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No momento histórico em que Beccaria contextualiza sua obra Dos Delitos e das Penas, durante a segunda metade do século XVIII, a Europa estava imersa em profundas transformações de ordem política, econômica e social. Monarquias absolutistas e constitucionais deram lugar às rudimentares formas de Estado estamental rural da idade média. Os centros urbanos destes nascentes Estados, com suas relações e fluxos de ordem social e econômica levaram a um maior grau de complexidade das relações entre privados e dos privados para com o Estado. Beccaria coloca que as leis e instruções normativas que regiam a previsão e execução de penas não acompanharam este fenômeno. Beccaria sustenta em seu livro que este arcabouço legal, herança dos idos da idade média, não se mostrava adequado a esta realidade; diante da irregularidade processual e desproporcionalidade de penas bárbaras. Numa sociedade de complexas relações entre privados e economia monetarizada, não seria aceitável que matérias eminentemente civis, como questões comerciais, tivessem o mesmo trato dos crimes que afrontavam à segurança e a ordem pública, com sanções ineficazes. O autor também trás toda uma discussão a cerca do direito de punir, da aplicabilidade de penas às diferentes modalidades de crimes, da banalização da pena capital e de sua real utilidade, pois banal perderia a presteza do exemplo. Beccaria também questiona o instrumento da tortura no trâmite processual e a repercussão, em forma ampla, das penas sobre os costumes da sociedade. O direito de punir, segundo Beccaria, é legitimo para proteger ao conjunto de liberdades renunciadas pelos homens, na composição do Estado, contra as usurpações de particulares, pois o homem tem a si inerente uma perigosa tendência despótica que ameaça à coletividade, logo a pena se mostra necessária à manutenção de padrões estáveis de conduta, comprimindo este espírito despótico e evitando o retorno ao primitivo estado de caos. A atribuição de penas a cada delito deve se dar por meio das leis penais, que devem ser fruto do parlamento, figura que representa o pacto estabelecido no contrato social, sustenta Beccaria. O magistrado, mesmo valendo-se do pretexto de resguardar o bem público, não pode sentenciar um cidadão a uma pena maior que o legalmente previsto. O Estado, indissociável ou não da figura de seu soberano, adquire dos privados o delito e assume o papel de primeiro sujeito passivo do crime, em conflito com o acusado que rompeu o “contrato social”. Caberia ao magistrado a resolução do conflito pelo proferimento de uma sentença livre de apelos tendenciosos e que limite a pronunciar se houve um delito ou não. Como sujeito passivo, o Estado passa a se favorecer das reparações financeiras pagas pelos condenados. A lei penal executada no rigor do expressamente previsto, além de romper com a insegurança jurídica e com as abomináveis práticas arbitrárias medievais, traria um avanço no sentido de que o cidadão teria ciência exata dos inconvenientes de uma ação reprovável, desencorajando-o de cometer a transgressão. Beccaria defende que a lei deve estabelecer a sorte de indícios de delito válidos, tanto como os caracterizar de forma estável, evitando-se assim eventuais arbitrariedades do magistrado. O mesmo também sugere que quanto mais numerosas e independentes forem as provas, mais provável será o delito, pois a falsidade de uma das provas não comprometeria as demais. A confiança creditada às testemunhas deve ser proporcional ao ódio ou amizade que mantém em relação ao acusado e do nível de ligação de relacionamentos que possam ter com o dito. Depoimentos na condição de testemunho secreto revelam debilidades do Estado, este inapto em proteger a testemunha ou meio deste meio Estado de fabricar calúnias contra aqueles que o tirano julgar pertinente, na “legalidade” do sigilo. Beccaria conduz critica ao método de interrogatórios sugestivos, pois induz o acusado à autoacusação e cercear suas chances de defesa, este mesmo instituto traz o emprego da tortura física, que explora a fraqueza humana de padecer perante a dor visando à obtenção de falsas confissões.
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