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teoria do campo cristalino

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O ÍON LANTANÍDEO EM UM AMBIENTE QUÍMICO 
 
 Podemos encontrar na literatura diferentes maneiras de se referir à chamada teoria 
do campo ligante. Alguns autores consideram essa teoria como um intermediário entre a 
teoria do campo cristalino, que teve suas bases lançadas com o conhecido modelo das 
cargas pontuais introduzido por Bethe (1929), e a teoria dos orbitais moleculares. Outros 
autores chegam a considerá-la como uma aplicação da teoria dos orbitais moleculares aos 
compostos com elementos d e f. 
 A teoria dos orbitais moleculares nos permite compreender, pelo menos 
qualitativamente, a formação de ligações químicas e de estados moleculares que 
justifiquem, do ponto de vista energético, a existência de compostos de íons lantanídeos 
com números de coordenação que podem variar entre 6 e 9, geralmente. Por outro lado, tem 
sido constatado que cálculos detalhados de orbitais moleculares envolvendo orbitais 4f são 
de enorme complexidade. Por essa razão, e também pelo fato da interação dos orbitais 4f 
com o ambiente químico ser muito fraca, a teoria do campo cristalino e a teoria do campo 
ligante têm sido adotadas na descrição das propriedades espectroscópicas desses 
compostos. A mistura de orbitais dos ligantes com orbitais do íon lantanídeo é muito 
pequena. A figura X abaixo mostra um diagrama simplificado de orbitais moleculares que 
esquematiza este fato. 
 
 
 Fig. X 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4f
5d
6s
ligantes
Os orbitais moleculares 
M
 são praticamente orbitais 4f puros, localizados no íon 
lantanídeo, enquanto que os orbitais moleculares 
L
 são essencialmente orbitais das 
espécies ligantes. Propositadamente indicamos na Fig. X a participação (pequena) dos 
orbitais 5d e 6s na composição dos orbitais moleculares 
M
. Em particular a participação 
dos orbitais 5d, que só é permitida quando a simetria em torno do íon lantanídeo não 
apresenta centro de inversão, corresponde a uma mistura do tipo f-d, a qual faz com que os 
orbitais 
M
 deixem de ter uma paridade bem definida. Como veremos mais adiante, este é 
um dos pontos essenciais na teoria das intensidades espectrais 4f - 4f. Contudo, pelas razões 
mencionadas acima, essa mistura não será tratada do ponto de vista da teoria dos orbitais 
moleculares, mas à luz da teoria do campo ligante. 
 
O campo cristalino: o modelo eletrostático 
 
 A teoria do campo cristalino, baseada no modelo eletrostático, tem sido utilizada há 
bastante tempo por ser mais simples, mais prática e, apenas sob certos aspectos, bem 
sucedida. Ela consiste em considerar os ligantes como fonte de um potencial eletrostático 
produzido por cargas ou dipolos que modificam (distorcem) os orbitais do íon central. 
Neste modelo ignora-se a existência de ligação química, no sentido de considerá-la como 
sendo 100% iônica. As cargas, ou dipolos, são colocados nas posições dos átomos nas 
vizinhanças do íon central. 
 Podemos esquematizar a formação de um composto do tipo [MLn]
z-nq
, onde M
z+
 é o 
íon central e L
-q
 são os ligantes, da seguinte maneira: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Fig X 
 
 O esquema acima, que pode ser qualitativamente descrito através do modelo 
eletrostático, indica dois aspectos relevantes. O primeiro é que a entalpia de formação do 
composto [MLn]
z-nq, ∆Hf, é largamente dominada pelas componentes esféricas do campo 
cristalino. O segundo é que apenas as componentes não esféricas do campo cristalino 
produzem desdobramentos de níveis de energia na estrutura eletrônica do íon central M
z+
 
(no modelo eletrostático os ligantes são cargas ou dipolos, e, portanto, não possuem 
estrutura eletrônica). Do ponto de vista termoquímico, as componentes esféricas do campo 
cristalino são as mais importantes. Por outro lado, do ponto de vista espectroscópico, as 
componentes não esféricas é que interessam. São elas que podem ser medidas 
espectroscopicamente, pois na espectroscopia medimos diferenças entre níveis de energia, e 
como as componentes esféricas mudam os níveis de energia igualmente não podem ser 
medidas por este caminho. Podem ser medidas, entretanto, termoquimicamente. Como as 
M
z+
 + nL
-q
 
abaixamento 
energético 
devido à 
atração 
coulombiana 
entre M
z+
 e 
nL
-q 
repulsão entre as 
nuvens eletrônicas 
de M
z+
 e nL
-q 
[MLn]
z-nq 
desdobramentos de 
níveis de energia 
E 
N
E 
R 
G 
 I 
A 
componentes 
esféricas do 
campo 
cristalino 
componentes 
não esféricas 
do campo 
cristalino 
∆Hf 
componentes (esféricas e não esféricas) do campo cristalino são independentes entre si, 
desdobramentos grandes de níveis de energia não implicam necessariamente em compostos 
quimicamente muito estáveis, e vice-versa. 
 No modelo eletrostático das cargas pontuais o hamiltoniano de interação entre os 
ligantes e o íon central é dado por 
 
 



j,i ji
j
j j
j
CC
Rr
eq
R
zq
H 
 (1) 
 
onde os vetores posição dos elétrons do íon central, 
ir

 , e das cargas pontuais que 
representam os ligantes, 
jR
 , são mostrados na figura X1 abaixo 
 
 Fig. X1 
 
O primeiro termo no lado direito da Eq.(1) corresponde à parcela atrativa (componente 
esférica) do hamiltoniano, enquanto que o segundo termo corresponde à parcela repulsiva, a 
qual possui uma componente também esférica e componentes não esféricas. As 
componentes esféricas e não esféricas da parcela repulsiva tornam-se explícitas quando 
utilizamos o teorema da adição para os harmônicos esféricos apresentado na Eq. ( ) da 
seção .....do capítulo 1, isto é, 
 
 
)(Y)(Y
r
r
1k2
4
Rr
1
iq,kjq,k1k
k
q,kji














 (2) 
 
A componente esférica corresponde ao termo com k = 0 que é simplesmente 
r1
, visto que 
 41)(Y 0,0
. A componente não esférica corresponde à soma dos termos com k > 0. 
 No caso dos compostos com íons lantanídeos, dado o fato de que os orbitais 4f são 
contraídos e têm uma extensão radial da ordem de 1Ǻ, justifica-se considerar 
irr 
. 
Colocando-se o harmônico esférico 
)(Y iq,k 
em termos do operador tensorial irredutível 
)(C i
)k(
q 
, definido na Eq........, o hamiltoniano HCC pode ser escrito na seguinte forma 
 
 
 
i,q,k
i
)k(
q
k
i
k
qCC )(CrH
 (3) 
 
onde 
 
 
1k
j
jq,k
j
j
2
2
1
k
q
R
)(Y
ge
1k2
4

 








 
 (4) 
 
 Na Eq.(4) as cargas qj da Eq.(1) foram substituídas por múltiplos, ou frações, da 
carga eletrônica (módulo), gje . Embora tenha sido obtida a partir de um modelo 
extremamente simplificado (o modelo das cargas pontuais), como veremos mais adiante, a 
forma da Eq.(3) tem um caráter muito mais geral. É interessante notar que cada termo nesta 
equação é um produto de uma quantidade que depende só da vizinhança química, 
k
q
, por 
uma função (operador) que depende só do íon central, 
)(Cr i
)k(
q
k
i 
. Todas as informações 
sobre a simetria em torno do íon central estão devidamente contidas na soma sobre j na 
Eq.(4). Conhecendo-se a estrutura cristalográfica do composto, donde se obtém as 
coordenadas angulares 
),( jjj 
e as distâncias Rj, as quantidades 
k
q
podem ser 
calculadas. 
 A matriz que representa o hamiltoniano HCC com relação a uma dada base de 
estados, {
A
}, de uma configuração eletrônica 4f
N
(indicada por A) é constituída por 
elementosde matriz dados por: 
 
  AUAfCff4rf4A))(Cr(AAHA )k(q)k(k
q,k
k
qi
)k(
q
i
k
i
q,k
k
qCC
 
(5) 
 
onde o operador tensorial irredutível unitário 
)k(
qU
 foi definido na Eq. ..... do capítulo....e o 
elemento de matriz reduzido 
fCf )k(
foi definido na Eq. ... do capítulo 1. Na Eq.(5) é 
considerado que a parte radial dos estados 
A
é a mesma para os N elétrons da 
configuração 4f
N
, e a quantidade
f4rf4 k
(= 
kr
) representa o valor esperado radial 4f 
de r
k
; o asterisco em A no lado direito da Eq.(5) indica que a parte radial 4f foi extraída. 
 Examinando-se as regras de triangularidade contidas no elemento de matriz 
reduzido 
fCf )k(
conclui-se que o posto k deve ser um número par e menor ou igual a 6, 
visto que f = 3. O valor k = 0, como vimos mais acima, corresponde a uma componente 
esférica do hamiltoniano HCC e, portanto, não contribui para desdobramentos de níveis de 
energia. Assim, do ponto de vista de quebra de degenerescência (desdobramento de níveis), 
só os valores k = 2, 4 e 6 interessam. Neste caso HCC é comumente escrito na seguinte 
forma 
 
 
)(CBH i
)k(
q
i,q,k
k
qCC 
 (6) 
 
onde 
 
 
k
q
kk
q rB 
 (7) 
 
 Para um dado valor do posto k, nem todos os valores de q ( = -k, -k+1, ..., 0, ..., k-1, 
k) são permitidos. A simetria em torno do íon central, expressa na soma sobre j na Eq.(4), é 
que vai definir os seus possíveis valores. Em outras palavras, de acordo com a simetria, 
para alguns valores de q a soma sobre j na Eq.(4) se anula. As restrições impostas pela 
simetria podem também atuar sobre os valores do posto k. Assim, por exemplo, numa 
simetria octaédrica regular o valor k = 2 não é permitido; a soma sobre j se anula para os 
cinco valores de q (-2, -1, 0, 1 e 2). A Tabela X, originalmente formulada por Prather 
(Prather 19...), mostra os 
k
q
 permitidos em diversos grupos pontuais de simetria, incluindo-
se valores ímpares de k. Note que apenas os valores de q ≥ 0 são indicados, tendo em vista 
a relação 

 
k
q
qk
q )1(
que vem das propriedades dos harmônicos esféricos. 
 
 Tabela X 
 
 A tabela (XX) mostra a forma da Eq.(6) para vários grupos pontuais. 
 
 
 
 A Eq.(6) é conhecida como a formulação de Wybourne (Wybourne, 1963) para o 
hamiltoniano do campo cristalino. As quantidades 
k
qB
, conhecidas como parâmetros do 
campo cristalino, podem ser obtidas experimentalmente ajustando-se os seus valores a fim 
de reproduzir, da melhor forma possível, desdobramentos de níveis de energia observados 
espectroscopicamente. Neste caso elas são também conhecidas como parâmetros 
fenomenológicos do campo cristalino.,, Cálculos teóricos dos 
sBkq
 através do modelo das 
cargas pontuais levam sistematicamente a discrepâncias consideráveis com relação aos 
respectivos valores fenomenológicos, o que, na realidade, é esperado, tendo em vista as 
premissas extremamente simplificadoras do modelo, nas quais se ignora a existência de 
ligação química. Uma análise sistemática dessas discrepâncias mostra que, em geral, os 
)pontuaisasargc(sBkq
são superestimados por um fator próximo de 2, para k = 2, e 
subestimados por um fator que varia entre 5 e 10 para k = 6. A título de exemplo, a Tabela 
X abaixo mostra os valores dos 
sBkq
 para o composto X. 
 
 Tabela X 
 
Correções eletrostáticas ao modelo das cargas pontuais 
 
 No modelo das cargas pontuais a soma em j na Eq.(4) pode ser estendida aos assim 
chamados segundos vizinhos (segunda esfera de coordenação), terceiros vizinhos (terceira 
esfera de coordenação), etc. Entretanto, cálculos em sistemas cristalinos inorgânicos 
levando em consideração cargas pontuais num raio de até 100Å (Faucher, Morrison) não se 
mostraram eficazes em resolver as discrepâncias entre os 
sBkq
(cargas pontuais) e os 
sBkq
determinados experimentalmente (fenomenológicos). 
 Outras contribuições eletrostáticas do tipo dipolos pontuais, quadrupolos pontuais, 
etc, foram examinadas detalhadamente a partir de estruturas cristalográficas (Faucher, 
Morrison). Para o caso de dipolos pontuais a contribuição para os 
sBkq
 tem a seguinte 
forma: 
 
)j(
R
)(Y
q
1k
qq
1k
)]1k2)(1k(4[)1(reB
2
1
21
2
q2k
j
jq,1k
q,q,j 12
2
1
qkkk
q 













 (8) 
 
onde 
)j(
2q

 é uma componente esférica (
2q
= -1, 0, 1 ) do dipolo pontual, situado na 
posição 
jR
 , o qual é dado por 
jj E)j(


, onde 
jE
 é o campo elétrico produzido pelas 
cargas e dipolos pontuais vizinhos ao sítio j e 
j
 é a polarizabilidade dipolar do íon situado 
neste sítio. A tabela X abaixo mostra valores das contribuições eletrostáticas para fins 
comparativos com valores experimentais. Esses valores ilustram o fato de que as 
contribuições adicionais devido a dipolos pontuais, quadrupolos pontuais, etc., também não 
resolvem as discrepâncias acima mencionadas. Há inclusive situações em que a série 
multipolar elétrica parece não ser convergente (Morrison). O cálculo dessas contribuições é 
de considerável complexidade computacional. 
 
 Tabela X 
 
Efeitos de blindagem e de expansão radial no modelo eletrostático 
 
Com base em argumentos nos quais as integrais radiais 
kr
 do íon livre se 
modificam na presença de um ambiente químico e, como mencionado na seção X do 
capítulo X, os orbitais 4f sofrem um forte efeito de blindagem provocado pelas subcamadas 
5s e 5p mais externas preenchidas, Karayanis e Morrison ( ) propuseram uma abordagem 
empírica na qual os 
sBkq
 são expressos da seguinte maneira: 
 
k
qk
kk
q B
)1(
B



(cargas pontuais) (9) 
 
onde as quantidades 
k
 são os fatores de blindagem produzida pelas subcamadas 5s e 5p 
preenchidas e τ é um parâmetro ajustável, com a finalidade de simular a modificação das 
integrais radiais do íon livre num ambiente químico, tal que: 
 
 
livreíon
k
k
k r
1
r


 (10) 
 
Além disso, Karayanis e Morrison consideram dois parâmetros adicionais. Um deles é a 
carga, q , sobre os íons (de mesma natureza) na primeira vizinhança do íon central, e o 
outro é um parâmetro, η , que mede um ligeiro deslocamento dessa carga com relação à sua 
posição cristalográfica original. Com esta abordagem empírica é possível reproduzir de 
modo satisfatório os 
sBkq
 fenomenológicos, embora o seu embasamento físico não seja 
muito claro. 
 Vale notar que, quanto aos efeitos de blindagem, a forma 
)1( k
ocorre somente do 
ponto de vista do modelo puramente eletrostático (valores de 
k
 serão discutidos mais 
adiante). Quando efeitos de ligação química são levados em consideração, incorpora-se 
naturalmente o fato das subcamadas 5s e 5p serem mais externas que a subcamada 4f. Isto, 
obviamente, está diretamente relacionado com os valores pequenos de integrais de 
recobrimento entre orbitais 4f e orbitais das camadas de valência dos átomos (íons) 
ligantes. 
 
 
A teoria do campo ligante: efeitos de ligação química 
 
 Os primeiros trabalhos com uma abordagem mais voltada para a teoria dos orbitais 
moleculares em compostos com íons lantanídeos surgiram na década de 1950 ( Burns, Axe 
et al). De modo geral, essa abordagem tem como ponto de partida as premissas básicas da 
teoria dos orbitais moleculares: 
1) O hamiltoniano efetivo monoeletrônico corresponde a um campo médio visto por cada 
elétron,devido aos outros elétrons e aos núcleos no complexo íon lantanídeo + ligantes. 
2) Dada a simetria do complexo, os orbitais do íon central e dos ligantes se transformam 
segundo as representações irredutíveis do grupo pontual do complexo de modo bem 
definido. 
3) Combinam-se orbitais do íon central e dos ligantes que pertencem à mesma 
representação irredutível. Esses orbitais são representados por: 
 
M
, que é um orbital do íon central dado por uma combinação linear apropriada de 
funções hidrogenóides 
)(Y)r(R m,,n 
da camada de valência, tal que 
1MM 
, e 
 
L
, que é uma combinação linear apropriada de orbitais das camadas de valência 
dos ligantes, tal que 
1LL 
. 
 O hamiltoniano do sistema é separado em três parcelas: 
 
 
)ML(H)L(H)M(HH 
 (11) 
 
A primeira delas é localizada no íon central, a segunda nos ligantes e a terceira corresponde 
à interação entre eles. Considerando interação de apenas um tipo (, , etc) as autofunções 
do sistema íon lantanídeo + ligantes são escritas na seguinte forma: 
 
 
LbMa 
 
(12) 
 
o que leva ao determinante secular 
 
 
0
)EH()ESH(
)ESH()EH(
LLLMLM
MLMLMM


 (13) 
 
cujas raízes são 
 
 
)S1(2/
/)]HHH)(S1(4)SH2HH[()SH2HH(E
2
ML
2/12
MLLLMM
2
ML
2
MLMLLLMMMLMLLLMM


 (14) 
onde 
LMSML 
 é a integral de recobrimento, na qual, como já mencionado acima, a 
autofunção 
L
 é dada por uma combinação linear apropriada, isto é, adaptada à simetria, 
de orbitais de valência dos ligantes. Em geral, para interações do tipo  a energia média que 
corresponde à autofunção 
L
 é mais baixa que a energia da subcamada 4f, de modo que, 
em termos de um diagrama simples de orbitais moleculares, essas duas raízes podem ser 
mostradas esquematicamente como na figura abaixo. 
Qualitativamente, este diagrama mostra que, para interação do tipo , os orbitais 4f 
adquirem uma característica ligeiramente antiligante . 
M
L
 
E+ 
E- 
Fig. X 
 
HMM - HLL 
 A chamada aproximação de Wolfsberg-Helmholz [X], originalmente utilizada no 
caso de compostos com metais de transição, consiste em expressar o elemento de matriz 
não diagonal, HML, da seguinte forma: 
 
 
MLLLMMML S)HH(
2
k
H 
 (15) 
 
onde a constante k tem valor próximo de 2. Esta aproximação, embora deva ser considerada 
com certo cuidado, tem se mostrado muito útil, principalmente quanto aos aspectos 
qualitativos da teoria dos orbitais moleculares aplicada aos compostos com íons dos blocos 
d e f. Quando utilizada na Eq.(14), com a constante k = 2, ela leva à seguinte expressão 
aproximada para a quantidade  mostrada na Figura X : 
 
 
2
ML
LLMM
2
LL
MM S
)HH(
H
HE

 

 (16) 
 
O aspecto qualitativo mais relevante na Eq.(16) acima é mostrar que o caráter ligeiramente 
antiligante (), adquirido pelos orbitais 4f, é, de modo aproximado, diretamente 
proporcional ao quadrado da integral de recobrimento. 
 
O modelo do recobrimento angular 
 
 As considerações acima constituem o ponto de partida do modelo do recobrimento 
angular (AOM, do acrônimo em inglês “Angular Overlap Model”) desenvolvido por 
Jørgensen, Pappalardo e Schmidtke, em 1962, para efeitos de campo ligante em compostos 
com íons lantanídeos. No AOM a autofunção 

m
m mf4cM
 é colocada como um 
produto de uma função angular por uma função radial, da seguinte forma: 
 
 
)r(R)(ANMM 
 (17) 
 
onde NM é o fator de normalização. A autofunção 
L
 é, em geral, escrita como 
 
 
i
N
1i
iL b  

 (18) 
 
onde N é o número de átomos, ou íons, que constituem a primeira esfera de coordenação e 
os ’s são os seus orbitais de valência. Os coeficientes na combinação linear na Eq.(18) são 
tais que a função
L
é adaptada à simetria (J.C. Eisenstein, 1956). No AOM considera-se 
que 
 
 
)r,r(F)(b ii
N
1i
iL  

 (19) 
 
A função delta na Eq.(19) implica em considerar a densidade eletrônica de cada átomo ou 
íon ligante apenas na direção da ligação íon lantanídeo-átomo ligante. Assim, a integral de 
recobrimento SML tem a seguinte forma: 
 
 
drr)r,r(F)r(R)(AbNS 2ii
N
1i
iMML  

 (20) 
 
 Se for possível considerar que as distribuições radiais das espécies ligantes são 
aproximadamente iguais (
))r,r(F)r,r(F ji 
, pode-se colocar o recobrimento SML na 
seguinte forma: 
 
 
 MLML SS
 (21) 
 
onde 
 
 



N
1i
iiM )(AbN
 (22) 
 
e 
 
 
drr)r(F)r(RS 2ML 

 (23) 
 
 O caráter antiligante adquirido pelos orbitais 4f é então expresso da seguinte 
maneira: 
 
 
  2
 (24) 
 
onde 
 
 
2
ML
LLMM
2
LL )S(
)HH(
H 


 (25) 
 
 Considerando-se a função angular A() como a parte angular hidrogenóide das 
funções 4f, a quantidade  na Eq.(22) pode ser calculada sem maiores problemas. O 
mesmo, porém, não é verdade no caso da quantidade 

 dada pela Eq.(22), principalmente 
devido aos erros inerentes à aproximação de Wolfsberg-Helmholz, assim como devido à 
dificuldade na obtenção de valores aceitáveis dos elementos de matriz diagonais HMM e 
HLL. Por essa razão, tem sido comum se tratar no AOM a quantidade  como um 
parâmetro ajustável a dados experimentais. Por exemplo, no caso do desdobramento de 
orbitais d em uma simetria octaédrica (Oh) obtém-se a relação direta  2Dq10 , como 
ilustra a figura abaixo. Conhecendo-se o 10Dq experimental, pode-se determinar 

. 
 
 
 A forma do hamiltoniano do campo cristalino dada pela Eq.(6) não é restrita ao 
modelo das cargas pontuais. Como veremos mais , qualquer descrição dos efeitos da 
vizinhança química sobre a subcamada 4f pode ser colocada na forma da Eq.(6). Sendo 
esta uma forma mais geral, os parâmetros 
k
qB
 neste hamiltoniano podem ser expressos 
como função do  dado pela Eq.(24). Quando efeitos de ligação química são levados em 
consideração, é comum referir-se aos 
k
qB
’s como parâmetros do campo ligante, e ao 
hamiltoniano como hamiltoniano do campo ligante, HCL. 
 
Parametrização do campo ligante no AOM 
 
 Tem sido comum no AOM se utilizar o parâmetro eo definido pela relação 
 
 eo =  )12(  (26) 
 
onde 

 é o momento angular orbital monoeletrônico ( 
3
 para os íons lantanídeos). 
Pode-se também incluir efeitos de ligação ,  etc, através dos seguintes parâmetros 
(JØrgensen 1970): 
 
 

  Ee )1()12(2 
 (27) 
 
d 
t2g 
eg 
 2Dq10
 
Figura XX 
para o caso de interações do tipo , e 
 
 

  Ee )2)(1()1)(12(
2
1

 (28) 
 
para o caso de interações do tipo . As quantidades 

E
 e 

E
 são os equivalentes da 
quantidade 

. 
 A partir do fato de que a forma da Eq.(6) é uma forma geral e impondo-se certas 
relações entre a dependência radial dos 
sBkq
e os parâmetros definidos nas equações (26-
28), pode-se mostrar que os parâmetros de campo ligante 
k
qB
(AOM) são dados por (Kibler, 
): 
 
 
)j(I)(Y
1k2
4
B kjq,k
2
1
j
k
q 







 
 (29) 
 
ondeIk(j) = 
)()(, jeak

 
 (30) 
 
sendo o coeficiente 
)(, ka
dado por: 
 
 













 
000
)12/(
0
)12()1()(,




kk
kak
 (31) 
 
 Nas equações (30) e (31) o índice 
2,1,0 
 para interações do tipo ,  e , 
respectivamente, com os parâmetros 
  ee 1
 e 
  ee 2
 para cada par íon lantanídeo-átomo 
ligante. Desta forma se estabelece uma relação biunívoca entre os 
sBkq
 e os parâmetros 
e
. 
Esta relação, embora seja imposta, é interessante na medida em que o caráter antiligante 
adquirido pelos orbitais 4f não pode ser determinado experimentalmente de modo direto, 
devido ao fato de que os desdobramentos de níveis de energia observados numa 
configuração 4f
N
, na presença de um ambiente químico, são desdobramentos dos estados 
2S+1
LJ (mesmo para N = 1), levando-se em conta a interação spin-órbita no íon livre, e não 
desdobramentos dos orbitais 4f diretamente. Quando os ligantes são de mesma natureza e 
as distâncias íon central-átomo ligante não são muito diferentes, é comum considerar 
)()( jeje  
, o que reduz consideravelmente o número de parâmetros a serem tratados 
fenomenologicamente. 
 
O modelo da superposição 
 
 A forma da Eq.(29), na realidade, já havia sido utilizada por Newman (1971) no 
chamado modelo da superposição, no qual o campoconsiderado uma soma (superposição) 
de potenciais 32 (os 
)R(B jk
 estão relacionados com os 
)R(A jk
, definidos originalmente 
por Newman e X (1971), através de fatores numéricos (Newman e Ng (1999), Linares ( )) 
3Para efeito comparativo d, 
 
O modelo simples de recobrimento 
 
 O modelo simples de recobrimento (SOM, do acrônimo em inglês "Simple Overlap 
Model"), introduzido em 1982 (Malta, ), tem como ponto de partida as seguintes 
premissas: 
1) A energia potencial dos elétrons 4f, devido à presença de um ambiente químico, é 
produzida por cargas uniformemente distribuídas em pequenas regiões centradas em torno 
da meia distância entre o íon central e cada ligante. 
2) A carga em cada região é dada por 
jjeg 
, onde ρj é a integral de recobrimento entre os 
orbitais 4f e a camada de valência do átomo (íon) ligante j, e gj é um fator de carga 
(análogo do gj na Eq.(4)). 
 A figura (X) abaixo esquematiza essas premissas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Fig. (X) 
 
 
 
 Dessa forma, o hamiltoniano do campo ligante é dado por: 
 
 




j,i jji
j
2
j
CL
)2/R(r
eg
H 
 (34) 
 
 Usando-se o teorema da adição para harmônicos esféricos, a Eq.(34) é colocada na 
seguinte forma: 
 
 
)(C)(Y
r
r
g
1k2
4
eH i
)k(
qjq,k1k
k
jj
2
1
j,i,q,k
2
CL 







 



 (35) 
 
M 
ligante 
L 
L 
L 
íon 
central 
ir
 
 -ge 
jj 2/R 

 
onde 
 rer
 representam, respectivamente, o menor e o maior entre 
jji 2/Rer 
. A fração 
j
leva em conta as situações em que o baricentro da região de recobrimento está mais 
deslocado para o lado do átomo (íon) ligante ou para o lado do íon central, e é 
aproximadamente dada por (Malta,1982): 
 
 
j
j
1
1


 (36) 
 
onde o sinal (+) se aplica quando o raio do íon central é maior que o raio do átomo (íon) 
ligante, e o sinal (-) se aplica no caso contrário. A definição desses raios é um tanto 
arbitrária. Como se trata do recobrimento entre camadas de valência é razoável considera-
los como sendo os raios dados pelo mapeamento de densidade eletrônica. Porém, para 
efeito de se considerar o sinal (+) ou (-) na Eq.(36) a definição de raio iônico pode 
perfeitamente ser aplicada. Como o recobrimento
j
para íons lantanídeos é muito pequeno, 
a fração 
j
tem valor próximo de 1. 
 O valor esperado da parte radial do hamiltoniano HCL é dado por: 
 
 
drr
r
1
rdrrr
r
1
f4
r
r
f4 22f4
r
1k
k
0
2
r
0
2
f4
k
1k
0
1k
k
0
0
 




 (37) 
 
onde 
jj0 2/Rr 
e 
f4
é a função de onda radial dos elétrons 4f. Como a densidade 
eletrônica 
2
f4
tem valores significativos só para r < 
0r
, pode-se considerar que: 
 
 
k
0
1k
0
22
f4
k
1k
0
1k
k
r
r
1
drrr
r
1
f4
r
r
f4 



 
 (38) 
 
Assim, os parâmetros do campo ligante são dados por: 
 
 
1k
j
jq,k1k
jj
j
j
2
1
k2k
q
R
)(Y
)2(g
1k2
4
reB












 
 (39) 
 
 Comparando a Eq.(39) acima com a Eq.(29), a função 
)j(Ik
dada pelo SOM tem a 
seguinte forma: 
 
 
1k
j
1k
j
jj
k2
k
R
)2(
gre)j(I



 (40) 
 
Essa equação vale também para os parâmetros intrínsecos, 
)R(B jk
, do modelo da 
superposição (Eq.(32)). 
 Diferentes formas analíticas podem ser consideradas para as integrais de 
recobrimento 
j
. Faucher e Garcia ( ), por exemplo, consideram formas exponenciais 
ajustadas a valores calculados de integrais de recobrimento entre orbitais 4f e subcamadas 
ns e np dos átomos (íons) ligantes. A forma que tem sido comumente utilizada no SOM é 
(Malta, Couto): 
 
 5.3
j
min
0j
R
R









 (41) 
 
onde 
05.00 
e 
minR
 é a menor das distâncias 
jR
. Valores de 
j
dados pela Eq.(41) 
encontram-se em bom acordo com valores calculados por Faucher e Garcia ( ). 
 Um aspecto interessante na Eq.(39) pode ser analisado considerando-se que as 
distâncias 
jR
são aproximadamente iguais. Neste caso tem-se que: 
 
 
k
q
1kk
q B)2()SOM(B

(cargas pontuais) (42) 
 
Considerando-se 
05.0
e 
1
, o fator 
1k)2( 
tem os seguintes valores típicos: 0.4 (k = 
2), 1.6 (k = 4) e 6.4 (k = 6). Esses valores evoluem exatamente no sentido requerido para 
corrigir as discrepâncias entre valores de 
sBkq
dados pelo modelo das cargas pontuais e 
valores experimentais, como mencionado mais acima. Dessa forma, pode-se relacionar, de 
modo aproximado, os 
sBkq
dados pelo SOM com aqueles dados pela abordagem de 
Karayanis e Morrison (Eq.(X)) desde que a seguinte relação seja estabelecida: 
 
 
1k
k
k )2(
)1( 


 (43) 
 
 As premissas do modelo simples de recobrimento equivalem a considerar o campo 
ligante como um potencial de contato na região de recobrimento entre os orbitais 4f e as 
camadas de valência dos átomos (íons) ligantes. Neste modelo os fatores de carga gj não 
são necessariamente iguais às respectivas valências dos átomos (íons) ligantes, como 
mostraremos um pouco mais adiante. Um outro aspecto a ser notado é que, em princípio, o 
SOM não é um modelo paramétrico; os 
sBkq
podem ser calculados de forma não empírica, a 
partir da Eq.(39), com baixíssimo custo computacional e resultados satisfatórios. 
 
Cálculos CLOA 
 
 Como mencionado no início deste capítulo, a realização de cálculos de orbitais 
moleculares envolvendo íons lantanídeos é de grande complexidade computacional. Um 
outro aspecto a ser considerado é que num cálculo deste tipo, em princípio, as energias e 
funções de onda que se obtém são monoeletrônicas e, portanto, não representam 
desdobramentosdos estados 
2S+1
LJ desses íons. Contudo, uma correlação entre as energias 
monoeletrônicas e os desdobramentos dos estados 
2S+1
LJ pode ser obtida através do 
hamiltoniano na Eq.(6) impondo-se certas relações envolvendo a parte radial dos 
parâmetros 
sBkq
, tal como foi feito nas Eqs.(29-31) para o AOM, por exemplo. 
 Cálculos extensos e detalhados de parâmetros do campo ligante (
sBkq
) utilizando 
uma metodologia baseada na combinação linear de orbitais atômicos (CLOA) foram 
realizados por Newman et al, no final da década de 1960 ( ), e por Faucher e Garcia ( ) 
em meados da década de 1980. Nessa metodologia, esses autores identificam diversas 
contribuições aos 
sBkq
, nas quais são consideradas a contribuição do modelo eletrostático e 
contribuições devido a efeitos de ligação química. Os resultados são considerados 
satisfatórios, especialmente quando comparados com os resultados dados pelo modelo 
puramente eletrostático, porém, à custa de um nível de complexidade computacional 
elevado, mesmo com os recursos computacionais disponíveis hoje em dia. Possivelmente, o 
aspecto mais interessante desses cálculos é mostrar, de forma quantitativa, a importância 
dos efeitos de ligação química. Alguns cálculos mais recentes de desdobramentos dos 
estados 
2S+1
LJ a partir de métodos químico-quânticos bem mais sofisticados foram 
realizados em sistemas moleculares mais simples com íons lantanídeos (Zerner, Dolg, 
Longo). Contudo, não se pode concluir que esses cálculos levem a resultados visivelmente 
melhores que os resultados obtidos a partir da teoria do campo ligante; sem contar com a 
alta relação custo computacional/benefício inerentes a tais cálculos.

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