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1 São Paulo 2013 DIGESTÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS ORGÂNICOS PARA COZINHA INDUSTRIAL DOS RESTAURANTES LATIFE MARIA EUGÊNIA VIAL MARCHI PAULO DO AMARAL BRESSIANI PAULO MENESCAL BARBOSA 2 São Paulo 2013 DIGESTÃO ANAERÓBIA DE RESÍDUOS ORGÂNICOS PARA COZINHA INDUSTRIAL DOS RESTAURANTES LATIFE MARIA EUGÊNIA VIAL MARCHI PAULO DO AMARAL BRESSIANI PAULO MENESCAL BARBOSA Projeto de Formatura apresentado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, no âmbito do Curso de Engenharia Ambiental Orientador: Professor Doutor Ronan Cleber Contrera 3 FICHA CATALOGRÁFICA Marchi, Maria Eugenia Vial Digestão anaeróbia de resíduos orgânicos para cozinha industrial dos restaurantes Latife / M.E.V. Marchi, P.M. Barbosa, P.A. Bressiani. -- São Paulo, 2014. 114 p. Trabalho de Formatura - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Hidráulica e Am- biental. 1.Digestão anaeróbia 2.Biodigestores anaeróbios 3.Biogás 4.Resíduos sólidos (Reciclagem) I.Barbosa, Paulo Menescal II.Bressiani, Paulo do Amaral III.Universidade de São Paulo. Escola Politécnica. Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental IV.t. 4 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Doutor Ronan Cleber Contrera pelo seu apoio como orientador durante toda a realização do projeto. À Profa. Doutora Dione Mari Morita pelos conselhos, apoio, materiais fornecidos e pela indicação de Margareth Makdisse, que possibilitou o desenvolvimento do estudo de caso do projeto. À Margareth Makdisse pela sua atenção e carinho em nos receber em seu empreendimento e fornecer os dados tão fundamentais para a realização do estudo de caso. 5 ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 13 2. LEVANTAMENTO DOS DADOS .................................................................................................. 17 2.1 CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS ...................................................................................................... 17 2.2 BIODIGESTORES ........................................................................................................................ 19 2.2.1 PRÉ-‐TRATAMENTO ............................................................................................................ 20 2.2.2 CONDIÇOES AMBIENTAIS E PARÂMETROS OPERACIONAIS .............................................. 21 2.2.3 TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS ORGÂNICOS ......................................................... 27 2.2.4 TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E CO-‐DIGESTÃO ................................................... 37 2.3 PRODUTOS FINAIS DA BIODIGESTÃO ........................................................................................ 40 2.3.1 BIOGÁS .............................................................................................................................. 40 2.3.2 PRODUÇÃO DE CONDICIONADOR DE SOLO ...................................................................... 43 2.4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA DIGESTÃO ANAERÓBIA E COMPARAÇÃO COM OUTRAS TECNOLOGIAS 44 2.4.1 VANTAGENS ...................................................................................................................... 44 2.4.2 DESVANTAGENS ................................................................................................................ 45 2.4.3 COMPARAÇÃO COM OUTRAS TECNOLOGIAS ................................................................... 46 2.5 ESTUDO DO CASO ..................................................................................................................... 48 2.5.1 DESCRIÇÃO DA EMPRESA .................................................................................................. 48 2.5.2 DESCRIÇÃO DA COZINHA INDUSTRIAL E HORTA NO SÍTIO EM COTIA-‐SP ......................... 48 2.5.3 GERAÇÃO DE RESÍDUOS .................................................................................................... 51 2.5.4 DETERMINAÇÃO DO TEOR DE SÓLIDOS NO RESÍDUO ...................................................... 53 2.5.5 GESTÃO DE RESÍDUOS ....................................................................................................... 56 3. análise de dados ....................................................................................................................... 59 3.1 ESCOPO DO PROJETO ................................................................................................................ 59 3.2 PRÉ-‐TRATAMENTO .................................................................................................................... 60 3.3 ESCOLHA DO DIGESTOR E PARÂMETROS DE PROJETO ............................................................. 60 3.4 CO-‐DIGESTÃO E TRATAMENTO DE ESGOTO ............................................................................. 62 3.5 PRODUTOS FINAIS .................................................................................................................... 63 3.5.1 BIOGÁS .............................................................................................................................. 63 6 3.5.2 CONDICIONADOR DE SOLO ............................................................................................... 65 4. definição do problema ............................................................................................................. 66 5. ALTERNATIVAS PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA .................................................................... 67 5.1 Domo Fixo ................................................................................................................................. 67 5.2 Tambor Flutuante ..................................................................................................................... 69 5.3 Plug Flow .................................................................................................................................. 71 6. DEFINIÇÃO DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO .............................................................................. 73 7. Escolha da solução ................................................................................................................... 76 7.1 Histórico das Tecnologias .........................................................................................................76 7.2 Aspectos Operacionais .............................................................................................................. 78 7.3 Dados de Projeto ...................................................................................................................... 79 7.4 Custo de Projeto ........................................................................................................................ 80 7.5 Resultado Final ......................................................................................................................... 82 8. ESPECIFICAÇÃO DA SOLUÇÃO ................................................................................................... 82 8.1 Dimensionamento dos componentes do sistema de biodigestão ............................................. 83 8.1.1 Biodigestor Anaeróbio ...................................................................................................... 83 8.1.2 Tambor Flutuante ............................................................................................................. 86 8.1.3 Caixa de Carga ................................................................................................................... 89 8.1.4 Caixa de Descarga ............................................................................................................. 91 8.1.5 Tubulação de Transporte de Gás ...................................................................................... 92 8.2 Sistema de Monitoramento ...................................................................................................... 94 8.3 Roteiro de implantação ............................................................................................................ 97 8.4 Comissionamento, operação e manutenção do digestor ......................................................... 98 8.4.1 Inspeção de todos os componentes ................................................................................. 99 8.4.2 Alimentação Inicial .......................................................................................................... 100 8.4.3 Inicialização ..................................................................................................................... 100 8.4.4 Treinamento e Familiarização dos Usuários ................................................................... 100 8.1 Analise econômica .................................................................................................................. 102 8.1.1 Valor Presente Líquido .................................................................................................... 102 8.1.2 Tempo de Retorno do Investimento ............................................................................... 105 7 9. Comparação com a compostagem .......................................................................................... 106 10. Conclusões e Recomendações .............................................................................................. 108 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................. 110 12. Apêndice .............................................................................................................................. 115 8 RESUMO EXECUTIVO O manejo apropriado dos resíduos sólidos e a dependência de combustíveis fósseis são dois dos principais problemas ambientais do século XXI. Novos métodos sustentáveis devem se concentrar em alternativas que diminuam a necessidade de exploração de recursos naturais escassos. Neste cenário, a biodigestão anaeróbia se apresenta como uma solução para tratamento de resíduos orgânicos que concilia também a recuperação de biocombustíveis e bioprodutos, como condicionadores de solo. O presente estudo buscou avaliar a aplicabilidade deste método para o tratamento dos resíduos orgânicos provenientes da cozinha industrial dos restaurantes Latife localizada em Cotia, São Paulo. Além disso, buscaram-se soluções para aproveitamento do biogás gerado, complementando a demanda de gás da própria cozinha industrial, e do lodo como condicionador de solo para a horta do empreendimento. Foram levantados dados referentes aos diferentes processos e subprocessos de digestão anaeróbia, assim como as diferentes tecnologias que podem ser utilizadas para tal, de forma a propor um projeto de biodigestor que melhor se adapte ao caso estudado. Foram estudados os processos bioquímicos envolvidos, os modelos de biodigestores existentes, os parâmetros de projeto, a geração e utilização dos subprodutos, os possíveis pré-tratamentos e a sua comparação com outros métodos de tratamentos de resíduos orgânicos, em especial a compostagem. Chegou-se a um projeto composto por um digestor de domo flutuante, utilizado para o tratamento de 250 kg de resíduos semanais, com a geração de 1,75 m3 de biogás por dia, destinado a suprir o gás consumido no refeitório dos funcionários. Palavras-chave: digestão anaeróbia, biodigestores anaeróbios, biogás, resíduos sólidos (reciclagem), compostagem, condicionador de solos 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 -‐ Estimativa da composição gravimétrica dos resíduos sólidos urbanos coletados no Brasil em 2008. (fonte: PNRS, 2011) ............................................................................................................................................... 15 Figura 2 -‐ Esquema das fases microbiológicas da digestão anaeróbia (fonte: SPEECE, 1983). ............................. 18 Figura 3 – Processos integrados de bioconversão anaeróbia para recuperação de recursos a partir de resíduos ( Fonte: Khanal, 2008). ............................................................................................................................................ 19 Figura 4 -‐ Taxa de crescimento relativa de atividade psicrofílica, mesofílica e termofílica (Fonte: adaptado de Khanal, 2008). .................................................................................................................................. 22 Figura 5-‐ Tempo de detenção em função da temperatura para microrganismo meso e termofílico (Fonte: Beli apud. Contrera, 2013). .......................................................................................................................................... 26 Figura 6-‐ Produção de biogás em função da temperatura de operação e do tempo de detenção (Fonte: Beli apud. Contreta, 2013). ..........................................................................................................................................26 Figura 7 – Biodigestor de batelada de Alto Teor de Sólidos de escala industrial, com sistema de umidificação e recirculação de lixiviado para aumentar o tempo de retenção celular (Fonte: Björsson, 2012). .......................... 27 Figura 8 -‐ Biodigestor de alimentação contínua com sistema de recirculação da matéria orgânica em digestão misturada com novo substrato (Fonte: Björsson, 2012). ....................................................................................... 28 Figura 9 – Biodigestor com domo flutuante (Fonte: Müller, 2007). ...................................................................... 30 Figura 10 – a) um reator de tratamento de resíduos sólidos orgânico em escala institucional b) um reator para tratamento de resíduos sólidos orgânicos em escala domestica. ......................................................................... 30 Figura 11 – Biodigestor compacto desenvolvido pela Appropriete Rural Technology Institute (ARTI). ................ 31 Figura 12 -‐ Os sistemas de digestão anaeróbia termofílico e mesofílico utilizados, apresentando o tanque de alimentação e mistura, digestor e tanques de coleta (Fonte: The University of Southampton and Greenfinch, 2004). .................................................................................................................................................................... 32 Figura 13 -‐ Diagrama esquemático do sistema de digestão anaeróbia. ............................................................... 32 Figura 14-‐ Digrama simplificado de diferentes processos de digestão anaeróbia. (A) Kompogas, (B) Valorga, (C) Linde-‐ BRV, (D) Dranco, (E) Biocel (Fonte: Adaptado de Nayono, 2009). .............................................................. 35 Figura 15 -‐ Destino dos resíduos sólidos na área rural (Fonte: IBGE/PNAD – 2008). ............................................ 37 Figura 16 -‐ Esquema de fossa séptica (Fonte: Chernicharo 2000). ........................................................................ 38 Figura 17 – Logo da empresa. ............................................................................................................................... 48 Figura 18 – Foto aérea do sítio. ............................................................................................................................. 49 Figura 19 -‐ Fogão industrial principal. ................................................................................................................... 49 Figura 20 – Refrigerador industrial para armazenamento de produtos prontos. ................................................. 50 Figura 21 – Fogão especial para preparo de berinjelas. ........................................................................................ 50 Figura 22 – Horta orgânica. .................................................................................................................................. 51 Figura 23 -‐ Geração de resíduo dos três restaurantes por tipo ao longo do ano de 2012. ................................... 53 Figura 24 -‐ Amostra do resíduo coletado e resíduo triturado. .............................................................................. 55 10 Figura 25 -‐ Na primeira imagem está apresentada a amostra no início e na segunda figura está apresentada a amostra após a mufla. .......................................................................................................................................... 55 Figura 26 -‐ Lixeira de 240 litros para resíduos orgânicos. ..................................................................................... 57 Figura 27 – Resíduo misturado e coberto com capim podado como pré-‐tratamento para a compostagem. ....... 58 Figura 28 – Composteira. ...................................................................................................................................... 58 Figura 29 -‐ Escopo do projeto (Fonte: Adaptado de Khanal, 2008). ...................................................................... 59 Figura 30 -‐ Representação da escolha do tipo de digestor (Fonte: adaptado de Reith, 2003) .............................. 62 Figura 31-‐ Exemplo simplificado do funcionamento do digestor de domo fixo e seus principais componentes. 1 Tanque de Mistura; 2 Digestor; 3 Armazenador de gás; 4 Tanque de deslocamento; 5 Tubulação de gás (fonte: OEKOTOP, apud. Werner 1989). ............................................................................................................................ 67 Figura 32-‐ Digestor de domo fixo: 1. Tanque de mistura, 2. Digestor, 3. Compensação e tanque de descarga, 4. Acumulador de gás, 5. Tubulação de gás, 6. Tampo do digestor com vedação, 7. Acumulação de lodo, 8. Tubulação de saída, 9. Nível de referência, 10. Escuma sobrenadante, quebrada pelo nível variável (Fonte: Werner, 1989). ...................................................................................................................................................... 69 Figura 33 – Digestor de tambor flutuante com estrutura guia interna. 1-‐Tanque de mistura, 11-‐Tubo de alimentação, 2-‐Digestor, 3-‐Tambor, 31-‐Estrutura guia, 4-‐Tanque de armazenamento de efluente, 41-‐Tubo de saída, 5-‐Tubo de gás, 51-‐Water trap (Fonte: Werner et al., 1989 apud. Sasse, 1988). ........................................ 70 Figura 34 -‐ Digestor de tambor flutuante com envoltória de água. 1-‐Tanque de mistura, 11-‐Tubo de alimentação, 2-‐Digestor, 3-‐Tambor, 31-‐Envoltória de água como estrutura guia, 4-‐Tanque de armazenamento de efluente,5-‐Tubo de gás (Fonte: Werner et al., 1989 apud. Sasse, 1984). ....................................................... 71 Figura 35-‐ Esquema simplificado de um digestor plug flow (Fonte: Rajendran, 2012) ......................................... 72 Figura 36 – Planta e perfil do conjunto digestor tambor flutuante (medidas em centímetros). ........................... 85 Figura 37 – Tanque de inox Sander AC 1500 que será usado como tanque de armazenamento de gás, ou tambor flutuante. ............................................................................................................................................................... 87 Figura 38 -‐ Geração, consumo e armazenamento esperado do biogás semanalmente. ...................................... 88 Figura 39 – Ilustração esquemática do anel de suporte para a brita de lastro do tambor flutuante. .................. 89 Figura 40 -‐ Planta e perfil da caixa de carga (medidas em centímetros). ............................................................. 90 Figura 41 – Planta e perfil da carga de descarga (medidas em centímetros). ...................................................... 92 Figura 42 – Til Radial Rede, que será utilizado para o sistema de drenagem. ...................................................... 93 Figura 43 -‐ Desenho esquemático do sistema de transporte de gás: 1)Biodigestor; 2)Válvula de segurança; 3)Registro de esfera; 4)Mangueira Flexível; 5)Sistema de purificação do gás; 6)Drenos; 7)Caixa de controle de propagação de faíscas; 8)Mangueira flexível para conexão com o fogão; 9)refeitório. ....................................... 94 Figura 44 -‐ Planta do digestor com indicação da posição do painel de controle (medidas em centímetro). ........ 95 Figura 45 -‐ Fluxograma para controle da taxa alimentação do digestor com base no monitoramento de pH (Lettinga, 2010). .................................................................................................................................................... 96 Figura 46 -‐ Desenho esquemático da localização do biodigestor (em destaque). ................................................ 97 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Índice de produção de RSU por grande região do Brasil. ..................................................................... 16 Tabela 2 -‐ Faixas de pH ótimo por tipo de reator de acordo com diferentes autores. .......................................... 22 Tabela 3 -‐ Concentrações ótimas de macro e micronutrientes para os microrganismos metanogênicos. ........... 24 Tabela 4 -‐ Concentrações inibidoras ou estimulantes para alguns compostos em relação à digestão anaeróbia. .............................................................................................................................................................................. 25 Tabela 5 -‐ Desempenho dos processos de via seca (Fonte: Flor, 2006). ................................................................ 36 Tabela 6-‐ Desempenho de processos mesofílicos por via úmida (Fonte: Flor, 2006). ........................................... 36 Tabela 7 – Composição típica do biogás produzido pela digestão anaeróbia de resíduos orgânicos (Fonte: Bermann, 2013). .................................................................................................................................................... 41 Tabela 8 – Propriedades físicas e químicas do Metano ......................................................................................... 41 Tabela 9 – Equivalentes energéticos de 1 Nm3 de biogás com outros combustíveis em suas unidades de comercialização unidades (Fonte: Bermann, 2013). ............................................................................................. 41 Tabela 10 -‐ Emissões de compostos voláteis durante compostagem e durante maturação após digestão anaeróbia (Fonte: De Baere, 1999). ...................................................................................................................... 46 Tabela 11 -‐ Fatores de emissão para diferentes tecnologias de tratamento e disposição final de resíduos sólidos urbanos (Fonte: Baldasano e Soriano, 1999). ....................................................................................................... 47 Tabela 12 -‐ Critérios comparativos entre incinerador e biodigestor anaeróbio (Fonte: EPE, 2008). ..................... 47 Tabela 1 -‐ Monitoramento do peso de resíduo gerado ......................................................................................... 52 Tabela 2 – Dados gerais sobre a geração de resíduos ........................................................................................... 52 Tabela 14 – Resultados dos ensaios realizados para determinação das concentrações de ST e SVT. ................... 54 Tabela 15 -‐ Produção de gás segundo diversos autores. ....................................................................................... 64 Tabela 16 -‐ Critérios utilizados na definição dos pesos de cada um dos grupos de indicadores(adaptado de Gomes et. al, 2012). .............................................................................................................................................. 75 Tabela 18 -‐ Critérios e notas para as diferentes tecnologias. ................................................................................ 81 Tabela 19 -‐ Desempenho das tecnologias em cada um dos grupos de indicadores. ............................................. 82 Tabela 20 -‐ Lista de atividades de operação e manutenção para treinamento dos usuários. (Fonte: adaptado de Werner,1989). .................................................................................................................................................... 101 Tabela 21 -‐ Tabela de custos e quantidades dos materiais e serviços usados para a construção do digestor ... 104 12 LISTA DE SÍMBOLOS Ab – Benefícios Anuais Ac - Custos operacionais ADMC – Análise de Decisão com Múltiplos Critérios ATS – Alto Teor de Sólidos Bc – Incremento anual financeiro pelo uso do efluente como condicionador de solo P0: Peso do recipiente Bg – Incremento anual financeiro pelo uso do biogás BTS – Baixo Teor de Sólidos C – Custos operacionais CNTP – Condições Normais de Temperatura e Pressão CO – Carga Orgânica DA – Digestão Anaeróbia DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio DQO – Demanda Química de Oxigênio CQO – Carência Química de Oxigênio FORSU – Fração Orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos GLP – Gás Liquefeito de Petróleo i – Taxa de juros real P1: Peso do recipiente com a amostra P2: Peso após a passagem pelo dessecador P3: Peso após a passagem pela mufla PEAD – Polietlino de Alta Densidade PEM – Produção Específica de Metano PVM – Produção Volumétrica de Metano pH – Potencial Hidrogeniônico PNRS- Política Nacional dos Resíduos Sólidos PVC – Cloreto de Polivinila PVM – Produção Volumétrica de Metano RSU – Resíduos Sólidos Urbanos ST – Sólidos Totais STV – Sólidos Totais Voláteis t – Tempo de vida útil da planta TRH – Tempo de Retenção Hidráulico UV – Ultra Violeta VPL – Valor Presente Líquido 13 1. INTRODUÇÃO O manejo inapropriado dos resíduos sólidos e a dependência de combustíveis fósseis são dois dos principais problemas ambientais do século XXI. O forte crescimento da demanda mundial por energia esperado para as próximas décadas só poderá ser suportado de maneira sustentável através da concentração de esforços na produção de energia a partir de fontes renováveis, que não só reduzem a produção de rejeitos como aliviam a demanda por recursos naturais escassos. A biotecnologia anaeróbia é uma alternativa para a obtenção desses objetivos, por combinar o tratamento de resíduos com a recuperação da matéria orgânica em produtos com valor agregado relevante – a biodigestão anaeróbia desvia a disposição de resíduos em aterros e lixões, gerando ainda biogás e condicionador de solo, além de ser um processo que pode ser usado em diferentes escalas, de industrial a doméstica. No Brasil, o aumento populacional somado ao crescimento econômico tem levado a um aumento significativo da produção de resíduos. Infelizmente, este crescimento não é acompanhado do desenvolvimento de sistemas de manejo dos resíduos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi elaborada exatamente com o objetivo de melhorar este cenário. A Politica Nacional de Resíduos, instituída pela Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010 e regulamentada pelo decreto 7404/10, dispõe sobre princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis. Uma grande contribuição dessa política é uma alteração na visão sobre os resíduos sólidos. Dentre os princípios apontados por essa política está o reconhecimento dos resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda. Uma vez que os resíduos sólidos são reconhecidos como um material de valor agregado, a forma como ele é gerido deve ser coerente. Sendo assim, deve-se aproveitar o máximo do que esse material pode fornecer, ao mesmo tempo gerando o menor impacto social e ambiental. Para isso, a PNRS define a seguinte ordem de prioridades para a gestão de resíduos: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente 14 adequada dos rejeitos, incluindo a recuperação energética. Portanto, a disposição em aterros sanitários deve ser a última opção, sendo possível apenas para rejeitos que não podem ser aproveitados de outras formas. Enquanto o Brasil tenta transformar os seus aterros controlados e lixões em aterros sanitários ao por em prática o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, a Diretiva Europeia já tornou essas práticas bastante restringidas e desencorajadas, devido aos custos associados, como o tratamento do chorume e a manutenção do aterro, a dificuldade de encontrar terrenos para alocação de aterros e aos possíveis impactos ambientais associados. Além disso, os aterros sanitários continuamente requerem novas áreas para ser implantados e são cada vez mais difíceis de licenciar. Somando-se aos problemas relativos ao uso da terra e às emissões geradas, incluem-se também os custos econômicos da disposição. O crescimento da geração de resíduos, os problemas e as dificuldades de dispô-los em aterros sanitários faz com que se busquem alternativas. Nesse contexto, o tratamento de resíduos sólidos assim como o seu aproveitamento energético são opções alinhadas com a PNRS, sendo que alternativas como a incineração, a compostagem e a biodigestão anaeróbia ganham cada vez mais força. Além de tratar o resíduo, a compostagem o aproveitamento dos subprodutos dos tratamentos na forma de condicionante de solo. A biodigestão anaeróbia fornece tanto o aproveitamento energético na forma de biogás quanto a possibilidade da utilização dos subprodutos do tratamento de forma similar a compostagem. Nesse sentido, o tratamento biológico é uma clara alternativa quando se pensa em opções mais sustentáveis, sobretudo no Brasil, onde a fração orgânica 15 corresponde a 51,4% dos resíduos sólidos urbanos (RSU), como apresentado na Figura 1, deixando claro o grande potencial da aplicação de biodigestores à longo prazo. Matéria Orgânica 52% Pláshco Total 14% Papéis 13% Vidro 2% Aço 2% Rejeitos 17% 16 Figura 1 - Estimativa da composição gravimétrica dos resíduos sólidos urbanos coletados no Brasil em 2008. (fonte: PNRS, 2011) O potencial de aplicação de biodigestores é ainda maior quando se pensa na enorme zona rural existente no país, que, além dos resíduos domésticos, gera os resíduos denominados agrosilvopastoris mencionados no Artigo 13° da PNRS. Nestes locais, mais afastados da infraestrutura fornecida por centros urbanos, essa solução apresenta-se como uma alternativa de baixo custo e fácil operação. Considerando ainda que a área rural é deficiente em saneamento básico, os digestores são capazes de solucionar problemas de disposição de resíduos e tratamento de esgoto ao mesmo tempo, através da co-digestão de resíduos sólidos e esgoto sanitário. Soma-se ainda a possibilidade de aproveitamento energético do biogás, que pode ser aplicado em pequenas propriedades em fogões e sistemas de aquecimento, e do uso do condicionador de solos gerado que pode ser aplicado em plantações. A Tabela 1 indica as quantidades coletadas e a geração per capita de RSU, no país, por grande região. Matéria Orgânica 52% Pláshco Total 14% Papéis 13% Vidro 2% Aço 2% Rejeitos 17% 17 Tabela 1 – Índice de produção de RSU por grande região do Brasil. Grande Região RSU Coletado (t/dia) Índice (kg/hab/dia) Norte 10623 0.911 Nordeste 38118 0.982 Centro-Oeste13967 1.119 Sudeste 92167 1.234 Sul 18708 0.804 TOTAL 173583 1.079 Fontes: Pesquisa ABRELPE (2010) e IBGE (2010). O estudo terá como objetivo avaliar a viabilidade técnica e econômica da construção de um biodigestor anaeróbio, reciclando a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU), convertendo-a em condicionador de solos e gerando energia renovável na forma de biogás. O foco será voltado para pequenas propriedades rurais com produção agrícola, onde há suprimento para o biodigestor e demanda para os subprodutos gerados. O estudo de caso será o da rede paulistana de restaurantes árabes Latife. A Latife é uma empresa familiar fundada em 2001 e que conta hoje com três restaurantes em São Paulo, abastecidos por uma cozinha industrial localizada em um sítio no município de Cotia, no estado de São Paulo. O sítio possui uma área de aproximadamente 50.000 m2, onde trabalham 22 funcionários entre as funções da cozinha industrial e da horta. A cozinha possui 10 bocas de fogão e opera 5 dias por semana, produzindo cerca de 7 toneladas de alimento semanalmente. A geração de resíduos orgânicos que visa ser tratada é de aproximadamente 250 kg por semana, composta principalmente por cascas, frutas e vegetais. 18 2. LEVANTAMENTO DOS DADOS 2.1 CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS No tratamento de matéria orgânica, a digestão se refere ao processo de estabilização desta, obtido através da ação de uma população de microrganismos em condições que propiciem seu crescimento e reprodução. Os processos de digestão podem ser anaeróbios, aeróbios, ou a combinação de ambos. Definidos como anaeróbios aqueles em que não há presença de oxigênio. A digestão anaeróbia (DA) é um processo bioquímico de múltiplos estágios, capaz de estabilizar diferentes tipos de matéria orgânica. O processo ocorre em quatro estágios principais: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese, sendo que em cada estágio estão envolvidas diferentes populações bacterianas (Figura 2). Hidrólise – Na primeira fase da digestão anaeróbia, bactérias acidogênicas convertem o material orgânico particulado em compostos dissolvidos menores. Proteínas são degradadas a aminoácidos, carboidratos a açúcares solúveis e lipídios a ácidos graxos de cadeia longa e glicerina. As bactérias acidogênicas são em sua maioria anaeróbias, mas também há presença de aeróbias e anaeróbias facultativas (SPEECE, 1983). Acidogênese – Nesta etapa os compostos dissolvidos gerados na hidrólise são assimilados pelas bactérias fermentativas e excretados como substâncias orgânicas simples (ácidos graxos voláteis, álcoois, ácido lático e compostos minerais como CO2, H2, NH3 e H2S). A maioria das bactérias envolvidas na acidogênese são anaeróbias estritas, mas também há presença das facultativas, que são importantes na remoção do oxigênio dissolvido presente no material em fermentação anaeróbia, que poderia afetar negativamente o processo (SPECE, 1983). Acetogênese – Bactérias acetogênicas consomem os ácidos graxos voláteis e outros compostos orgânicos formados durante a fase acidogênica, produzindo ácido acético e hidrogênio gasoso. As bactérias acetogênicas sobrevivem em simbiose com as bactérias metanogênicas. Metanogênese – bactérias metanogênicas produzem metano a partir dos produtos resultantes da fase acetogênica. A produção de metano segue duas rotas distintas: as bactérias metanogênicas autotróficas oxidam hidrogênio na presença de CO2 sendo responsáveis por 30% da produção de metano, enquanto as bactérias 19 metanogênicas acetoclásticas produzem metano a partir de acetatos, metanol, produzindo os outros 70% do metano. Outros organismos encontrados no processo que podem desempenhar papel fundamental no processo de digestão são as bactérias redutoras de sulfato (responsáveis pela redução do íon sulfato a íon sulfeto) e as bactérias nitrificantes (reduzem o nitrato a nitrogênio gasoso) (BJÖRSSON, 2012). Figura 2 - Esquema das fases microbiológicas da digestão anaeróbia (fonte: SPEECE, 1983). . 20 2.2 BIODIGESTORES O biodigestor anaeróbio é um sistema fechado onde se processa a degradação anaeróbia da matéria orgânica. Ele geralmente conta com um sistema de alimentação de matéria orgânica, um tanque onde ocorre a digestão e um processo para retirada dos subprodutos. São inúmeras as aplicações da biotecnologia anaeróbia na recuperação de resíduos orgânicos. A Figura 3 ilustra o potencial dessa tecnologia na transformação de resíduos em produtos de valor agregado e biocombustíveis. Carbono, nitrogênio, hidrogênio e enxofre de resíduos industriais, municipais e rurais secos e úmidos são convertidos em recursos valiosos. Isso inclui biocombustíveis (hidrogênio, butanol e metano), fertilizantes, e compostos químico úteis (enxofre, ácidos orgânicos, etc.). Efluentes pós-tratados podem ainda ser utilizados para irrigação (KHANAL, 2008). Visando a otimização e eficiência dos processos de digestão e de seus resultados, é importante a aplicação de tecnologias apropriadas no pré e no pós- tratamento da matéria orgânica, além de um rigoroso controle das condições ambientais e dos parâmetros operacionais do reator. Figura 3 – Processos integrados de bioconversão anaeróbia para recuperação de recursos a partir de resíduos ( Fonte: Khanal, 2008). . 21 2.2.1 PRÉ-TRATAMENTO A fração orgânica dos resíduos sólidos possui grandes quantidades de carbono orgânico biodegradável. Essa alta concentração de matéria orgânica é a matéria prima ideal para a geração de energias renováveis como metano, hidrogênio e butanol, através de fermentação anaeróbia. Os pré-tratamentos são importantes para melhorar o desempenho da digestão e aumentar o potencial de geração de bioenergia. Os pré-tratamentos podem ser físicos (mecânicos), químicos ou biológicos. Um dos pré-tratamentos mais comuns é a redução mecânica das partículas. Esse método aumenta a área superficial especifica das partículas e em média melhora o processo da DA. Dois efeitos foram observados nos estudos de Palmowsky e Muller (1999): se o substrato possui alto teor de fibra e pouca degradabilidade, sua fragmentação aumenta a produção de gás; a diminuição no tamanho da partícula leva à uma digestão mais rápida. Engelhart et al. (1999) apresentou um aumento de 25% na redução de sólidos voláteis em seus estudos, e também apontou que frações de lenta degradabilidade de proteínas e carboidratos foram liberadas via desintegração. Hartmann et al. (1999) encontrou um aumento de 25% na produção de biogás em fibras de estrume maceradas antes da DA. A ampla utilização desse método advém dos baixos custos de operação e da simplicidade do processo, o que resulta em uma degradação mais ampla e simples do substrato. Resumidamente, os estudos indicam um aumento de 15% a 25% na geração de biogás com a utilização de maceração, fragmentação e trituração mecânica do resíduo, com efeitos ainda mais pronunciados em se tratando de substratos fibrosos. Para materiais fibrosos, o que restringe o desempenho do reator é a sua lenta solubilização, sendo a hidrólise dos seus compostos a fase limitante. Pré- tratamentos aeróbios antes da DA, como a compostagem, provaram ser eficientes para esse tipo de material, uma vez que garantem maior solubilização dos compostos para a fase seguinte. Capela et al. (1999) reportou um aumento na produção de metano e uma consequente redução de sólidos uma vez que esse pré- tratamento foi adotado para lodos de fábricas de celulose. Por sua vez, Hasegawa e Katsura (1999) reportaram um aumento de 50% na produção de metano a partir da 22 DA de lodos de esgoto quandopré-tratados com uma solubilização por um processo levemente termofílico. Já para materiais mais biodegradáveis, a fase limitante é a metanogênese, na qual a baixa taxa de crescimento bacteriano não é suficiente para processar a alta carga orgânica. Nesses casos, são utilizados métodos que aumentam o tempo de detenção celular, como a recirculação de digestato. 2.2.2 CONDIÇOES AMBIENTAIS E PARÂMETROS OPERACIONAIS O processo de digestão anaeróbia é influenciado por diversas variáveis, que devem ser monitoradas e controladas continuamente durante todo o processo, uma vez que o equilíbrio entre os diferentes tipos de bactérias e processos é essencial para a manutenção da estabilidade da digestão e determinante no sucesso do tratamento. Mudanças nas condições ambientais que não são controladas a tempo podem até inibir o processo de maneira irreversível. 2.2.2.1 Temperatura Os tratamentos por digestão anaeróbia costumam funcionar em três faixas de temperatura: psicrofílica, mesofílica e termofílica. O sistema psicrofílico está associado à temperaturas abaixo de 20°C, o mesofílico funciona na faixa entre 20°C e 40°C (faixa ótima entre 30-35°C) e o termofílico entre 50°C e 60°C (Figura 4). A temperatura influencia diretamente a velocidade do metabolismo bacteriano, de modo que biodigestores operando na faixa termofílica produzem maior quantidade de biogás em comparação com aqueles operando nas faixas psicro e mesofílica. Isso resulta em menores tempos de detenção hidráulica, menor volume para o tratamento e, consequentemente, em menor custo de implantação. A redução no custo, porém, é compensada pelo gasto para aquecer o digestor. (FLOR, 2006) 23 Figura 4 - Taxa de crescimento relativa de atividade psicrofílica, mesofílica e termofílica (Fonte: adaptado de Khanal, 2008). . 2.2.2.2 pH Cada grupo de bactérias envolvido no tratamento anaeróbio tem faixas de pH ótimo específicas, sendo significativamente afetadas por pequenas mudanças no pH ideal. Para a acidogênese o valor de pH ótimo está em torno de 6, enquanto que para a acetogênese e a metanogênese o valor ótimo está em torno de 7, variando de acordo com a literatura (Tabela 2). A atividade metanogênica cai drasticamente para pHs menores que 6,5. O pH em um tratamento anaeróbio deve ser mantido próximo ao neutro, uma vez que a acidogênese também se desenvolve bem em pHs próximos a 7, sendo a metanogênese a fase limitante do processo. As preocupações relativas ao pH são principalmente para garantir uma operação bem sucedida e o controle do sistema anaeróbio . Quando as bactérias acidogênicas produzem mais ácido do que as metanogênicas conseguem consumir o pH cai e o reator entra em desequilíbrio (BJÖRSSON, 2012). Tabela 2 - Faixas de pH ótimo por tipo de reator de acordo com diferentes autores. Faixa de operação Faixa ótima Fonte 6,5 a 8,5 6,6 a 7,8 Mata-Alvarez, 2000 6,8 a 7,4 7,0 Khanal, 2008 6,5 a 7,5 6,5 a 7,5 Flor, 2006 6,5 a 8,2 6,5 a 8,2 Speece 1996 24 2.2.2.3 Carga Orgânica A carga orgânica reflete a capacidade de conversão biológica de um sistema de digestão anaeróbia, sendo um dos principais parâmetros operacionais de projeto, medida em quantidade de sólidos totais (ST) ou de sólidos voláteis (SV). Uma carga orgânica acima da recomendada leva a uma acidificação do ambiente, causada pelo acúmulo de ácidos graxos e/ou geração excessiva de dióxido de carbono, devendo ser reduzida até o ponto em que os ácidos graxos acumulados sejam consumidos num ritmo maior do que são produzidos, retornando o pH para níveis próximos do neutro e retomando a atividade metanogênica. Não costumam haver problemas de acidificação com cargas de até 8,5 kg DQO/m3.dia (REICHERT, 2012). 2.2.2.4 Nutrientes Como em todos os processos biológicos, o carbono, o nitrogênio e o fósforo são essenciais para a digestão anaeróbia, entre outros nutrientes já presentes na Fração Orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos (FORSU). Alguns autores apontam a relação C:N ótima entre 20 e 30 e C:N:P em torno de 126:7:1 (FLOR, 2006). Um excesso de carbono leva a um rápido consumo de nitrogênio pelas bactérias metanogênicas e um excesso de nitrogênio leva a amônia a liberar-se para o meio, causando um efeito tóxico. O balanceamento dos nutrientes pode ser feito pela inclusão no substrato de produtos mais ricos em carbono, como papel ou resíduos verdes, ou em nitrogênio, como estrumes animais e compostos ricos em proteínas (FLOR, 2006). A inibição do processo de digestão por altas concentrações de amônia é ainda intensificada na faixa termofílica, dado o aumento na sua concentração com a elevação da temperatura, requerendo atenção especial neste tipo de tratamento. Além dos macronutrientes, apresentados na Tabela 3, é fundamental que sejam fornecidos para os microrganismos os micronutrientes, que são em geral substancias necessárias em baixíssimas quantidades, mas que são fundamentais para o bom crescimento dos microrganismos no reator. Na Tabela 3 são apresentadas as concentrações ótimas de macro e micronutrientes para os microrganismos metanogênicos. 25 Tabela 3 - Concentrações ótimas de macro e micronutrientes para os microrganismos metanogênicos. Macronutrientes Micronutrientes Elemento Conc. (g/kgSST) Elemento Conc. (mg/kgSST) Nitrogênio 65 Ferro 1800 Fosforo 15 Níquel 100 Potássio 10 Cobalto 75 Enxofre 10 Molibdênio 60 Cálcio 4 Zinco 60 Magnésio 3 Manganês 20 Cobre 10 Fonte: Lettinga (1996) apud Chernicharo (1997) 2.2.2.5 Presença de compostos inibidores ou tóxicos: A presença de compostos orgânicos tóxicos (pesticidas) podem inviabilizar a operação do sistema. Metais pesados em excesso também podem inibir ou até cessar as atividades microbianas causando a intoxicação do sistema. Sais em excesso podem inibir a produção de metano e se a concentração for muito elevada pode levar a inibição total da produção do gás. Por fim, concentrações elevadas de amônia também podem levar a intoxicação do sistema. A forma tóxica da amônia é a amônia livre (NH3 não dissociado) cuja concentração depende da concentração de amônia total, pH e temperatura. Como visto no item 2.2.2.4 alguns metais são necessários como micronutrientes para os microrganismos. Mas esses, a partir de certos limites, podem se tornar tóxicos, como apresentado na Tabela 4. (Beli apud. Contrera, 2013) 26 Tabela 4 - Concentrações inibidoras ou estimulantes para alguns compostos em relação à digestão anaeróbia. Concentração Estimulante mg/l Concentração inibidora (mg/l) Fracamente Tóxico IONS Na+ 100 à 200 3500 à 5500 8000 K+ 200 à 400 2500 à 4500 12000 Ca2+ 100 à 200 2500à 4500 8000 Mg2+ 75 à 150 1000 à 1500 3000 NH4+ 50 à 200 1500 à 3000 3000 S2- - <200 200 METAIS Cr3+ - 130 260 Cr6+ - 110 420 Cu - 40 70 Ni - 10 30 Cd - - >20 Pb - 340 >340 Zn - 400 600 Fonte: Beli apud. Contrera, 2013. 2.2.2.6 Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) O TRH típico para um reator completar a digestão varia de acordo com seu tipo, a composição do resíduo e a tecnologia utilizada. Para os tratamentos mesofílicos o TRH varia de 10 a 40 dias. Na faixa termofílica o tempo necessário é reduzido, em torno de 14 dias para reatores operando com alta taxa de sólidos (REICHERT, 2012). As Figura 5 e Figura 6 ilustram algumas relações entre o TRH e faixas de temperatura de operação e produção de biogás. 27 Figura 5- Tempo de detenção em função da temperatura para microrganismo meso e termofílico (Fonte: Beli apud. Contrera, 2013).Figura 6- Produção de biogás em função da temperatura de operação e do tempo de detenção (Fonte: Beli apud. Contreta, 2013). 28 2.2.3 TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS ORGÂNICOS Existe uma série de diferentes tipos de sistemas de digestão anaeróbia de resíduos sólidos orgânicos, cada um classificado pelas seguintes categorias: • Teor de sólidos totais contidos na massa do reator (ST) • Estágio único ou múltiplo • Alimentação contínua ou batelada • Faixa de temperatura mesofílica ou termofílica Em relação ao teor de sólidos totais, os reatores são classificados como sistemas com baixo teor de sólidos (BTS), ou via úmida, quando têm ST abaixo de 15%, como médio teor de sólidos quando ST está entre 15% e 20%, e alto teor de sólidos (ATS) quando TS está na faixa de 22% a 40%, também chamados de via seca (VERMA, 2002), como o esquematizado na Figura 7. Sistemas BTS utilizam um grande volume de água, resultando num maior volume do reator e altos custos de tratamento do efluente, que requer drenagem ao fim do processo. Os sistemas ATS são mais robustos e têm altas taxas de carga orgânica, mas requerem equipamentos mais caros. Figura 7 – Biodigestor de batelada de Alto Teor de Sólidos de escala industrial, com sistema de umidificação e recirculação de lixiviado para aumentar o tempo de retenção celular (Fonte: Björsson, 2012). Os reatores de estágio único são os que utilizam somente um reator para as fases de acidogênese e metanogênese, enquanto os de estágio múltiplo separam os reatores de acordo com os diferentes estágios de digestão anaeróbia. A separação !"#$%"&&&& '"()*& '"()*& '"()*& +*,-./&0"&123/4$"#& '2"354& 6*4/4&0/&7*80*& 94/(&(/$*,":& & ;/<2#<.=*>%"&0"& ?2@2A2*0"& 29 tem com o intuito de melhorar a digestão, permitindo a flexibilização necessária para otimizar cada uma das reações. Porém, a esperada vantagem da separação dos estágios para digestão dos resíduos não é verificada na prática, resultando em processos mais complexos, que requerem maiores investimentos, com uma menor produção final de biogás. Todavia, o reator de estágio múltiplo se torna mais viável para resíduos com baixo teor de celulose, e é a única tecnologia aplicável para razão C:N menor que 20. Figura 8 - Biodigestor de alimentação contínua com sistema de recirculação da matéria orgânica em digestão misturada com novo substrato (Fonte: Björsson, 2012). Quanto ao regime de alimentação, o reator de batelada é muito mais utilizado que o de alimentação contínua, aplicado principalmente no tratamento de excrementos de animais com baixo teor de sólidos. No regime contínuo o fluxo de alimentação é constantemente carregado e descarregado, como apresentado na Figura 8, enquanto que no de batelada o reator é alimentado e após cada ciclo, esvaziado. O digestor do tipo batelada é tecnicamente mais simples, barato e robusto, mas requer uma maior área de implantação e é menos estável, correndo ainda o risco de uma sedimentação de material no fundo do reator inibir a digestão. Classificando a operação por temperatura, têm-se as seguintes faixas: mesofílica, entre 35°C e 40°C; e termofílica, entre 50°C e 60°C. Tradicionalmente, as estações de tratamento de digestão anaeróbia operavam na faixa mesofílica, dada a dificuldade de controlar a temperatura do digestor em faixas elevadas; temperaturas acima de 70°C podem matar as bactérias responsáveis pela digestão do resíduo. Porém, a tecnologia agora está consolidada e, apesar de ser mais cara e menos !"#$%&' ()*+,-'.#' /"$-&0#1' 2-&3.,#&' /"$-1".#&' !#45)' 2-&3.,#&' 6"&0,1).#1' 30 estável que a mesofílica, tem como vantagens a higienização do resíduo, menor tempo de retenção hidráulico e maior produção de biogás. 2.2.3.1 Exemplo da Literatura Graunke (2008) projetou um biodigestor para tratar os restos de alimentos produzidos no Refeitório Broward da Universidade da Flórida. Foi utilizado um biodigestor de batelada, alimentado e misturado diariamente, de 120 litros, com volume útil de 90 litros, alimentado diariamente numa taxa de 2 gSVT/L e adotando um TRH de 30 dias. O biodigestor foi operado a temperatura ambiente, sendo apenas pintado de cor azul para absorver energia solar, e teve uma taxa de produção média de biogás de 0,5188 l biogás/gSV/dia, ou seja, 93,4 L/dia de biogás. O gás foi utilizado para complementar as demandas de gás natural do refeitório. A BARC (Bhabha Atomic research Center), na Índia, desenvolveu um sistema de domo flutuante (Figura 9), baseado nos reatores tradicionais indianos. É um reator contínuo de dois estágios e úmido. Resíduos provenientes de cozinha são misturados com água aquecida por painéis solares e passam primeiramente por um pré-digestor termofílico aeróbio de batelada, depois disso o substrato entra no digestor anaeróbio onde acontece a metanogênese. O sistema é completamente enterrado e os fluxos se dão por gravidade. O efluente que sai do reator passa por um filtro de areia e é reutilizado no sistema. O lodo vai para secagem (MÜLLER,2007). Os principais parâmetros operacionais deste reator eram: • Substrato: 5000 kg/dia • Sólidos totais: 20-25% • TRH: 4 dias (pré-reator) + 12 dias (digestor) • Volume do reator: 60m3 (pré-digestor) + 175 m3 (digestor) • Produção de biogás: 500-650 m3/dia • Aplicação da matéria orgânica digerida: Jardim • Receita de biogás: 25 kW 31 Figura 9 – Biodigestor com domo flutuante (Fonte: Müller, 2007). Já a BIOTECH desenvolveu uma tecnologia para tratamento de comida preparada, vegetais e efluentes de cozinha (Figura 10). A tecnologia pode ser aplicada em escala doméstica, institucional e municipal. Para uma família de 3 a 5 membros uma planta de um metro cubico é suficiente, gerando biogás para suprir até 50% das necessidades para cozinha (Müller,2007). a) b) Figura 10 – a) um reator de tratamento de resíduos sólidos orgânico em escala institucional b) um reator para tratamento de resíduos sólidos orgânicos em escala domestica. A Appropriete Rural Technology Institute (ARTI), na Índia, desenvolveu um reator compacto para a produção de biogás usando resíduo de alimento para o suprimento de gás de cozinha. O reator é suficientemente compacto para ser usado em casas urbanas. Os digestores são feitos de polietileno de alta densidade e é mostrado na Figura 11. O sistema funciona com dois tanques com volumes aproximados de 1 m3 e 0,75 m3. O tanque menor é usado para o armazenamento do biogás. É recomendado que o efluente do reator seja recirculado. O espaço total da 32 planta é de 2 m2 e 2,5 metros de altura. A planta demanda em torno de algumas semanas para fornecer um suprimento estável de biogás, tipicamente de 250g/dia/kg de matéria. Os resíduos que devem alimentar o digestor são farinha, vegetais, restos de alimento, casca de frutas e frutas podres. Além disso, podem ser incluídos, caules, cana, grama e sementes, sendo grãos estragados uma ótima matéria prima (Müller, 2007). A planta pode se tornar muito ácida e deixar de funcionar caso seja colocado alimento em excesso. Esse cuidado é difícil quando se está usando material orgânico altamente degradável (Müller,2007). Figura 11 – Biodigestor compacto desenvolvido pela Appropriete Rural Technology Institute (ARTI). Na cidade de Burford, na Inglaterra, foi feito um projeto com o objetivo de estabelecer se a digestão anaeróbia, possivelmente combinada com tratamento térmico, é um método seguro e eficiente de processamento de resíduos orgânicos de cozinha e de restaurantes.O foco foi determinar se a disposição da matéria orgânica digerida, estabilizada e higienizada, estaria de acordo com a regulação europeia para subprodutos. Resíduos de cozinha foram coletados, triturados no local da digestão anaeróbia, e tratados em dois digestores, um operando à temperatura mesofílica (36,5°C) e outro à temperatura termofílica (56°C), apresentados na Figura 12. Um fluxograma simplificado do processo está apresentado na Figura 13. Os digestores foram operados em ciclos de seis horas, e a alimentação de sólidos voláteis foi variada para otimizar o sistema. 33 A digestão mesofílica começou com tempo de detenção hidráulica de 31,5 dias com taxa de alimentação de sólidos voláteis de 4,1 kg SV/m3d. O TRH foi reduzido após algumas semanas para 20 dias, com taxa de alimentação de sólidos voláteis de 5,7 kg SV/m3d, mas a taxa se provou muito alta, causando acumulação de ácidos graxos e queda acentuada do pH. O processo do digestor termofílico começou com um TRH de 44,5 dias e taxa de alimentação de sólidos voláteis de 3,0 kg SV/m3d, porém essa taxa não foi sustentável, causando acumulação de substâncias inibidoras. Figura 12 - Os sistemas de digestão anaeróbia termofílico e mesofílico utilizados, apresentando o tanque de alimentação e mistura, digestor e tanques de coleta (Fonte: The University of Southampton and Greenfinch, 2004). Figura 13 - Diagrama esquemático do sistema de digestão anaeróbia. 34 As amostras coletadas indicaram que o resíduo tinha teor de umidade médio de 78,4% e teor de sólidos voláteis de 92,4%. A digestão termofílica dos resíduos orgânicos de cozinha se provou menos estável que a digestão mesofílica. A mesofílica tem maior capacidade tampão e é mais resistente à mudanças ou acumulação de substâncias inibidoras. Em ambos os sistemas o biogás era composto em 58% de metano. O sistema mesofílico produziu 164 m3 por tonelada, enquanto o termofílico produziu 157 m3 por tonelada. O resíduo coletado para o projeto continha patogênicos como Salmonella, Escherichia coli e Enterococci. A matéria orgânica digerida dos tanques de coleta, tanto no do sistema mesofílico quanto do termofílico, ainda continha resquícios dos patogênicos, requerendo, portanto, tratamento adicional antes de sua aplicação em agricultura. Pasteurização em laboratório a 70°C por uma hora foi suficiente para eliminar a Salmonella, E. coli e Enterococci. Quando A matéria orgânica digerida é armazenada a 20°C, a Salmonella persiste por 10 dias e Escherichia coli por 10 dias, mas Enterococci ainda esteve presente após 3 meses (The University of Southampton and Greenfinch, 2004). A seguir será apresentado o estudo feito por Flor (2006) que compara tecnologias, em geral, consolidadas e criadas para aplicações industriais, apesar de seus mecanismos básicos poderem, também, ser aplicados em escalas menores. A pesquisa usou como critério de comparação das tecnologias o teor de sólidos, que relaciona-se com a carga orgânica através da concentração de alimentação e do TRH. Um teor de sólidos inferior a 15% é considerado uma via úmida, enquanto se a concentração foi superior é considerado um processo de via seca. Nos processos de via seca obteve-se melhores taxas de produção de metano e maiores cargas orgânicas aplicadas, como apresentado na Tabela 5. Os desafios dessa via se concentram na manutenção das reações altos teores de sólidos e a dificuldade de bombear os resíduos e homogeneizar o conteúdo dentro do reator. 35 Nos sistemas de elevada concentração de sólidos, os resíduos movem-se dentro do reator de modo “plug-flow”, no qual o fluxo do reator não é determinado por sistemas mecânicos de agitação. No sistema DRANCO a mistura ocorre por recirculação dos resíduos extraídos pelo fundo do reator, e a mistura no exterior com os resíduos frescos, numa razão especifica de 1/6. No sistema Kompogas, a mistura entre o substrato e as bactérias é feita também no exterior, além disso existe um sistema de agitação de baixa rotação no interior do reator horizontal, que fornece homogeneização e permite a liberação do biogás. No processo Valorga a agitação do conteúdo ocorre por injeção cíclica de biogás a partir do fundo, sem necessidade de recircular o substrato digerido de volta para o reator. O processo BIOCEL nasceu da intenção de desenvolver um reator com facilidade de operação e manipulação semelhante a um aterro sanitário, mas com produção de biogás, porcentagens de remoção de voláteis e de DQO muitos superiores. Os princípios de funcionamento se mantiveram, baseando-se na recirculação de lixiviado para aquecimento e mistura do conteúdo do reator. Um exemplo de reator com baixo teor de sólidos (via úmida) é o Linde-BRV, A característica marcante dos reatores Linde-BRV é o sistema de recirculação de biogás usando um tubo que também serve para aquecer o conteúdo do reator. A Figura 14 apresenta esquema dessas cinco tecnologias descritas acima. A tecnologia de via úmida se aproxima mais dos digestores anaeróbios usado em estações de tratamento de águas residuárias para tratamento e estabilização de lodos. Dessa forma é possível utilizar equipamentos mais baratos e de uso comum. O fato é balanceado pelos maiores custos de investimento devido ao maior tamanho dos reatores, além de equipamento de desidratação. No final, as duas tecnologias são bastante semelhantes quanto à variável econômica. A Tabela 6 apresenta o desempenho de processos mesofílicos por via úmida. A pesquisa concluiu que tecnologias por via seca permitem operar os reatores com concentrações médias de sólidos de 30%. Para reatores contínuos, foram obtidos os seguintes resultados: produção de metano entre 90 - 300m3 (CH4).ton- 1(STV), cargas orgânicas entre 7 - 20 kg (DQO).m-3.dia-1 e TRH médio de 15 dias. Os processos em batelada apresentam produção de biogás entre 160-220m3(CH4). ton-1 (STV), cargas orgânicas inferiores a 3 - 12kg (DQO).m-3.dia-1 e TRH entre 21 - 42 dias. 36 Para tecnologia de via seca a produção de metano ficou entre 250 - 430 m3(CH4).ton-1(SVT), superior à via seca. Porém, as produções volumétricas e as cargas orgânicas são muito baixas: 0,6 - 4,6 m3 (CH4).m-3.dia-1 e 1 – 5kg(DQO).m3.dia respectivamente. Figura 14- Digrama simplificado de diferentes processos de digestão anaeróbia. (A) Kompogas, (B) Valorga, (C) Linde- BRV, (D) Dranco, (E) Biocel (Fonte: Adaptado de Nayono, 2009). 37 Tabela 5 - Desempenho dos processos de via seca (Fonte: Flor, 2006). Tabela 6- Desempenho de processos mesofílicos por via úmida (Fonte: Flor, 2006). 38 2.2.4 TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO E CO-DIGESTÃO A biodigestão é uma alternativa tecnológica para expandir as opções de saneamento básico no Brasil. Devido a sua simplicidade construtiva, pequena área ocupada e geração de subprodutos, essa tecnologia se torna especialmente importante no que diz respeito às áreas rurais e comunidades isoladas do país. Essas regiões são extremante carentes de serviços de saneamento e não contam com grandes investimentos em infraestrutura, nem as famílias contam com recursos para soluções individuais complexas. Segundo o PNAD/2009 apenas 5,7% dos domicílios da área rural estão ligados à rede coletora de esgoto e 20,3% utilizam a fossa séptica como solução para o tratamento de dejetos. Os demais domicílios depositam os dejetos em fossas rudimentares (48,9%), lançam em cursos d’água ou diretamente no solo a céu aberto. No que diz respeito a resíduos sólidos apenas 26,3% dos domicílios rurais possuem serviço de coleta direta. Na Figura 15 está apresentadaa situação da coleta de resíduos na zona rural. Figura 15 - Destino dos resíduos sólidos na área rural (Fonte: IBGE/PNAD – 2008). A Política Nacional de Saneamento Básico, instituída pela Lei 11.445/2007, tem como uma das diretrizes a garantia de meios adequados para o atendimento da população rural dispersa, mediante a utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais. A biodigestão se encaixa perfeitamente no cenário apresentado, uma vez é uma solução local, que pode ser implantada em 39 escala domiciliar com capacidade de tratar tanto os resíduos sólidos orgânicos como esterco e esgoto sanitário, a baixos custos. Nessa sessão, o levantamento de dados será focado na eficiência do sistema mais utilizado para o tratamento de esgoto sanitário no meio rural, as fossas sépticas e rudimentares, e a possibilidade de co-digestão entre resíduos sólidos orgânicos e esgoto sanitário. Os tanques sépticos constituem uma das unidades mais antigas de tratamento de esgoto, e ainda hoje são amplamente utilizados devido a sua simplicidade construtiva e operacional. São unidades de forma cilíndrica ou prismáticas retangulares de fluxo horizontal que desempenham função múltipla de sedimentação e remoção de material flutuante, além de se comportar como digestor de baixa carga sem mistura e aquecimento. Consistem no principal tratamento para residências e pequenas áreas que não são servidas por redes coletoras. Um esquema de uma fossa séptica é apresentado Figura 16. Figura 16 - Esquema de fossa séptica (Fonte: Chernicharo 2000). Os sólidos do esgoto presente no afluente do tanque vão para o fundo constituindo uma camada de lodo. Óleos, graxas e outros materiais mais leves flutuam formando escuma. O esgoto livre de materiais sedimentáveis e flutuantes é encaminhado para pós-tratamento e disposição final no solo. O lodo sofre decomposição anaeróbia facultativa no fundo do tanque sendo convertido em materiais mais estáveis. Inspeção Saída Inspeção Entrada 40 Quanto a configuração, as fossas sépticas podem ser de três tipos: câmara única, câmara em série e câmara sobreposta. As duas últimas visam principalmente aumentar a eficiência de remoção de sólidos. Apesar dos tanques sépticos serem projetados com TRH elevado, de 12h a 24h, grandes picos de vazão podem repercutir negativamente no seu funcionamento, deteriorando a qualidade do efluente final. O TRH varia principalmente com a carga diária de vazão, sendo 12 horas o tempo indicado para contribuições acima de 9.000 L/d e 24 horas indicado para contribuições até 1.500L/d. Além do TRH, é importante atentar para a temperatura da massa líquida uma vez que temperaturas inferiores a 20 °C comprometem a atividade biológica e aumentam o volume do lodo. A retirada do lodo é pré-determinada pelo intervalo de limpeza previsto no projeto e é de fundamental importância para o bom funcionamento do processo. Por fim, a eficiência do processo, segundo a literatura, varia muito de acordo com as condições locais e a operação da unidade, mas em média apresentam os seguintes valores de remoção (Chernicharo, 1997): -‐ DBO: 30 - 55% -‐ Sólidos suspensos: 20 - 90% -‐ Óleos e graxas: 70 - 90% A co-digestão consiste na digestão conjunta de substratos de diferentes fontes, que muitas vezes pode melhorar a produção de biogás por sinergias positivas estabelecidas entre os co-substratos. A utilização desta alternativa pode ser motivada pela necessidade de melhora do substrato a ser tratado, devido à falta de nutrientes ou humidade, por exemplo, ou pela demanda de tratamento de resíduos de diferentes fontes (Mata-Alvarez et al., 2000). Para que esta sinergia positiva ocorra, é importante definir critérios para uma mistura ótima entre os volumes dos diferentes resíduos a serem tratados (Chanakya, 2006). Porém, normalmente não é possível utilizar uma mistura ótima, pois é a produção de resíduos que determina os volumes de cada tipo de substrato a ser tratado no biodigestor. A co-digestão pode ser observada em escala doméstica, porém, costuma ser feitas de maneira empírica, na qual nem a proporção de mistura nem os parâmetros 41 operacionais são bem definidos e registrados. Os processos mais consolidados de biodigestão são encontrados no setor industrial. A maioria das aplicações industriais de co-digestão anaeróbia são para tratamento da FORSU com pequenas porcentagens de lodo, como estudado por Mata-Alvarez e Cecchi (1990). Apesar de estudos apresentarem resultados positivos para esta combinação, ela é pouco aplicada mesmo na indústria (Mata-Alvarez et al., 2000). Um exemplo de sucesso nesse tipo de co-digestão foi relatado por Edelmann et al. (1999), no qual resíduos de frutas e vegetais picados foram misturados com lodo primário, obtendo resultados melhores na biodigestão, em termos de produção de metano, do que na digestão de lodo primário apenas (Mata- Alvarez et al., 2000). Em outro exemplo, Callaghan et al. (1999) realizou experimentos comparando a digestão anaeróbia apenas de estrume bovino com a sua co-digestão com resíduos de frutas e vegetais. Os resultados indicaram que houve pouca diferença em termos de redução de SV entre os dois casos, porém a co-digestão com frutas e vegetais apresentou produção de metano mais eficaz. 2.3 PRODUTOS FINAIS DA BIODIGESTÃO 2.3.1 BIOGÁS A quantidade e a composição do biogás produzido no processo de digestão anaeróbia dependem do substrato adicionado ao biodigestor e das condições ambientais e parâmetros de operação. A digestão anaeróbia da fração orgânica de resíduos domésticos produz geralmente 50 - 100 m3 de biogás por tonelada de substrato, com concentração de metano típica entre 54% e 70%, conforme indica a Tabela 8, com suas principais características expostas na Tabela 9. A Tabela 10 compara o potencial energético do biogás com o de outros combustíveis. 42 Tabela 7 – Composição típica do biogás produzido pela digestão anaeróbia de resíduos orgânicos (Fonte: Bermann, 2013). Metano (CH4) 54% a 70% Dióxido de Carbono (CO2) 27% a 45% Nitrogênio (N2) 0,5% a 3,0% Hidrogênio (H2) 1% a 10% Monóxido de Carbono (CO) 0,1% Oxigênio (O2) 0,1% Gás Sulfídrico (H2S) 3,0% a 5,0% Tabela 8 – Propriedades físicas e químicas do Metano Características Físicas Sem cor, inodoro Densidade 0.042 Kg/m3 a 21°C Perigo Extremamente inflamável (Forma mistura explosiva com o ar com apenas 5 - 15% do volume) Toxicidade Asfixiante em altas concentrações Valores típicos de produção de calor 37750 KJ/m3 (Biogás apresenta valor menor de 22400 KJ/m3 devido a mistura com CO2) Tabela 9 – Equivalentes energéticos de 1 Nm3 de biogás com outros combustíveis em suas unidades de comercialização unidades (Fonte: Bermann, 2013). 1 m3 de Biogás 0,61 L de gasolina 0,58 L de querosene 0,5 kg de gás liquefeito petróleo (GLP) 0,79 L de álcool combustível 1,54 kg de lenha 1,43 kWh de energia elétrica 0,55 L de óleo diesel 20 kg de lixo urbano 2,5 kg de resíduo seco vegetal 14,3 kg de resíduo sólido de frigorífico O biogás como fonte de energia é um recurso valioso da biodigestão. A forma adequada de tratamento, armazenamento e utilização deverá ser determinada para o caso estudado. No caso do presente estudo, devido à alta demanda do 43 empreendimento por gás para cozinha, a utilização do biogás para este fim foi escolhida. Os principais componentes de um sistema de uso do biogás para cozinha são: Medidor de gás: Deve ser posicionado em uma posição estratégica para
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