente macroscópico em termos de história das instituições penais. Desde a primeira metade dos anos 1970, em particular no interior das instituições penais cios Estados Unidos, assistimos a um impressionante crescimento tanto da população penitenciária quanto da parcela da população que é sub metida, de um modo ou de outro, às diversas autoridades definidas como “correcionais” . Esse crescimento é de tal monta que a probabilidade de um homem afro-americano terminar sob o controle de uma dessas “autoridades correcionais” no decorrer da sua vida já está se aproximando daquela de se obter “cara” na brincadeira de “cara ou coroa”. Esse fenômeno, que mudou profundamente as trends anteriormente obser vadas, foi cada vez mais notado por um grande número de observadores9, mas as razões são muito complexas para serem exploradas exaustivamente. E certo que na época elas não eram esperadas. Uma das conseqüências da crítica radical às instituições totais e em particular às instituições carcerárias que, note-se,ocorreram imediatamente antes desse aumento impressionante, foi que, ainda no início dos anos 1970, tanto as principais orientações políti cas nos Estados Unidos e nos outros países desenvolvidos quanto as princi pais leituras dos fenômenos previam uma obsolescência mais ou menos ve loz da instituição carcerária, bem como um aumento dos sistemas de contro le extra-institucionais, “em comunidade”, como se costumava dizer. Assim, Andrew Scull pôde intitular um importante trabalho de sua lavra, lançado em 1977, de Decarceration; Ivan Jankovic e eu pudemos escrever, no mesmo ano, sobre a probation como a forma penal do futuro, enquanto o 9 Entre outros, ver N. Christie, II business penitenziario. La via occidentale al Gulag. Milão, Eleuthera, 1998 (ed. orig. 1993); M. Tonry, Malign Neglect: Race, Crime and Punishment. Nova Iorque, Oxford University Press, 1995; M. Mauer, Race to Incarcerate. Nova Iorque, The New Press, 1999; Loíc Wacquant, Parola d ’ordine: tolleranza zero. La trasform azione dello stato penale nella società neoliberale. Milão, Feltrinelli, 2000 (ed. orig. 1999), e o mesmo De Giorgi. Zero Tolleranza. Strategie e pratiche delia societá di controllo. Roma, DeriveApprodi, 2000. Ver também o número especial da revista Punishment and Society dedicado ao tema “Mass Imprisonment in the United States” (2001). 11 reconhecido criminólogo — absolutamente não marxista - AI Blumstein es creveu sobre uma substancial “estabilidade” nas taxas de encarceramento, remetendo-a a explicações funcionalistas, de inspiração durkheim iana10. E no entanto, o que já estava em curso naqueles anos era, ao contrário, o mais notável aumento da população de detentos na história moderna das institui ções penitenciárias, que com toda razão poderia ser comparado ao “grande internamento” sobre o qual Michel Foucault escreveu em História da loucu ra na Idade Clássica, a propósito da França do século X VII". Mais uma vez nos Estados Unidos, mas não apenas lá, depois da suspensão devida a uma decisão da Corte Suprema entre 1972 e 1976, ocorreu uma retomada firme na cominação e na condenação à pena capital, primeiro de modo mais ou menos simbólico e em surdina, depois de maneira cada vez mais maciça até atingir o número de 98 condenações executadas em 1999. É bem verdade que esse movimento foi caracterizado desse modo tão ostensivo somente nos Estados Unidos. Para os países europeus, verificou-se um certo aumen to nas taxas de encarceramento, mas nem de longe comparável ao norte- americano, nem generalizado a todos os países (e com exceções bastante relevantes, como a Alemanha e a Itália até o início dos anos 1990). Os primeiros autores que procuraram dar conta desse fenômeno retoma ram alguns dos elementos desenvolvidos por aqueles que, alguns anos antes, tinham diagnosticado um aumento d a probation, e os usaram para explicar o que estava acontecendo nas prisões. Talvez a contribuição mais importante nesse sentido tenha sido a de Stanley Cohen, que escreveu sobre a tendência do sistema correcional de “widening the nét” - “ampliar a rede” - , e também sobre a nova lógica penitenciária vista enquanto uma lógica de “warehousing”, i.e., de “armazenamento” dos detentos12. Mas procedamos com ordem, ainda que de forma extremamente sintéti ca, ao percorrermos as etapas desta “economia política da pena”. Segundo a 10 A. Scull, Decarceration. New Brunswick (NJ), Rutgers University Press, 1977; I. Jankovic, “Labor Market and Imprisonment” , in Crime and Social Justice, 8, 1977, pp. 17-31; D ano Melossi, “Strategies of Social Control in Capitalism: A com m ent on recent work”, in Contemporary Crises, 4, 1980, pp. 381-402; A. Blumstein e J. Cohen, “A Theory of the Stability of Punishment” , in Journal o f Criminal Law and Criminology, 64, 1973, pp. 198-207. 11 Michel Foucault, Storia delia fo llia nelVetà classica. Milão, Rizzoli, 1963 (ed. orig. 1961). [N. do T.: edição brasileira História da loucura na Idade Clássica. São Paulo, Perspectiva, 1989, tradução de José Teixeira Coelho Netto]. 12 S. Cohen, Visions o f Social Control. Cambridge, Polity Press, 1985. 12 ótica que poderemos chamar de “neo-marxista", que procurei desenvolver na seção que me foi confiada de Cárcere e fábrica13, era possível aplicar a grade interpretativa marxista clássica - derivada sobretudo do Livro Primei ro de O capital, centrada sobre a gênese do modo de produção capitalista e na qual se destaca o conceito de “acumulação primitiva” 14- à história da instituição penitenciária. Essa instituição foi, de fato, criada contemporanea- mente aos processos de acumulação primitiva ou original, nos lugares onde teve inicio o modo de produção capitalista, numa conexão não casual e weberiana com os locais onde o protestantismo se revestiu das suas formas mais radicais. O cárcere tivera como antepassado a “casa de trabalho”, espécie de ma nufatura reservada às massas que, expulsas dos campos, afluíram para as cidades, dando lugar a fenômenos que preocupavam as elites mercantis (e proto-capitalistas) da época: banditismo, mendicância, pequenos furtos e, last but not least, recusa a trabalhar nas condições impostas por essas elites. A casa de trabalho - um “proto-cárcere” que seria depois tomado como modelo da forma moderna do cárcere no período iluminista, isto é, quando ocorreu a verdadeira “invenção penitenciária” — não parecia ser outra coisa senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao modo de pro dução capitalista; afinal, para elas, esse modo de produção era uma absoluta novidade (e nesse sentido, a casa de trabalho era uma instituição “subalter na” à fábrica). Não por acaso, Cárcere e fábrica encerrava essa reconstrução ao final histórico desse movimento originário, por volta da primeira metade do sécu lo XIX. Tratava-se, todavia, de uma leitura que, assim como no caso das outras leituras “revisionistas” , permitia reconstruir a história do cárcere da perspectiva da crise da fábrica tradicional que se estava verificando naqueles anos, e portanto da perspectiva da crise da relação entre cárcere e fábrica. Do mesmo modo que, naquele momento, era possível desnaturalizar a fábri ca como ela era então conhecida, e vê-la inscrita no interior de uma parábola que estava conhecendo o seu êxito final, era lógico aplicar esse mesmo modo de pensar a uma instituição como a carcerária que fora criada - como mal 13 Dario Melossi, “Cárcere e Iavoro in Europa e in Italia nel período delia formazione dei modo di produzione capitalista”, in Dario Melossi e Massímo Pavarini, Cárcere efabbrica. Bolonha, II Mulino, 1977 [N. do T.: edição brasileira Cárcere e fábrica. Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2006, tradução de Sérgio Lamarão]. 14 Karl Marx, II capitale, vol. I. Roma, Riuniti, 1964 (ed. orig. 1867) [N. doT.: edição brasileira O capital: critica da economia poli ti ca. Rio de Janeiro, Civilizaçao Brasileira, 1970-71, 74. 6v.]. . tínhamos descoberto! - juntamente com a fábrica. Por conseguinte, parecia lógico que ela seguisse o seu destino. (Note-se, porém, que, como bem havia esclarecido Bentham, na sua “Introdução” a um P anop ticon que, nes se meio tempo, Foucault havia tomado famoso, o cárcere não era senão a mais “completa” das instituições que “têm por finalidade manter muitas pes soas sob vigilância”15, dos cárceres aos hospitais psiquiátricos, das manufa turas aos hospitais tou t court, das escolas aos quartéis). Daí a hipótese, elaborada sob diversas formas por vários autores, de que, assim como a fábrica tornava-se cada vez mais social e se difundia para fora de muros bem marcados - o início da transição ao pós-fordismo o cárcere teria seguido esse mesmo percurso. Portanto, não era tanto a pena pecuniária, como havia predito Kirchheimer, que se colocaria como substituta do cárcere na época contemporânea,mas sim as várias formas de controle extra-institucional que haviam surgido, já há várias décadas, nos países de língua inglesa, e que pareciam se multipli car, sobretudo quando escrevíamos Cárcere e fá b r ica . A “crítica do cárce re”, que emanava seja das revoltas generalizadas em todo o Ocidente (mas não apenas nele), seja da literatura “revisionista”, parecia colher, portanto, uma ori entação tendencial do próprio capitalismo em organizar-se não mais sob a for- ma-fábrica e sob a forma-cárcere subalterna, mas sim através de formas de controle “em comunidade”, como então se dizia, in prim is, as várias formas de probation, ou “confiança na prova”, como a lei de 1975 traduziu em italiano. Tal desenvolvimento parecia estar bem de acordo com um outro fenômeno que se desenhava cada vez mais claramente naqueles anos e que está na base do texto de Andrew Scull, isto é, a “crise fiscal do Estado”, no sentido em que já haviam explicado Habermas e 0 ’Connor16, De acordo com essa visão, o Estado parecia não estar mais em condições de “manter juntas” as funções que garantiam, ao mesmo tempo, a legitimação e a acumulação, ou seja, aquilo que depois passou à História como a “crise do W elfare S ta te”. Porém, as coisas não caminharam exatamente desse jeito, pelo menos nos Estados Unidos, em virtude do fenômeno, como já recordamos no iní 15 Jeremy Bentham, Panopticon, ovvero la casa d ’ispezione. Veneza, Marsilio, 1983 (ed. orig. 1787). [N. do T.: edição brasileira O panóptico, Belo Horizonte, Autêntica, 2000, tradução de Tomaz Tadeo da Silva]. 16 J. Habermas, Legitimation Crisis. Boston, Beacon Press, 1975 [N. do T.: edição brasileira A crise de legitimação no capitalismo tardio. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1980, tradução de Vamireh Chacon]; J. O’ Connor, La crisifiscale dello stato. Turim, Einaudi, 1977 (ed. orig. 1973). . 14 cio, do acentuado aumento da população carcerária que começou exatamen te naquele período. Para dizer a verdade — e isso dever ser sublinhado - , a análise que via n a probation a forma de intervenção penal tendeneialmente predominante revelou-se exata do ponto de vista da proporção relativa às intervenções correcionais. Com efeito, o aumento tio número de pessoas em liberdade submetidas a controle foi amplamente superior, também nos Esta dos Unidos, ao número daquelas sob controle dentro das prisões. A veloci dade com que as várias formas de controle em liberdade aumentaram tam bém na Europa superou, sem dúvida, o aumento das detenções, dramático nos EUA, e bem mais discreto nos países europeus. Porem, o que não estava previsto era o aumento excepcional, ainda que em virtude da grave crise fiscal dos anos 1970 e 1980, do compromisso com o setor penal, de tal forma que Loic Wacquant pôde descrever as trans formações ocorridas naqueles anos como uma verdadeira passagem do “Es tado social” para o “Estado penal” 17. O aumento nas formas de probation ocorria, pois, juntamente com um aumento dramático, nos-Estados Unidos, das outras formas penais mais clássicas, e com um aumento da detenção no seu interior. Assim, quanto mais prisões, mais severos eram os regimes detentivos e mais se lançava mão da pena capital. Nas páginas que se seguem, Alessandro De Giorgi avança num terreno ainda amplamente inexplorado, em língua italiana e em outras línguas, ten tando verificar a possibilidade de a “economia política da pena” dar conta deste último período, disso que aconteceu a partir daquelas transformações que comumente são localizadas nos primeiros anos da década de 1970 e que ele reúne sob o termo de “pós-fordismo” . Certamente sem estar fazendo justiça à sua complexidade, para a qual remetemos o leitor às páginas do livro propriamente dito, parece-me que a tese que De Giorgi apresenta pode ser resumida na idéia de que, numa situação de expulsão permanente e estrutural da força de trabalho do processo produtivo - e, ao mesmo tempo, de pro funda transformação do modo pelo qual a força de trabalho vem sendo cons tituída na fase atual - , a “subalternidade” das principais instituições de con trole social em relação à fábrica está de algum modo perdida e se teria torna do obsoleta. O ensinamento disciplinar não tem mais sentido na sociedade pós-industrial/pós-fordista porque não há mais ensinamento a propor; por isso, as instituições que foram criadas na modernidade com esse objetivo perdem progressivamente a razão de ser. Resta apenas aquilo que Cohen 17 Lofs Wacquant, Pa rola (Uordine: tolleranza zero, cit. chamou de warehousing, o “armazenamento” de sujeitos que não são mais úteis e que, portanto, podem ser administrados apenas atrayés da incapacitation, da neutralizazzione [“neutralização”], como se diz em italiano18. Essa afirmação é tanto mais verdadeira se considerarmos que aquilo que, por um lado, é “excesso” de força de trabalho - com relação aos estratos sociais expulsos da produção —, é, ao mesmo tempo, “excesso” de força produtiva em relação ao tipo de força de trabalho que se tornou cada vez mais central ao processo produtivo numa época na qual a profecia marxista dos Grundrisse, de uma força de trabalho que vai desenvolver a função de general intellect do capital19, parece enfim ter encontrado concretização. Uma vez que a realidade atual do modo de produção vê como central a esse processo um reservatório de capacidades intelectuais que excedem continu amente as possibilidades de exploração, controle e contenção da parte da razão capitalista, qualquer forma de “disciplinamento”, mesmo que do tipo mais refinado, perde toda a razão de ser (se vocês me perdoem o nada casual jogo de palavras). A tese é fascinante, mas, parece-me, não completamente convincente. E isso ocorre por múltiplas razões, algumas das quais podem provavelmente ser resumidas na sua excessiva tendencialidade, no seu deslocamento talvez para muito além do calor da (futura) observação, correndo o risco de perder contato com o que podemos observar hoje, à nossa volta. Não é possível, nas poucas páginas de um prefácio, confrontar completamente a riqueza da análise de De Giorgi, menos ainda de um ponto de vista crítico. Oferecere mos apenas alguns temas de discussão. Começamos olhando à nossa volta. Até alguns meses antes do 11 de setembro de 200120, quem vagasse pelas ruas principais das metrópoles do centro do Império - para usar uma metáfora que recentemente reencontrou um uso intenso21 - ou seja, Nova Iorque, Londres, as principais cidades da Califórnia, teria visto em muitas vitrinas nas quais o Império orgulhosamente 18 T. Bandini, U. Gatti, M. I.Marugo e A. Verde, Criminologia. Milão, Giuffrè, 1999, p p .651-757. 19 Karl Marx, Lineamenti fondamentali delia crítica deli 'economia política. Flo- rença, La Nuova Italia, 1970 (ed. orig. 1857-1858). Ver sobretudo pp. 400-403. 20 Nesse momento já era mais do que claro, para quem quisesse ver, que estava ocorrendo uma recessão de uma certa consistência nos Estados Unidos. 21 M. Hardt e A. Negri, Impero. Milão, Rizzoli, 2002 (ed. orig. 2000) [N. do T.: edição brasileira Império. Rio de Janeiro, Record, 2001, tradução de Berilo Vargas]. 16 ostentava suas mercadorias o cartaz “help w a n ted ”, “precisa-se de empre gado”. E a essa distraída observação corresponde o fato de que nestes mes mos centros do Império a taxa de desemprego caíra quase aos seus mínimos históricos e isso por um período de tempo bastante longo, capaz até de colocar em dúvida, aos estudiosos dos ciclos econômicos, o primado da década de 1960 corno os anos de maior prosperidade do capitalismo recente. E claro que aqueles cartazes de “help w anted ’ nutrem um processo de de senvolvimento e de ocupação que foi definido, com um bruto mas eficaz neologismo, de “macdonaldização”22. Isso quer dizer que a oferta de trabalho certamente não se dirige parao tipo de emprego perdido nos anos 1970 e 1980 - trabalhos relativamente bem pagos, estáveis, sindicalizados, em grande parte masculinos, com bene fícios generosos de tipo assistencial (pensões e assistência médica) e cen trais ao processo produtivo - , mas sim para um novo tipo de emprego, muitas vezes part-time, flexível, com pouca ou nenhuma proteção, em gran de parte feminino e “marginal” ao percurso produtivo. Isso tanto é verdade que uma das teses mais sérias propostas no interior da academia criminológica norte-americana para explicar o inegável decréscimo da criminalidade na segunda metade dos anos 1990 - tese alternativa ao estardalhaço feito a propósito da “tolerância zero”, tão característica da Nova Iorque de Rudolph Giuliani e que foi reproduzida de modo mais ou menos análogo era quase todas as outras grandes cidades norte-americanas no mesmo período!23 - baseava-se exatamente no fato de que aqueles anos assistiram a uma oferta sustentada de trabalho que se dirigia para os estratos sociais marginais, jo vens e em geral “étnicos de cor”, que tinham sido os protagonistas, alguns anos antes, de um inusitado aumento de violência, ligado às batalhas pelo controle do crack entre as várias gangues24. Isso, em outras e breves palavras, que acontece entre os anos 1970 e 1990, pode ser interpretado também como fase “cíclica”, e em particular como a fase descendente de um “ciclo longo” da economia, aquele tipo de ciclo que é acompanhado por transformações muito profundas do modo de produção capitalista em termos de setores econômicos de ponta, tecnologias, 22 G. Ritzer, II mondo alia McDonalds. Bolonha, II Mulino, 1997 (ed. orig. 1993). 23 A. De Giorgi, Zero Tolleranza. Strategie e pratiche delia soei età di controllo, cit. 24 A. Biumstein e R. Rosenfeld, “ExplainingRecent Trends in U.S. Homicide Rates”, in The Journal o f Criminal Law and Criminology, 88, 1998, pp. 1175-1216 (ver, sobretudo, pp. 1210-1212); R. Rosenfeld, “Crime Decline”, in Context (no prelo). 17 transformações sociais conexas etc.25. O que De Giorgi chama de “pós- fordismo” poderia também corresponder a uma fase cíclica da economia, mais do que ao tipo de transformação “tópica” que parece transparecer das suas palavras e da literatura na qual se inspira. Isso teria também conseqüên cias relevantes do ponto de vista das “estratégias do controle social” , se é que estamos nos referindo ao controle social de tipo formal e penal em par ticular, como me parece ser o caso de De Giorgi. Mas avancemos na ordem cronológica. Na passagem dos anos 1960 para os 1970 desenvolve-se um embate duríssimo em muitos países, em particular nos Estados Unidos, que envolve o conjunto da “fábrica social”, como se dizia então. No que concerne aos EUA, devemos recordar a situa ção de insubordinação geral, aguda e contemporânea que afetava não tanto e não somente as fábricas (como ocorria, cada vez mais, na Europa), mas também as minorias étnicas, os estudantes, o Exército, os jovens em geral, as mulheres. A “criminalidade” — que em alguns dos seus aspectos especial mente preocupantes para a classe média (o chamado Street crim e) havia au mentado sensivelmente no correr dos anos 1960 - foi explicada por conta da referida insubordinação. A começar pelo primeiro mandato presidencial de Richard Nixon, o martelamento da propaganda esteve na ordem do dia, asse melhando-se bastante àquilo a que fomos submetidos na Itália antes das últimas eleições: o crime não é outra coisa senão a “ponta do iceberg” de uma insubordinação e de uma falta, de controle de “certos” estratos sociais (nos quais, num códice não tão críptico, deviam ser reconhecidas as mino rias de cor, nos Estados Unidos, e os imigrados, na Itália) que colocam em risco a ordem social e em relação aos quais é necessário tomar providências para restaurar o bom tempo passado, que corre o risco de ir-se embora para sempre se não houver uma intervenção imediata. A repetição deste refrão por cerca de 20, 25 anos, conduziu a um tre mendo aumento da penalidade, a que já nos referimos acima (nos Estados Unidos; na Itália, conforme se verá, por causa de algumas contradições de certa importância neste campo, no interior da coligação conservadora que 25 Para a aplicação desta abordagem ao tema da exclusão penal, ver Dario Melossi, “Punishment and Social Action: Changing Vocabularies of Punitive Motive Within a Political Business Cycle”, in Current Perspectives on Social Theory, 6, 1985, pp. 169-197; C. Vanneste, Les Chijfres cies Prisons. Paris: L’Harmattan, 2001. As con tribuições de Hobsbawm, Kalecki, Kondratieff e Schumpeter encontram-se entre as mais conhecidas que podem ser remetidas, ainda que de modos diversos, a essa perspectiva. 18 venceu as eleições). Mas não foi só isso. Ela contribuiu também, ainda que simbolicamente, para um processo de disciplinamento social geral, que foi acompanhado por uma profunda reestruturação da economia. Vale recordar que nos cerca de 20 anos da “virada”, de 1973 aos primeiros anos da década de 1990, o salário médio horário do trabalhador norte-americano foi reduzi do em aproximadamente 20%, e o motivo pelo qual a renda das famílias permaneceu basicamente a mesma foi a entrada maciça e sem precedentes das mulheres no mundo do trabalho assalariado26. Ao mesmo tempo, os estratos mais fortes da classe operária foram ex pulsos do processo produtivo e, por conseguinte, perderam a centralídade de que desfrutavam no passado. Essa central idade foi transferida para a força de trabalho intelectual que se tornou crucial no interior do novo pro- cèsso produtivo “guiado” pela informática, mas que é mínima do ponto de vista ocupacional, ao passo que a maior parte dos empregos teve lugar no interior dos “serviços” que eram oferecidos às margens desta junta produti va central e que, em grande medida, nada tinha a ver com um “terciário avançado”. Trata-se, isso sim, da oferta no mercado de todas aquelas ativi dades que anteriormente eram desenvolvidas, em grande parte, por meio do trabalho doméstico não pago (que agora as mulheres executam, cada vez mais, também fora de casa), pelos serviços de restauração veloz, aqueles ao encargo dos jovens e dos velhos em toda uma série de serviços de entreteni mento - em resumo, exatamente a “macdonaldização” . Estamos seguros de que é possível afirmar, com relação especialmente a estes últimos estratos sociais, que não existe mais “projeto de disciplinamento” porque eles não constituem categorias “centrais” ao processo produtivo, no sentido de que não executam aquelas funções do “general intelect", em que 26 W. C. Peterson, The Silent Depression: The Fate o f the American Dream. Nova Iorque, Norton, 1994; J. B. Schor, The Overworked American. Nova Iorque, Basic Books, 1991; Dario Melossi, “Gazette of Morality and Social Whip: Punishment, Hegemony and the Case of the USA, 1970-1992”, in Social & Legal Studies, 2, 1993, pp. 259-279 (pode-se notar, en passant, como este é o “segredo” do extraor dinário nível de participação no mercado de trabalho nos Estados Unidos que hoje é apresentado como um modelo a ser atingido pela economia italiana!). Esse também é o motivo pelo qual, no último ensaio citado, eu propus relacionar as taxas de encarceramento na Itália com o nível da “performance” requerida à classe operária em seu conjunto numa determinada fase, ao invés de remetê-las apenas à taxa de desemprego, como a literatura da “economia política da pena” geralmen te procede. os conceitos de capital variável e capital fixo “entraram em colapso”, por assim dizer, em conjunto. Mas se cada vez faz menos sentido a distinção entre capital fixo e capital variável, entre trabalho “produtivo” e trabalho “improdutivo” - visto que, no final das contas, aqueles que inventam novos algoritmos para o software continuama ter necessidade de quem cozinhe seus hambúrgueres, lave suas camisas e lhes garanta um certo relaxamento à noite, diante de um aparelho de televisão ou em qualquer outro local - se, em suma, é o mesmo “processo de vida real”27 que constitui a base da repro dução capitalista, como podemos afirmar que o emprego “pós-fordista” é aquele emprego que não necessita mais de um aparato “subalterno” a uma “fábrica social” em vias de desaparecimento, e que, por conseguinte, não requereria mais estratégias de “disciplinamento”? Na minha opinião, o enorme processo de encarceramento que se verifi cou nos Estados Unidos nas “décadas da crise” - para citar Hobsbawm28- deveria ser reconsiderado a partir deste ponto de vista, ainda que não haja nenhuma dúvida de que, no seu interior, tenham convivido e ainda convivam tendências de tipo meramente “detentivo-neutralizante” e tendências, ao con trário, de tipo “autoritário-ressocializante” . As segundas, na minha opinião, estão mais presentes exatamente em virtude da superação da fase mais nítida de reestruturação da economia, nos anos 1970 e 1980, e de retomada no período posterior, no qual o tema da re-emissão de nova força de trabalho no interior de uma nova fase de desenvolvimento se impôs com maior peso. Eis que nos anos 1990 começam a reaparecer preocupações que são apresenta das, com todas as letras, como “neo-paternalistas”, como nos trabalhos de Lawrence M ead29; eis também que na segunda metade de 2000, pela primei ra vez desde 1972, registrou-se uma diminuição na população de presos30 (e o uso da pena capital torna-se, novamente, matéria de discussão entre as elites norte-americanas). Esses acenos de uma inversão de tendência na es fera do controle social pareceriam responder, segundo a leitura de longo 27 Karl Marx, Lineamenti fondamentali delia critica de li’economia política, cit., p. 403. 28 Eric Hobsbawm, II secolo breve. Milão, Rizzoli, 1995 (ed. orig. 1994). [N. do. T.: edição brasileira A era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, tradução de Marcos Santarrita]. Vale destacar que também para o aumento nas taxas de encarceramento o ano da virada é 1972. 29 L. Mead (ed.), The New Paternalism. Washington D. C., Brookings Institution Press, 1997. 30 U. S. Department of Justice. Bureau of Justice Statistics, Prisoners in 2000. 20 ciclo das hipóteses de Rusche e Kirchheimer que aqui são propostas, à in versão ocorrida por volta da metade dos anos 1990 no campo das relações socioeconômicas, em direção a uma nova fase ascendente. O que pretendo afirmar, em outras palavras, é que o cárcere parece per durar obstinadamente como uma espécie de grande portão de ingresso ao contrato social, ou mesmo como introdução à forma de trabalho subordina do. E um pouco como se a descoberta dos comerciantes holandeses (e de outros similares), no início do século XVII — isto é, a descoberta de que eles podiam “utilmente” “pôr para trabalhar” , juntamente com os seus capitais, os pobres, os mendigos, os vagabundos, os ladrõezinhos, os rebeldes que o processo de racionalização da agricultura estava expulsando dos campos - continuasse a se reproduzir junto com a “colonização” capitalista de “novos territórios”, territórios que podiam estar dentro de uma jurisdição política e social específica. Um exemplo dessa situação é o deslocamento dos negros americanos do sul para o norte dos Estados Unidos entre o primeiro pós- guerra e os anos 1950, ou a entrada em massa no mercado de trabalho das mulheres, especialmente as de cor, dos anos 1970 em diante. Vale notar que as taxas de encarceramento feminino nos Estados Unidos, embora ainda bastante baixa em termos absolutos, aumentaram de modo sensivelmente maior do que para os homens. Há também as situações externas, como é o caso da imigração africana, asiática, latino-americana e do Leste europeu para a América do Norte e a União Européia. É como se, nas “margens” do desenvolvimento, o processo de “acumulação primitiva” continuasse incessantemente no seu percurso de “colonização” de “mundos” “outros”31. Se considerarmos, por exemplo, no nosso pequeno mundo “italiano” , o modo pelo qual o fenômeno da imigração fez reviver, em certo sentido, a instituição carcerária - que no Centro-Norte e com respeito a “usuários” específicos, como os menores de idade, está literalmente se “especializando” na direção dos estrangeiros - , compreende- se então como “a crise do cárcere” dos anos 1960 e 1970, as suas aparente mente manifestas obsolescência e antiguidade estão ligadas a um “público” particular que vinha sendo concebido como “além” do cárcere. A situação mudou de forma dramática a partir dos primeiros anos da década de 1990, quando teve início um processo de imigração de alguma relevância (também 31 J. Habermas, Teoria dei agire comunicativo, vol. 2. Bolonha, II Mulino, 1986 (ed. orig. 1981), pp. 951-1088 [N. do T.: edição brasileira Agir comunicativo e razão destrancendentaüzada. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2002, tradução de Lúcia Aragão], por causa naturalmente de mecanismos jurídicos particulares como os da permissão de estadia, mas é dos efeitos sociais que aqui nos ocupamos e não da sua legitimação jurídica). Parece-me difícil, em suma, ignorar o caráter “cíclico” que tão bem des creve, embora não explique, esses fenômenos, também no que diz respeito a uma “filosofia da história” diversa, organizada em torno de uma sucessão de transformações “tópicas” . Em certos níveis de “poder”, adquiridos pela for ça de trabalho - poder que ao mesmo tempo é de tipo político-tecnológico- sindical no interior da esfera mais diretamente produtiva e de tipo político- político, no seu exterior o trabalho se torna um limite ao desenvolvimento capitalista, determinando portanto uma “crise” dentro da qual ocorre tanto uma “reorientação” produtiva, em direção a um modo de produção que se livre da hipoteca do poder do trabalho, quanto um notável redimensionamento também do poder político da classe operária. Ao mesmo tempo instrumento e sinal de tais processos de reestruturação, emerge uma nova classe operá ria, ou novos setores da classe operária, recrutados, exatamente como se dizia acima, no bojo da expansão do desenvolvimento capitalista, quer esse desenvolvimento se dirija para o mercado de trabalho “interno” (jovens, mulheres, ex-trabalhadores agrícolas, ex-pequenos proprietários e empresá rios), quer para o “externo” (países há pouco, e de vários modos, incorpora dos por um desenvolvimento capitalista mais direto e dinâmico). Esses novos segmentos sociais vão constituir uma “classe operária em formação”32, e em formação pelo menos em dois sentidos: porque se está inserindo no interior de processos de trabalho correspondentes a projetos empresariais novos ou renovados (macdonaldização, transformações indus triais, “novo mercado”); e porque não tem nenhum sentido de si enquanto tal (os clássicos teriam dito que lhes “falta consciência de classe”). E destino comum desses setores da “classe operária em formação” serem normalmen te descritos - pelo ressentimento das “velhas” categorias operárias, ajudadas nisso por vários tipos de agitadores e por comentaristas “autorizados”, que se encarregam de racionalizar este ponto de vista - como “excremento”, “classe perigosa”, subproletariado, underclass, para usar um termo norte- americano recente. 32 Sobre o caso italiano atual, ver a minha “Introdução” , em Dario Melossi (org.), Multiculturalismo e sicurezza in Emilia-Romagna: Secondci parte. Quademo n. 21-ab dei “Progetto C ittà S icure” . Bolonha, Regione Em ilia-Rom agna, 2001 (cittasic.ure@regione.emilia-romagna.it). 22 Essas descrições se baseiam, naturalmente, também era “fatos reais” , visto que o processo de desenvolvimento capitalista ocorre geralmentede modo um tanto anárquico e irracional, e o deslocamento dos futuros operá rios do campo para as cidades não é nem automático nem indolor, provocan do fenômenos de inserção de alguns dos novos que chegam no interior dos mercados do chamado “ilícito” (que, por outro lado, faz parte daquele mer cado “efetuai” , no interior do qual também se necessita de mão-de-obra, como ocorre hoje na Itália com a droga e a prostituição), e igualmente de rejeição e de hostilidade da parte dos estratos sociais, também operários, precedentes. Por conseguinte, o excremento, a classe perigosa, a underclass será encerrada (e “cultivada”) no interior de um sistema carcerário que, reencontrando seus próprios hóspedes preferidos de sempre - ex-campone ses que se dirigem à cidade, mesmo que a sua cor, a sua língua ou a sua religião sejam agora diferentes - , se sentirá renascer, reconhecendo nos no vos recém-chegados os próprios “eternos hóspedes”, por assim dizer a linfa vital da qual o sistema se nutre (não obstante a ingenuidade ocasional de um ou outro magistrado que, tomando ao pé da letra a forma do direito, tentou enviar para a prisão, nesse meio tempo, hóspedes por assim dizer “inespera dos” , mas isso acabou não dando certo!). Porém, como já acontecera no passado com aqueles velhos operários (e os seus pais e os seus avós), que agora maldizem a “incivilidade” dos recém-chegados, assim também estes últimos crescerão juntamente com o tipo de desenvolvimento em que foram imersos e encontrarão, de acordo com formas solidárias e organizativas, o modo de considerar a si mesmos, e a outros como eles, não mais como excremento mas como seres humanos, e daí a pouco também como seres humanos dotados de um certo poder. Como dizia uma palavra de ordem que circulava entremos trabalhadores da província de Reggio Emilia, há cerca de um século atrás, “unidos somos . tudo/divididos somos canalha”33. Para que tal modo de pensar se torne um modo de pensar largamente compartilhado, isso depende não somente do esforço infatigável de organizadores e ativistas, mas também, e naturalmen te, dos acontecimentos registrados no desenvolvimento das forças produti vas (muito embora as duas coisas não possam ser separadas uma da outra). O fato é que, quando isso acontecer, e la canaille não for mais a canalha, este será também o momento em que novamente o cárcere será visto como 33 M aterial recolhido por ocasião da celebração do centenário da Câm ara do Trabalho de Reggio Emilia (2001). um resíduo arcaico do passado e serão previstas novas “alternativas” puniti vas, “correcionais” e “reeducativas” ; ao mesmo tempo, em algum canto do mundo, as primeiras patrulhas em busca de uma nova “canalha” estarão começando a apressar-se, num incansável movimento, em direção aos con fins do contrato social/império. 24 Introdução Paris, 1676. Não obstante numerosas providências, todo o restante dos mendigos continuou a viver em plena liberdade em toda Paris e nos subúrbios; eles chegavam ali provenientes de todas as províncias do reino e de todos os países da Europa. O seu número crescia dia após dia, até se constituírem como um povo independente, que não conhecia nem lei, nem religião, nem autoridade, nem polícia; a crueldade, a baixeza, a libertinagem era tudo que reinâva entre,eles. No dia 13, uma missa solene ao Espírito Santo foi cantada na igreja da Pitié e no dia 14 a reclusão dos Pobres foi levada a bom termo sem nenhuma perturbação. Naquele dia toda Paris mudou de aspecto, tendo a maior parte dos mendigos se retirado para as províncias, e os mais espertos pensando em encontrar sustento com as suas próprias forças. Houve, indubitavelmente, um ato da proteção divina sobre esta grande iniciativa, porque não se poderia jamais acreditar que se chegaria a um resultado tão feliz com tão pouco esforço1. Nova Iorque, 1997. Grafites e outros sinais da desordem estavam por toda parte. Durante os anos 1970 e boa parte dos anos 1980, não havia um único vagão do metrô da cidade que não estivesse com pletam ente coberto daquilo que alguns, impropriamente, definiam como uma forma de arte urbana, os grafites. As estações do metrô transformavam-se em bidonvilles para os homeless, e a esmola arrogante crescia, exacerbando um clima de medo. Assim, mal você colocava os pés em Manhattan, dava de cara com o estandarte não oficial da cidade de Nova Iorque; a epidemia dos lavadores de carros. Bem-vindo a Nova Iorque. Estes tipos tinham sempre nas mãos um trapo sujo, e empor- ' .L'Hòpital Général, opúsculo anônimo de 1676, citado por Michel Foucault in Storia delia follia nell’età classica, trad. it. Milão, Rizzoli, 1998, pp. 459-460. [N. do T.: edição brasileira H istória da loucura na Idade Clássica. São Paulo, Perspectiva, 1989, tradução de José Teixeira Coelho Netto], 25 calhariam o vidro do teu carro com algum líquido imundo, para depois pedir dinheiro. Quem andasse pela Quinta Avenida, pela área dos negócios da alta moda e dos edifícios chiques, esbarrava por toda parte com ambulantes não autorizados e mendigos. Se voltasse ao metrô, deparava com artistas equilibristas que se comportavam como vândalos, exigindo que os passageiros lhes dessem dinheiro. Mendigos em todos os vagões. Nos trilhos, cidades de papelão serviam de moradia aos homeless. Dominava a sensação de uma cidade permissiva, de uma sociedade que autorizava coisas que não teriam sido permitidas anos antes2. A primeira impressão que se pode ter ao se ler os textos reproduzidos acima é que pouca coisa mudou nos três séculos que separam a Paris do Hôpital Général da Nova Iorque da Zero Tolerance. O autor anônimo do opúsculo do século XVII e o ex-chefe de polícia de Nova Iorque, que foi o principal artífice das estratégias da Zero Tolerance, parecem se inspirar na mesma filosofia: idêntico é o desprezo pór aquela pobreza extrema que, de modo desabusado, ousa mostrar-se, contaminando o ambiente metropolitano; idêntico o entrelaçamento entre motivos morais e alusões vagamente eugênicas; idêntica a hostilidade contra tudo aquilo que perturba o quieto e ordenado fluir da vida produtiva citadina, defendendo-a da infecção do não-trabalho, do parasitismo econômico, do nomadismo urbano; idêntica, sobretudo, a implícita equação entre marginalidade social e criminalidade, entre classes pobres e classes perigosas. Todavia, a uma observação mais atenta, esta impressão se revela completamente inexata. O opúsculo anônimo se coloca historicamente no limiar da transição de um regime de poder, que Michel Foucault define como “soberano”, para um modelo de controle de tipo “disciplinar” . Diante do espetáculo da mendicância, da pobreza e da dissolução moral oferecido pelos pobres na Europa entre os séculos XVII e XVIII, as estratégias do poder mudam lentamente, passando de uma função negativa, de destruição e eliminação física do desvio, a uma função positiva , de recuperação, disciplinam ento e norm alização dos diferentes. É aqui que se inicia a era do “grande internamento”. Pobres, vagabundos, prostitutas, alcoólatras e criminosos de toda espécie não são mais dilacerados, colocados na roda, aniquilados simbolicamente através da destruição teatral dos seus corpos. 2 W. J. Bratton. “Crime is Down in New York City: Blame the Police” , in N. Dennis (ed.), Zero Tolerance. Policing a Free Society. Londres, Institute of Economic Affairs, 1997, pp. 33-34. sophh Destacar sophh Destacar sophh Destacar De forma muito mais discreta, silenciosa e eficaz, eles são encerrados. Eles começam a ser internados porque se compreende que eles são passíveis de constituir uma massa que as nascentes tecnologias da disciplina podem forjar, plasmar, transformar em sujeitos úteis, isto é, em força de trabalho. Do “direito de morte” ao “poder sobre a vida”, da neutralização violéntade indivíduos “infames” à regulação produtiva das populações que habitam o território urbano, é isso que, com vigor religioso, o autor anônimo do opúsculo invoca, ao mesmo tempo que anuncia precisam ente o »na«cimení©-*4a írmpolftica3. Articulando-se entre disciplina do corpo eregulação dos grupos humanos, 'a biopolítica organiza um poder eficaz sobre a vida, agrupa um conjunto de tecnologias de governo que contrapõem à dissipação e ao esbanjamento (dos corpos, das energias, dos recursos, mas também do poder) uma gestão racional das forças produtivas'. a adequação da acum ulação do s hom ens à do capital, a articulação do crescim ento dos grupos humanos co m a ex p an são das forças produtivas e a repartição diferencial do lucro se tornaram possíveis cm parte devido ao exercício do biopoder, em suas formas e com os procedimentos os mais variados. O investimento do corpo vivo, a sua valorização e a gestão distributiva das suas forças foram, naquele momento, indispensáveis . J n ausura-se. assim, Jõ modelo de controle social disciplinar que carac terizará toda a fase de expansão da sociedade industrial, até o seu apogeu, durante o período do capitalismo fordistãTJSerá, de fato, no decorrer da primeira metade do século XX que o projeto de uma perfeita articulação entre disciplina dos corpos e governo das populações se completará, mate- rializando-se no regime econômico da fábrica, no modelo social do Welfare State e no paradigma penal do cárcere “correcional”. Zero Tolerance e as práticas de discurso que a acompanham já se situam num contexto radicalmente mudado, marcado pela crise e pelo progressivo 3“Poder-se-ia dizer que o velho direito de fazer morrer ou deixar viver foi substituído por.um poder de fazer viver ou de rejeitar a morte”(Michel Foucault, La volontà di sapere, trad. it. Milão, FeHnnelii, 1997, p. 122) [N. do T.: edição brasileira História da sexualidade 1: vontade de saber. São Paulo, Graal, 1977, tradução de.M aria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque]. 4 Iclem, p. 125. sophh Destacar abandono do grande projeto disciplinar da modernidade capitalista. Aqui, as tecnologias do disciplinamento não são mais um instrumento eficaz de controle e governo da dissipação e do desperdício da força de trabalho (talvez porque dissipação e desperdício não existam mais) jPobres, desempregados, mendi gos, nômades e migrantes representam certamente as novas classes perigosas, “os condenados da metrópole” , contra quem se mobilizam os dispositivos de controle5, mas agora sãoj;jiiprewadas^estt3 tégia&.difereiites nesse confronto? Trata-se, antes de tudo, de indmdualizá-los e separá-los das “classes laboriosas”. Esta tarefa é, de fato, bastante simples numa metrópole produtiva, na qual a contínua precarização do trabalho, o emprego - que se torna cada vez mais flexível, incerto e transitório - , e a constante superposição entre economia “legal” e economias submersas, inform ais e também ilegais, determ inam uma progressiva solda entre trabalho e não-trabalho e entre classes laboriosas e classes perigosas, a ponto de tomar qualquer distinção praticamente impossível. Trata- se, pois,, defneutralizar a “periculosidade” das classes perigosas através de técnicas de prevenção do risco, que se articulam principalmente sob as formas de vigilância, segregação urbana e contenção carcerária^ Se voltarmos o olhar às tecnologias de controle que emergem no ocaso do século XX e anunciam a aurora do século XXI, podemos certamente falar de um segundo grande internamentOLX>e um internamento urbano, que tem a forma do gueto, de um internamento penal, que tem a forma do cárcere, e de um internamento global, que assume a forma das inumeráveis “zonas de espera”, disseminadas pelos confins internos do Império6. Porém, diferen temente do internamento do qual nos fala Foucault, a sua reedição atual não parece cultivar nenhuma utopia de tipo disciplinar. O novo internamento se configura mais do que qualquer outra coisa com o|iina tentativa de definir /um espaço de contenção, de traçar um perímetro material ou imaterial em í torno das populações que são “excedentes”,/seja a nível global, seja a nível metropolitano, em relação ao sistema de produção vigente. 5 S. Palidda, Polizia postmoderna. Etnografia dei nuovo controllo sociale. Milão, Feltrinelli, 2000. 6 M. Hardt e A. Negri, Impero. II nuovo online delia globalizzione, trad. it. Milão, Rizzoli, 2002 [N. do T.: edição brasileira Império. Rio de Janeiro: Record, 2001, tradução de Berilo Vargas]. Pensamos aqui, obviamente, nos processos de controle implementados em relação aos migrantes. Sobre esse tema, ver particularmente S. M ezzadra e A. Petrillo (org.), / confini delia globalizzazione. Lavoro, cultura, cittadinanza. Roma, Manifestolibri, 2000. 28 sophh Máquina de escrever novas? historicamente sempre foram. sophh Máquina de escrever sophh Máquina de escrever sophh Máquina de escrever i Aqui se determina, por conseguinte, uma nítida separação entre biopolítica e d iscip linaridade , na qual a primeira se expressa, paradoxalmente, através da negação da segunda. Resta a instalação biopolítica de um poder entendido mais como regulação de populações produtivas, como controle dos fluxos da força de trabalho global num espaço tornado imperial, e menos como aquela “anatomo-política do corpo” da qual nos fala Foucault, aquele “fazer viver” produtivo que integra, ao nível dos indivíduos singulares, a regulação das populações no seu conjunto. Também têm menos espaço aquelas tecnologias de sujeitificação que perseguiam o objetivo de transformar os indivíduos por meio de um controle individualizado. Em outras palavras, (não se trata mais de “fazer viver ou repelir a morte” , mas talvez de “fazer viver através do repelir a morte^jEste “repelir a morte”, imposto a uma parte da força de trabalho global, parece constituir-se hoje no pressuposto para “fazer viver” a produtividade social conjunta do capitalismo pós-fordista. Falamos aqui de uma morte que se concretiza na violência institucional dos dispositivos de controle que sustentam o domínio capita lista, de um a m orte que incide sobre a ex istência afetiva, social e econômica dos indivíduos e que se apresenta como limitação das expectativas subjetivas, como expropriação de possibilidades, como negação do direito de circular livremente.(Antes e ainda mais do que da morte biológica, , /falamos da morte como experíencia b iográ fica da força de trabalho con- : temporânea, que se materializa na biografia dos migrantes que morrem nos confins da fortaleza européia, na tentativa de exercitar um “direito de fuga” I negado7, nas biografias dos dois milhões de prisioneiros encerrados no gulag \ americano ou nas daqueles para quem o horizonte de vida tende a coincidir/ |,com a fronteira de um gueto. Michel Foucault reconstruiu a genealogia de um poder disciplinar que se inscreve na formação do modo de produção capitalista e que se estende até à época da sociedade industrial fordista. A disciplinaridade pode ser compreendida apenas a partir da constituição da produção industrial, do seu nascimento ao seu declínio. Por sua vez, o desenvolvimento do capitalismo industrial não pode ser concebido se prescindirmos das estratégias de produção de subjetividade e de força de trabalho que se concretizam nas técnicas disciplinares. Mas aquilo que 7 Sobre “direito de fuga” (entendido, também, significativamente, como exercício de uma “crítica prática” da divisão internacional do trabalho), ver S. Mezzadra, ‘Migrazioni”, in A. Zanini e U. Fadini (org.), Lessico postfordista. Dizionario cli idee delia mutazione. Milão, Feltrinelli, 2001, pp. 206-211; e S. Mezzadra, Diritto di fuga. Migrazioni, globaUzzazione, cittadinanza. Verona, Ombrecorte, 2001. 29 temoshoje diante de nós é precisamente a superação do modelo capitalista * fordista para o qual aquelas tecnologias foram por tanto tempo destinadas8. f Percebemos sinais inequívocos desta superação. Dispomos de descrições, I análises e definições que, sobretudo nos últimos dez anos, foram condensadas f numa já extensa literatura9. O termo “pós-fordismo” - em uso tanto na lin- i guagem sociológica, política e econômica, quanto no léxico comum — indica- \ nos saltos de paradigma e transições radicais, que reescrevem a fundo a f nossa experiência da contempOraneidade. Ao mesmo tempo, emergem ten- í tativas de reconstrução das mutações que investem a geografia do controle ! social. Termos como “sociedade de controle” e “sociedade da vigilância” | parecem indicar o epílogo e a superação do regime disciplinar, uma transição I que se consumiria a partir do esgotamento da estrutura produtiva fordista. | Todavia, enquanto o trabalho de Michel Foucault inscrevia a análise do I “controle disciplinar” diretamente na materialidade das relações de produção ? capitalistas, nos processos de constituição do proletariado e nas formas de | produção de subjetividade da força de trabalho industrial, as análises das í estratégias do “contro le social” custam a assum ir um a perspectiva metodo- ? lógica análoga, limitando-se essencialmente a uma fenomenologia de superfície, s Em outros termos, podemos afirmar que^ã disciplinaridade se revela cada vez mais inadequada com relação às novas formas de produção e impotente para exercitar práticas de controle eficazes no confronto com as novas subjetividades do trabalho;/porém, não estamos em condições de reconduzir essa inadequação j e essa impotência aos processos de transformação em curso na produção. Chegamos assim ao objeto deste livro, que consiste na individualização de algumas hipóteses para preencher este aparente vazio. O Qbjetjyp, um tanto ambicioso, consiste em (descrever algumas mutações ocorridas nas formas do controle a partir da emergência de uma nova articulação das relações de produção, perguntando-se de que modo as estratégias atuais de controle se inscrevem no contexto produtivo pós-fordistaTJNo entanto, fazer essa 8 “A abordagem foucaultiana permite ler o desenvolvimento da sociedade moderna e a relação nela existente entre Estado e sociedade até o momento histórico do fordismo (...) Mas é este, exatamente, o ponto crucial. Esta configuração é arrastada, faz tempo, numa crise aparentemente sem saída, pelo desmoronamento do seu eixo central, vale dizer, do valor social paradigmático da disciplina de fábrica de tipo fordista” (L. Ferrari Bravo, “Sovranità”, in Zanini e Fadini (org.), Lessico postfordista, cit.,p.280). 9 A transição do fordismo ao pós-fordismo (e as descrições desta transição) será objeto de uma seção posterior desta obra. 30 pergunta significa, necessariamente, fazer convergir a análise do controle com aquela, complementar, da força de trabalho contemporânea, até o ponto de fundir as duas. Entra aqui em jogo o conceito, fundamental, de “multidão!’, com o qual se pretende exprimir o caráter compósito, enraizado e múltiplo da força de trabalho pós-fordista, em relação à qual um conjunto de caracterizações, distinções e separações, referenciáveis à classe operária, parece perder progressivamente consistência. Vale dizer porém que o conceito de multidão não pretende aludir a uma subjetividade auto-consciente, à emergência de um novo sujeito revolu cionário, ou à formação de uma identidade paradigmática da força de trabalho contemporânea. Ao contrário, o termo multidão define um processo de subjetivação em andamento, um “tornar-se múltiplo” das novas formas de trabalho sobre as quais convergem as tecnologias do controle pós-disciplinar. Multidão indica, sobretudo, a impossibilidade de uma rechictio acl unam das diversas subjetividades produtivas comparáveis àquela que permitia individua lizar, na classe operária, a forma de subjetividade hegemônica durante a época do capitalismo fordista. A partir do conceito de multidão veremos então que aquela que, à primeira vista, se revela como inadequação das tecnologias disciplinares em relação ao novo horizonte produtivo, configura-se, na realidade, como um excesso daquilo que deve ser controlado (a nova força de trabalho social) no que concerne aos dispositivos de controle, uma nova constituição do trabalho que transgride continuamente as determinações e as formas de subjetivação impostas pelo domínio. Será então possível afirmar que/a construção de um modelo de governo do excesso expressa pela multidão produtiva pós-fordista toma-se uma prioridade das atuais estratégias de controleJSerá preciso, porém, articular estas transições seguindo uma certa ordem e situá-las num contexto histórico mais geral. A economia política da penalidade parece poder-nos oferecer esta possi bilidade. Trata-se de uma orientação da criminologia crítica, de derivação princi palmente marxista e foucaultiana, que investigou, sobretudo a partir dos anos 1970, a relação entre economia e controle social, reconstruindo as coordenadas da relação que parece manter juntas determinadas formas de produzir e determinadas modalidades de punir10. Como veremos, ela concentrou suas 10 O texto fundamental, do qual depois foram derivadas mais ou menos diretamente todas as análises posteriores, é G. Rusche e O. Kirchheimer, Pena e struttura sociale. trad. it. Bolonha, II Mulino, 1978 ]N. do T.: edição brasileira: Punição e estrutura social, Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2a ed., 2004, tradução e apresentação de Gizlene Neder]. próprias análises particularmente nos nexos entre “cárcere e fábrica”, entre “encarceramento e desemprego” , questionando a relação entre dinâmicas do mercado de trabalho e estratégias repressivas no interior de um cenário fordista. Mas os instrumentos críticos produzidos pela economia política da penalidade - tanto por meio da reconstrução histórica do nascimento da penitenciária e da reclusão quanto através da análise da relação atual entre economia e pena - constituem uma herança significativa, que deve ser recolhida e levada em conta para se empreender uma crítica do controle social pós-fordista. Por conseguinte, gostaria de ter como ponto de partida a economia política da penalidade para nela individualizar as diretrizes teóricas fundamentais e investigar sua dupla dimensão histórica e contemporânea. Emergirão, assim, alguns lim ites deste paradigm a de análise, ligados em particu la r às transformações que, nestes anos, afetaram a produção social. Será, pois, necessário valtar nossas atenções para estas transformações, para nelas colhermos as tendências e os efeitos no plano da subjetividade produtiva. Apenas neste momento serão pesquisadas as formas de controle da multidão através das quais um regime de governo do excesso começa a se revelar. Parte deste trabalho constitui uma reelaboração de dois artigos: “OItre 1’economia politica delia penalità: posfordismo e controllo delia moltitudine” [“Além da economia política da penalidade: pós-fordismo e controle da m ul tidão”], in Dei delitti e dellepene, 1-2, 2000, e “Società di controllo: lavori in corso” [“Sociedade de controle: trabalhos em curso”], in DeriveAprodi, 20, 2001 . Desejo agradecer a Venere Bugliari, Richard Sparks, Stefania De Petris, Thea Hinde, Dario Melossi e Sandro Mezzadra pelos seus preciosos co mentários. 32 Capítulo 1 Regime disciplinar e proletariado fordista A prim eira fu n çã o era subtrair o tempo, fa zendo com que o tempo dos homens, o tempo das suas vidas, se transformasse em tem po de trabalho. A segunda função consistia em fa ze r com o que o corpo dos hom ens se tornasse fo rça de trabalho. A função de transform ação do corpo em fo rça de trabalho corresponde à funçãode transform ação do tempo em tempo de trabalho. M. Foucault, A verdade e as fo rm as juríd icas Economia política do controle social A criminologia nasce como um saber inseparável das tecnologias de po der que remetem ao universo criminal. Ela é produto daquilo que Foucault define como “civilização inquisitória” . A sua genealogia faz parte do proces so histórico de transformação no sentido “governamental” da razão de Esta do que tomou forma entre os séculos XVIII e XIX. Neste período, a ciência de governo se especializa e se diferencia em seu próprio interior, dando vida a saberes sobre a população, tais como a estatística, a urbanística, a higiene, a psiquiatria, a medicina social e a criminologia". O potencial “inquisitorial” - que a criminologia acumula e, ao mesmo tempo, libera em relação ao des vio - produz, por conseguinte, uma ordem peculiar do discurso e um con junto de verdades que se concretizam historicamente nas figuras do hom o crim inalis, do reincidente, do ambiente críminógeno e da classe perigosa'2. . 11 M. Foucault, “La governamentalità” , trad. it. .in M. Foucault, Poteri e strategie. L ‘assoggetamento dei corpi e Velemento sfuggente (P. Delia Vigna, org.). Milão, r^M imesis, 1994, pp. 43-67. 12 “A inquisição: forma de poder-saber essencial à nossa sociedade. A verdade da experiência é filha da inquisição - do poder político, administrativo, judiciário de "Q/Colocar perguntas, de extorquir respostas, de recolher testemunhos, de controlar afirmações, de estabelecer fatos — como a verdade das medidas e das proporções era Ao longo de toda a primeira metade do século XX, a investigação crimi- nológica permanece fortemente caracterizada por um saber a serviço do “príncipe”, incapaz de superar o estatuto epistemológico consolidado na fase inicial da sua história. Esta marca fundamentalmente “tecnocrática” , que torna a criminologia uma verdadeira “ciência de polícia” (Polizeiwissenschaft), dificulta por muito tempo a elaboração de teorias do controle social, ou seja, a formação de paradigmas de análises capazes de interrogar criticamente as dinâmicas de reação social e institucional em relação ao desvio. Apenas com o desenvolvimento das teorias do “etiquetamento” nos anos 1960 é que o poder punitivo faz o seu ingresso efetivo no horizonte crim i nológico como universo de investigação parcialmente independente da cri minalidade13. Os teóricos do “etiquetamento” foram os primeiros a promo ver um processo de renovação crítica do saber criminológico, propondo uma valorização do desvio enquanto diversidade estigmatizada pelos meca nismos de poder. Porém, ao fazerem isso, eles continuaram confinados aos limites de uma perspectiva micro-sociológíca. “R evolucionário” sob certos aspectos, o projeto interacionista — voltado para uma reavaliação da identidade desviante diante dos rituais de repressão e degradação social dos quais é objeto - não se fundamentava, porém, em hipóteses abrangentes, relativas ao fundamento material do poder de “eti quetar” e reprimir. De um lado, o universo desviante descrito pelos labelling theorists parece incapaz de produzir resistências ao poder que não sejam totalmente individuais e quase sempre oportunistas. Por outro lado, o poder de definição do desvio só encontra algum fundamento nos processos de interação simbólica que têm lugar no microcosmo das instituições totais14. Esses aspectos tendem a prejudicar o potencial crítico da análise “interacionista” em relação às estratégias punitivas, visto que restituem uma filha de dike” (M. Foucault, 1 corsi al College de France. I Resumées, trad. it. Milão, Feltrinelli, 1999, p. 22) [N. do T.: edição brasileira Resumo dos cursos do Collège de France: 1970/1982. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, tradução de Andréa Daher, consultoria de Roberto Machado], Sobre o nascimento da criminologia e sobre a sua relação com a ‘‘governamentalidade’’ e a disciplina, ver R Pasquino, “Criminology: the Birth of a Special Saviour”, in Ideology and Consciousness, 7, 1980, pp. 17-33. 13 Sobre as teorias de etiquetamento, ver a coletânea de escritos publicados em E. Rubington & M. Weinberg (eds.) Deviance. The Interactionist Perspective. Nova Iorque, MacMIllan, 1973. 14 E. Goffman, Asylums, trad, it. Turim, Einaudi, 1968. 34 im a g e m d o p o d e r p u n i t iv o fu n d a m e n ta lm e n te des-h istoric iz .ada e descontextualizada. A crim in o lo g ia crítica com eça, po rtan to , a denunc ia r a urgência de um a fundação m ateria lis ta da aná lise dos p rocessos institucionais dc con tro le do desvio, is to é, de um a an á lise capaz de ex am in a r criticam ente os Icibellers (as institu ições e as es tra tég ias do p o d er pun itivo ) e tam bém os labelled (aqueles que são os destin a tário s im ediatos dos labellers). E sse es tímulo político-intelectual determ ina , ou pelo m enos agiliza, d e m odo sign ifi cativo, a en trada do m arx ism o na socio log ia crim inal, oco rrida en tre o final da década de 1960 e o in ício dos anos 197015. Nao duas as principais d ireções de investigação que se delineiam neste período. A prim eira é co n stitu íd a po r um con jun to de estudos h istó ricos que descrevem o papel exercido pelos sis tem as p rodu tivos na afirm ação h istó ri ca das re lações de p rodução c a p ita lis ta s16, U m a h is tó ria d a pena, que até aquele m om ento era rep resen tad a co m o um progresso con tín u o da c iv iliza ção ju ríd ica em direção à rac io n alid ad e e à hum an ização da punição , agora é descrita com o um a concatenação de estra tég ias com as q u a is a ordem cap i talista im pôs, no tem po, suas fo rm as p ecu lia res de subord inação e repressão de classe. Já a segunda d ireção de investigação se o rien ta para as prá ticas contem porâneas dos sis tem as de co n tro le e, sobretudo , do d ispositivo ca rce 15 Ver sobretudo a crítica na perspectiva marxista feita por Alvin Gouldner aos labelling theorists no seu Per Ia sociologia. Ri/movo e critica delia sociologia dei nostri tempi, trad. it. Nápoles, Liguori, 1977. Seria simplista remeter as diver sas orientações que se desenvolveram neste período no âmbito da criminologia crítica apenas à influência teórica do marxismo. Surgem, por exemplo, correntes anarquistas, que se consolidarão posteriormente no movimento abolicionista, e, sobretudo, são lançadas as bases para o nascimento das diversas criminologias feministas. Para uma reconstrução da história da criminologia crítica em todas as suas correntes (embora lim itada ao contexto europeu), das suas origens até a metade dos anos 1990, ver R. Van Swaningen, Criticai Criminology. Visions froni Europe. Londres, Sage, 1997. 16 M. Foucault, Sorvegliare e punire, trad. it. Turim, Einaudi, 1976 [N. do T.: edição brasileira Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 2002, 26a ed.; tradução de Raquei Ramalhete]; M. Ignatieff, Le origini dei peninteziario. Sistema carcerario e rivoluzione industriale inglese 1750-1850, trad. it. Milão, Mondadori, 1982; Rusche e Kirchheimer, Pena e struttura sociale, cit.; D. Rothman, The Discovery o f the Asyliim. Social Order and Disorder in the New Republic. Boston, Little Brovvn, 1971; D. Melossi e M. Pavarini, Cárcere efabbrica. Bolo nha, II Mulino, 1977 [N. do T.: edição brasileira Cárcere e fábrica. Rio de Janeiro, Kevan/ICC, 2006, tradução de Sérgio Lamarão], rário. A análise se concentra, aqui, no papel desempenhado pelos aparelhos : repressivos em relação às dinâmicas econômicas atuais e, em particular, em relação ao funcionamento do mercado de trabalho nas sociedades industria lizadas. A convergência dessas duas direções de investigação dá forma, final mente, a uma crítica materialista da penalidade. O fio condutor da economia política
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