Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 4 Capacidade contributiva, tributação com base em analogia e equidade Caro(a) aluno(a)! Abordaremos nesta aula a exposição do princípio da capacidade contributiva em face do planejamento tributário e da tributação com base na analogia e na equidade, avocando a sua atenção para alguns pontos práticos que enunciaremos adiante. 1. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Alguns autores, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Luciano Amaro, Roque Carazza etc., afirmam que o princípio da capacidade contributiva é o grande “inimigo” do planejamento tributário e que este deve ser combatido para que aquele resplandeça. Essa inimizade é artificial e fruto de uma ideologia servil aos interesses estatais. Ninguém pode contestar que todo aquele que busca uma otimização da carga tributária, e o faz de acordo com a lei, está a realizar, concretamente, o princípio da capacidade contributiva, ao menos segundo o seu ponto de vista. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 32 Logo, se o planejamento tributário é perseguido a partir da lei, isso pressupõe a confiança na lei e também que ela é um instrumento idôneo para cumprir a sua função normal e institucional de motivar condutas, e também como instrumento virtualmente capaz de estabelecer um critério razoável acerca da capacidade contributiva. Com efeito, o § 1o do art. 145 da Constituição Federal dispõe que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (BRASIL, 1988). Note-se que a disposição constitucional faz referência apenas aos impostos e, portanto, não menciona as contribuições. Essa lacuna torna-se ainda mais problemática se considerarmos que ainda permanece arraigada a ideia de que esse princípio só se aplica aos impostos, porquanto os demais tributos, as taxas e as contribuições são governados pelo princípio da retribuição, da solidariedade ou da utilidade. A confusa redação do dispositivo transcrito mais atrapalha do que ajuda a resolver as questões que emergem desta lacuna. Para que um cidadão possa ser incluído entre aqueles que contribuirão para as receitas do Estado, é de fundamental importância que revele condições de suportar a exigência que a lei tributária cria, ou seja, a exação deve guardar proporcionalidade com essa capacidade. A obrigação tributária que surge da ocorrência do fato gerador deve ser dimensionada segundo a capacidade que, virtualmente, o sujeito passivo deverá ter. Na lição de Geraldo Ataliba (1991, p. 50), esse princípio traduz-se na exigência de que a tributação seja modulada de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes, e “[...] implica que cada lei tributária tenha por efeito atingir manifestações, ou aspectos dessa riqueza, sem destruir sua base criadora”. Do ponto de vista pragmático, esse princípio tem duas importantes vertentes que se entrelaçam nos lindes do poder de tributar. Em primeiro lugar, ele integra o conteúdo teleológico da norma atributiva de competência tributária. Desta forma, o poder de tributar será exercido legitimamente se levar em consideração o mandamento do respeito à capacidade contributiva. Nesse caso, a observância desse mandamento torna-se um dever jurídico do legislador que, se não observado, pode sofrer a oposição dos sujeitos passivos e consequentemente correção ou anulação da lei pelo Poder Judiciário. Em segundo lugar, como se fosse o reverso de uma mesma moeda, o princípio da capacidade contributiva tem uma função de garantia para os sujeitos passivos que adquirem o direito de não cumprir uma norma tributária impositiva que o desconsidere. 2. BEM JURÍDICO QUE O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA VISA RESGUARDAR O bem jurídico que esse princípio mira proteger é a distribuição da carga tributária de forma razoável. De um ponto de vista funcional, ele visa, também, estabelecer critérios indispensáveis para preservar a fonte produtora da riqueza. AULA 4 – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, TRIBUTAÇÃO COM BASE EM ANALOGIA E EQUIDADE 33 3. CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA É feita pela lei, segundo critérios técnicos ou de valoração adotados pelos legisladores e não está desconexo do postulado da tributação consentida. Segundo Túlio Rosembuj (1975, p. 108), [...] a noção de tributo resulta da convergência do princípio da legalidade e da capacidade contributiva, convergência que marca, frente a cada tributo, sua legitimidade constitucional. Alfredo Becker (1972, p. 454) afirma que: [...] somente o legislador ordinário está juridicamente obrigado por esta regra constitucional e sua obrigação consiste no seguinte: ele deverá escolher para a composição da hipótese de incidência da regra jurídica criadora do tributo, exclusivamente fatos que sejam signos presuntivos de renda ou de capital. A desobediência, pelo legislador ordinário a esta regra constitucional, tem como consequência a inconstitucionalidade da lei. O princípio da capacidade contributiva, que não opera sem um veículo formal, requer que a lei tributária lhe dê máxima efetividade, ou seja, que otimize o quanto possível a sua potencialidade normativa. Essa otimização deve ser viabilizada pelo legislador com base em critérios valorativos pautados pela equidade geral. Por isso, se a ordem positiva admite certos claros ou certas situações não alcançadas pela exação, cabe a mudança na forma e pelos instrumentos institucionais. Em matéria de capacidade contributiva, a lei é o filtro que retém o arbítrio e libera a certeza jurídica. Como delimitador ao poder de legislar, esse importante princípio permite aduzir que a estipulação em abstrato de normas tributárias só se legitima se forem observados os três critérios que formam o seu conteúdo material, a saber: » adequação: o órgão competente deve investigar se as providências a serem adotadas se amoldarão às finalidades que lhes são próprias; » necessidade: a ideia de necessidade ou exigibilidade tem como núcleo a noção de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível (CANOTILHO, 1993); » proporcionalidade em sentido estrito: leva a uma ponderação sobre a justa medida da intervenção. Nesse caso, meios e fins são confrontados para que se pesem as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins, na busca da equivalência entre eles, no pressuposto de que a intervenção dos direitos fundamentais seja proporcional à carga coativa da intervenção. 4. TRIBUTAÇÃO COM BASE EM ANALOGIA E EQUIDADE Em regra, o emprego da analogia pode ser demandado diante de uma lacuna de uma lei ou de um corpo específico de normas. Nas hipóteses em que este recurso pode ser validamente utilizado, ocorre o que comumente é designado por integração, ou seja, a situação interpretativa é resolvida com base em elementos normativos fora daquele corpo, que, todavia, podem ser encontrados em algum lugar do conjunto de normas válidas em determinado lugar e em determinada época – ordenamento jurídico. Em tais situações, a falta de norma específica é suprida por normas de espectro geral e indeterminado, como são os chamados princípios gerais de direito. É acertado afirmar que a analogia é um importante recurso de resolução de problemas decorrentes da existência de lacunas do ordenamento jurídico. Ela será aplicável quando, nos fatos, existirem aspectos similares relevantes, mas a análise dessa relevância não deve se assentar exclusivamente PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 34 em considerações de ordem lógica; requer a análise sobre os dados de fato. Os fatos é que guardam semelhança e, dessa forma, são postos em contraste com a norma jurídica positiva. A semelhança pode ser estrutural ou funcional, de acordo com as circunstâncias de cada caso. Em matéria penal, admite-se a interpretação por analogia em bonam partem. Diante de ausência denorma legal, o intérprete pode adotar o argumento por analogia sempre que ela levar a uma interpretação menos repressiva ou menos gravosa. A interpretação por analogia suscita um problema de fundo axiológico. Indaga-se: não seria ela um meio de realizar a equidade, fundada na ideia aristotélica de juízo corretivo de injustiças que poderiam advir da aplicação de normas gerais em certas circunstâncias? A resposta a esta questão passa por uma análise sobre a ideia de equidade. De acordo com a doutrina de Emmanuel Kant (1993, p. 50), aquele que postula pela aplicação da equidade, o faz com base em direito seu, que só não lhe é adjudicado porque faltam condições necessárias ao juiz para isso. Para Miguel Reale (1984, p. 307), há a equidade com norma aplicável para suprir lacunas da lei e há equidade como realização da justiça in concreto. Com efeito, a equidade é um conceito central do direito natural e um corolário dos princípios da igualdade e proporcionalidade. No campo do direito tributário, segundo o ordenamento jurídico vigente, a aplicação de normas por equidade não pode, em face do disposto no § 2o do art. 108 do CTN (Lei no 5.172/66), “[...] resultar na dispensa do pagamento de tributo devido” (BRASIL, 1966). Logo, de acordo com aquele preceito, o intérprete poderá decidir por equidade apenas nas hipóteses em que haja tributo devido, ou seja, depois de ocorrido o fato imponível descrito na hipótese de incidência tributária, e documentada a incidência da norma tributária através do lançamento tributário. Pensamos, contudo, que a decisão por equidade também pode ser adotada com o propósito de corrigir, em certas circunstâncias, alguns defeitos das normas positivas se elas levarem a uma situação de injustiça ou de excessivo rigor. 5. ANALOGIA E EQUIDADE NOS SISTEMAS JURÍDICOS GOVERNADOS PELO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Nos sistemas jurídicos governados pelo princípio da legalidade, a princípio, as situações jurídicas de dever-ser devem estar conectadas com a ideia de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não devido à lei (BRASIL, 1988). Todavia, é imperioso considerar que a observância a este princípio não exclui a possibilidade de que as normas sejam vazadas em linguagem de difícil compreensão, de que estipulem consequências injustas ou não razoáveis e requeiram correção com base em equidade. No Brasil, a proibição de exigência de tributo com base em analogia tem extração constitucional. Quando a CF elege a lei como única fonte idônea de inovação na ordem jurídica para instituir obrigação tributária, está a limitar o emprego da analogia, pelo Poder Judiciário ou pela Administração. Se a ordem Constitucional exige a edição de lei para legitimar a exigência de algum tributo, é razoável supor que as situações não alcançadas pela lei constituem uma espécie de espaço livre ou que são fruto de um silêncio eloquente. AULA 4 – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, TRIBUTAÇÃO COM BASE EM ANALOGIA E EQUIDADE 35 A existência, no mundo da vida, de situações não contempladas pelo direito positivo pode demandar o emprego de analogia, exceto, no entanto, nos setores em que valorações anteriores já interditaram a sua utilização, seja por intermédio de normas proibitivas negativas – inciso I do art. 108 do CTN –, ou positivas, como são as normas de competência que estatuem matérias sob reserva de lei – art. 97 do CTN (BRASIL, 1966). 6. DIREITO E DEVER DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 6.1 DIREITO AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO A ideia de eficiência confere legitimidade e fundamento ético para o planejamento tributário. Ninguém pode ser censurado por pretender buscar a eficiência e, nos marcos da ordem jurídica, reduzir o quanto possível o montante dos encargos tributários incidentes sobre bens e serviços. Por vezes, a redução da carga tributária é induzida pelo ordenamento jurídico, por intermédio do que Hector Villegas e Narciso Amorós Rica (1973, p. 31) denominam “economia de opção”, que pode ser explícita ou tácita. Andrade Filho (2010) expõe que existem, na legislação do imposto de renda brasileiro, alguns exemplos clássicos quanto: » à possibilidade de certas empresas optarem pela tributação com base no lucro presumido ou com base no lucro real e à possibilidade que as pessoas físicas possuem de considerar certos rendimentos como tributados exclusivamente na fonte, como é o caso de alguns tipos de ganhos financeiros; » à escolha de um local para instalação de uma unidade produtiva tendo em vista a existência de áreas onde existam incentivos fiscais ou financeiros ou em que a tributação seja menor; » ao deslocamento do eixo da tributação para aproveitar as diferenças existentes, por exemplo, entre a alíquota do Imposto de Renda que é devido pelas empresas e pelas pessoas físicas; » ao deslocamento do eixo da tributação para uma outra jurisdição (outro país) com o propósito de obter acesso a gravames tributários mais amenos, como são, por exemplo, os países fiscais e as regiões de incentivos fiscais concedidos por países que não participam desta categoria. Pode ser considerado um direito fundamental da ordem jurídica, ao mesmo tempo em que é uma imposição da ordem social. A ordem social premia os eficientes e o mercado exclui os ineficientes. Esse direito fundamental não é produto da nossa época. Aliomar Baleeiro (1958, p. 62) diz, com todas as letras, que: [...] em princípio, se não viola proibição instituída em lei, ou não comete falsidade material ou ideológica, o contribuinte tem livre eleição dos atos jurídicos e instrumentos que, do ponto de vista fiscal, são mais convenientes aos seus interesses. Logo, sob esse ponto de vista, o planejamento tributário está situado na esfera jurídica de toda pessoa como um direito de proteção eficiente de seus interesses individuais, posto que a ordem jurídica os protege, tanto quanto o faz em relação aos interesses da coletividade que são resguardados pela lei que prescreve sanções para aqueles que não cumprem o que é obrigatório ou fazem o que é proibido (ANDRADE FILHO, 2010). PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 36 6.2 DEVER DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO Há casos em que o planejamento tributário se converte num dever. De fato, em certas circunstâncias, a eficiência é uma exigência formulada pela ordem jurídica. Exemplo: Administrador eleito para coordenar uma empresa que deve aplicar todas as medidas que, de acordo com a lei e o direito, sejam menos desvantajosas possíveis para a empresa voltada para o crescimento e o cumprimento da melhor forma possível da função social que lhe é imposta pela ordem jurídica. “O direito positivo não deve condenar, para utilizar uma expressão em voga no direito francês, a “destreza fiscal”, e ninguém pode ser compelido a escolher, entre alternativas válidas e lícitas, aquela que leve à maior carga tributária” (ANDRADE FILHO, 2010). De acordo com o mandamento do art. 1.011 do Código Civil (Lei no 10.406/02), o administrador da sociedade deverá possuir, no exercício profissional, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos próprios negócios. Preceito com igual ordem é encontrado no art. 153 da Lei no 6.404/76 (ANDRADE FILHO, 2010). O dever de lealdade e a obrigação de cumprir o contrato e de levar a sociedade e a empresa a cumprirem os seus desideratos não esgotam o rol das ações que devem ser tomadas pelos administradores. Outras obrigações lhes são impostas pela lei e pelo contrato ou estatuto social ao qual aceitam e se vinculam, de forma que eles estabelecem um dever de ofício (ANDRADE FILHO, 2010). Ainda para Edmar Oliveira Andrade Filho (2010), ao administrador cabe realizar a escolha que melhor atenda à demanda do triplo centro de interesses que estão catalisados na sociedadeempresária: » os interesses dos sócios; » os interesses da própria organização; » os interesses dos que nela trabalham ou com ela negociam. O exercício do poder dos administradores é pautado pela busca da finalidade da sociedade e pelo desenvolvimento da atividade que constitui o objeto social Por tal razão, os atos de gestão devem perseguir um resultado positivo em prol do patrimônio social, todavia, essa busca não pode ser empreendida com violação do contrato social ou da lei. Ao impor finalidades a serem perseguidas e ao estabelecer algumas pautas de conduta, a lei societária visa prestigiar a busca da eficiência empresarial segundo parâmetros. A eficiência é um valor de grande importância para a ordem jurídica positiva: é um mandamento constitucional endereçado aos poderes públicos e um direito dos particulares. Os particulares podem perseguir a eficiência em seu próprio interesse e o Estado deve persegui-la em atendimento ao interesse público que lhe impõe um dever geral de boa administração no cumprimento da função pública de cada órgão estatal. (ANDRADE FILHO, 2010). No nível das relações de direito privado, a busca da eficiência na execução das obrigações tributárias em função das demandas dos interesses estabelecidos em torno da empresa é um dever de todo administrador. A eficiência vai além do princípio da economicidade, ela compreende a busca da relação entre custo e benefício e também da melhoria contínua dos processos econômicos de produção e distribuição de bens (ANDRADE FILHO, 2010). No mundo contemporâneo, a busca da eficiência empresarial não pode ser empreendida sem freios e contrapesos. O direito não tolera práticas que causem dano injusto a outrem e impõe um dever legal de ação segundo a boa-fé. Neste contexto, a eficiência deve ser perseguida de acordo com os princípios reitores da governança corporativa. AULA 4 – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, TRIBUTAÇÃO COM BASE EM ANALOGIA E EQUIDADE 37 Este dever impõe a adoção de medidas de planejamento tributário, afinal, se este pressupõe, sempre, ações ou omissões lícitas que sejam adotadas antes da ocorrência do fato gerador e que observa as formas e condições requisitadas em lei e não causa prejuízo ao Estado arrecadador, ele está inserido no âmbito do dever de diligência e lealdade que é inerente à condição de administrador (ANDRADE FILHO, 2010). 6.3 DEVER DE PLANEJAMENTO E ATO ANORMAL DE GESTÃO Entre os argumentos em prol das normas antielisivas está o que considera que certas práticas elisivas devam ser rotuladas como atos anormais de gestão. Esses atos produzem, em geral, efeitos diferentes daqueles que seriam produzidos em negócios realizados entre partes independentes e segundo as condições de mercado do lugar. Também podem ser considerados aqueles realizados por liberalidade. 6.3.1 Doutrina do ato anormal de gestão É uma contribuição francesa para as discussões sobre os limites do planejamento tributário. No fundo, esta doutrina trata do mérito de certas operações, principalmente daquelas que traduzem diminuição patrimonial suscetível de reduzir, ao menos em tese, a base tributável e, também, a falta de exigência de contrapartida para certas operações ativas que poderiam gerar acréscimo naquela base de tributação. No primeiro caso, há a preocupação com a dedução de certas cifras e, no segundo, com certas receitas que poderiam ter sido ganhas (ANDRADE FILHO, 2010). Na latitude extrema desta teoria, ainda conforme Andrade Filho (2010), o fisco poderia vir a questionar certas decisões empresariais baseado em critérios subjetivos, tais como: » exigir explicações sobre o uso de um mármore em lugar de uma cerâmica em determinada obra cujo custo está sendo objeto de depreciação que diminui o lucro líquido do período; » perquirir sobre a razão de instalação de um escritório na Avenida Paulista em São Paulo quando o aluguel no centro velho é mais módico. Os atos anormais decorrem: » de violação à lei de ordem pública; » de violação ao contrato ou estatuto. Exemplos típicos de atos que podem ser classificados como anormais são os considerados atos de liberalidade, assim qualificados os que importam diminuição patrimonial sem a devida contrapartida total ou parcial. Tais atos, no entanto, tem uma cláusula geral excludente da ilicitude, que é a razoabilidade do valor da liberalidade e sua eventual conexão com o cumprimento da função social da empresa (ANDRADE FILHO, 2010). Por outro lado, a anormalidade pode estar nas condições dos negócios feitos ou na natureza não usual do ato. Um ato não usual é aquele não ordinário e, logo, praticado fora dos limites do objeto da empresa que, conforme a constância, pode redundar em mudança tácita do objeto social ou em desvio de poder dos administradores (ANDRADE FILHO, 2010). Existem atos, contudo, que, a despeito de serem realizados fora do objeto social, são úteis aos interesses da sociedade ou aos da empresa e não trazem prejuízo os demais interesses que giram em torno da empresa localizada em dada comunidade. Podem existir também casos em que os negócios PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 38 não usuais, a despeito de não serem admitidos pelo ordenamento jurídico interno da sociedade, são lícitos em si, ou seja, não são proibidos por normas de ordem pública e, ao mesmo tempo, são altamente compensadores e lucrativos (ANDRADE FILHO, 2010). De fato, a utilidade e a necessidade tiram, em tese, qualquer eiva de ilegitimidade dos atos não usuais, salvo se em relação a eles não forem tomadas as condições negociais equitativas, caso em que poderá ser aplicada a pecha de anormalidade ou, se for o caso, outra norma que tenha a finalidade de reprimir atos abusivos ou suscetíveis de serem enquadrados como crime (ANDRADE FILHO, 2010). Um negócio marcado pela anormalidade é aquele em condições econômicas não equitativas, ou seja, em que uma sociedade aliena bens de seu ativo a terceiros por valores inferiores ao de usual negociação com terceiros, nas mesmas quantidades e condições, salvo quando houver uma situação que possa ser caracterizada como bona fide commercial reason. Um outro tipo de negócio anormal é aquele em que a sociedade adquire bens ou serviços de terceiros por valores superiores aos correntes de mercado. Enfim, são anormais os atos que sejam ruinosos à sociedade e à empresa e que, em regra, são realizados com a finalidade de eludir responsabilidade perante terceiros. (ANDRADE FILHO, 2010). 7. ATOS ULTRA VIRES São também qualificados como atos sem a cobertura de poderes. Esses atos podem ser considerados sob a perspectiva da sociedade ou sob o ponto de vista do administrador. Na primeira categoria estão abrangidos os atos praticados além do objeto social estabelecido no estatuto ou contrato e, na segunda categoria, os atos que são praticados em nome da sociedade, mas além dos poderes legais ou estatutários do dirigente (ANDRADE FILHO, 2010). Em apertada síntese, a teoria dos atos ultra vires visa, em tese, aportar critérios de explicação que possam aparelhar decisões em situações concretas em que estão em jogo os limites impostos aos vários órgãos das sociedades pela cláusula do objeto social; é o princípio da especialidade do fim. Para Waldirio Bulgarelli (1983, p. 1), parte-se: [...] da ideia de que a sociedade existe apenas para a realização do objeto social e sendo perigosos os atos que o violam, tanto para os acionistas quanto para os credores, devem ser declarados nulos por terem sido praticados ultra vires. 7.1 EFEITOS DOS ATOS ULTRA VIRES No ordenamento jurídico que vigora no Brasil, em tese esses atos são anuláveis, mas podem ser considerados nulos de pleno direito se enquadráveis no que expressa o art. 166 do Código Civil. Segundo esse preceito, é nulo o negócio jurídico quando:» celebrado por pessoa absolutamente incapaz; » for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; » o motivo determinante, que for comum às partes, for ilícito; » não revestir da forma prevista em lei; » tiver por objeto fraudar lei imperativa; » a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. (BRASIL, 2002). AULA 4 – CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, TRIBUTAÇÃO COM BASE EM ANALOGIA E EQUIDADE 39 Dessa forma, se os atos forem enquadrados em qualquer uma das condições referidas, a nulidade é insanável porquanto, em face do disposto no art. 169 do Código Civil, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação nem convalesce pelo decurso do tempo. Exceção à regra da nulidade absoluta é o disposto no art. 170 do CC, segundo o qual, se o negócio jurídico tipicamente nulo contiver requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade (BRASIL, 2002). Se, por outro lado, os atos ultra vires forem anuláveis, ou seja, se forem firmados por agente relativamente incapaz ou por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, eles podem ser confirmados ou convalidados se respeitarem direito de terceiros (ANDRADE FILHO, 2010). Os atos ultra vires podem ser convalidados pelos sócios por meio de reunião ou assembleia, desde que sejam preservados os direitos de terceiros, salvo os inquinados de nulidade absoluta. 8. EFEITOS TRIBUTÁRIOS DOS ATOS ANORMAIS E ULTRA VIRES Para fins de aplicação da norma tributária, se praticado o fato previsto na norma impositiva, não importa a sua eventual qualificação como normal ou anormal. De outra parte, ainda que um ato possa, do ponto de vista societário, ser rotulado de anormal, se os seus traços essenciais não estiverem previstos na norma impositiva, o direito tributário dele não conhece. A anormalidade, por outro lado, é uma questão de grau; os atos simulados e dolosos são anormais em si porque existe uma norma anterior a qualificá-los desta forma em razão dos efeitos ilícitos que possam pretender produzir. O filtro da anormalidade, para fins fiscais, é dado pela lei. Em matéria de Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas no regime do lucro real, a questão da normalidade dos gastos é posta em relevo pela lei. Ela estabelece que as despesas e os gastos em geral só poderão ser considerados dedutíveis quando forem observados os critérios de normalidade, necessidade e usualidade. Assim, um gasto só poderá ser considerado dedutível quando, em cada caso, for necessário ou útil para a manutenção da atividade da empresa e, além disso, tiver alguma relação com a atividade explorada. No direito positivo brasileiro, também são exemplos de normas que cerceiam os negócios anormais aquelas que dizem respeito à distribuição disfarçada de lucros aplicáveis na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda e da contribuição social sobre o lucro líquido. Os efeitos e as qualificações dos atos anormais, para fins tributários, devem estar previstos na lei; não basta a simples existência, em cada caso, de uma originalidade pra que atos legítimos sejam rotulados de anormais; é necessário que ela seja um ingrediente de burla em casos concretos. O sujeito passivo não pode ser punido por tentar ser diferente e inovador. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 40 SÍNTESE Prezado(a) aluno(a), concluímos a quarta aula. Embora pareça demasiadamente teórico, o estudo do princípio da capacidade contributiva é de crucial valor para o encaminhamento dos demais assuntos que serão tratados nas aulas subsequentes. Convoco você, em seguida, a abraçar a doutrina ora sugerida e a realizar uma reflexão sobre a matéria através da resolução dos questionamentos disponibilizados. É uma empreitada de amarração de conteúdo bastante atraente. Aguardo você na próxima aula. Até lá! QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1) Discorra sobre o princípio constitucional da capacidade contributiva. 2) Qual a importância do princípio da capacidade contributiva para o planejamento tributário? 3) O princípio da capacidade contributiva aplica-se, indistintamente, aos impostos, às taxas e às contribuições de melhoria? 4) É permitido à autoridade administrativa empregar equidade para dispensar o cumprimento tributária principal, quando se depara com ausência de disposição legal expressa para decidir litígio tributário cujo julgamento é de sua competência? 5) Tratando-se de regras de interpretação da legislação tributária, temos que a ausência de disposição normativa expressa não autoriza o emprego da analogia? LEITURAS INDICADAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 5 jan. 2010. ______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acesso em: 8 jan. 2010. SITES INDICADOS www.planalto.gov.br/ www.senado.gov.br/ www.jus.com.br/ www.mundojuridico.adv.br/ www.recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/274232
Compartilhar