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Aula 01 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN CONCEPÇÕES SOBRE SURDEZ E SUA LÍNGUA NATURAL Olá amigos! Nesta aula estaremos abordando os conceitos sobre surdez, ao longo dos tempos históricos e como as pessoas surdas eram vistas e entendidas pela sociedade. Entenderemos, também, como chegaram ao uso de uma língua gestual, a LIBRAS. Atualmente somos bombardeados por informações a respeito das pessoas surdas, da língua de sinais, das deficiências em geral e da inclusão; porém, será que realmente temos estas pessoas incluídas em nossa sociedade? As vemos com olhos diferentes das sociedades antigas? Todos os conflitos que existiram acerca da aceitação dos surdos na sociedade estimularam um ambiente de pesquisas e mudanças para esta comunidade que hoje ainda luta por reconhecimento. Iniciaremos então, atentos aos objetivos, além das seções de estudo desenvolvidas no decorrer desta aula. Tenham um ótimo período de estudo! Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula vocês serão capazes de: • identificar as visões/concepções sobre surdez ao longo da história; • conceituar deficiência e diferença; • compreender o conceito de cultura e identidade próprias da comunidade surda; • entender o processo de aquisição de uma língua natural: a LIBRAS. 1111 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN Seções de estudo Seção 01 – As concepções sobre surdez Seção 02 – Movimento educacional pelo reconhecimento às diferenças: identidade e cultura surda Seção 03 – LIBRAS: um processo de lutas pelo direito linguístico Pessoal, vamos iniciar nossa leitura e mergulhar no “mundo dos surdos”? Tenham um ótimo estudo! Seção 1 – AS CONCEPÇÕES SOBRE A SURDEZ Na Antiguidade, a estética e a oratória eram muito valorizados pelo povo Grego. Ou seja, para uma sociedade que crescia em meio a guerras, o preparo físico e a perfeição do corpo eram importantes para formar exércitos invencíveis. Assim também a oratória (capacidade argumentativa) era necessária para uma boa articulação política. Sabemos que estes valores gregos influenciaram toda a constituição do mundo ocidental, da nossa sociedade. Portanto, desde os primórdios as pessoas que não se encaixavam nos padrões exigidos para a sobrevivência eram isoladas ou mortas, consideradas um fardo para a comunidade. Com isso, os surdos não eram considerados seres humanos competentes, por não conseguirem interagir ou transmitir conhecimento através da fala. Os sinais não eram aceitos como forma de comunicação, como língua, mas como gestos primitivos, comparados aos movimentos de animais. Portanto, quem não ouvia e não falava também não produzia pensamento (Quadros, 2006, p. 68). Segundo Santana e Bergamo (2005, p.2), os surdos sempre foram “historicamente estigmatizados, considerados de menor valor social, pois não possuíam a característica eminentemente humana: a linguagem oral e suas virtudes cognitivas”. Observamos, então, que, além de todas as pessoas que tinham alguma deficiência, os surdos não eram tratados como uma pessoa normal. Naquela época, o indivíduo que não se encaixava nos padrões considerados normais, era isolado ou abandonado pela sociedade. Analisando estes fatos, percebemos que o surdo foi, por muito tempo, considerado humanamente inferior. Quando uma criança nascia com problemas físicos ou algumas doenças crônicas, eram consideradas “defeituosas” pelo povo da Grécia Antiga e jogadas do alto de um penhasco. Isto acontecia principalmente na cidade de Esparta, onde as pessoas cultivavam uma estética quase que perfeita e não queriam ninguém fora 12 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN do padrão (Sassaki, 1997, p. 52). Para manter a perfeita padronização do povo grego, os familiares de crianças que nasciam com deficiências tomavam as mais extremas atitudes. Sobre isso, Lane e Philip (1984, p. 16) revelam: A infortunada criança era prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada ou era lançada de um precipício para dentro das ondas. Era uma traição poupar uma criatura de quem a nação nada poderia esperar. (Lane e Philip, “The deaf experience”, 1984, p. 16) Em Roma, as pessoas acreditavam que os surdos eram incapazes porque não falavam nem escutavam. Já no Egito, as pessoas com surdez eram consideradas divinas e adoradas pelo povo, mediavam o contato com os deuses e os Faraós. Dentro deste contexto histórico, destacamos o entendimento das pessoas ditas normais em relação ao indivíduo surdo: estes seres que não ouviam eram defeituosos, sua orelha era defeituosa, o corpo não era completo e a mente não era desenvolvida. Então, não poderiam ser “educados” nem contribuir para o desenvolvimento social. Nesse período, não se tem nenhum registro sobre a utilização de sinais ou qualquer outro meio de comunicação entre surdos. Nessa época, acreditavam que a língua oral era o único instrumento para a linguagem e formação do pensamento. Desse modo, a fala se tornou o foco para o trabalho que girou em torno de uma perspectiva clínica, ou seja, a preocupação se dava na busca da recuperação dos surdos. Eram pessoas que necessitavam de cura. Esta era uma visão clínico- terapêutica: tratamento e cura do defeito. Na Idade Média, a Igreja Católica exercia sua máxima influência e pregava que a alma do surdo não poderia ser imortal, já que ele não poderia proferir os sacramentos. Segundo Aristóteles, a linguagem era uma característica http://www.webartigos.com/articles/3639/1/ Historico-Da-Educacao-Dos-Surdos/pagina1.html 13 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN eminentemente humana e os surdos, por não desenvolverem linguagem, não seriam humanos. No fim da Idade Média, alguns pedagogos eram destinados a ensinar os surdos a falar, ler e escrever, com o objetivo de receber a herança da família e ter direito ao casamento. Surgem aí, os primeiros indícios de que o surdo poderia se comunicar através de sinais. Na Idade Moderna, algumas figuras sociais e ilustres da época, foram as primeiras formadoras de opinião em relação à educação de surdos. Propunham a possibilidade de ensino através de gestos/sinais, embora não abandonassem a abordagem clínica dentro dos abrigos e asilos. Dentro deste contexto, destacamos Pedro Ponce de Leon, monge beneditino responsável por tutorear crianças surdas, filhas de aristocratas na Espanha e Girolamo Cardano, médico italiano cujo filho nasceu surdo. Com isso, várias crenças médicas, religiosas e até filosóficas perderam um pouco da força, pois Pedro Ponce de Leon mostrou que os surdos poderiam desenvolver linguagem, compreender significados e aprender ofícios. A ele foram creditados os títulos de primeiro professor de surdos e o de criador do alfabeto manual que utilizamos até os dias de hoje. Esta abordagem gestual na educação de surdos foi difundida em toda a Europa, chegando ao Brasil no século XVI. Todavia, as práticas oralistas ganharam força e divulgação. Em 1880, em um evento que reuniu representantes educacionais de vários países, o Congresso de Milão, o oralismo foi oficialmente instituído como método para educação dos surdos. Aqui, estes sujeitos foram proibidos de usar sua própria língua de sinais e obrigados a falar. Devido ao estigma de deficiência e inferioridade gerado pela visão clínica e a impossibilidade de utilizar uma língua de sinais, o sujeito surdo não só perdeu muito em sua educação formal como também em suas relações sociais e oportunidades no trabalho. Estavam tolhidos de usar sua língua natural, impossibilitando-os uma real interação com os não surdos e sua divisão em guetos; não possuíram uma escolarização adequada, impossibilitando-os o acesso ao mercado de trabalho; foram enquadrados em uma “minoria que necessita cuidados especiais”.Todo este histórico de conflitos fez com que as pessoas surdas se reunissem, formando comunidades e desenvolvessem formas de resistências às políticas públicas voltadas a elas. Esta luta iniciou-se nos espaços escolares reservados, especialmente, para pessoas surdas como escolas especiais e associações de surdos. Porém, na década de 1980, estes movimentos das comunidades surdas despertaram o interesse de uma parte da sociedade: as Universidades. Os temas <http://en.wikipedia. org/wiki/ Pedro_Ponce_de_ Le%C3%B3n> 14 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN que envolviam a surdez fomentaram pesquisas, que foram divulgadas, discutidas e, até hoje, são abarcadas pelas políticas para implementação dos espaços escolares e públicos, com o intuito de incluir o sujeito surdo. Seção 2 – MOVIMENTO EDUCACIONAL PELO RECONHECIMENTO ÀS DIFERENÇAS: IDENTIDADE E CULTURA SURDA Desde a década de 1980, vários estudos e pesquisas foram realizados a fim de nortear e garantir a qualidade e permanência na educação dos surdos no Brasil. Abandonando a visão clínica sobre a surdez e adotando uma visão sócio- cultural, muitos estudos se preocuparam em reconhecer uma identidade e uma cultura próprias da comunidade surda. Neste momento, o surdo começa a ser “pensado” a partir de suas interações sociais, sua realidade linguística e, consequentemente, sua visão de mundo, diferente dos não surdos. Conforme Perlin (2010, p. 51), narrar os surdos sob a ótica dos Estudos Culturais permite a aproximação do “ser surdo”, pois negam a padronização universalista permitindo a aproximação do sujeito surdo sem suposições já construídas a seu respeito. Abaixo veremos alguns conceitos que facilitarão nosso entendimento acerca das discussões sobre cultura, identidade e diferença que embasam os estudos sobre surdez: Cultura surda Na área da surdez encontra-se geralmente o termo “cultura” como referência à língua (de sinais), às estratégias sociais e aos mecanismos compensatórios que os surdos realizam para agir no/sobre o mundo, como o despertador que vibra, a campainha que aciona a luz, o uso de fax em vez de telefone, o tipo de piada que se conta e outros (Santana & Bergamo, 2005, p. 9). Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá- lo a fim de se torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo (Strobel, 2008, p. 24). Sobre esta definição de cultura e identidade surda, Perlin (2006, p. 4) comenta: [...] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o 15 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN individuo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social (Perlin, 2006, p. 4). Padden e Humphires (2000, p. 5) apud Strobel (2008, p. 5) estabeleceram uma definição de cultura: [...] uma cultura é um conjunto de comportamentos apreendidos de um grupo de pessoas que possuem sua própria língua, valores, regras de comportamento e tradições (Padden e Humphires , 2000, p. 5). Então entendemos que a comunidade surda de fato não é só de sujeitos surdos, há também sujeitos ouvintes – membros de família, intérpretes, professores, amigos e outros – que participam em compartilham os mesmos interesses em comuns em uma determinada localização. Identidade surda Constitui-se no interior da cultura surda e está em situação de dependência, de necessidade do outro surdo. As identidades surdas são adquiridas através das experiências visuais e são multifacetadas, fragmentadas (diante das regras impostas pela cultura ouvinte), em constante mudança. Não encontramos uma identidade foco (Perlin, 2010, p. 54). A autora destaca, ainda que: [...] a identidade surda não está fora da pessoa surda, em algum lugar que possa ser perseguida. As identidades surdas estão nos sujeitos surdos e se constituem de diferentes formas e a partir de diferentes representações e concepções. Como ficam as identidades surdas dentro das diversas concepções de sujeitos surdos existentes na sociedade? Para esta pergunta há uma diversidade de caminhos a percorrer em busca de reflexões (PERLIN, 2010, p. 39). Segundo Silva (1998, p. 58), “a identidade cultural ou social é o conjunto dessas características pelas quais os grupos sociais se definem como grupos: aquilo que eles são, entretanto, é inseparável daquilo que eles não são, daquelas características que os fazem diferentes de outros grupos”. Diferença Saindo das modalidades tradicionais de educação de surdos que trabalham com a ‘normalidade’ ou ‘métodos clínicos’ ou que usam outros ‘métodos de regulação’, entramos na modalidade da diferença. Fundamentar a educação de surdos nesta teorização cultural contemporânea sobre a identidade e a diferença parece ser o caminho hoje, segundo Perlin & Strobel (2006, p. 28) 16 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN CONCEITO Diferença: Refere-se às diferenças culturais nos diversos grupos sociais. Por diferença entende-se a diferença mesma não contendo aspectos da mesmidade que posições iluministas pregam para atingir a perfeição (Perlin & Strobel, 2006, p. 28). A modalidade da ‘diferença’ se fundamenta na subjetivação cultural. Ele surge no momento que os surdos atingem sua identidade, através da diferença cultural, surge no espaço pós-colonial. Neste espaço não mais há a sujeição ao que é do ouvinte, não ocorre mais a hibridação, ocorre a aprendizagem nativa própria do surdo. É uma modalidade querida e sonhada pelo povo surdo, visto que a luta atual dos surdos é pela constituição da subjetividade ao jeito surdo de ser. Nessa perspectiva, observamos uma atitude Surda, ou seja, as pessoas Surdas não querem mais ser vistas como Deficientes Auditivos ou DA, o que implica uma visão negativa da surdez. A atitude surda está em ser membro de uma comunidade, aceitar e ser aceito como membro desta cultura surda, isso quer dizer ter atitudes como sujeito de sua história, ser uma pessoa que não escuta, ser pessoa política, lutar pelos direitos de cidadania, pelo respeito da sua cultura e aceitação das diferenças linguísticas e culturais; usar a língua de sinais como meio natural de comunicação. Assim, essa comunidade tem mostrado que não aceita mais ser tratada como inferior ou atrasada. Os surdos têm se unido e com isso formado lideranças que estão enaltecendo a história dos surdos na construção de um povo forte, com interesses compartilhados e, sobretudo, com uma língua própria, uma identidade própria que busca o direito de ser respeitada. E esta cultura de respeito às diferenças será possível a partir de uma cultura educacional que forme cidadãos para tal fim. Como diz Skliar (2010, p. 29), a escola é: Um território de investigação educacional e de proposições políticas que, através de um conjunto de concepções linguísticas, culturais, comunitárias e de identidades, definem uma particular aproximaçã e não uma apropriação com os conhecimentos e com os discursos sobre a surdez e sobre o mundo dos surdos. Seção 3 – LIBRAS: UM PROCESSO DE LUTAS PELO DIREITO LINGUÍSTICO A sigla LIBRAS significa Língua Brasileira de Sinais e, reconhecidamente, é a língua natural para comunicação das pessoas surdas brasileiras. 17 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRANO status de língua é dado às línguas de sinais por atenderem à uma estrutura gramatical própria, em seu níveis linguísticos fonológico, morfológico, semântico e sintático. A diferença desta língua é sua modalidade: gestual-visual e não oral- auditiva, como a Língua Portuguesa. Porém, como em qualquer língua, a LIBRAS também apresenta diferenças regionais. Portanto, observamos suas variações em cada unidade federativa nacional. Conferir à língua de sinais o estatuto de língua não tem apenas repercussões linguísticas e cognitivas, tem repercussões também sociais. Ser normal implica ter língua, e se a anormalidade é a ausência de língua e de tudo o que ela representa (comunicação, pensamento, aprendizagem etc.), a partir do momento em que se configura a língua de sinais como língua do surdo, o estatuto do que é normal também muda. Ou seja, a língua de sinais acaba por oferecer uma possibilidade de legitimação do surdo como “sujeito de linguagem”. Ela é capaz de transformar a “anormalidade” em diferença, em normalidade. Assim, a Libras se apresenta como um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Está no “olho do furacão” das discussões educacionais e sociais para a legitimação da comunidade surda. Devido a um processo de lutas pela conquista dos múltiplos direitos da comunidade surda, a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – foi reconhecida no Brasil, amparada pela Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Esta conquista evidenciou a participação efetiva das pessoas surdas nos espaços de cidadania como escola, sociedade, igrejas e outros, resultando como principal indicativo de independência. A perspectiva inclusiva da educação também contribuiu para o reconhecimento da importância da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS no âmbito escolar. A conquista da disciplina nas Universidades e Faculdades mediante a Lei, regulamentada pelo Decreto nº 5.626, foi uma grande abertura para os estudos sobre surdez. Conforme Skliar (2010, p. 52): A língua de sinais constitui o elemento identificatório dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade significa que compartilham e conhecem os usos e normas de uso da mesma língua, já que interagem cotidianamente em um processo comunicativo eficaz e eficiente. Isto é, desenvolveram as competências linguísticas e comunicativa - e cognitiva - por meio do uso da língua de sinais própria de cada comunidade de surdos. Contudo, a comunidade surda é considerada uma minoria linguística dentro de um país onde a grande maioria dos cidadãos faz uso de uma língua oral, 18 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN a Língua Portuguesa. Assim, na qualidade de minoria linguística, reivindicam o reconhecimento oficial da LIBRAS como um direito, justificado pela denúncia da não comunicação entre surdos e ouvintes, pois os ouvintes não são fluentes em LIBRAS e os surdos não são fluentes em Língua Portuguesa, seja oral ou escrita. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos: Conforme Quadros (2009, p. 10-11), outros aspectos da Declaração são observados: a) Todos os seres humanos têm direito de identificarem-se com uma língua materna e de serem aceitos e respeitados por isso. b) Todos têm o direito de aprender a língua materna completamente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente possível) e escrita (pressupondo que a minoria linguística seja educada na sua língua materna). c) Todos têm o direito de usar sua língua materna em todas as situações oficiais (inclusive na escola). d) Qualquer mudança que ocorra na língua materna deve ser voluntária e nunca imposta. A LIBRAS é a língua de sinais que se constituiu naturalmente na comunidade surda brasileira. O Surdo, como usuário natural da língua, deve estar presente na comunidade, escola, universidades, no trabalho, para que todos possam identificar-se positivamente e desenvolver a utilização da língua de sinais da forma mais natural possível. As festas, os jogos, os campeonatos, as sedes organizadas por surdos são formas de interação social e linguística, que garantirão a formação Artigo 1.º 1. Esta Declaração entende por comunidade linguística toda a sociedade humana que, radicada historicamente num determinado espaço territorial, reconhecido ou não, se identifica como povo e desenvolveu uma língua comum como meio de comunicação natural e de coesão cultural entre os seus membros. A denominação língua própria de um território refere-se ao idioma da comunidade historicamente estabelecida neste espaço. 2. Esta Declaração parte do princípio de que os direitos linguísticos são simultaneamente individuais e colectivos, e adopta como referência da plenitude dos direitos linguísticos, o caso de uma comunidade linguística histórica no respectivo espaço territorial, entendendo-se este não apenas como a área geográfica onde esta comunidade vive, mas também como um espaço social e funcional indispensável ao pleno desenvolvimento da língua. É com base nesta premissa que se podem estabelecer, em termos de uma progressão ou continuidade, os direitos que correspondem aos grupos linguísticos mencionados no ponto 5 deste artigo e os das pessoas que vivem fora do território da sua comunidade (Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, 1996, p. 4). 19 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN da comunidade surda brasileira com uma língua própria (QUADROS, 2009, p. 11). Sabemos que, por força de lei, a LIBRAS é reconhecida no Brasil, porém, acontece a efetiva comunicação com seus contemporâneos? Aos surdos é dado todo o tipo de informação às quais tem direito? Na língua natural à que tem direito? As comunidades surdas, muitas vezes, encontram-se alheias às realidades da atividade social, por não serem atendidos de acordo com suas necessidades e não terem efetivados seus direitos à informação, a inclusão social, e consequentemente, à prática do ensino, mas, algumas comunidades surdas e seus familiares, continuam unidos lutando por uma boa educação. Dentre as várias modificações e questionamentos que a sociedade tem experimentado, mediante as discussões contemporâneas e tendo a educação dos surdos como alvo, a importância da LIBRAS e a diferença se apresentam em destaque diante das afirmações e reconstruções sociais vigentes. Isto porque excluir a língua e as emoções da comunidade surda é mostrar que a inclusão às vezes está embasada em muitos preconceitos relativos à comunidade surda. O estereótipo da comunidade surda começa dentro da própria família, que não quer a surdez daquela criança e a encaminha para uma escola, para que ela seja incluída junto de crianças ouvintes.Conforme cita BOTELHO. (2002, p.26): O estigma e o preconceito fazem parte do nosso mundo mental e atitudinal, tendo em vista que pertencemos a categorias - mulheres, negros, analfabetos, políticos, professores, judeus, velhos, repetentes na escola, pós-graduados, estrangeiros, desempregados - que são recebidas com pouca ou muita ressalva por um grupo determinado. Não importa a qual grupo pertençamos, mas sim a qual queremos pertencer, e é direito de cada indivíduo escolher o lugar na sociedade a que melhor se adapte.). Deduzimos, então, que o sujeito surdo tem o direito de escolher seu lugar social e como se dará esta interação/comunicação com os demais cidadãos brasileiros. A comunicação é um fator de interação onde predomina a língua, no caso da comunidade surda, a língua de sinais. É através da língua que trocamos ideias relacionamo-nos um com outro, a partir disso quebramos barreiras e solidificamos a inclusão. Portanto, falar com as mãos identifica o ser Surdo e aprender uma língua de sinais e, através dela, aprender conceitos e significados, demonstra um indivíduo que percebeo mundo, principalmente, pela visão, mesmo vivenciando as experiências em um universo de sons e oralidade. Isso é o que os torna diferentes e não necessariamente deficientes (Felipe, 2007, p. 110). Voltamos, assim, à nossa fala inicial sobre diferença cultural e de 20 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN constituição de identidade, fechando um ciclo coeso entre cultura, identidade e diferença: o sujeito surdo se constitui através de experiências visuais, por meio da língua de sinais (LIBRAS), adotando um paradigma de vida conforme suas diferenças. Como cidadãos sociais, aspirantes a uma sociedade inclusiva, precisamos nos atentar para a importância do reconhecimento e difusão da LIBRAS em nosso país, afinal, conforme cita (Amaral,1993,p.27): [...] a dificuldade de ser surdo numa sociedade que teima em generalizar os seus próprios padrões a todos sem o respeito e a atenção devidos à diferença. E a diferença entre um surdo e um ouvinte reside tão só na ausência ou existência do sentido da audição, respectivamente; e desta pequena diferença resulta que os que são surdos não ouvem, logo não têm acesso à língua oral; se quisermos especificar melhor acrescentaremos que a língua oral não pode ser a língua natural do surdo profundo porque a privação ou danificação do órgão da audição não lhe permite a apreensão. Seção 1 – Na primeira seção fizemos a leitura sobre as concepções que existiam, desde a Antiguidade, sobre a surdez. O entendimento da sociedade sobre o que era o ser surdo, a crença de que havia necessidade de cura para um corpo defeituoso adotando, assim, uma visão clínico-terapêutica. O preconceito, os maus tratos e a desconsideração como ser humano até a idade Contemporânea. Vimos o contexto de opressão, molde dos primeiros passos para uma educação de surdos através das instituições religiosas e clérigos, onde destacamos as figuras de Pedro Ponce de Léon e Michel de L’Epéé. Na idade Moderna, a divulgação de pesquisas e o envolvimento da esfera universitária, o pensamento começou a mudar: o surdo passaria a ser visto como um sujeito social, fomentando, assim, uma mudança de concepção: visão sócio-antropológica da surdez. Seção 2 – O contato com os termos que estão definindo os estudos sobre surdez, nos dias atuais. Cultura, Identidade e Diferença, conceitos delineadores da política voltada ao atendimento das pessoas surdas brasileiras e defendidos pela comunidade surda como meio de reconhecimento social. Seção 3 – Aprendemos sobre o significados da LIBRAS e suas implicações como língua natural dos surdos. O reconhecimento da LIBRAS no Brasil, lei Chegamos ao fim de nossa primeira aula! Que tal relembrarmos alguns pontos principais? 21 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN nº 10.436/2002, através dos movimentos e da luta engajada das comunidades surdas. Apesar da força da lei e dos direitos linguísticos, os problemas atitudinais da sociedade estão refletindo no processo de inclusão e escolarização do sujeito surdo. É necessária a reflexão sobre a construção de uma sociedade que tenha uma cultura de aceitação às diferenças, contribuindo para o desenvolvimento pleno e democrático do cidadão surdo. Indicação de leitura complementar: Livros QUADROS, Ronice. Educação de surdos: a aquisição da linguagem, Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. SKLIAR, Carlos. A Surdez – Um Olhar Sobre as Diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2010. Site Declaração dos Direitos Linguísticos. Disponível em: http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/legislacao/declaracao_universal_ direitos_linguisticos.pdf Referências Bibliográficas AMARAL, M. A. Refletindo sobre a Reabilitação de Surdos. Integrar, n. 2, Set. 93. Lisboa: IEFP/SNR , 1993. PERLIN, G. T. T. Identidades surdas. In: SKLIAR, C. (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. SANTANA, A. P; BERGAMO , A. Cultura e identidade surdas: encruzilhada de lutas sociais e teóricas. Disponível em: <http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/ midiateca_artigos/cultura_identidades_surdas/cultura_identidade_surdas.pdf> Acesso em: 29 abr. 2012. QUADROS, R. M. de. Políticas lingüísticas e educação de surdos. In: V Congresso Internacional e XI Seminário Nacional do INES, 2006, Rio de Janeiro. Anais do Congresso: Surdez, família, linguagem e educação, v.1. p.94 – 102. Rio de Janeiro: INES, 2007. SASSAKI, R. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 22 Libras - Marlene Paula Piovezani - UNIGRAN LANE, Harlan & Franklin PHILIP. The Deaf Experience – classics in language and education. Cambridge: Harvard University Press, 1984. STROBEL, K. L. Surdos: Vestígios culturais não registrados na História. UFSC: Florianópolis, 2008. 176 p. PERLIN, G. A cultura surda e os intérpretes da língua de sinais ILS. Disponível em <http://www.cultura-sorda.eu/resources/A+CULTURA+SURDA+E+OS+INT $C3$89RPRETES+DE+L$C3$8DNGUA+DE+SINAIS.pdf> Acesso em: 29 abr. 2012. SKLIAR, C. A Surdez – Um Olhar Sobre as Diferenças. Mediação: Porto Alegre, 2001. STROBEL, K. As Imagens do Outro Sobre a Cultura Surda. UFSC: Florianópolis, 2008. PADDEN, C.; HUMPHRIES, T. Deaf in America: voices from a culture. Cambridge: Harvard University Press, 1988. PERLIN, G. STRBEL, K. Fundamentos da Educação de Surdos. Disponível em: <http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/prelogin/adl/fb/logs/ Arquivos/textos/fundamentos/Fundamentos%20da%20Educa%E7%E3o%20 de%20Surdos_Texto-Base.pdf> Acesso em: 29 abr. 2012. BOTELHO, P. Linguagem e Letramento na Educação dos Surdos: ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. FELIPE, T. A. LIBRAS em contexto: Curso básico: Livro do estudante. 8ª ed. Rio de Janeiro: WalPrint, 2007. QUADROS, R. M. Exame Prolibras . UFSC: Florianópolis, 2009. p. 85. 23
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