Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CHALITA, Gabriel. “O direito de seduzir e a sedução no Direito”. (Excerto). In. A sedução no discurso. O poder da linguagem nos tribunais de júri. São Paulo: Saraiva, 2007; 1 – 5. O professor Gabriel Chalita muito bem afirma: "Quem seduz induz. Quem seduz conduz. Quem seduz deduz. Quem seduz aduz". Sábias palavras que dão conta de quanto é sedutor o presente livro. Nele, autor e texto se confundem. E que o Dr. Gabriel colocou nas páginas impressas aquilo que ele sabe fazer com maestria, que é seduzir seus alunos, atraindo- os para as profundidades de seu discurso. Então, o resultado da presente obra tomou-se fundamental: é instigante a investigação do efeito da sedução no âmbito do tribunal do júri, o que torna a presente obra indispensável a todos aqueles que se interessam pelo Direito. Luiz Antonio Rizzatto Nunes, por ocasião do lançamento da primeira edição. CAPÍTULO 1 O direito de seduzir e a sedução no Direito Este livro tem como horizonte temático o discurso jurídico em sua manifestação mais fundamental e antiga: os debates entre promotores e advogados, entre acusação e defesa. Para começarmos a abordar o assunto, vamos refletir brevemente sobre a própria atividade dos praticantes do Direito. O código de ética dos advogados, além de apresentar uma série de normas que orientam o seu trabalho, delineia um determinado caráter que se espera tenham os profissionais da área. Dele se deduz, por exemplo, que o advogado não deve ter paixões nem preconceitos. Em outras palavras, devem, os praticantes, obedecer às regras e leis rigorosa e objetivamente. Dura lex, sed lex, informa o dito latino que é genericamente aplicado à prática do Direito. No entanto, o Direito é uma ciência humana, e por isso não pode ser entendido e aplicado como se fosse meramente uma técnica, um conhecimento exato. Conhecer e dominar o Direito não se resume ao conhecimento das normas, dos ordenamentos jurídicos. Aplicar o Direito não depende apenas da observância das leis e do estudo das evidências. Embora sustentado firmemente sobre seu saber estabelecido, o Direito deve ir além dele, para promover justiça. Os procedimentos jurídicos dizem respeito a subjetividades que precisam, de alguma forma, ser atendidas, para que uma decisão justa possa ser alcançada em cada caso. É preciso levar em consideração o fator humano de todos os envolvidos na ação da justiça: réu, vítima e os membros da comunidade. Muitas vezes, as provas, consideradas isoladamente, são insuficientes ou contestáveis. Ao mesmo tempo, frequentemente os testemunhos podem ser atacados em sua credibilidade. Além disso, laudos, cuja realização foi ordenada pelo Judiciário, podem não ser conclusivos. Quando um ou mais desses elementos estão presentes (e sempre estarão) num processo, semeando dúvidas importantes, qual fator será determinante para a escolha entre condenar ou absolver um réu? Sem dúvida, as falas do promotor de justiça e do advogado de defesa terão um papel decisivo. E, ao ponderar este aspecto, somos obrigados a considerar o poder de sedução de cada parte como um elemento fundamental no cumprimento das condições intrínsecas à aplicação do Direito, assim como à sua complexidade e à sua subjetividade. Tão importantes são os discursos desses profissionais em seu ofício, que podemos conceber o Direito - dentre outras formas possíveis - como uma ciência da argumentação. Advogado e promotor devem argumentar em favor da parte que cada um representa. Esta é a essência de sua atuação. Utilizamos, no título deste trabalho, a palavra sedução. O vocábulo traz uma carga de significados que inclui atração, encanto, fascínio. O processo de sedução é de cumplicidade: ao deixar-se seduzir, aquele que é seduzido recebe algo em troca de sua disposição em ouvir, em compreender o que se comunica; da mesma forma, ao sedutor parece estar implícito oferecer algo em troca da atenção daquele a quem seduz. A sedução é um processo emocional - ela não ocorre por vias do raciocínio puro, da demonstração. O discurso do sedutor não se fundamenta puramente em argumentos lógicos; recorre a artifícios retóricos e alegóricos a fim de envolver e comover. Em alguns momentos, no decorrer do trabalho, utilizamos a palavra persuasão, de significado similar ao de sedução, mas que sugere maior envolvimento do raciocínio e da lógica. Persuadir significa interiorizar uma determinada convicção em alguém. Portanto, persuadir constitui um processo racional. Evidentemente, essa distinção não é exaustiva. Há quem considere a persuasão na esfera específica do discurso emocional. No discurso de advogados e promotores no tribunal do júri, comparecem tanto aspectos racionais quanto emocionais; os dois elementos se fundem na elaboração de frases escolhidas pelos profissionais do Direito. Procuramos mostrar, neste livro, que o elemento emocional é o fator crucial para convencer os ouvintes, que ele é o fator de maior influência e o mais determinante para a decisão que os jurados devem tomar. De todo modo, vale lembrar que o aspecto emocional não é excludente, isto é, numa fala a ouvintes a quem se deseja imbuir um certo espírito, é impossível apresentar um discurso em que os dois aspectos se mostrem isoladamente. As prédicas apresentadas num tribunal do júri buscam pôr em movimento um processo de sedução. Desta forma, aos advogados e promotores cabe envolver e encantar o júri, conduzi-lo a uma determinada posição, e para isso não vale economizar quaisquer recursos - emocionais e racionais - para obter tal resultado. William Diehl, na obra intitulada Primal fear, registra um diálogo interessante, ilustrativo do assunto de que estamos tratando: Advogado - O sistema judicial não quer saber se o réu é culpado ou inocente. Eu também não. Todo réu, independente do que fez, merece a melhor defesa que possa ter. Interlocutor - O que acha da verdade? Advogado - Verdade? Que tipo de verdade? Interlocutor - Não sei quantas verdades há. Não acha que só há uma? Qual é a correta? Advogado - Só há uma verdade. A minha versão. Aquela que crio nas mentes dos doze indivíduos do júri. Se quiser, pode chamar isto de ilusão da verdade.1 Este é um exemplo de como o discurso jurídico tem por objetivo, como uma parte essencial, a persuasão; o advogado argumenta para convencer o interlocutor, assim como promotores e defensores pretendem convencer os receptores de seus discursos. No trecho citado a função capital da persuasão fica evidente ao considerarmos que dela depende o destino do réu, ou do cliente do advogado e, por consequência, dela depende a aplicação do Direito. Em certo sentido, a persuasão supera a importância dos testemunhos e das provas, à medida que nela se exercita plenamente a vontade de quem discursa, ou seja, trata-se de uma ação deliberada para defender os interesses de uma parte - réu, cliente ou a sociedade - mais do que um instrumento de investigação e esclarecimento da verdade dos autos. Este é um ponto muito importante, e deve ser interpretado cuidadosamente; afinal, o que se afirma é que no tribunal do júri cada uma das partes está em busca de alcançar um determinado resultado, absolvição ou condenação, e para isso fará as interpretações dos fatos de modo a beneficiar uma ou outra causa, mais do que procurar estabelecer uma verdade empírica sobre as circunstâncias. 1 William Diehl, Primal fear, p. 78. Tradução nossa. O texto menciona 12 indivíduos no júri porque se trata do sistema judicial norte-americano. O discurso, para além desta dimensão, mas na mesma perspectiva da necessidade de atingir determinados objetivos, de defender os interesses de alguém, pretende comprometer ideologicamente o seu receptor. O discurso fascina, seduz. No entanto, esse caráter da fala dos advogados precisaser compreendido com clareza; é necessário ter sempre em mente as ressalvas que devem ser feitas às premissas do Direito, para que não sejam interpretadas literalmente. Isto aparece com maestria no trecho a seguir, de José Roberto Baraúna: As partes (acusação e defesa) têm inteira liberdade de interpretar a prova e de tirar as conclusões que entenderem; o que não podem é falsear a verdade, lendo o que não está escrito (cf. artigo 476, parágrafo único, do CPP) ou citando o que não foi dito. O princípio da lealdade processual impede procedimento dessa natureza. Podem e devem as partes, também, examinar o Direito aplicável e a jurisprudência formada sobre ele. Embora não. se duvide que o juiz conheça o Direito, nunca é demais alertá-lo para os aspectos da hermenêutica jurídica ou para casos semelhantes decididos pelos tribunais. 2 Assim, fica evidente a relevância da análise do discurso jurídico em termos de seus elementos de persuasão e sedução. Este livro se concentrará no caráter sedutor do discurso nos tribunais do júri, e é em busca da determinação de sua importância e de como esse aspecto se articula na prática do Direito que os seus capítulos se desenvolvem. 2 José Roberto Baraúna, Lições de processo penal, p. 38.
Compartilhar