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Gisele Mano e Lucianna Schmitt Disciplina Saúde Coletiva 03 Sumário CapítuLo 2 – Disciplina Saúde Coletiva ...................................................................................... 05 2.1 Informação em saúde: fundamentos, ferramentas e os sistemas de informação ........... 05 2.1.1 Reflexão sobre a expressão informação em saúde ................................................. 06 2.1.2 o que são sistemas de informação? ............................................................................ 10 2.1.3 Quais são os principais sistemas de informação no sistema de saúde brasileiro? .12 2.2 Indicadores e situação de saúde: contexto nacional e internacionalInovações de marketing compreendem mudanças substanciais no design do produto, mas não alteram as características funcionais ou de uso do produto. ..................................................................... 14 2.2.1 Situação de saúde no Brasil .......................................................................................... 18 2.3 Vigilância em saúde e epidemiologia dos serviços de saúde brasileiros ..................... 19 2.3.1 Vigilância epidemiológica ............................................................................................. 21 2.3.2 Propósito e funções da vigilância epidemiológica .................................................... 21 2.3.3 Vigilância sanitária.......................................................................................................... 22 2.3.4 Qual o campo de abrangência da vigilância sanitária? ......................................... 23 2.3.4.1 Bens e serviços de saúde ................................................................................. 23 2.3.4.2 Meio ambiente ................................................................................................... 24 2.4 Determinantes sociais da saúde .............................................................................................. 24 2.4.1 Dahlgren e Whitehead: influências em camadas ...................................................... 28 2.4.2 Diderichsen et al.: estratificação social e produção de doenças ........................... 29 2.4.3 Mackenbach et al.: seleção e causa ............................................................................ 30 2.4.4 Brunner, Marmot e Wilkinson: múltiplas influências no decorrer da vida ............. 31 2.4.5 Determinantes de saúde no Brasil ............................................................................... 31 05 Introdução A informação é instrumento essencial para a tomada de decisões e, segundo o Ministério da Saúde1, é o esteio para a gestão dos serviços de saúde, pois orienta a implantação, o acompanhamento e a avaliação dos modelos de atenção à saúde e das ações de prevenção e controle de doenças. São também de interesse dados/informações produzidas extrassetorialmente, cabendo aos gestores do sistema a articulação com os diversos órgãos que os produzem, de modo a complementar e estabelecer um fluxo regular de informação em cada nível do setor de saúde2. 2.1 Informação em saúde: fundamentos, ferramentas e os sistemas de informação Sobre: perfil da população (de que adoece e morre dados demográficos e socioeconômicos); serviços prestados; materiais e medicamentos consumidos; força de trabalho envolvida. Para conhecer: necessidades da população atendida; uso potencial e real da rede instalada; investimentos necessários. A fim de: planejar, controlar e avaliar as ações e serviços de saúde. 1 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – 7. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009. 2 BRANCO, M. A. F. Informação e Saúde: uma Ciência e suas Políticas em uma Nova Era. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. Capítulo 2Disciplina Saúde Coletiva 06 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informação informaçãoinformação Segundo o dicionário Houaiss3, o termo informação, tem, entre outros conceitos, os seguintes: • comunicação ou recepção de um conhecimento ou juízo; • conhecimento obtido por meio de investigação ou instrução; esclarecimento, explicação, indicação, comunicação, informe; • acontecimento ou fato de interesse geral tornado do conhecimento público ao ser divulgado pelos meios de comunicação; notícia; • conjunto de atividades que têm por objetivo a coleta, o tratamento e a difusão de notícias junto ao público; e • conjunto de conhecimentos reunidos sobre determinado assunto. Além desses, na rubrica informática encontramos: mensagem suscetível de ser tratada pelos meios informáticos; conteúdo dessa mensagem; interpretação ou significado dos dados; e, ainda, produto do processamento de dados. Quanto à etimologia, o termo informação origina-se do latim informationis, que significa “ação de formar, de fazer, fabricação; esboço, desenho, plano; ideia, concepção; formação, forma” (Houaiss, 2008). Portanto, é intrínseco à informação o potencial de fabricação, desenho (projeto) ou concepção de algo. Sobre esse aspecto, serão discutidas algumas considerações na sequência. 2.1.1 Reflexão sobre a expressão informação em saúde Para demarcar o início do uso do termo informação no campo da saúde, devemos relembrar o ressurgimento dos estudos em epidemiologia no seu momento de maior intensidade, pois é nesse momento – a partir do século XIX – que aumenta a necessidade de comunicar questões relacionadas à saúde das populações. Sendo uma grande alavanca para a disseminação das informações em saúde. Quase que concomitantemente, a estatística do final do século XIX e início do século XX, inspiradora de estudiosos como Bentham, Price, Laplace, Galton (Rosen, 3 HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. Disponível em: www.houaiss.uol.com.br/busca.jhtm 07 1994)4, pode ser vista, também, como um ponto de partida importante para a geração de informações em saúde de forma agregada e preditiva. Deste momento em diante, podemos relatar as primeiras peças da informação em saúde, compostas pelas estatísticas vitais, pelas tábuas de sobrevida, enfim, por instrumentos de predição e inferência de estados de saúde a partir do status atual de um grupo de pessoas em determinado contexto de saúde. No correr da história, numerosos desdobramentos para a expressão informação em saúde transformaram-se, praticamente, em subáreas distintas e dirigidas, principalmente, a subsidiar não apenas a população em geral, mas também gestores da área saúde: Sobre: perfil da população (de que adoece e morre dados demográficos e socioeconômicos); serviços prestados; materiais e medicamentos consumidos; força de trabalho envolvida. Para conhecer: necessidades da população atendida; uso potencial e real da rede instalada; investimentos necessários. A fim de: planejar, controlar e avaliar as ações e serviços de saúde. Como marcos históricos, tem-se, no século XVII, na alemanha, o surgimento da chamada ‘topografia política ou uma descrição das condições atuais do país’, proposta por Leibniz, em cuja descrição deveriam constar: o número de cidades (maiores e menores) e de aldeias; a população total e a área do país em acres; a enumeração de soldados, mercadores, artesãos e diaristas; as informações sobreas relações entre os ofícios; o número de mortes e das causas de morte (Rosen, 1980)5. Em decorrência dessa e de outras ações semelhantes, surgiram os inquéritos de morbidade e as estatísticas dos serviços de saúde. Na gênese da vigilância epidemiológica, é inegável a influência de Farr, que realizou atividades de coleta, processamento e análise de dados e sua divulgação para as autoridades sanitárias. Também devemos relatar o célebre estudo sobre a cólera realizado por Snow. É impossível negar o uso das informações em saúde constantes nos mapas de ponto e no raciocínio epidemiológico no controle dessa doença já no século XIX5. 4 ROSEN, G. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 1994. 5 ROSEN, G. Da polícia médica à medicina social: ensaios sobre a história da assistência médica. Tradução de Ângela Loureiro de Souza. Rio de Janeiro: Graal, 1980. 08 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities John Snow demonstrou que o cólera era causado pelo consumo de águas contaminadas com matérias fecais ao comprovar que os casos dessa doença se agrupavam nas zonas onde a água consumida estava contaminada com fezes, na cidade de Londres no ano de 1854. Nesse ano, cartografou, num plano do distrito do Soho, os poços de água, localizando como culpado o poço existente em Broad Street, em pleno coração da epidemia. Snow recomendou que a comunidade o fechasse. A partir disso, foram diminuindo os casos da doença. Esse episódio é considerado um dos exemplos mais precoces no uso do método geográfico para a descrição de casos de uma epidemia. O trabalho realizado por John Snow, na Inglaterra, ajudou a romper com os paradigmas existentes em uma época em que ainda predominava uma forte crença na teoria miasmática da doença, também denominada “teoria anticontagionista”. Mais ainda, Snow sentou as bases teórico-metodológicas do “método epidemiológico”, o qual tem sido utilizado através da história tanto para a investigação das causas como para a solução das fontes de todas as doenças transmissíveis. Mais recentemente, tem-se usado esse método para a investigação de todos os problemas de saúde e doença que afetem as comunidades humanas5. Destaca-se também a importância do papel fundamental do desenvolvimento das ciências da computação, no século XX, e, portanto, da informática como instrumental necessário e multiplicador tanto das metodologias estatísticas quanto das informações em saúde. Ressalte- se, ainda, que esse desenvolvimento tecnológico tem papel crucial em inovações intrínsecas à área da saúde, como: • a disseminação e facilitação da acessibilidade às bases de dados em saúde; • o surgimento e a propagação da informática médica; • a concepção e a implementação do prontuário eletrônico do paciente; entre outros. A expressão informação em saúde, nos tempos atuais, abrange vários outros termos e múltiplas dimensões, podendo ser tomada, portanto, por uma teoria. Para Moraes6, de forma esquemática, existe a possibilidade de observar a informação em saúde como subsídio para o próprio setor de saúde: na administração; na assistência; no controle e avaliação; no orçamento e finanças; no planejamento; nos recursos humanos; na regulação; na saúde suplementar; no geoprocessamento em saúde; e na vigilância (epidemiológica, sanitária, ambiental). Em consequência disso, por considerarmos que muitos não resistem à tentação de trabalhar de forma reducionista, dado o caráter multidimensional da expressão, torna-se imprescindível dizer, para reforçar o conceito de informação em saúde aqui ancorado, que ele não é: • Mera transformação, por meio do processamento de dados, do dado registrado em informação em saúde. 6 MoRaES, I. H. S. & GoMEZ, M. N. G. Informação e informática em saúde: caleidoscópio contemporâneo da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, pp. 553-565, 2007. 09 • Disseminação e/ou construção indiscriminada de sistemas de informações em saúde. • Banco de dados de um determinado sistema em saúde. • Conjunto de indicadores em saúde de determinada região, população ou doença. • Aparato informático que produz informação. • Conjunto de relatórios gerados a partir de uma miríade de sistemas de informações construídos sobre uma lógica fragmentada. NÃo DEIXE DE LER Retomando o que foi mencionado anteriormente, apesar de estar intrínseco à informação seu potencial de fabricação, desenho (projeto) ou concepção, a informação em saúde, por si só, não tem significado quando em uma ilha. Informação em saúde apartada de uma política na- cional de informação e de uma informática na saúde que primem pelo controle social e pela utilização ética e fidedigna de dados produzidos com qualidade, seja em relação ao cidadão, seja em relação aos gestores da área saúde, não é mais do que um mote, uma expressão vazia. E, se assim o for, ela servirá tanto para a produção de informações importantes e per- tinentes quanto, também, para a disseminação de equívocos e de produtos de manipulação indevida dos dados em saúde.. De toda forma, mesmo tendo em mente que informação em saúde não é um (nem todos) sistema(s) de informação(ões) em saúde, muito menos um constructo dependente exclusiva e diretamente da informática, vale historiar sucintamente a composição dos Sistemas de Informação em Saúde de Base Nacional, em nosso país, atualmente sediados no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), uma vez que são incontestáveis mananciais de informações em saúde. Segundo Camargo Jr. et al.7 (2007), os avanços significativos na implantação dos Sistemas de Informações em Saúde de Base Nacional, ocorridos principalmente na década de 1990, são o marco inicial de composição desses sistemas o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), criado em 1975, bem como a criação do Grupo Técnico de Informação em Saúde, em 1986. Além disso, destacam-se os avanços na implantação e no acesso a bancos de dados nacionais com informações sobre nascimentos, óbitos, doenças de notificação, atenção básica, imunizações, produção de procedimentos ambulatoriais, atendimento de alto custo, hospitalizações, estabelecimentos de saúde e orçamentos públicos. Na geração dos indicadores em saúde deve ser destacada, também, a maior acessibilidade às informações oriundas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)8 referentes a variáveis demográficas e socioeconômicas coletadas e processadas. Outras informações produzidas em setores do governo, como benefícios da previdência social e sistemas específicos implantados nos níveis estadual e municipal, afetas à área da saúde, foram também disponibilizadas. 7 CAMARGO Jr.; KR, COELI; CM, MORENO. AB. Informação e Avaliação em Saúde. In: MATTA, G. C. & PONTES, A.L. de. Políticas de saúde: a organização e a operacionalização do sistema único de saúde. Rio de Janeiro: EPSJV / Fiocruz, 2007, pp.251-266. 8 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa por Amostra de Domicílios – acesso e utilização de serviços de saúde. Brasília: IBGE, Ministério da Saúde, 2003. 10 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities Importante considerar, no Brasil, o acesso às bases de dados oriundas do sistema de saúde complementar que começam a ser disponibilizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)9. Essas informações são de suma importância para a análise das condições de saúde da população que não utiliza, exclusivamente ou não, o Sistema Único de Saúde (SUS). Assim sendo, mesmo considerando que existem problemas referentes à cobertura dos sistemas, à qualidade dosdados e à ausência de variáveis importantes para as análises e/ou construção de indicadores em saúde, esses bancos de dados representam fontes importantes que podem ser utilizadas rotineiramente em estudos epidemiológicos, na vigilância em saúde, na pesquisa e na avaliação de programas e serviços de saúde. NÃo DEIXE DE VER... Cabe mencionar os desafios atuais voltados para a concepção e a produção de protocolos que garantam a confidencialidade dos dados em nível individual. Esse é um novo nó górdio no jogo de forças entre o uso das informações em saúde para a produção de meios e insumos voltados à melhoria da qualidade de vida das populações e para a exposição indevida de dados confidenciais e, portanto, resguardados pela ética em saúde. 2.1.2 o que são sistemas de informação? Os Sistemas de Informação em Saúde (SIS) são um conjunto de mecanismos de coleta, processamento e armazenamento de dados que visa à produção e à transmissão de informações para a tomada de decisões sobre as ações a serem realizadas, avaliando os resultados da sua execução e o impacto provocado na situação de saúde10. São várias as finalidades de um SIS, entre elas a de produzir informações compatíveis com as necessidades dos diferentes níveis, contemplando especificidades locais e garantindo uma avaliação permanente das ações executadas e do impacto sobre a situação de saúde. Como em qualquer outra atividade, no setor de saúde a informação deve ser entendida como um redutor de incertezas, um instrumento para detectar focos prioritários, levando a um planejamento responsável e à execução de ações que condicionem a realidade às transformações necessárias. AVALIAR EXECUTAR PLANEJAR 9 ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. ANS Tabnet – Informações em Saúde Suplementar. http://www.ans. gov.br/portal/site/informacoesss/informacoesss.asp(acesso em 22/05/2017). 10 CAMARGO Jr.; K. R. & COELI; C. M. Sistemas de informação e banco de dados em saúde: uma introdução. Rio de Janeiro: IMS, Uerj, 2000. (Série Estudos em Saúde Coletiva). 11 Planejamento é um processo de tomada de decisões que, com base na situação atual, visa à determinação de providências a tomar objetivando atingir uma situação futura desejada. SITUAÇÃO ATUAL SITUAÇÃO FUTURA PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO A Organização Mundial da Saúde (OMS) define Sistema de Informação em Saúde (SIS) como um mecanismo de coleta, processamento, análise e transmissão da informação necessária para planejar, organizar, operar e avaliar os serviços de saúde. Considera-se que a transformação de um dado em informação exige, além da análise, a divulgação e, inclusive, recomendações para a ação. No novo modelo de assistência à saúde, é preciso reverter a atual situação de centralização de dados, de limitação do seu uso, da demora com que são analisados e que retornam para o nível local, idealizando um novo sistema em que os dados passem a ser analisados no próprio município, gerando, de forma oportuna, subsídios para o planejamento e para as ações em saúde, bem como ações para a melhoria da qualidade dos dados. Conhecer os passos de cada uma das etapas de um sistema de informações é fundamental para garantir não só a fidedignidade das bases de dados, mas também a sua permanência e a sua plena utilização. A figura a seguir permite a visualização dessas etapas11. 11 Troccoli FT. Sistemas de informação. In: Ibañez, N, Elias, PEM, Seixas PHA (org.). Políticas e gestão pública em Saúde. São Paulo: Hucitec; 2011. pp. 407-445. 12 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities COLETA PROCESSAMENTO DECISÃO E CONTROLE Origem e registros dos dados Ordenamento dos documentos da coleta Controle da quantidade e do conteúdo Transmissão Recebimento e controle (avaliação) Pedido de informação adicional Codificação Digitação e crítica Análise preliminar dos dados Comparação com parâmetros Identificação e análise das discrepâncias Opções de decisão Classificação e tabulação Controle de erros e inconsistências Cálculos básicos Apresentação Fonte: MoRaES, 1994. 2.1.3 Quais são os principais sistemas de informação no sistema de saúde brasileiro? São vários os sistemas de informação disponíveis no SuS que fornecem dados para a análise epidemiológica. Alguns são de base populacional, ou seja, propõem-se a contemplar todos os eventos daquela natureza existentes na população, como: • Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). • Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). • Sistema de Informação de Agravos sob Notificação (Sinan). Outros sistemas compõem grandes bases de dados nacionais, que podem ser utilizadas na produção de informações. São eles: 13 • Sistema de Informações Hospitalares (SIH) SUS: registros de internações hospitalares no SuS. • Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) SUS e seu subsistema de registro de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (Apac) – procedimentos ambulatoriais. Há ainda outros sistemas, alguns com menor cobertura nacional, que abordam grupos de agravos e situações específicas, tais como: • Comunicação de Internação Hospitalar (CIH): internações hospitalares, independentemente de vínculo com o SuS. • Sistema de Informação de Avaliação do Programa de Imunizações (API). • Sistema de Informações das Atividades de Vigilância e Controle de Aedes aegypti (SISAEDES): vigilância e controle do mosquito transmissor da dengue e da febre amarela. • Sistema de Informações e Vigilância de Agravos Nutricionais (SISVAN). • Sistema de Informações do Programa de Humanização do Pré-Natal e Parto (Sisprenatal): cadastro de gestantes e acompanhamento do pré-natal. • Sistema de Informações da Atenção Básica (Siab): cadastro e acompanhamento da atenção no Programa de Saúde da Família (PSF). • Sistema de Informações do Câncer na Mulher (Siscam). • Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (Hiperdia). • Registro de Câncer de Base Populacional (RCBP). a informação é elemento-chave para o uso da epidemiologia nos serviços de saúde. No processo de trabalho de produção da informação, o dado é a matéria-prima, e a informação é o produto. O profissional de saúde, com um objetivo em mente, vai organizar, tabular e analisar os dados, utilizando conceitos, indicadores, técnicas e métodos para a obtenção da informação. Portanto, a informação tem um referencial explicativo que está ausente no dado. Ela é uma representação da realidade, e no percurso entre o dado e a informação existe sempre um sujeito, individual ou coletivo, que dá sentido ao dado, transformando-o em informação. Dessa forma, nos serviços de saúde são profissionais de saúde e usuários que dão sentido à informação, a qual é uma representação da realidade para eles. Segue a seguir um quadro adaptado, no qual se relaciona os SIS com os principais dados coletados e apresenta-se o fluxo do processamento desses dados e a sua utilização para os profissionais de saúde nos serviços de saúde. 14 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities Relação SIS com os principais dados coletados Sistemas Eventos Intrumento de coleta Fluxo Usos (alguns) SIM Óbito Declaraçãode óbito Estudos de mortalidade, vigilância de óbitos (infantil, materno, etc.) SINASC Nascido vivo Declaração denascido vivo Monitoramento da saúde da criança, vigilância à criança de risco SINAN Agravos sobnotificação FInotificação e FIInvestigação Acompanhamento dos agravos sob notificação, surtos, epidemias, etc. SIH Informaçãohospitalar AIH Cartório SMS Regional SES Morbilidade hospitalar, gestão hospitalar, custeio da atenção hospitalar SAIProdução ambulatorial (agregado) BPA Acompanhamento da produção ambulatorial, gestão ambulatorial, custeio da atenção ambulatorial OUTROS API, SISVAN, SIAB, ATC. 2.2 Indicadores e situação de saúde: contexto nacional e internacionalInovações de marketing compreendem mudanças substanciais no design do produto, mas não alteram as características funcionais ou de uso do produto. Alguma vez você já recebeu alguma informação e teve dúvidas sobre a veracidade dela? Com frequência, recebemos informações que, ao serem checadas, revelam-se não ser verdadeiras ou ser apenas parte da informação. Ao trabalhar com informação em saúde é necessário ter co- nhecimento sobre indicadores de saúde, sua qualidade metodológica e origem dos dados. Para compreender isso, é necessário recordar alguns conceitos-chave de epidemiologia. 15 VaMoS RELEMBRaR... Prevalência: é o número total de casos de uma doença, novos e antigos, existentes num determinado local e período. O coeficiente de prevalência é mais utilizado para doenças crônicas de longa duração, como hanseníase, tuberculose, AIDS e diabetes. Incidência: é o número de casos novos dessa doença que iniciou no mesmo local ou período. Traz a ideia de intensidade com que acontece uma doença numa população e mede a frequência ou probabilidade de ocorrência de casos novos da doença na população. Alta incidência significa alto risco coletivo de adoecer. Morbidade: são medidas utilizadas para descrever e analisar uma situação existente, avaliar o cumprimento dos objetivos, das metas e suas mudanças ao longo do tempo, além de prever tendências futuras. No contexto da produção de informação em saúde no Brasil, estão envolvidos diferentes setores, como a saúde, a educação, a pesquisa e a gestão financeira. O advento da internet facilitou enormemente o acesso a dados e relatórios emitidos por diferentes instituições. Um conjunto de indicadores espelha a situação de saúde de uma população e serve como base para a vigilância em saúde. Os indicadores de saúde são base para analisar a situação de saúde da população e para permitir um planejamento estratégico eficaz e eficiente, além de permitir acompanhar o desenvolvimento das ações para sua efetividade. Indicadores de saúde São medidas que contêm informação relevante sintetizada sobre o estado de saúde e o desempenho de saúde. Com frequência são taxas, coeficientes, proporções, razões ou índices. A utilização de indicadores de saúde envolve grande trabalho para que a qualidade do dado se reflita nos resultados obtidos, isto é, faz-se necessário investir em sistemas de informação, treinamento de recursos humanos, bons instrumentos de coleta e armazenamento de dados. A seguir, estão alguns conceitos que são necessários na elaboração de um indicador. 16 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities Quadro 1: Atributos necessários aos indicadores de saúde Atributo Validade Confiabilidade Sensibilidade Especificidade Mensurabilidade Relevância Custo-efetividade Acessibilidade Capacidade de medir o que se pretende. Reproduzir os mesmos resultados quando aplicado em condições similares. Capacidade de detectar determinado acontecimento/fenômeno em saúde. Capacidade de detectar somente o acontecimento estudado. Isto é, serve especificamente para aquele desfecho. É elaborado a partir de dados disponíveis e de fácil acesso. Responde a questões de saúde necessárias de serem estudadas. O resultado justifica o investimento feito. É claro, de fácil compreensão, facilmente analisável. Fonte: Rede Interagencial de Informação para a Saúde (RIPSA), 2008. Os indicadores produzidos sobre a população brasileira são pesquisados pelo Ministério da Saúde, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Quadro 2: Os indicadores produzidos sobre a população brasileira População Total Razão de Sexos Taxa de Crescimento da População Taxa Bruta de Natalidade Taxa Bruta de Mortalidade Indicador Definição Uso Limitações Observações Número total de pessoas residentes e sua estrutura relativa em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Servir como base para cálculo de taxas sobre total populacional. Contribuir para o planejamento, a gestão e a avaliação de políticas públicas relacionadas à saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social, para os diversos segmentos de idade. Orientar a alocação de recursos públicos como, por exemplo, financiamento de serviços em base per capita. Eventuais falhas de cobertura na coleta direta de dados demográficos. Imprecisões inerentes à metodologia utilizada na elaboração de estimativas e projeções demográficas para períodos intercensitários. Imprecisões na declaração de idade por parte dos entrevistados nos levantamentos estatísticos. Projeções demográficas perdem a precisão à medida que se distanciam do ano de partida utilizado no cálculo. Estimativas para um determinado ano estão sujeitas a correções decorrentes de novas informações demográficas. Publicado pelo IBGE através do Censo Demográfico, Projeções Populacionais. Censo Demográfico, previsto para ser realizado a cada 10 anos. Os três últimos censos foram realizados em 1980, 1991 e 2000. Projeções demográficas. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil e das Unidades da Federação: 1980-2020. Estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD). Número de homens para cada grupo de 100 mulheres na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Expressa a relação quantitativa entre os sexos. Se igual a 100, o número de homens e de mulheres se equivalem; se acima de 100, há predominância de homens; se abaixo de 100, há predominância de mulheres. O indicador é influenciado por taxas de migração e de mortalidade diferenciadas por sexo e idade. Percentual de incremento médio anual da população residente em determinado espaço geográfico, no período considerado. O valor da taxa refere-se à média anual obtida para um período de anos compreendido entre dois momentos, em geral correspondentes aos censos demográficos. Indica o ritmo de crescimento populacional. A taxa é influenciada pela dinâmica da natalidade, da mortalidade e das migrações. Analisar variações geográficas e temporais do crescimento populacional. Realizar estimativas e projeções populacionais, para períodos curtos. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas específicas (dimensionamento da rede física, previsão de recursos, atualização de metas). Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas à coleta de dados demográficos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. A utilização da taxa em projeções populacionais para anos distantes do último censo demográfico pode não refletir alterações recentes da dinâmica demográfica. Essa possibilidade tende a ser maior em populações pequenas. Censo Demográfico, previsto para ser realizado a cada 10 anos. Os três últimos censos foram realizados em 1980, 1991 e 2000. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil e das Unidades da Federação: 1980-2020. Número de nascidos vivos, por mil habitantes, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. As taxas brutas de natalidade padronizadas por uma estrutura de população padrão permitem a comparação temporal e entre regiões. Taxas elevadas estão associadas a condições socioeconômicas precárias e a aspectosculturais da população. Analisar variações geográficas e temporais da natalidade. Possibilitar o cálculo do crescimento vegetativo ou natural da população, subtraindo-se, da taxa bruta de natalidade, a taxa bruta de mortalidade. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas relacionadas à atenção materno-infantil. Devido à subenumeração de nascidos vivos, o uso de dados derivados de sistemas de registro contínuo está condicionado a correções, frequente em áreas menos desenvolvidas. As projeções demográficas perdem precisão à medida que se distanciam dos anos de partida das projeções. Divulgado pelo IBGE, Ministério da Saúde – Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC). Número total de óbitos, por mil habitantes, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Analisar variações geográficas e temporais da mortalidade. Possibilitar o cálculo do crescimento vegetativo ou natural da população, subtraindo-se, da taxa bruta de natalidade, a taxa bruta de mortalidade. Contribuir para estimar o componente migratório da variação demográfica, correlacionando-se o crescimento vegetativo com o crescimento total da população. O uso de dados de mortalidade derivados de sistemas de registro contínuo está condicionado a correções, devido à subEnumeração de óbitos, frequente em áreas menos desenvolvidas. Como a taxa é fortemente influenciada pela estrutura etária da população, a análise comparada entre populações de composição distinta exige padronização das estruturas etárias. Divulgado pelo IBGE, Ministério da Saúde – Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Analisar variações geográficas e temporais na distribuição da população por sexo. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança e emprego. Auxiliar na compreensão de fenômenos sociais relacionados a essa distribuição (migrações, mercado de trabalho, organização familiar, morbi-mortalidade). Identificar necessidades de estudos de gênero sobre os fatores condicionantes das variações encontradas. 17 População Total Razão de Sexos Taxa de Crescimento da População Taxa Bruta de Natalidade Taxa Bruta de Mortalidade Indicador Definição Uso Limitações Observações Número total de pessoas residentes e sua estrutura relativa em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Servir como base para cálculo de taxas sobre total populacional. Contribuir para o planejamento, a gestão e a avaliação de políticas públicas relacionadas à saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social, para os diversos segmentos de idade. Orientar a alocação de recursos públicos como, por exemplo, financiamento de serviços em base per capita. Eventuais falhas de cobertura na coleta direta de dados demográficos. Imprecisões inerentes à metodologia utilizada na elaboração de estimativas e projeções demográficas para períodos intercensitários. Imprecisões na declaração de idade por parte dos entrevistados nos levantamentos estatísticos. Projeções demográficas perdem a precisão à medida que se distanciam do ano de partida utilizado no cálculo. Estimativas para um determinado ano estão sujeitas a correções decorrentes de novas informações demográficas. Publicado pelo IBGE através do Censo Demográfico, Projeções Populacionais. Censo Demográfico, previsto para ser realizado a cada 10 anos. Os três últimos censos foram realizados em 1980, 1991 e 2000. Projeções demográficas. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil e das Unidades da Federação: 1980-2020. Estimativas a partir de pesquisas amostrais (PNAD). Número de homens para cada grupo de 100 mulheres na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Expressa a relação quantitativa entre os sexos. Se igual a 100, o número de homens e de mulheres se equivalem; se acima de 100, há predominância de homens; se abaixo de 100, há predominância de mulheres. O indicador é influenciado por taxas de migração e de mortalidade diferenciadas por sexo e idade. Percentual de incremento médio anual da população residente em determinado espaço geográfico, no período considerado. O valor da taxa refere-se à média anual obtida para um período de anos compreendido entre dois momentos, em geral correspondentes aos censos demográficos. Indica o ritmo de crescimento populacional. A taxa é influenciada pela dinâmica da natalidade, da mortalidade e das migrações. Analisar variações geográficas e temporais do crescimento populacional. Realizar estimativas e projeções populacionais, para períodos curtos. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas específicas (dimensionamento da rede física, previsão de recursos, atualização de metas). Imprecisões da base de dados utilizada para o cálculo do indicador, relacionadas à coleta de dados demográficos ou à metodologia empregada para elaborar estimativas e projeções populacionais. A utilização da taxa em projeções populacionais para anos distantes do último censo demográfico pode não refletir alterações recentes da dinâmica demográfica. Essa possibilidade tende a ser maior em populações pequenas. Censo Demográfico, previsto para ser realizado a cada 10 anos. Os três últimos censos foram realizados em 1980, 1991 e 2000. Estimativas anuais e mensais da população do Brasil e das Unidades da Federação: 1980-2020. Número de nascidos vivos, por mil habitantes, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. As taxas brutas de natalidade padronizadas por uma estrutura de população padrão permitem a comparação temporal e entre regiões. Taxas elevadas estão associadas a condições socioeconômicas precárias e a aspectos culturais da população. Analisar variações geográficas e temporais da natalidade. Possibilitar o cálculo do crescimento vegetativo ou natural da população, subtraindo-se, da taxa bruta de natalidade, a taxa bruta de mortalidade. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas relacionadas à atenção materno-infantil. Devido à subenumeração de nascidos vivos, o uso de dados derivados de sistemas de registro contínuo está condicionado a correções, frequente em áreas menos desenvolvidas. As projeções demográficas perdem precisão à medida que se distanciam dos anos de partida das projeções. Divulgado pelo IBGE, Ministério da Saúde – Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC). Número total de óbitos, por mil habitantes, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Analisar variações geográficas e temporais da mortalidade. Possibilitar o cálculo do crescimento vegetativo ou natural da população, subtraindo-se, da taxa bruta de natalidade, a taxa bruta de mortalidade. Contribuir para estimar o componente migratório da variação demográfica, correlacionando-se o crescimento vegetativo com o crescimento total da população. O uso de dados de mortalidade derivados de sistemas de registro contínuo está condicionado a correções, devido à subEnumeração de óbitos, frequente em áreas menos desenvolvidas. Como a taxa é fortemente influenciada pela estrutura etária da população, a análise comparada entre populações de composição distinta exige padronização das estruturas etárias. Divulgado pelo IBGE,Ministério da Saúde – Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Analisar variações geográficas e temporais na distribuição da população por sexo. Subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança e emprego. Auxiliar na compreensão de fenômenos sociais relacionados a essa distribuição (migrações, mercado de trabalho, organização familiar, morbi-mortalidade). Identificar necessidades de estudos de gênero sobre os fatores condicionantes das variações encontradas. Fonte: Adaptado de Rede Interagencial de Informação para a Saúde (RIPSA), 2008. 18 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities Observar indicadores demográficos permite ao profissional de saúde gestor compreender melhor a alocação de recursos das políticas. Um país com maior taxa de envelhecimento certamente terá que investir em estrutura e rede de saúde para a população, que por sua vez está vivendo mais. Outros indicadores estão listados a seguir conforme seu eixo: • Socioeconômicos: taxas de analfabetismo, grau de escolaridade, produto interno bruto (PIB) per capita, razão de renda, proporção de pobres, taxa de desemprego, taxa de trabalho infantil. • Mortalidade: infantil, materna, perinatal, menores de cinco anos, por causas diarreicas, aparelho circulatório, diabetes, AIDS, doenças transmissíveis. • Morbidade: incidência de doenças infectocontagiosas, doenças parasitárias, prevalência de diálise, prevalência de aleitamento materno, sobrepeso, fumantes, consumo excessivo de álcool, atividade física insuficiente, hipertensão arterial. 2.2.1 Situação de saúde no Brasil De acordo com relatório publicado em 2015, o Brasil teve uma queda no número de nascimento e nas taxas de fecundidade entre 2000 e 2013. No momento do parto, as mães são mais velhas do que nas pesquisas anteriores, mas ainda existe um número importante de maternidade precoce. Em todo o país, o parto por cesariana tem aumentado, especialmente no sul, sudeste e centro-oeste. Houve 8,5% de proporção de nascimentos de baixo peso e 12,5% de nascimento pré-termo(prematuro). A estabilização na taxa de fecundidade permitirá investir mais na saúde da mulher e da criança. A mortalidade infantil teve quedas importantes, especialmente a partir de 2010. Influencia este indicador: a escolaridade materna, o componente cor/raça indígena e afrodescendente. A maior parte dos óbitos dos recém-nascidos é dos que são prematuros e de baixo peso. a mortalidade é maior nos homens, especialmente com idade entre 15 e 59 anos, sendo para essa faixa etária a causa mais frequente de morte a morte por causas externas, como homicídios e acidentes de trânsito terrestre. Doenças cardiovasculares foram a maior causa de morte para homens. Para as mulheres, a maior causa de morte foi pneumonia, diabetes e doenças relacionadas à pressão arterial sistêmica. A mortalidade por homicídios foi maior em pardos, pretos e indígenas das regiões norte, nordeste e centro-oeste. A mortalidade da população adulta, em geral por doenças crônicas, é um ponto importante de investimento. Das doenças transmissíveis, a dengue foi, em 2014, marcada por preocupação constante, e o sarampo exigiu que a vigilância estivesse mais atenta aos casos e vacinas. A transmissão de HIV, hepatites virais e sífilis recebeu grande investimento e criação de programas governamentais para o seu combate12. 12 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde . Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e agravos Não transmissíveis e promoção da Saúde – Brasília : Ministério da Saúde, 2015. 462 p. : il. ISBN 978-85-334-2329-9. 19 NÃo DEIXE DE VER... Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas – Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2014_analise_situacao.pdf Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil, 2009 – Disponível em: http://www.ibge. gov.br/english/estatistica/populacao/indic_sociosaude/2009/indicsaude.pdf Sala de apoio à Gestão Estratégica - Disponível em: http://sage.saude.gov.br/ Organização Pan-Americana de Saúde - Disponível em: http://www.paho.org/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Disponível em: http://www.ibge.gov.br 2.3 Vigilância em saúde e epidemiologia dos serviços de saúde brasileiros Vigiar: observar atentamente, estar atento a, atentar em, estar de sentinela, procurar, campear, cuidar, precaver-se, acautelar-se. Agora que vimos sobre informação em saúde e sobre os indicadores, vamos estudar sobre como vigiar a situação de saúde da população. A vigilância acompanha o conceito de saúde ao longo dos tempos. Por essa razão, foi por muito tempo associada somente ao impedimento da aparição de doenças contagiosas. o isolamento é uma das práticas mais antigas de intervenção social relacionada à saúde dos homens. No final da Idade Média, o modelo médico e político de intervenção que surgia para a organização sanitária das cidades deslocava-se do isolamento para a quarentena. Três experiências iniciadas no século XVIII, na Europa, irão constituir os elementos centrais das atuais práticas da vigilância em saúde: a medicina de Estado, na Alemanha; a medicina urbana, na França; e a medicina social, na Inglaterra. Na era da bacteriologia, descobrem-se técnicas de controle de doenças, em especial a vacinação. a vigilância passa a ser denominada a função de observar os doentes atingidos pelas doenças contagiosas. Nos anos 1950, a denominação amplia-se para “acompanhamento sistemático de eventos adversos à saúde na comunidade”. Em 1963, Alexander Langmuir conceituou “vigilância em saúde” como a “observação contínua da distribuição e tendências da incidência de doenças mediante a coleta sistemática, consolidação e avaliação de informes de morbidade e mortalidade, assim como de outros dados relevantes, e a regular disseminação dessas informações a todos os que necessitam conhecê-la”. Nas décadas de 1960 e 1970, a campanha de vacinação contra a varíola impulsionou o uso da vigilância pelo mundo. Em 1975, o Brasil cria o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e o Sistema de Notificação de Doenças Compulsórias. No ano seguinte, cria-se a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária e, nos anos 1990, começa-se a discutir a importância da vigilância ambiental. 20 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities Ainda nos anos 1990, a vigilância é reformulada para que contenha pelo menos três eixos: • Vigilância de efeitos sobre a saúde, como agravos e doenças, tarefa tradicionalmente realizada pela vigilância epidemiológica. • Vigilância de perigos, como agentes químicos, físicos e biológicos que possam ocasionar doenças e agravos, tarefa tradicionalmente realizada pela vigilância sanitária. • Vigilância de exposições, por meio do monitoramento da exposição de indivíduos ou grupos populacionais a um agente ambiental ou de seus efeitos clinicamente ainda não aparentes (subclínicos ou pré-clínicos). No Brasil, foram implantados os Distritos Sanitários, estratégia que buscava redefinir os serviços e práticas de saúde a partir da demanda espontânea e das necessidades identificadas na população. A preocupação em reorganizar tais práticas trouxe a ampliação do conceito para vigilância em saúde, que busca não somente observar a epidemiologia, os perigos e as questões ambientais, como também englobar determinações sociais de doença, distribuição desigual nos agravos à saúde.Controle de doenças transmissíveis Vigilância das doenças e agravos não transmissíveis Vigilância da situação de saúde Vigilância ambiental Vigilância da saúde do trabalhador Vigilância sanitária Figura 1 – Componentes da vigilância da saúde. Fonte: Ministério da Saúde, 2010. Neste modelo de vigilância da saúde, os atores passam a ser não mais o médico ou sanitarista, mas sim as equipes de saúde e os cidadãos. Quadro 4: Modelos assistenciais e de vigilância da saúde Modelo Sujeito Objeto Meios de trabalho Formas de organização Vigilância da saúde Equipe de saúde e população Danos, riscos, necessidades e condições de vida e trabalho. Políticas públicas saudáveis. Promoção, proteção e prevenção. Operações em grupos populacionais específicos. Intersetorialidade. Tecnologias de comunicação social, planejamento local conforme a situação, tecnologias médico-sanitárias. Médico-assistencial privatista Médico especialista Doença e doentes. Serviços de saúde, especialmente o hospitalar. Tecnologia médica. Sanitarista Sanitaristas Modos de transmissão e fatores de risco. Campanhas de vacinação, sistemas de vigilância epidemiológica e sanitária. Tecnologia sanitária. Co nd içõ es soc ioeco nômicas, culturais e ambientais gerais A formulação de propostas para a educação profissional em saúde, muito embora possa representar importante colaboração para as mudanças almejadas, sempre encontrará limitações dadas pela própria cultura institucional e a organização das práticas de saúde. A 21 formação para o trabalho na vigilância em saúde deve ter a pesquisa como eixo central para a realização da prática estratégica – informação/decisão/ação, através do reconhecimento do território/população, do domínio do planejamento como ferramenta capaz de mobilizar os diversos atores na resolução dos problemas identificados e da ação comunicativa. 2.3.1 Vigilância epidemiológica “[...] um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.” Inicialmente, a vigilância epidemiológica foi utilizada para programas de monitoramento e controle de doenças transmissíveis no Brasil. Em 1969, as secretarias estaduais de saúde passaram a alimentar informações semanais para a elaboração do boletim epidemiológico quinzenal. Em 1999, foi instituída a Programação Pactuada Integrada – Epidemiologia e Controle de Doenças, que financiava as ações de saúde coletiva e na qual estava incluída a vigilância epidemiológica. 2.3.2 Propósito e funções da vigilância epidemiológica a vigilância epidemiológica tem como propósito: • Dar orientação técnica permanente para os profissionais de saúde que têm a responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de doenças e agravos. • Disponibilizar informações atualizadas sobre a ocorrência de doenças e agravos, bem como dos fatores que as condicionam, numa área geográfica ou população definida. • Ser instrumento para o planejamento, a organização e a operacionalização dos serviços de saúde, bem como para normatização das atividades técnicas correlatas. A vigilância epidemiológica tem como funções: • Coleta de dados. • processamento dos dados coletados. • análise e interpretação dos dados processados. • Recomendação das medidas de controle apropriadas. • Promoção das ações de controle indicadas. • Avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas. • Divulgação de informações pertinentes. A eficiência do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica depende do desenvolvimento harmônico das funções realizadas nos diferentes níveis. Quanto mais capacitada e eficiente for a instância local, mais oportunamente podem ser executadas as medidas de controle. Os dados e informações produzidos serão mais consistentes, possibilitando melhor compreensão do quadro sanitário estadual e nacional e, consequentemente, o planejamento adequado da ação 22 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities governamental. Nesse contexto, as intervenções oriundas dos níveis estadual e federal tenderão a tornar-se seletivas, voltadas para questões emergenciais ou que, por sua transcendência, requerem avaliação complexa e abrangente, com participação de especialistas e centros de referência, inclusive internacionais. 2.3.3 Vigilância sanitária Com a Constituição brasileira assumindo a saúde como um direito fundamental do ser humano e atribuindo ao Estado o papel de provedor dessas condições, a definição de vigilância sanitária, apregoada pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a ser, nesse contexto, conforme o artigo 6º, parágrafo 1º, a seguinte: Entende-se por vigilância sanitária um “conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde”. Essa definição amplia o seu campo de atuação, pois, ao ganhar a condição de prática capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, torna-se uma prática com poder de interferir em toda a reprodução das condições econômico-sociais e de vida, isto é, em todos os fatores determinantes do processo saúde-doença. A noção de meio ambiente hoje, mais do que o conjunto de elementos naturais físico-biológicos, significa também as relações sociais do mundo construído pelo homem, abrangendo o ambiente de trabalho. Essa atribuição de intervenção no meio de trabalho é reforçada pelo parágrafo 3º do mesmo artigo 6º da Lei nº 8.080/90. Através das vigilâncias epidemiológica e sanitária, busca-se “a promoção e proteção à saúde dos trabalhadores”, bem como sua recuperação e reabilitação em decorrência “dos riscos e agravos advindos das condições de trabalho [...]”. Destacam-se quatro dimensões inerentes à prática de vigilância sanitária: • A dimensão política: como uma prática de saúde coletiva, de vigilância da saúde, instrumento de defesa do cidadão, no bojo do Estado e voltada para responder por problemas, situa-se em campo de conflito de interesses, pois prevenir ou eliminar riscos significa interferir no modo de produção econômico-social. Essa é sua dimensão política, relacionada ao propósito de transformação ou mudança desses processos em benefício, a priori, da população. Contudo, os entraves serão maiores ou menores dependendo, de um lado, do grau de desenvolvimento tecnológico dos setores produtores e prestadores e de suas consciências sanitárias ou mercantilistas, e, de outro, da concreta atuação e consciência dos consumidores. • A dimensão ideológica: significa que a vigilância deverá responder às necessidades determinadas pela população, mas enfrentar os atores sociais com diferentes projetos e interesses. • A dimensão tecnológica: refere-se à necessidade de suporte de várias áreas do conhecimento científico, de métodos e de técnicas que requerem uma clara fundamentação epidemiológica para seu exercício. Nessa dimensão, está incluída sua função de avaliadora de processos, de situações,de eventos ou agravos, expressa por meio de julgamentos a 23 partir da observação ou cumprimento de normas e padrões técnicos e de uma consequente tomada de decisão. • A dimensão jurídica: distingue-se das demais práticas coletivas de saúde, conferindo- lhe importantes prerrogativas expressas pelo seu papel de polícia e pela sua função normatizadora. A atuação da vigilância sanitária tem implicações legais na proteção à saúde da população, desde sua ação educativa e normativa, estabelecendo obrigatoriedades ou recomendações, até seu papel de polícia, na aplicação de medidas que podem representar algum tipo de punição. Assentada no Direito Sanitário, sua atuação se faz no plano do jurídico, significando que qualquer tomada de decisão afeta esse plano. Para isso, suas ações devem estar corretamente embasadas em leis. Torna-se imprescindível para aquele que exerce a ação o conhecimento dos instrumentos processuais, das atribuições legais e responsabilidades. 2.3.4 Qual o campo de abrangência da vigilância sanitária? A definição atual da vigilância sanitária, como já foi visto, torna seu campo de abrangência vasto e ilimitado, pois poderá intervir em todos os aspectos que possam afetar a saúde dos cidadãos. Para facilitar a exposição, assumimos que seu campo de abrangência é composto por dois subsistemas, subdivididos em: bens e serviços de saúde e meio ambiente. 2.3.4.1 Bens e serviços de saúde Subsistema de produção de bens de consumo e serviços de saúde que interferem direta ou indiretamente na saúde do consumidor ou comunidade. São bens e serviços de saúde que interessam ao controle sanitário: • as tecnologias de alimentos, relacionadas aos métodos e processos de produção de alimentos necessários ao sustento e à nutrição do ser humano. • As tecnologias de beleza, limpeza e higiene, relacionadas aos métodos e processos de produção de cosméticos, perfumes, produtos de higiene pessoal e saneantes domissanitários. • As tecnologias de produção industrial e agrícola, relacionadas à produção de outros bens necessários à vida do ser humano, como produtos agrícolas, químicos, drogas veterinárias, etc. • As tecnologias médicas, que interferem diretamente no corpo humano na busca da cura da doença, alívio ou equilíbrio da saúde. Compreendem medicamentos, soros, vacinas, equipamentos médico-hospitalares, cuidados médicos e cirúrgicos e suas organizações de atenção à saúde, seja no atendimento direto ao paciente, seja no suporte diagnóstico, terapêutico, seja na prevenção ou apoio educacional. • As tecnologias do lazer, alusivas aos processos e espaços onde se exercem atividades não médicas, mas que interferem na saúde dos usuários, como centros esportivos, cabeleireiros, barbeiros, manicures, pedicuros, institutos de beleza, espaços culturais, clubes, hotéis, etc. • As tecnologias da educação e convivência, relacionadas aos processos e espaços de produção, englobando escolas, creches, asilos, orfanatos, presídios, cujas condições das aglomerações humanas interferem na sua saúde. 24 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities 2.3.4.2 Meio ambiente Subsistema relacionado ao conjunto de elementos naturais e de elementos que resultam da construção humana e suas relações sociais: • o meio natural, correspondente à água, ao ar, ao solo e à atmosfera. Interessam ao controle sanitário as tecnologias utilizadas na construção de sistemas de abastecimento de água potável para o consumo humano, na proteção de mananciais, no controle da poluição do ar, na proteção do solo, no controle dos sistemas de esgoto sanitário e dos resíduos sólidos, entre outros, visando à proteção dos recursos naturais e à garantia do equilíbrio ecológico e, consequentemente, da saúde humana. • O meio construído, relacionado às edificações e às formas do uso e parcelamento do solo. Aqui o controle sanitário é exercido sobre as tecnologias utilizadas na construção das edificações humanas (casas, edifícios, indústrias, estabelecimentos comerciais, etc.) e a forma de parcelamento do solo no ambiente urbano e rural; sobre os meios de locomoção e toda a infraestrutura urbana e de serviços; sobre o ruído urbano e outros fatores, no sentido de prevenir acidentes, danos individuais e coletivos e proteger o meio ambiente. • O ambiente de trabalho, relacionado às condições dos locais de trabalho, geralmente resultantes de modelos de processos produtivos de alto risco ao ser humano. o controle sanitário dirige-se a esse ambiente, em que frequentemente encontra cidadãos que são obrigados a dedicar grande parte de seu tempo ao trabalho em condições desagradáveis, em ambientes fechados e insalubres, em processos repetitivos, competitivos e sob pressão, o que altera e põe em risco a saúde física e psicológica e a vida dos indivíduos e da comunidade. No processo histórico de conformação de seu campo de atuação e na divisão das tarefas de vigilância sanitária, vários órgãos de governo assumem o todo ou parte desses subsistemas. Na área de alimentos, por exemplo, o Ministério da Agricultura compartilha as ações de controle de alimentos in natura. Nas radiações ionizantes, em seu uso em terapêutica médica, tem sido a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) a responsável pelo controle e segurança das fontes. A gestão do sistema de vigilância ambiental em saúde, em todo o território nacional, passou a ser atribuição do Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), conforme o Decreto nº 3.450, de 10 de maio de 2000. Com relação à vigilância do ambiente de trabalho, em várias unidades federadas, o controle sanitário tem sido exercido por órgãos ligados ao Ministério do Trabalho e Secretarias do Trabalho ou outros órgãos relacionados ao Programa de Saúde do Trabalhador. 2.4 Determinantes sociais da saúde A comissão homônima da Organização Mundial da Saúde (OMS)13 compreende os determinantes sociais da saúde como condições sociais em que uma pessoa vive e trabalha. São os fatores e mecanismos por meio dos quais as condições sociais afetam a saúde e que potencialmente podem ser alterados por ações baseadas em informação. Para Buss e Pellegrini14, são considerados os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população, como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego. 13 World Health Organization (WHO). A Conceptual Framework for Action on the Social Determinants of Health. Geneve: Commission on Social Determinants of Health, 2007. 14 BUSS, Paulo Marchiori; PELLEGRINI FILHO, Alberto. A saúde e seus determinantes sociais. Physis, v. 17, n. 1, pp. 77-93, 2007. 25 Estudos sobre determinantes sociais apontam que há distintas abordagens possíveis. Além disso, indicam que há uma variação quanto à compreensão sobre os mecanismos que acarretam inequidades de saúde. por isso, os determinantes sociais não podem ser avaliados somente pelas doenças geradas. Eles vão além disso, influenciando todas as dimensões do processo de saúde das populações, do ponto de vista tanto do indivíduo quanto da coletividade na qual se inserem. Os determinantes sociais de saúde apontam tanto para as características específicas do contexto social que afetam a saúde quanto para a maneira com que as condições sociais traduzem esse impacto sobre a saúde15. Entre os desafios para entender a relação entre determinantes sociais e saúde está o estabelecimento de uma hierarquia de determinações entre os fatores mais gerais de natureza social, econômica, política e as mediações através das quais esses fatores incidem sobre a situação de saúde de grupos e pessoas, não havendouma simples relação direta de causa e efeito. Daí a importância de o setor de saúde se somar aos demais setores da sociedade no combate às inequidades. Todas as políticas que assegurem a redução das desigualdades sociais e que proporcionem melhores condições de mobilidade, trabalho e lazer são importantes nesse processo, além da própria conscientização do indivíduo sobre sua participação pessoal no processo de produção da saúde e da qualidade de vida16. A partir de discussões e comentários, foi nos anos 1970 e no início dos anos 1980 que surgiu o conceito de determinantes sociais de saúde. As limitações das intervenções sobre a saúde eram destacadas quando orientadas pelo risco de doença nos indivíduos. As críticas afirmavam que para compreender e melhorar a saúde, é necessário focalizar as populações, com pesquisas e ações de políticas direcionadas às sociedades a que esses indivíduos pertencem. Foi sugerido um movimento “contrário à correnteza” no que diz respeito tanto aos fatores de risco individuais quanto a padrões e modelos sociais que moldam as chances das pessoas serem saudáveis. Um ponto comum a essas críticas foi o argumento de a atenção médica não ser o principal fator de auxílio à saúde das pessoas13,15,16. pelo contrário, o conceito de determinantes sociais está ligado aos “fatores que ajudam as pessoas a ficarem saudáveis, ao invés do auxílio que as pessoas obterão quando ficarem doentes”17. Nos anos 1990, a partir da reforma sanitária e da 8ª constituinte e de acordo com a Lei 8.080, vigente desde 19 de setembro de 1990, também são descritas as relações e os cuidados com a saúde com base no entendimento dos determinantes sociais: “Artigo 2 - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” 15 Paim JS Abordagens teórico-conceituais em estudos de condições de vida e saúde: notas para reflexão e ação. In: Barata RB. (org) Condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, pp. 167-95, 1997. 16 Barata R B. Desigualdades Sociais e Saúde. In: Campos GWS (org.) et al. Tratado de Saúde Coletiva. 2. ed. Ver. Aum. São paulo: Hetec. 2012. 968p. 17 Barata RB. (org) Condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, pp. 167-95, 1997. 26 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities o famoso modelo de Dahlgren e Whitehead6 explica como as desigualdades sociais na saúde são resultado das interações entre os diferentes níveis de condições, desde o nível individual até o de comunidades aO que compete ao Estado fornecer todos os subsídios em saúde para a manutenção e bem-estar da população, independentemente de suas diversidades psicossociais e socioeconômicas. Existem diferentes concepções para o tema desigualdades sociais de saúde. Muitas vezes utiliza-se o termo diferenciais de saúde ou iniquidades. Entretanto, em todos os termos utilizados está presente a relação com o processo social de partilha de bens ou de saúde e a posição que o indivíduo ocupa na sociedade. Iniquidade em saúde: desigualdades em saúde que são sistemáticas, injustas e evitáveis. O termo iniquidade deriva da palavra equidade, um dos princípios do SUS que vimos no módulo anterior. Equidade é atender cada indivíduo de acordo com suas necessidades. Logo, as iniquidades, além de não serem o atendimento justo de cada indivíduo, são desigualdades que agravam o que já era desigual. NÃo DEIXE DE VER... Sobre a situação dos DSS no nosso país, acesse o site do Observatório de Iniquidades em Saúde: Disponível em: http://dssbr.org/site/recuperação. Os determinantes de saúde continuam a ser compreendidos, em alguns contextos, como características do indivíduo, como a rede de apoio social da pessoa, ou o salário, ou função. Entretanto, a população não é meramente uma coleção de indivíduos. as causas da má saúde agrupam-se em padrões sistemáticos. Além disso, os efeitos sobre um indivíduo podem depender da exposição sobre outros indivíduos e de suas consequências5. Isso ocorre porque os determinantes de características individuais diferentes em uma população podem não ser os mesmos determinantes de diferenças entre as populações16. Diante disso, é útil distinguir dois tipos de questões etiológicas: a primeira busca a causa dos casos, e a segunda, as causas das incidências. Quando se trata de determinantes sociais, queremos compreender como as causas dos casos individuais estão relacionadas às causas da incidência nas populações. Por que observamos uma relação gradual entre a posição social e um status de saúde que afeta as pessoas em todos os níveis da hierarquia social? Como ela muda com o tempo? Os fatores determinantes sobre a saúde estão mudando para melhor? O mesmo ocorre para todos? onde e para quem eles estão mudando para pior? Nos últimos anos, vários modelos foram desenvolvidos para demonstrar os mecanismos através dos quais os determinantes sociais de saúde afetam os resultados na saúde; para deixar claras as conexões entre diferentes tipos de determinantes de saúde; e para localizar pontos estratégicos para as ações de políticas. Dentre os principais modelos, há aqueles propostos 27 por Dahlgren e Whitehead (1991)18; Mackenbach (1994)19; Diderichsen e Hallqvist (1998, adaptado subsequentemente por Diderichsen, Evans e Whitehead, 2001)20; e Marmot e Wilkinson (1999)21. Esses modelos foram particularmente importantes para demonstrar as formas de contribuição dos determinantes sociais de saúde sobre as iniquidades na saúde em vários grupos sociais. 2.4.1 Dahlgren e Whitehead: influências em camadas o famoso modelo de Dahlgren e Whitehead18 explica como as desigualdades sociais na saúde são resultado das interações entre os diferentes níveis de condições, desde o nível individual até o de comunidades afetadas por políticas de saúde nacionais. os indivíduos estão no centro da figura e têm idade, gênero e fatores genéticos que, indubitavelmente, influenciam seu potencial de saúde final. A camada imediatamente externa representa o comportamento e os estilos de vida das pessoas. As pessoas expostas a circunstâncias de desvantagem tendem a exibir uma prevalência maior de fatores comportamentais, como fumo e dieta pobre, e também se deparam com barreiras financeiras maiores ao escolherem um estilo de vida mais saudável. A influência da sociedade e da comunidade é demonstrada na próxima camada. Essas interações sociais e pressões ocultas influenciam o comportamento pessoal da camada abaixo, para melhor ou pior. Para os grupos mais próximos do fim da escala social, compostos por pessoas que vivem em condições de extrema privação, os indicadores de organização comunitária registram uma disponibilidade menor de redes e sistemas de apoio, além de menos serviços sociais e lazer em atividades comunitárias e modelos de segurança mais frágeis. No próximo nível, encontramos fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais. Nesta camada, as pessoas em desvantagem social correm um risco diferenciado criado por condições habitacionais mais humildes, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho, e acesso menor aos serviços. O último dos níveis inclui as condições econômicas, culturais e ambientais prevalecentes na sociedade como um todo. Essas condições, como o estado econômico e as condições do mercado de trabalho do país,influenciam todas as outras camadas. O padrão de vida de uma dada sociedade, por exemplo, pode influenciar a escolha de um indivíduo sobre habitação, trabalho e interações sociais, assim como hábitos alimentares. Da mesma forma, alguns fatores podem influenciar o padrão de vida e a posição socioeconômica, dependendo das crenças culturais sobre a posição das mulheres na sociedade, ou da atitude geral sobre as comunidades étnicas minoritárias. 18 Dahlgren G, Whitehead M. Policies and Strategies to promote social equity in health. Stockholm: Institute for Future Studies, 1991. 19 MACKENBACH, J. P. et al. A prospective cohort study investigating the explanation of socio-economic inequalities in health in the Netherlands. Social Science & Medicine. 38 : 2 (1994) 299-308. 20 Evans, Timothy, et al. Challenging inequities in health: From ethics to action. Oxford University Press, 2001. 21 Marmot M; Wilkinson RG, editors. Social determinants of health: the solid facts. 2nd edition. Copenhagen: Word Health Organization (WHO), 2003. 28 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities Habitação Serviços sociais de saúde Água e esgoto Produção agrícola e de alimentos Ambiente de trabalho Desemprego Condições de vida e de trabalho Idade, sexo e fatores hereditários Es tilo de vida dos indivíduos Re des soci ais e comunitárias Co nd içõ es soc ioeco nômicas, culturais e ambientais gerais Educação Figura 3: Determinantes Sociais: modelo de Dahlgren e Whitehead. Fonte: https://pt.slideshare.net/wagnermartins1/gesto-estratgica-e-comunicativa-em-re- des-sociotcnicas-21-1111. 2.4.2 Diderichsen et al.: estratificação social e produção de doenças o modelo de Diderichsen e Hallqvist, de 1998, foi adaptado por Diderichsen, Evans e Whitehead (2001)20. Este modelo enfatiza a criação da estratificação social pelo contexto social, que delega aos indivíduos posições sociais distintas. A posição social das pessoas determina suas oportunidades de saúde. No diagrama a seguir, o processo de delegação de posições sociais aos indivíduos é mostrado em (I). Os mecanismos envolvidos são “os principais mecanismos sociais que geram e distribuem o poder, a riqueza e os riscos” como, por exemplo, o sistema educacional, as políticas de trabalho, as normas direcionadas aos gêneros e as instituições políticas. A estratificação social, por sua vez, engendra uma exposição diferente às condições que causam danos à saúde (II) e ao diferencial de vulnerabilidade (III), assim como às consequências que geram diferenças entre o mau estado de saúde de grupos em maior ou menor vantagem, mostrado como mecanismo (IV). As consequências sociais referem-se ao impacto que um certo evento pode ter sobre as circunstâncias socioeconômicas que afetam um indivíduo ou uma família. Este modelo inclui uma discussão de pontos para ações de políticas, um aspecto que retomaremos em uma seção adiante. 29 Contexto Social Contexto das políticas Consequências sociais ou mau estado de saúde Posição social Exposição específica Doença ou acidente I II I III IV Co nd içõ es soc ioeco nômicas, culturais e ambientais gerais Figura 4: Determinantes sociais: modelo de Diderichsen e Hallqvist. 2.4.3 Mackenbach et al.: seleção e causa O modelo de Mackenbach19 enfatiza os mecanismos que geram as desigualdades na saúde: seleção versus causa – ver figura. O número 1 representa os processos de seleção dos efeitos dos problemas de saúde em idade adulta sobre a posição socioeconômica desses adultos, e dos efeitos da saúde na infância sobre a posição socioeconômica dos adultos e sobre os problemas de saúde em idade adulta. O número 2 é um mecanismo de causa sobre três grupos de fatores de risco intermediários entre a posição socioeconômica e os problemas de saúde (fatores do estilo de vida, fatores estruturais /ambientais, fatores psicológicos e relacionados ao stress). O modelo inclui o ambiente na infância, os fatores culturais e os fatores psicológicos, e demonstra sua contribuição às desigualdades na saúde, tanto como fator de seleção quanto como fator causal. Incidência de problemas de saúde na idade adulta d - ambiente na infância e - fatores culturais f - fatores psicológicos a - fatores relacionados ao estilo de vida b - fatores estruturais/ ambientais c - fatores relacionados ao estresse psico-social Posição sócio-econômica do adulto 1 g - saúde na infância 2 2 2 1 2 1 1 1 Figura 5: Determinantes sociais: modelo de Mackenbach et al. 30 Disciplina Saúde Coletiva Laureate International Universities 2.4.4 Brunner, Marmot e Wilkinson: múltiplas influências no decorrer da vida Esse modelo foi desenvolvido para ligar as perspectivas da saúde clínica (curativa) às da saúde pública (preventiva). Subsequentemente, o modelo foi aplicado ao processo social subliminar às desigualdades na saúde, gerando um modelo de fatores sociais que causam mau estado de saúde e que contribuem para as desigualdades na saúde. Este último modelo foi incluído no relatório acheson da Grã-Bretanha para ilustrar como as desigualdades socioeconômicas em resultados de saúde são consequência das diferenças de exposição ao risco ambiental, psicológico e comportamental no decorrer da vida. Este modelo liga o padrão social à saúde e à doença por caminhos materiais, psicossociais e comportamentais. Fatores genéticos, de infância e culturais também são influências importantes sobre a saúde da população21. Infância Genética Cultura Estrutura social Ambiente social Fatores materiais PsicológicoTrabalho Comportamentos de saúde Cérebro Resposta neuro-en- dócrina do sistema imunológico Mudanças patofísicas Comprometimento de órgãos Bem-estar Mortalidade Morbidez Figura 6: Determinantes sociais: modelo de Brunner, Marmot e Wilkinson. 2.4.5 Determinantes de saúde no Brasil22,23,24 Em 2008, a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais de Saúde publicou um relatório com as causas principais das iniquidades em saúde no nosso país. Você pode acessar este documento no site: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/causas_sociais_iniquidades.pdf • Urbanização: em 40 anos o Brasil teve sua população rural reduzida de 55% para 19%, enquanto a população urbana aumentou de 56% para 81%. Essa mudança é considerada rápida para a organização de um país. Os serviços e políticas não acompanharam tal crescimento, o que gerou alta demanda por serviços e infraestrutura. • Transição demográfica: a urbanização e a rápida industrialização foram responsáveis pelas mudanças no padrão de fecundidade da população. A queda da taxa de 22 Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Organização Mundial da Saúde, Rio de Janeiro, 2011. 23 MALTA, Deborah Carvalho; SZWARCWALD, Célia Landmann. Pesquisas de base populacional e o monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 51, supl. 1, 2s, 2017. Disponível em: http://dx.doi. org/10.1590/s1518-8787.201705100supl1ap. Epub 01-Jun-2017. Acesso em: 17 jun 2017 24 As causas das iniquidades em saúde no Brasil. Comissão Nacional de Determinantes Sociais de Saúde, Rio de Janeiro, 2008. 31 fecundidade no Brasil foi muito mais rápida do que em países desenvolvidos. Mulheres com menor escolaridade ou menor renda possuem maior taxa de fecundidade. • Crescimento econômico e distribuição de renda: a má distribuição das riquezas do país agravam as condições sociais. Embora o Brasil tenha aumentado sua concentração de riquezas, isso não se refletiu na melhora
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