Buscar

artigo desenvolvimento em questão final

Prévia do material em texto

1 
ECONOMIA SOLIDÁRIA, SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO: 
PROPOSTAS POSSÍVEIS? 
SOLIDARY ECONOMICS, SUSTAINABILITY AND DEVELOPMENT: 
VIABLE PROPOSITIONS? 
 
RESUMO 
Este estudo, de natureza teórica e conceitual, tem como objetivo fundir as noções de 
economia solidária, sustentabilidade e desenvolvimento em um novo arranjo dentro do campo 
social. Os embasamentos teóricos que orientam essa proposta são a formulação da produção e 
reprodução do capital em Marx; o entendimento de economia solidária e transição em 
Nascimento, Sardá e Novaes; a teoria do campo em Bourdieu; a noção de crise e paradigma 
em Kuhn e, por fim, as formulações sobre desenvolvimento em Daly. A abordagem 
metodológica centrou-se em revisão de literatura sobre as três expressões. Como resultado, foi 
visto que as limitações de ordem teórica e prática, contidas nesses termos, validam a hipótese 
de que os esforços empreendidos pela economia solidária e pela sustentabilidade na busca de 
um novo e justo modelo de desenvolvimento socioambiental não lograriam êxito 
isoladamente; juntas, no entanto, têm chances concretas de sucesso. 
Palavras-chave: economia solidária, sustentabilidade, desenvolvimento. 
 
ABSTRACT 
The aim of this theoretical and conceptual research is to merge the ideas of solidary 
economics, sustainability and development, in order to create a new configuration within the 
social field and materialize a new type of development and society. As to the theoretical 
referential on which lays this work are the marxist formulation of capital reproduction; the 
approach to solidary economics and transition in Nascimento, Sardá and Novaes; Bourdieu's 
field theory; the notion of crisis and paradigm in Kuhn; and the conception of development in 
Daly. As to the methodological approach, a bibliographical research helped to establish the 
main concepts used. As to the results, the theoretical and objective limitation embedded in 
each one of the terms validates the hypotheses presented that the isolated efforts of solidary 
economics and sustainability to establishing a new and fair socioenvironmental development 
model may not succeed, but acting together in synergy they have feasible chances. 
Keywords: solidary economics, sustainability, development. 
 
2 
INTRODUÇÃO 
 
O título deste trabalho foi formulado como uma indagação, já que a intenção é suscitar 
o debate a partir da revisão conceitual de três ideias, questionando a viabilidade operacional 
de cada uma delas isoladamente. Do resultado das análises, propõe-se um projeto de 
desenvolvimento socioeconômico e ambiental, baseado na integração de solidariedade e 
sustentabilidade como exercício à implantação de um novo marco civilizatório. Trata-se de 
uma proposição utópica, pois não se presumiu implantá-la em nenhum lugar específico. 
Portanto, fundamental não se gerar falsas expectativas: esse estudo é um mero exercício 
intelectual de desejo, e como tal deve ser lido. 
Para operacionalizar um projeto de desenvolvimento que associe trabalho, justiça 
social
1
, liberdade e questões ambientais, questiona-se se as ideias de “desenvolvimento”, 
“economia solidária” e “sustentabilidade” correspondem, isoladamente, a uma alternativa 
sistêmica possível, para então avaliar se a fusão delas pode requalificar adequadamente a ideia 
comumente aceita de desenvolvimento. Por carecerem de precisão conceitual, essas ideias 
vêm retroalimentando a forma hegemônica contemporânea de se produzir, centrada na 
valorização do capital e, por hipótese, sem qualquer possibilidade de reverter o quadro de 
crise social e ambiental presente e gerar uma proposta de desenvolvimento de cunho original. 
O argumento é que isso se deve à imprecisão conceitual que individualmente carregam 
e da contenção sistêmica que sofrem para serem de forma integrativa e harmônica 
apropriadamente operacionalizadas. A tese é que, sinergicamente, elas têm chances concretas 
de empreender tal alteração e de gerar não apenas crescimento, mera produção em massa e 
consumo fetichizado de produtos (Marx, 1982, 1996), mas desenvolvimento, enquanto bem 
estar material e justiça socioambiental. 
Quanto ao desenvolvimento, desta forma entendido, e à maneira de alcançá-lo e 
vivenciá-lo, há primeiramente que se considerar as diversas possibilidades de organização do 
trabalho e a distribuição de seus resultados, seus métodos e as formas que assume 
 
1
 O conceito de justiça social faz referência à necessidade de alcançar uma repartição 
equitativa dos bens sociais. 
Adaptado de “Conceito de justiça social - O que é, Definição e Significado” Disponível em: 
 http://conceito.de/justica-social#ixzz2JkPOOTQx Acesso em 11/2/2013 
 
3 
socialmente. Propõe-se nesse estudo que desenvolvimento seja traduzido como a junção de 
bem estar material, emancipação completa, respeito com o mundo natural e realização do 
indivíduo. O caminho para alcançá-lo e vivenciá-lo aqui proposto é pavimentado pela 
autogestão solidária aliada à sustentabilidade socioambiental. 
São cinco os embasamentos teóricos que orientam este estudo: a formulação da 
produção e reprodução do capital em Marx (1996); o entendimento de economia solidária e 
transição em Nascimento (2011) em Sardá (2011) e em Novaes (2011); a teoria do campo em 
Bourdieu (1983a, 1983b, 1990, 1996, 2004, 2007); a noção de crise e paradigma em Khun 
(2003); e as formulações sobre o desenvolvimento em Daly (1968, 1974, 1989, 1996). Com 
relação ao método, buscou-se, a partir de uma revisão bibliográfica, definir os três termos que 
compõem o título deste estudo – economia solidária, sustentabilidade e desenvolvimento –, de 
forma a dirimir suas imprecisões, para então integrá-los numa nova proposta de 
desenvolvimento e sociedade. 
 
1. REFORMA OU RUPTURA? 
Segundo Marx (1996), a cultura intelectual dominante de qualquer sociedade reflete, 
historicamente, os interesses de seu grupo dominante. De forma abrangente, as ideias que 
permeiam a psicologia, a sociologia, a história, a política e a economia refletem, 
fundamentalmente, certos interesses de elite. 
Marcuse (1978, 1996) afirma que em qualquer sociedade em que o sucesso e o status 
sejam medidos pela riqueza material e não pela contribuição social de seus componentes, 
sofrerá um distúrbio no sistema de valores, degradando-a gradativamente. 
As sociedades industriais capitalistas contemporâneas espelham bem essa disfunção 
(Marcuse, 1978; 1996). Nesse novo sistema desnaturalizado, o bem estar pessoal e social 
tornam-se secundários ao acúmulo individualizado da riqueza material social. Como um 
vírus, esse distúrbio associa-se a todas as instituições desse tipo de sociedade – governo, 
mídia, lazer, instituições e até mesmo a academia–, fazendo-os trabalhar para si. 
Desde o início da década de 1970 vem se estabelecendo a ideia da finitude dos 
recursos naturais e da capacidade limitada de os ecossistemas reciclarem seus rejeitos 
(Meadows et al.,1978; Scheffer et al., 2001). Essa ideia, corroborada pelos estudos de 
Georgescu-Roegen (1971) e Daly (1968, 1974, 1989, 1996), encontra eco em áreas bastante 
diversas como a economia, a física, a biologia e as ciências sociais. 
 
4 
De acordo com o enfoque historicista de Kuhn (2003), a ciência desenvolve-se 
segundo determinadas fases. Numa delas, a terceira de um total de seis, uma verdade 
científica não é mais capaz de resolver os problemas que a ela se colocam. É nessa 
circunstância que o paradigma
2
 é posto em xeque e que se começa a ponderar qual seria o 
marco mais adequado para a resolução daqueles problemas. 
A partir dessas considerações iniciais, nota-se hoje indícios de que estamosdiante de 
uma dupla crise, na qual seus elementos se combinam e se retroalimentam: uma crise do 
trabalho e uma crise ambiental. Pelo lado do trabalho, não se trata de uma crise de produção, 
mas da capacidade de consumir sem endividamento. Pelo lado do meio ambiente, não se está 
diante de uma crise de escassez de tecnologias produtivas ambientalmente sustentáveis, mas 
de custos de produção crescentes. Isso se dá pela dificuldade maior de extração dos insumos e 
pelo impacto ambiental que geram em sua produção e processamento. Por sua vez, por outras 
questões e interesses que extrapolam o escopo desse estudo, implica na introdução de medidas 
mitigadoras ou de novas tecnologias reparadoras, com impacto recorrente sobre o próprio 
custo de produção. As ciências, particularmente a ciência econômica, e as tecnologias não têm 
conseguido equacionar essa questão. 
Essa dupla crise social e ambiental contemporânea enfrenta, pois, impossibilidades 
paradigmáticas. Por um lado, devido ao conflito estabelecido entre a necessidade de se 
produzir incessante e ampliadamente frente às limitações intrínsecas do ambiente natural; por 
outro, pelo apartamento de vasto e crescente número de trabalhadores ao trabalho não 
precarizado, à remuneração digna e ao acesso qualitativamente adequado aos bens 
socialmente valorizados. 
Do espectro ideológico, polarizado entre o mais puro liberalismo à direita aos 
posicionamentos mais radicais à esquerda, surgem aqui e acolá preocupações com essas 
questões. Foster (2002), pensador marxista contemporâneo, percebeu a necessidade de se 
agregar a economia (produção e distribuição de bens) às questões sociais, para indiretamente 
 
2
 O termo paradigma está sendo empregado em sentido àquele atribuído por Kuhn (2003), 
como generalizações simbólicas a partir de um conjunto de regras, valores e crenças 
objetificadas (que façam sentido e explicam) e sedimentados (estágio a partir dos quais as 
bases não são mais questionadas) sobre realizações e problemas e soluções modelares 
compartilhados por uma comunidade. 
 
 
5 
se gerar um modelo de desenvolvimento de cunho ecológico. Pensadores liberais têm se 
orientado nessa mesma direção. 
Um pouco mais ao centro dos polos do espectro, a associação economia (produção e 
distribuição de bens) – justiça social vem sendo cada vez mais pervadida nas últimas décadas 
pelo ideário da justiça ambiental, às vezes misturando-se e confundindo-se com o repisado 
bordão desenvolvimento sustentável; outras vezes, procurando diferenciar-se dele. 
Essa associação dá sinais de querer ampliar o escopo e reconfigurar as feições de cada 
termo, com potencial para acomodá-los em um novo ethos e viabilizar o surgimento de um 
novo paradigma socioprodutivo de desenvolvimento. Como explica Veiga (2005), esse 
modelo de desenvolvimento “de centro” difere dos modelos tradicionais mecanicistas, que são 
baseados na ideia de equilíbrio e que não levam em conta a existência de limites naturais e do 
componente biótico presente em qualquer sistema econômico. 
Diferenciando-se dessas proposições, configura-se o modelo aqui proposto como algo 
novo para o enfrentamento da crise socioambiental emergente. Buscou-se a adoção de um 
modelo que contemplasse as ideias da economia solidária como autogestão e preço justo, da 
sustentabilidade como campo receptivo e agregador, e do desenvolvimento como bem estar 
material, individualismo solidário, liberdade, justiça socioambiental e, por que não dizer, 
felicidade, ainda que não exista indicador que lhe possa medir. 
Os posicionamentos teóricos sobre a origem e a dinâmica dessa crise que embasaram 
esse estudo, acabaram por dar-lhe a feição utópica que apresenta. Contudo, trata-se não 
apenas da apresentação de uma utopia (nenhum lugar) estrito senso, mas de um esboço de 
topia (um lugar), visto que, concomitante à sua fundamentação teórica, nele também se 
encontram incipientes proposições à sua viabilidade existencial. 
Para isso, foi preciso primeiro definir se esse trabalho tratava de uma proposta de 
reforma do modelo produtivo ou se de sua ruptura. Romper é propor algo novo, desconexo 
em sua quase integridade com o modelo anterior. Reformar é fazer ajustes, adaptando o que 
se tem ao que se quer, ou seja, fazer remendos à tessitura para adequá-la de alguma forma. . 
O posicionamento teórico assumido por esse estudo é o de que um modelo produtivo 
centrado na valoração do capital não tem condições, por sua lógica funcional de acumulação e 
exclusão, e pelo próprio caráter cíclico de recomposição desse capital, de oferecer soluções 
pertinentes e permanentes à crise contemporânea do trabalho: desemprego estrutural, 
precarização do trabalho e estagnação da renda, carência de bem estar inclusivo e contínuo às 
 
6 
populações generalizadamente (Marx, 1996). De igual modo, também não consegue propor 
saída que não seja transitória para a crise ambiental, haja vista o impacto que isso teria sobre 
os custos de produção e a mínima estabilidade necessária ao ciclo dos negócios (Foster, 
2002). Assim, a proposta aqui contida é de ruptura. 
. 
2. DO DESENVOLVIMENTO 
O conceito de desenvolvimento é usualmente tomado no mesmo sentido de 
crescimento econômico. Para se compreender o porquê desta equivocada utilização de um 
termo por outro, optou-se por traçar a sua gênese e evolução histórica. 
Dos primeiros estudos sistematizados de economia do século XVIII
3
 até o final da 
Segunda Grande Guerra, pouco se ouviu falar em desenvolvimento econômico, mas em 
riqueza e crescimento. Longe do ideário feudal, no qual a posse da terra era fator 
determinante à riqueza, e baseado inicialmente nas ideias de Quesnay de 1755, as atenções 
voltaram-se para a identificação da riqueza como resultado do bom uso produtivo da terra. 
Smith atacou a questão da riqueza das nações pela dupla via da produção e do comércio em 
1776. Depois vieram Marx, Ricardo e Mill, com foco no crescimento dos fatores de produção, 
sua distribuição e resultados. Posteriormente, na primeira metade do século XX, os olhares 
dirigiram-se para o controle das flutuações cíclicas da economia e os ciclos de prosperidade e 
depressão. 
Schumpeter foi o primeiro a tocar na questão do desenvolvimento já em 1911
4
, 
rompendo com essa abstenção. Até ali, a depender do viés ideológico do autor, o 
desenvolvimento econômico era tema pertencente ao campo da História Econômica ou da 
Economia Política. Contrário ao pensamento econômico liberal precedente, no qual os 
agentes econômicos possuem racionalidade absoluta e o ambiente econômico é marcado pela 
perfeita simetria de informações, Schumpeter se opôs à ideia reinante de que o crescimento 
econômico estivesse ligado ao ritmo de crescimento demográfico, quando ocorre o pleno 
emprego simultâneo dos fatores de produção nos mercados de bens, trabalho e capitais. 
 
3
 Desconsiderou-se propositalmente nesse estudo a escola mercantilista. 
4
 A exceção dentre esses estudiosos e economistas a falar primeiro e explicitamente sobre 
desenvolvimento econômico foi Schumpeter, em seu livro “A Teoria do Desenvolvimento 
Econômico” de 1911. 
 
 
7 
Assim, redefine as bases conceituais para o entendimento desse tema e cria novas 
categorias teóricas (Schumpeter, 1982) que permitem uma análise inédita dos saltos 
qualitativos existentes no mundo concreto. Para ele, o processo de desenvolvimento 
econômico é resultante de mudanças revolucionárias, não mais vinculadas ao passado, 
geradas no bojo do sistema produtivo econômico e embasado na inovação tecnológica, 
promovida pelo empresário inovador. A inovaçãoé definida como um processo de orientação 
inédita dos fatores de produção. O desenvolvimento seria, em última instância o resultado 
disso que ele chamou por destruição criativa (Schumpeter, 1982). 
A ideia de desenvolvimento ficou adormecida durante o período de guerras que se 
seguiu. Reapareceu somente após 1945, quando houve uma enorme transformação do 
ambiente e a palavra de ordem tornou-se reconstrução, factível somente com os recursos e a 
liderança do setor público. 
Segundo Müller (1998), foi nesse ambiente que as teorias de desenvolvimento 
surgiram nos países capitalistas centrais
5
, alinhavadas por um protagonismo estatal, motivado 
pela consolidação de um bloco rival ao capitalismo e potencializadas pelo surgimento de um 
conjunto de organismos e instâncias de cooperação internacionais. 
De acordo com Enríquez (2010), as teorias do desenvolvimento pós 1945 podem ser 
divididas em quatro principais linhas de abordagem. Com alguns ajustes e o acréscimo de 
uma quinta linha, a mesma lógica foi usada nesse estudo. A primeira delas agrega as teorias 
clássicas de crescimento, nas quais crescimento e desenvolvimento se confundem 
integralmente. A segunda linha diz respeito às teorias de inspiração marxista ou neomarxista, 
que representam uma crítica aos modelos dominantes de crescimento. A terceira linha, as 
teorias institucionalistas ou neoinstitucionalistas, procuram elucidar o papel desempenhado 
pelas instituições na determinação dos resultados socioeconômicos. A quarta, as propostas de 
desenvolvimento sustentável, que vão desde um reformismo liberal até proposições de ruptura 
sistêmica, algumas de orientação marxista. Por fim, a economia ecológica com a inserção 
explícita das preocupações quanto ao sobreuso dos recursos naturais. 
 
5
 Paralelamente, houve diversas outras formulações socialistas de desenvolvimento, que 
tiveram outro âmbito e outros organismos e instâncias de elaboração e aplicação, mas delas 
não se ocupou esse trabalho. 
 
 
8 
Assim, são ilustrativos do primeiro grupo os modelos de Harrod/Domar dos estágios 
lineares de desenvolvimento (Harrod, 1939; Domar, 1946) e de Robert Solow (1957), além 
das etapas de crescimento de Rostow (1961,1969). Comum entre eles é a premissa que 
desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico, que, por sua vez, depende da relação 
capital/produto para projetar o crescimento do país. 
Roberto Campos (Campos, 2000) salienta que o modelo Harrod e Domar serviu como 
receituário em um momento em que havia grande redundância de mão-de-obra na agricultura 
e o capital, composto por máquinas e equipamentos, era o fator mais escasso. Por conta disso, 
seu rendimento era linear, isto é, diretamente proporcional à quantidade disponível. Contudo, 
a realidade mostrou-se muito mais complexa do que o modelo e o próprio Domar chegou a 
reconhecer posteriormente essa simplificação. 
Solow (1957), seguindo as trilhas de Domar e de certa forma a subvertendo, chamou 
atenção para o princípio que ficou conhecido como produtividade total dos fatores. Nele, a 
produção não é função apenas do capital e do trabalho, mas também da tecnologia e, portanto, 
a longo prazo, o crescimento é função das mudanças tecnológicas e não da taxa de 
investimento, a qual determina somente o nível do produto. 
Rostow (1961, 1969) encontrou uso à “teoria dos estágios lineares” de Domar, 
popularizando-a entre os planejadores desenvolvimentistas dos países industrializados, com 
vistas ao melhor caminho na transformação das sociedades agrárias subdesenvolvidas pelas 
potências econômicas desenvolvidas (Todaro, 1997). Assim, seria possível desenhar uma 
trajetória de modernização em países da América Latina, Ásia e África semelhante aos 
caminhos dos países então industrializados. 
A publicação de seu livro “Estágios do Crescimento Econômico”6 em 1960 veio a 
preencher a lacuna econômica para justificar as razões de um intervencionismo econômico-
financeiro que se seguiu nos países de base agrária ou industrial fraca por parte dos países 
centrais. A obra classificava o desenvolvimento em cinco estágios econômico a ser percorrido 
por determinada economia nacional até que esta chegasse à "decolagem" para o 
desenvolvimento autossustentado. 
Situam-se no segundo grupo os posicionamentos teóricos à esquerda do espectro 
ideológico, que representam uma crítica aos modelos anteriores de crescimento. Nessa linha 
 
6
 Texto disponível em: https://moodle.ufsc.br/mod/resource/view.php?id=339387 Acesso em 
2/2/2013 
 
9 
destacam-se aqui as teses estruturalistas da Comissão Econômica para a América Latina e o 
Caribe-Cepal, as distintas interpretações da “escola da dependência” e os trabalhos de Celso 
Furtado. 
Nos anos 1950, intelectuais da Cepal, instituição criada em 1948 pelo Conselho 
Econômico e Social das Nações Unidas, fizeram a crítica à lei das vantagens comparativas
7
, 
dando fundamentação econômica à política de industrialização com participação ativa do 
Estado, além de haverem formulado a teoria estruturalista da inflação
8
 (Bresser-Pereira, 
2005). 
A Cepal pôde contar com a sinergia intelectual de expoentes do pensamento 
econômico da época que compartilhavam os mesmos pressupostos como Raul Prebish, Aníbal 
Pinto e Oswaldo Sunkel. Dentre eles, Celso Furtado. Para Furtado, o desenvolvimento devia 
ser o produto de uma estratégia nacional de industrialização e para legitimá-lo seria 
necessário fazer a crítica da lei das vantagens comparativas (Furtado, 1974). 
Em uma linha consistente com as ideias da Cepal à época, afirmou ele que a América 
Latina caminhava para a estagnação devido à utilização de uma tecnologia trabalho-intensiva 
e à concentração de renda que ela provocava (Furtado, 1974; Bresser-Pereira, 2005). Somava-
se a isto o fato de que, ao contrário do que previa a teoria do comércio internacional, os 
aumentos de salários nos países centrais não resultavam em baixa de preços, mas em aumento 
de salários proporcionais aos aumentos de produtividade, enquanto o mesmo não acontecia 
nos países em desenvolvimento com os ganhos de produtividade. Daí resultava a tese de que 
havia uma tendência secular à deterioração dos termos de intercâmbio (Bresser-
Pereira, 2005). 
Quanto às distintas interpretações da chamada “escola da dependência”, estas se 
manifestam em três versões: a da dependência associada, a nacional-dependente e a teoria da 
superexploração capitalista. Frequentemente, a teoria da dependência é confundida com a 
 
7
 Ao contrário do que pressupunha a teoria econômica clássica, a aplicação da lei das 
vantagens comparativas não permitia que os ganhos de produtividades que ocorriam com a 
industrialização nos países centrais se transformassem em baixa dos preços, beneficiando os 
países em desenvolvimento. 
8
 As origens reais da inflação se encontrariam nos problemas estruturais do desenvolvimento 
econômico do país. Isto significa necessariamente que o próprio processo de desenvolvimento 
teria que ser afetado pelas condições inflacionárias em que o mesmo ocorria. 
 
10 
teoria do imperialismo
9
, quando, a rigor é uma crítica dessa teoria, especialmente quando 
supõe a possibilidade de uma revolução nacional nos países periféricos com a participação 
ativa das diversas elites nacionais, a começar pela burguesia nacional (Bresser-Pereira, 2005). 
Resumidamente, a teoria da dependência em sua versão associada e, salvaguardadas as 
especificidades, também na nacional-dependente afirmavam que a teoria do imperialismo 
equivocava-se ao afirmar que os países centraisseriam contrários à industrialização dos países 
periféricos latinoamericanos. Tanto não era assim que as empresas multinacionais estavam, 
desde os anos 1950, investindo em plantas industriais na região. As empresas multinacionais e 
o capital financeiro internacional não impedem, mas condicionam o desenvolvimento 
econômico (Bresser-Pereira, 2005). 
Em sua versão da superexploração capitalista, a teoria da dependência adotou um 
raciocínio linear, muito próprio de um marxismo que se pretendia ortodoxo. Dada a 
impossibilidade da existência de uma burguesia nacional, não restaria alternativa para os 
trabalhadores, ou para as esquerdas, senão trabalhar pela revolução socialista (Bresser-
Pereira, 2005). 
Em terceiro plano temos as teorias neoinstitucionalistas, que procuram elucidar o 
papel desempenhado pelas instituições na determinação dos resultados socioeconômicos. O 
principal objeto de estudo são as instituições políticas e econômicas e as regras formais e 
informais que conformam a cultura, o comportamento dos agentes e as organizações sociais. 
Nessa perspectiva têm-se as teses de Douglas North, Robert Putnam e algo de Joseph Stiglitz. 
O institucionalismo original, de Veblen, de inícios do século XX ocupava-se em negar 
que os padrões de consumo fossem o resultado do cálculo racional dos ganhos, como queriam 
os economistas clássicos, ou as perdas marginais, como queriam os neoclássicos, inaugurando 
outro viés explicativo. Afirmava que tais padrões eram, isto sim, o resultado do hábito de 
“exibição emulativa” de imitar outros padrões de consumo (Veblen, 1994a, 1994b). 
Os neoinstitucionalistas reencaminharam essa preocupação em outra direção. North 
(1981), em sua conceituação clássica, afirma que as instituições podem ser interpretadas como 
sendo as regras de um jogo. Do ponto de vista socioeconômico, a principal fonte das 
mudanças nestas regras residiria nas mudanças ocorridas nos preços relativos, que alterariam 
 
9
 A teoria do imperialismo foi inicialmente desenvolvida por Hobson, que não era marxista. 
Foi mais tarde adotada por Lenin. Já a teoria da dependência, tanto na versão da 
superexploração capitalista quanto na da dependência associada, tem clara origem marxista. 
 
11 
os incentivos dos agentes econômicos no processo de interação. Outra fonte de mudança 
institucional seriam as alterações nas preferências dos indivíduos (North, 1990). Em North 
(1990), há uma preocupação evidente em aprofundar a interrelação entre o político e o 
econômico para além da simples relação entre o governante em busca de receita fiscal e a 
sociedade que demanda a definição de direitos e oferta de bens públicos. O desenvolvimento 
derivaria, em última instância, da harmonização e fluidez dessa interrelação. 
Quase na mesma linha de North, Robert Putnam preocupa-se em responder o porquê 
de alguns governos democráticos terem bom desempenho e outros não, e quais são as 
condições necessárias para se criar instituições fortes, responsáveis e eficazes promotoras de 
desenvolvimento. Segundo Putnam (1996), nesse recorte teórico institucionalista as 
instituições influenciam o resultado porque dialeticamente moldam a identidade, o poder e a 
estratégia dos atores, enquanto seu desempenho prático é moldado também pelo contexto 
social em que elas atuam. O desenvolvimento é o resultado dessa interação. 
A diferença de pensamento desses dois autores institucionalistas no tocante a essa 
questão é bastante sutil. Para Putnam (bem como para North), as instituições seriam as “regras 
do jogo”, as normas que regem a tomada de decisões coletivas, o palco onde os conflitos se 
manifestam e, às vezes, se resolvem. Mas Putnam acrescenta outro aspecto à definição das 
instituições: elas seriam mecanismos para alcançar propósitos, não apenas com o fim de 
alcançar acordos, ou seja, as pessoas querem que o governo faça coisas, não apenas decida 
coisas. 
Na vertente do neoinstitucionalismo que foca nas instituições e desempenho 
econômico, Stiglitz faz coro a North (1990) e a Putnam (1996), por entender que as 
instituições desempenham um papel decisivo na dinâmica e no desenvolvimento de qualquer 
sistema econômico. Por meio delas é possível explicar o êxito ou fracasso, o crescimento ou a 
estagnação de um sistema socioeconômico. 
Finalmente, têm-se as propostas de desenvolvimento sustentável, consubstanciado 
originalmente no Relatório Brundtland
10
 (Comissão Mundial de Meio Ambiente e 
Desenvolvimento, 1991), adensadas por propostas de mercantilização da natureza por meio de 
 
10
 Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-
Comum-Em-Portugues Acesso em 25/02/2013 
 
12 
inúmeras ferramentas de valoração, chamadas por economia verde
11
, até as proposições de 
ruptura sistêmica, que argumentam sobre a impossibilidade lógica da existência do 
desenvolvimento sustentável, como as de Goldsmith (1972, 1995), Altvater (1989, 1995), e 
Martinez-Allier (1994). A meio caminho há os que veem o desenvolvimento sustentável 
como uma construção possível, desde que respeitados os critérios de justiça social, eficiência 
econômica e prudência ecológica. É o caso de Pearce (1989, 1991) e Sachs (1981,1993). 
Das críticas ao consumismo e ao sobreuso dos recursos naturais que pautaram a 
agenda do inconformismo da década de 1960, passando nos anos 1970 pelo alerta do 
descompasso no crescimento populacional face ao crescimento e disponibilização da 
produção, chegou-se aos anos 1980 com uma proposta de pacto de conciliação entre 
crescimento econômico e conservação da natureza, o desenvolvimento sustentável, o qual tem 
sido, daí em diante, alterado ao sabor das conveniências econômicas e políticas de toda sorte, 
ora incorporando, ora expurgando elementos, impossibilitando-lhe a devida conceituação. 
Edward Goldsmith (1972, 1995), vê o pacto como um oxímoro. Adepto do ecologismo 
radical, enxerga no progresso técnico-científico e na sociedade industrial inconsistências que 
arrastam para a morte, senão a natureza inteira, com certeza a humanidade. Rejeita a ideia de 
que o sistema pode ser transformado de forma a conciliar criação de riquezas, bem-estar 
material e preservação do planeta. Já em 1972 publica com coautores o Manifesto pela 
Sobrevivência (Blueprint of Survival), no qual atribuía a culpa da degradação da natureza à 
ideologia do consumismo do supérfluo. 
O pensamento de Altvater quanto ao desenvolvimento sustentável o coloca numa 
posição distanciada do ecofundamentalismo, do reformismo sustentável e do pensamento 
marxista radical, esse último postulante de uma implosão do capitalismo por conta de crises 
sociais ou econômicas inerentes à sua própria lógica funcional. O que ele não exclui, 
entretanto, é a possibilidade de um colapso do sistema ecológico global, com consequências 
sociais imprevisíveis (Altvater, 1995). 
 
11
 A definição mais largamente utilizada para a economia verde foi cunhada pelo Programa 
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), sendo considerada aquela que promove a 
melhoria do bem-estar humano e da igualdade, e, ao mesmo tempo, reduz significativamente 
os riscos ambientais. As três características principais das atividades dessa economia são: 
reduzir a emissão de carbono, ser eficiente no uso de recursos naturais e ser socialmente 
inclusiva. 
 
13 
Joan Martinez-Alier defende a ideia de que o mundo hoje está diante de um conflito 
ecológico global que opõe desenvolvimento econômico, que favorece a poucos, à degradação 
ambiental, socializada pela massa da população mundial.Visto como um economista 
ecológico, tornou-se um dos principais proponentes da corrente na economia ambiental 
batizada de ecologia popular, motivo pelo qual foi nesse estudo alocado no âmbito do 
desenvolvimento sustentável. 
Sua premissa é que os países e populações pobres na busca da sustentabilidade podem 
- e devem- se defender contra o desenvolvimentismo, incorporando nas suas atividades 
econômicas a prática da sustentabilidade ambiental e a cogestão das áreas para que as 
populações locais tenham benefícios e que recebam pagamentos por serviços ambientais 
proporcionados por suas ações de conservação (Martinez-Alier, 1994). 
David Pearce em seu trabalho Blueprint for a Green Economy (1989) afirma que o 
desenvolvimento sustentável tornou-se um artigo de fé, uma prova ou teste: muitas vezes 
citado, mas pouco explicado. Não desconsidera que há várias razões por que a 
sustentabilidade forte pode ser preferível à sustentabilidade fraca
12
. A não-substituibilidade, a 
incerteza e a irreversibilidade são razões estreitamente relacionadas (Pearce, 1989). 
Pearce argumenta que o requisito de manter constante o valor total do capital é 
consistente com “gastar” o capital natural – i.e. com a degradação ambiental, desde que o 
capital de origem humana possa ser substituído por capital natural -, pois, se no passado 
custos e benefícios ambientais não foram habitualmente quantificados e incorporados na 
análise, hoje o requisito do desenvolvimento sustentável de integração de fins ambientais e 
econômicos busca justamente integrar estes custos e benefícios ambientais atribuindo-lhes 
preços e incorporando-os nos cálculos (Pearce, 1991). 
Ignacy Sachs defende a ideia que o desenvolvimento ambiental não pode ser 
dissociado das questões sociais e econômicas. Mas para haver uma relação de equilíbrio entre 
 
12
 A sustentabilidade fraca propõe que basta apenas manter o estoque de capital total (natural 
e artificial) ao longo das gerações, defendendo que caso o capital natural diminua, essa 
diminuição poderá ser compensada pelo aumento do capital artificial. A sustentabilidade forte 
defende que o capital natural deve ser mantido ou aumentado entre as gerações, não sendo 
ambos os tipos de capital substitutos, mas sim complementares, devendo ser geridos em 
separado. 
 
 
14 
essas vertentes, é preciso intervenção do Estado para conter o mercado, que de forma geral 
não se preocupa com os custos sociais e ambientais (Sachs, 1993). 
A partir dele e Maurice Strong, foi desenvolvido o termo ecodesenvolvimento (Sachs, 
1981), que se popularizou a partir da Rio 92, evoluindo para desenvolvimento sustentável, 
mais usado atualmente. O discurso do desenvolvimento sustentável trata a realidade de forma 
holística, pois entende viver-se hoje em uma economia público-privada, na qual as decisões, 
os projetos, os investimentos não estão em uma só mão, havendo uma multiplicidade de 
atores que têm interesses distintos, muitas vezes conflitivos (Sachs, 2006). 
Por fim, uma quinta linha, desenquadrada da tipologia básica proposta por Enriquéz 
(2010), é a economia ecológica, que fixa os seus pressupostos na justiça distributiva dos 
recursos naturais e ambientais (Daly,1996) e nos limites ecossistêmicos ao desenvolvimento 
(Georgescu-Rogen, 1971). 
O pensamento de um de seus expoentes, Daly, ajuda a embasar teoricamente este 
trabalho e, de acordo com ele, é impossível à economia mundial crescer sem pobreza e 
degradação ambiental, sendo o desenvolvimento sustentável um oxímoro somente possível de 
ser ajustado a partir de modificações substitutivas de cunho qualitativo (Daly, 1996). 
A ideia de desenvolvimento permitiu diferentes abordagens ao longo do tempo, 
gerando uma multiplicidade de interpretações. Nenhuma dessas propostas deixou de mostrar 
caminhos. O que teria dado errado, então, visto que, independentemente da abordagem, se 
crescimentista ou sustentável, a justiça socioambiental qualitativamente próspera ainda não se 
estabeleceu? Que alternativa pode ser então proposta? Disso tratará as seções seguintes desse 
trabalho. 
 
 
3. DA ECONOMIA SOLIDÁRIA 
Segundo Singer (2002), a definição da economia solidária está ligada à associação do 
trabalhador aos meios de produção. A finalidade básica da empresa solidária não é maximizar 
lucro, mas a quantidade e a qualidade do trabalho. A empresa solidária é basicamente de 
trabalhadores, que apenas secundariamente são seus proprietários. 
Uma conceituação similar, mas de espectro ampliado por incorporar outras dimensões 
da economia solidária, foi explicitado por Nascimento (2011). Para ele a economia solidária é 
sinônimo de socialismo autogestionário e compreende três instâncias fundamentais: 
 
15 
i) a socialização dos meios de produção, implicando a abolição da 
propriedade privada dos recursos produtivos e sua substituição pela 
propriedade social; ou seja, a autogestão social; 
ii) a socialização do poder político, a participação dos cidadãos livres 
e iguais na formação coletiva de uma vontade política e no exercício 
direto da autoridade, ou seja, a democracia direta; 
iii) a transformação do mundo das relações intersubjetivas, no sentido 
da afirmação da solidariedade; ou seja, a revolução cultural do 
cotidiano (Nascimento, 2011, p. 99). 
Nascimento entende que o conceito de economia solidária deve ser traçado até as suas 
origens para não se permitir vê-lo descaracterizado além de um limite possível pelas diversas 
formas contemporâneas de economias solidárias. Seu núcleo duro deve assentar-se sobre 
quatro pilares: autogestão, preço justo, solidariedade e questionamento ao desemprego 
estrutural e à precarização do trabalho sob a hegemonia do capital em todos os seus 
momentos e nuances, ainda mais em época de globalização produtivo-financeira como a atual. 
. Além disso, a cultura do movimento operário, com seus valores de autonomia e 
mutualismo, encontram eco na proposta autogestionária da economia solidária, como 
expressão de democracia econômica e gestão coletiva (Nascimento, 2011). A economia 
solidária tem por conteúdo a manutenção das bases solidárias da produção e reprodução 
humana com suas atividades, com vistas a garantir-lhe ampla satisfação. Em tese, essa ideia 
traz consigo a subversão do modelo produtivo ao impor-lhe outra lógica que não a lógica da 
valoração cêntrica do capital. 
Diferentemente de outras formas participativas no contexto das relações sociais do 
capital, a autogestão é o ingrediente chave que define o campo da economia solidária 
(Nascimento, 2011). Um empreendimento solidário não deve ser confundido com aqueles 
existentes nos moldes do chamado “empreendedorismo popular” que são, as micro e 
pequenas empresas capitalistas, os arranjos produtivos que subordinam os pequenos 
produtores a uma ou várias grandes empresas e, muito comum no Brasil, as cooperativas de 
modelo tradicional tipo OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras)
13
. 
 
13
 A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) é o órgão máximo de representação das 
cooperativas no Brasil. Criada em 1969, tem entre suas atribuições a promoção, fomento e 
defesa do sistema cooperativista, em todas as instâncias políticas e institucionais. 
 
16 
Assim, a proposta de economia solidária baseada na autogestão significa, estrito senso, 
um corte epistemológico na lógica do modelo produtivo vigente, ao lastrear-se em “relações 
sociais novas, coletivistas, igualitárias e fundadas em práticas de democracia direta nos 
espaços de produção e da sociedade em geral” (Sardá e Novaes, 2011, p. 155). 
Ocorre que, na prática,economia solidária e empreendimentos solidários são 
usualmente tomados um pelo outro. Se por um lado, a amplitude dos conceitos de Singer e 
Nascimento dão feições à economia solidária que a deixa mais próxima a de uma proposta 
civilizatória, uma utopia; por outro, nota-se ainda sua indefinição. O próprio Nascimento 
afirma que a economia solidária pode ser caracterizada como “o conjunto de 
empreendimentos produtivos de iniciativa coletiva, com um certo grau de democracia interna 
e que remunera o trabalho de forma privilegiada em relação ao capital, seja no campo ou na 
cidade” (Nascimento, 2011, p. 91). 
Mas talvez resida aí a maior virtude e a maior fraqueza da economia solidária. O apelo 
de suas proposições carrega em si algo intrinsecamente positivo, mas sua operacionalização 
na consecução tem sido lenta, senão frágil. Isso porque o capitalismo é um sistema totalizante 
e integrado em escala mundial e a sua “reprodução exige que as relações sociais que lhe dão 
substância se estendam a todas as esferas da vida social” (Sardá e Novaes, 2011, p. 170), 
quase sem deixar brechas, permitindo apenas dentro de determinados limites que outras 
formas produtivas se estabeleçam. 
 
4. DA SUSTENTABILIDADE 
Segundo Veiga (2005), a palavra sustentabilidade possui tantos sentidos que sua 
própria origem foi esquecida. Incorporado pelo Relatório Brundtland, a noção polissêmica de 
sustentabilidade derivou numa expressão, pretensiosa e vaga: desenvolvimento sustentável, 
que tornou-se quase universalmente aceita. Para Amazonas (2002), isso se explica porque 
essa noção 
reuniu sobre si posições teóricas e políticas contraditórias e até mesmo 
opostas. E isso só foi possível exatamente porque ela não nasceu 
definida: seu sentido é decidido no debate teórico e na luta política. 
Sendo assim, sua força está em delimitar um campo bastante amplo 
em que se dá a luta política sobre o sentido que deveria ter o meio 
ambiente no mundo contemporâneo (Amazonas, 2002, p. 8). 
 
17 
 
Segundo Nascimento e Costa (2010), o conceito de sustentabilidade melhor seria 
definido se conformado num campo social novo, o campo da sustentabilidade, de modo a 
garantir a reprodução da espécie humana em boas condições, remetendo à durabilidade do 
gênero humano em condições tais que todos possam desenvolver suas potencialidades. 
A ideia de campo encontra-se originalmente em Bourdieu
 
(1983a, 1983b, 1990, 2004, 
2007). Um campo é parte de uma arena ampla de disputa com objetos, agentes e regras 
próprias, onde estão presentes o campo econômico, político, empresarial, jornalístico e as 
ciências sociais 
Um campo é como um jogo que se joga segundo as regras, mas no qual se pode 
também jogar para modificá-las (Bourdieu, 1983b). Assim, diferentemente dos jogos comuns, 
suas regras não são externas, mas intrínsecas, e podem ser alteradas de maneira a contribuir 
para a criação, manutenção e reprodução do campo. 
Ao criar a noção de campo como um espaço específico com regras próprias, Bourdieu, 
a exemplo de outros clássicos da sociologia, centrou a análise sociológica não sobre pessoas 
ou objetos, mas sobre relações sociais. Assim, os habitantes de um campo são chamados 
agentes e sua presença é reconhecida quando atuam transformando o campo (Bourdieu, 
2004). 
Tratar a sustentabilidade sob essa ótica é retirar-lhe a possibilidade estreita de ser 
conceituada, atribuindo-lhe, no máximo, o status de uma noção. Isso, longe de significar uma 
limitação, ao contrário, a fortaleceria, pois, de forma plástica e transformadora, compartilharia 
de elementos comuns a outros campos (Nascimento e Costa, 2010). 
Hoje, no campo da sustentabilidade, a ideia ou corrente do desenvolvimento 
sustentável ocupa uma posição hegemônica, obrigando as outras correntes a se referirem a 
ele. As injunções econômicas, políticas e ambientais que fizeram com que ele adquirisse essa 
proeminência é assunto que ainda carece de consenso, variando a explicação pelo matiz 
ideológico de quem explica. Assim, ela vai da percepção de uma real preocupação por parte 
daqueles que detém a hegemonia econômico-financeira planetária às explicações radicais de 
refazimento e realimentação do ciclo de acumulação do capital da parte do marxismo mais 
radical. 
Contudo, o campo da sustentabilidade, diferentemente dos conceitos de biocentrismo, 
ecocentrismo e preservacionismo, que atribuem valor intrínseco à natureza, valoriza a 
 
18 
natureza somente enquanto ethos fundamental à adequada existência da espécie humana. A 
sobrevivência do ambiente natural é, por isso mesmo, somente uma parte de seu escopo. 
Assim, o que se tenta conceituar por sustentabilidade deveria ser melhor interpretado e 
ter seu escopo alargado para além do conceito biológico original, do conceito econômico 
mecanicista, e mesmo do conceito contido no termo desenvolvimento sustentável com o qual 
muitas vezes se confunde. 
Dever-se-ia situá-la, portanto, não nas estreitezas de um conceito, mas na vastidão de 
um campo, que poderia ser chamado de campo da sustentabilidade. Esta simples adequação 
de termos, aparentemente preciosista, permitiria livrar a ideia de uma má formação congênita, 
por assim dizer, abrindo espaço para a devida exploração de suas reais potencialidades e 
sinergias na implantação de uma ordem socioambientalmente justa. 
 
5. ECONOMIA SOLIDÁRIA, SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO 
Nesta seção se procura fundir as ideias de economia solidária, sustentabilidade e 
desenvolvimento, no âmbito de um novo campo da sustentabilidade solidária. No âmbito da 
economia solidária as relações autogestionárias são antagônicas àquelas centradas no capital e 
por conta disso os empreendimentos solidários vêm encontrando dificuldade para se 
manifestar em larga escala. A sustentabilidade, ao permitir que o desenvolvimento 
sustentável, com toda a fragilidade conceitual que carrega, lhe defina os parâmetros de 
atuação, agindo como o seu controlador de campo, não consegue se firmar como alternativa 
ao modelo produtivo vigente (Nascimento e Costa, 2010). 
A proposta deste estudo é integrar duas ideias: o rompimento deste isolamento 
econômico da economia solidária por meio da formação de redes de intercâmbio para a 
produção que concorra com o mercado, e a sua viabilização em base sustentável em um 
campo mais amplo. 
Na trilha aberta por Sardá e Novaes (2011), a passagem da economia solidária de 
projeto de sociedade à realidade dependerá de seu adensamento em rede, considerando que o 
isolamento econômico dos empreendimentos solidários acaba favorecendo o estabelecimento 
de relações com o mercado e não entre si. Ademais, isso tem rebatimento na questão 
tecnológica e ambiental que, por não serem devidamente considerada nos projetos 
empreendidos, acabam também por favorecer o desenvolvimento de relações sociais de 
 
19 
produção capitalistas no interior desses empreendimentos como forma de superação dessa 
dificuldade. 
Aliada a essas considerações, a ideia contida nas proposições de Daly (1968, 1974, 
1989, 1996), identifica a busca por um modelo de desenvolvimento que contemple os limites 
ambientais e sociais com proposições de bem estar qualitativamente desvinculadas de 
crescimento. Isso, para ele, não implica dizer decrescimento ou a perpetuação em um estado 
de coisas identificado como estacionário. Nesse modelo, caberá à técnica e à inovação, 
alinhadas às aspirações sociais, induzirem qualitativamente o crescimento. 
Os empreendimentos solidários articulados em amplas e variadas redes que se verifica 
a partir dos dados da Senaes/MTE
14
 mostram-se numericamente tímidos e no geral isolados 
ou pouco articulados. Pouco adensada e articulada,a economia solidária não consegue 
contribuir para alterar o paradigma utilitarista que tem marcado tradicionalmente a relação 
entre o capital e o trabalho. Algo similar pode ser dito quanto à sustentabilidade e a relação 
nela existente entre o capital e o ambiente natural. Na prática, essas relações continuam sendo 
enfocadas sob um ponto de vista meramente instrumental, servindo à ampliação do capital e 
preservação de grupos sociais privilegiados. 
É possível que essa prática isolacionista da economia solidária e da sustentabilidade 
colabore para seus resultados fracos e paliativos que se observa manifesto na dupla crise 
socioambiental. Decerto, o processo de “solidarização” da economia encontra sérios 
obstáculos à sua implantação. De igual forma a sustentabilidade, quando ampliada para além 
dos limites do desenvolvimento sustentável. 
 Aqui interessa ressaltar que são obstáculos, não impedimentos, pois o próprio 
funcionamento do modelo produtivo permite-se ao luxo de acomodar “economias paralelas”, 
dentro de certos limites, sem que isso venha a comprometer o seu funcionamento ou o seu 
crescimento. Não é incomum que muitas empresas e organizações, estrategicamente, se 
aproveitem desse discurso, implantando medidas de sustentabilidade e solidariedade com 
impacto redutor sobre os seus custos, aumentando fortemente suas margens de lucratividade. 
Quanto ao termo desenvolvimento, chega a ser irônico que etimologicamente 
signifique desvínculo, o oposto do que aqui se propõe. Gonçalves, resgatando a etimologia do 
termo (2002), diz que 
 
14
 Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp Acesso em: 
25/02/2013 
 
20 
(...) o significado do que seja desenvolvimento [...], antes de qualquer 
outra coisa, é des (+) envolver, isto é, quebrar o envolvimento dos 
homens e mulheres entre si e com a terra, com a água, com as plantas, 
com os animais, com o sol, com a lua [...]. Assim, des (+) envolver é 
separar aqueles homens e aquelas mulheres da natureza; é torná-los 
livres dela (Gonçalves, 2002, p. 259). 
 
O significado que aqui se quer dar ao termo é justamente seu oposto etimológico: 
integração. Para tanto, a alternativa aqui proposta se apoia na fusão das ideias de economia 
solidária e de sustentabilidade. 
Relocando o termo desenvolvimento para fora da esfera de influência do discurso 
liberal transferindo-o para a esfera do discurso do desenvolvimento sustentável, verifica-se a 
existência da mesma lógica sistêmica, pouco distributiva dos resultados do crescimento, 
apenas agora matizada pelas cores socioambientais. Inexoravelmente, o mundo dos negócios 
sujeita-se a fechamentos de balanços empresariais anuais, e a distribuição dos resultados entre 
seus cotistas ou acionistas. A sustentabilidade, então, é um componente desse resultado, não 
uma questão de ética do bem comum. 
Isoladamente, a economia solidária luta com considerável dificuldade para gerar a 
sustentação econômica de seus empreendimentos. Isso se deve às barreiras que vem 
encontrando para constituir-se numa ampla e variada rede de cadeias produtivas locais, 
nacionais e internacionais. 
Ademais, da mesma forma que qualquer empresa ou negócio inserido na economia 
capitalista, os empreendimentos [inclusive os solidários] acabam por sofrer os mesmos efeitos 
de expansão e retração da ciclotomia inerente ao funcionamento do sistema (Marx, 1996), 
refletindo os movimentos peristálticos das economias onde estão situados, que por sua vez 
espelham os movimentos da economia global. 
Percebe-se, pois, que a dupla crise ambiental e social, derivada da lógica funcional 
capitalista dos últimos duzentos e cinquenta anos, não pode ser superada isoladamente pelo 
advento do desenvolvimento sustentável ou da economia solidária. Ganha espaço, então, uma 
nova abordagem, moldada sob uma ótica integrativa dos seres humanos à natureza e ao 
trabalho não disruptivo. A economia solidária e a sustentabilidade, juntas, têm esse potencial. 
Mas, como operacionalizar um projeto de mudanças como esse? 
 
 
21 
6. DA TEORIA À PRÁTICA 
Para operacionalizar esse projeto de mudanças é fundamental manter em mente que as 
expressões economia solidária e sustentabilidade significam um ajuste complementar à 
racionalidade dos modelos tradicionais de desenvolvimento aqui apresentados e que o 
“desenvolvimento é um problema [mais] complexo [porquanto] sua essência [resta num] 
tecido de problemas inseparáveis, exigindo uma reforma epistemológica da própria noção de 
desenvolvimento” (Morin e Terena, 2001, p. 9). 
Assim,
 
quando se coloca no mesmo plano de ação desenvolvimento, economia 
solidária e sustentabilidade, uma melhor definição terminológica das suas proposições 
individuais é requerida, para que haja a integração e o consequente sucesso dessa fusão em 
um novo modelo socioeconômico solidário e sustentável. Sem isso, no máximo, 
individualmente retardarão os processos de exploração e deterioração social e ambiental, mas 
não empreenderão uma efetiva mudança paradigmática de rumos. 
O entendimento proposto do que deva ser traduzido por desenvolvimento exige, 
portanto, um outro enfoque. Nele não se propõe em absoluto renunciar ao crescimento 
econômico, mas ajustá-lo qualitativamente a uma nova dimensão social, ambiental e humana. 
Assim, esse novo entendimento deve servir como orientador das ações que a economia 
solidária e a sustentabilidade irão empreender para a superação da sobre-exploração natural e 
humana. 
Afastados os paradigmas liberais e desenvolvimentistas que enfatizam o mercado 
como cenário privilegiado das relações sociais e ambientais, gerando sua própria política 
social e ambiental comprometida com o capital, o conceito de desenvolvimento aqui proposto 
deve, para se estabelecer, necessariamente transitar por estradas alternativas. E esse é o ponto 
nevrálgico do processo: a transição. 
A proposta é ambiciosa, mas, não enseja processos revolucionários radicais, mas sua 
realização dentro da normalidade jurídica. Certamente as dificuldades não cairão por terra 
somente por conta da justeza da proposição nem do bom-mocismo de seus agentes. É preciso 
boa dose de paciência e muita estratégia para se empreender tal mudança paradigmática. 
Assim, entre o dente da engrenagem da economia solidária que se propõe seja ajustado ao 
dente da sustentabilidade, existem rebarbas a serem limadas. É preciso, antes de tudo, alargar 
a densidade numérica de empresas que utilizam preceitos solidários, colocá-las em rede e 
inserir-lhes concomitantemente os preceitos da sustentabilidade. 
 
22 
Sabe-se que o número de empreendimentos solidários está longe de traduzir-se em 
massa crítica, mas ao menos pode-se dizer que ele é crescente, segundo dados da 
Senaes/MTE
15
. Existem hoje no Brasil cerca de 380 empresas que são autogeridas e cerca de 
15.000 empreendimentos econômicos solidários de vários tipos alguns já atuando em rede
16
. 
A própria existência do “Fórum”, de natureza não-governamental, já é um indício de que 
mudanças configuram-se no horizonte, mas não necessariamente no sentido aqui proposto. 
Da mesma forma, existe um número grande de empreendimentos “sustentáveis”, de 
bancos a mercadinhos, que se utilizam desse adjetivo como plataforma de diferenciação e 
aumento de lucratividade. Esse é o estado quantitativo e qualitativo da arte sobre o qual se 
deseja criar algo novo. 
Dessa forma, ciente da baixa densidade numérica de empreendimentos geridos sob a 
lógica da economia solidária e de sua dificuldade no ganho de densidade
17
, devido ao 
complexo e demorado processo de construção de redes solidárias;e também ciente da 
impossibilidade de a sustentabilidade, hoje confundida com desenvolvimento sustentável, 
promover isoladamente a superação do modelo produtivo, propõe-se aqui uma junção de 
esforços para que surja uma “sustentabilidade solidária”. Tamanha transformação oferece 
possibilidades de causar uma remodelação, uma radical alteração do modelo produtivo em 
parâmetros socioambientalmente justos e duradouros, e não somente mais uma remodulação, 
um ajuste, cosmético e passageiro. 
Processualmente, para o sucesso dessa proposição, sua instrumentalização deve 
ocorrer pelo uso de um “óleo” que azeite a engrenagem motora da economia solidária em seu 
engate e subsunção à sustentabilidade. Tal óleo, pode ser traduzido como o alargamento das 
cadeias produtivas solidárias e sustentáveis em rede e com empresas autogeridas, 
concomitantemente “aditivadas” por inovações tecnológicas. 
 
15
Disponível em: http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp Acesso em 
25/02/2013 
16
 Disponível em: http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61
&Itemid=57 Acesso em 25/02/2013 
17
 Disponível em: http://www.uff.br/incubadoraecosol/docs/ecosolv1.pdf Acesso em: 
25/02/2013 
 
23 
A figura 1 expressa graficamente as questões levantadas neste estudo e a solução aqui 
proposta. Nele se apresentam as pressões ambientais e sociais como as deflagadoras do 
processo. 
 
 
Figura 1 - Proposta de modelo de desenvolvimento socioambiental: a Economia Solidária 
Sustentável 
Fonte: o autor 
 
Tomado que foi pelo ideário do desenvolvimento sustentável, o campo da 
sustentabilidade confundiu-se com ele, contaminando-se de suas imprecisões, mantendo-o, 
por conta disso, em estado de permanente tensão. As questões sociais, por seu turno, que em 
momentos de crise pressionam o sistema e em momentos de expansão se acomodam a ele, 
vêm enfrentando duas novas contingências estruturais: o encurtamento dos ciclos de expansão 
e retração econômica (Bresser-Pereira, 1986) e a mecanização crescente da indústria e dos 
serviços. Essas contingências se comportam como válvula de escape para o modelo produtivo 
capitalista. 
Incompatibilidade com a 
exploração 
Desenvolvimento 
Sustentável 
Ganho de densidade 
em sustentabilidade 
Incorporação gradativa 
de práticas sustentáveis 
Pressão sobre o 
sistema para a 
manutenção 
de práticas sustentáveis 
Dificuldade de mudança 
no modelo produtivo 
Economia 
Solidária 
Ganho de densidade 
em produção solidária 
Alargamento das 
cadeias produtivas 
 
Novo status da 
Economia Solidária 
Alargamento do campo da 
sustentabilidade e retomada do 
movimento de expansão e 
degradação 
Forças entre modelo 
capitalista e modelo 
econômico-solidário 
sustentável: permanência 
ou modificação do modelo 
produtivo 
 
24 
Apesar disso, a superação das imprecisões, contidas em cada uma das duas ideias - 
economia solidária e sustentabilidade- em ações conjuntas e sinérgicas, revela potencialidade 
na materialização da proposta aqui entabulada. 
Questionável no longo prazo pelas contradições sistêmicas que o cercam, o 
desenvolvimento sustentável apresenta, contudo, no curto e médio prazo, ações positivas de 
incorporação gradativa de práticas sustentáveis no âmbito da economia capitalista. Práticas 
essas que podem ser maximizadas quando inseridas numa proposta conjunta com a economia 
solidária. 
Enquanto isso, a economia solidária, como proposta de superação, esbarra em 
limitações que a impedem de prosperar sozinha. A superação desses entraves diz respeito à 
premência do alargamento das cadeias produtivas solidárias em rede, única forma de ganhar 
densidade e massa crítica para se colocar como alternativa sistêmica. Aproveitando-se dos 
movimentos de curto e médio prazos do desenvolvimento sustentável, a economia solidária 
deve ter por estratégia deixar-se levar por esse movimento, que lhe imporá novos modos de 
produzir e consumir. Esses, uma vez incorporados em rede, passarão a pressionar o sistema 
produtivo capitalista por sua manutenção. 
Quando, por questões estruturais, o sistema encontrar resistência à sua manutenção, 
um novo embate se estabelecerá, carregado de novas e imprevisíveis possibilidades. Uma 
delas, a depender da sinergia gerada pela retroalimentação constante dos pontos de contato 
entre economia solidária e desenvolvimento sustentável será paradigmática, a 
“sustentabilidade solidária”. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
No decorrer deste trabalho foram apresentadas algumas ideias sobre desenvolvimento, 
economia solidária e sustentabilidade, apontando-se para algumas de suas nuances e até 
imprecisões. A análise teve por base o contexto contemporâneo dos últimos duzentos e 
cinquenta anos, centrado primordialmente na expansão, manutenção e reprodução do capital 
em nível global. Nesse período, o trabalho e o mundo natural foram considerados somente 
tangencialmente, enquanto elementos dessa lógica. 
Repensar o desenvolvimento, considerando a fusão da economia solidária com a 
sustentabilidade é demandar por mudanças que vão além da operacionalização de simples 
paliativos. Para que a materialização dessa utopia se viabilize, impõe-se, por questões lógicas, 
 
25 
uma ruptura sistêmica, já que tais paliativos não contribuem para a solução de longo prazo da 
crise ambiental e social instaurada. 
Essa dupla crise, com seu desemprego estrutural, precarização do trabalho, renda 
estacionada aos níveis da sobrevivência ou pouco acima dela, distribuição muito irregular dos 
resultados, degradação ilimitada do ambiente natural e baixa qualidade de vida para a maior 
parte dos seres humanos no planeta, resiste em ser debelada. Assim é por conta de velhos 
paradigmas que dissimulam os reais processos e interesses que determinam esse estado de 
coisas. 
A imprecisão, algumas vezes voluntária, no trato conceitual das expressões aqui 
destacadas – desenvolvimento, economia solidária e sustentabilidade - acaba prestando um 
desserviço à construção de uma sociedade socioambientalmente justa. Isso porque, quando 
ressaltada tais imprecisões, aliadas às suas práticas pouco objetivas e totalmente 
comprometidas com o status quo, turva-se a vista dos seus impactos negativos sobre o hoje e 
o devir, na temporalidade humana. 
A ideia de propor um modelo no qual coexista, de maneira equilibrada, geração e 
ampliação das condições justas de trabalho e renda, sustentabilidade ambiental e crescimento 
econômico foi a motivação para este trabalho. Não se pretendeu apresentar uma solução 
definitiva para o problema social e ambiental face à lógica funcional produtiva dos últimos 
duzentos e cinquenta anos, mas questionar a operacionalidade das propostas contidas no 
âmbito da economia solidária e da sustentabilidade e propor-lhes novo arranjo produtivo com 
vistas a um desenvolvimento socioambiental harmônico. 
Retrospectivamente, o que se buscou nesse estudo foi suscitar o debate sobre três 
questões principais: i) avaliar a possibilidade de a economia solidária e o desenvolvimento 
sustentável promoverem, isoladamente, um projeto de desenvolvimento justo e; ii) propor um 
novo modelo socioeconômico e ambiental que supere a centralidade do capital e respeite os 
princípios da existência humana; e, iii) operacionalizar os conceitos de solidariedade e 
sustentabilidade para a construção de um novo paradigma existencial. Caso se tenha ao menos 
despertado no leitor o interesse por esse tema, enquanto exercício de pura utopia, o estudo 
terá cumprido o seu papel. 
 
 
 
 
26 
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS 
ADORNO, T.W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar Editor. 1985 
AMAZONAS, M. C. Desenvolvimento sustentável e a perspectiva das teorias econômicas 
institucionais. In: NOBRE, M.; AMAZONAS, M. C. Desenvolvimento sustentável: a 
institucionalização de um conceito. Brasília: Ed. Ibama. 2002 
ALTVATER, E. Ecological and Economic Modalities of Time and Space. Capitalism-
Nature-Socialism, No. 3, 59-71. 1989. 
______________ . O preco da riqueza. São Paulo: Editora UNESP. 1995. 
APPADURAI, A. The Social Life of Things: commodities in cultural perspective. New York: 
Cambridge University Press. 1986 
BOISIER, S. Em busca do esquivo desenvolvimento regional: entre a caixa-preta e o projeto 
político. Planejamento e Políticas Públicas, 113: 111-145. 1996. 
BOURDIEU, P. (a) A economia das trocas linguísticas. In: ORTIZ. R., Bourdieu: Sociologia. 
39 . São Paulo: Ática, 1983. 
______________ . (b) Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero. 1983. 
______________ . Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense. 1990. 
_______________ . As regras da arte: Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia. 
das Letras. 1996. 
_______________ . Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo 
científico. São Paulo: Unesp. 2004. 
_______________ . A economia das trocas simbólicas. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva. 
Coleção Estudos. 2007. 
BRESSER-PEREIRA, L. C. Lucro, acumulação e crise. São Paulo: Brasiliense. 1986. 
 
27 
_______________________ . Do ISEB e da CEPAL à teoria da dependência. In: TOLEDO, 
C. N. Intelectuais e Política no Brasil: A Experiência do ISEB. Rio de Janeiro: Editora 
Revan. 2005. 
CAMPOS, R. O. (2000). Não basta investir. Disponível em: 
http;//pensadoresbrasileiros.home.comcast.net/~pensadoresbrasileiros/RobertoCampos/não_b
asta_investir.htm. Acesso em: 2 de fevereiro de 2013. 
CHOMSKY, N. Notas sobre o Anarquismo. São Paulo: Imaginário/Sedição. 2004. 
______________ . Autogestão Industrial. Autogestão Hoje. São Paulo, 43-48. 2004. 
COMISSÃO MUNDIAL DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, Nosso Futuro 
Comum. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. 1991. 
DALY, H. E. (1968). On economics as a life science. Journal of Political Economy, n.76, v. 
3, 392-406. 1968. 
__________ . The economics of the steady state. The American Economic Review, n. 64, v.2, 
15-21. 1974. 
__________ . Economía, ecología e ética: ensayos hacia una economía en estado 
estacionario. México: Fondo de Cultura Económica. 1989. 
_____________ . Crescimento sustentável? Não obrigado. In: Mander, J. ; Goldsmith, E. 
Economia global, economia local: a controvérsia. Lisboa: Instituto Piaget. 1996. 
DOMAR, E. O. Capital Expansion, Rate of Growth and Employment. Econométrica, 14. 
1946. 
ENRÍQUEZ, M. A. Trajetórias do desenvolvimento: da ilusão do crescimento ao imperativo 
da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond. 2010. 
FOSTER, J. B. Ecology against capitalism. New York: Monthly Review Press. 2002. 
FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1974. 
 
28 
GEORGESCU-ROEGEN, N. The entropy law and the economic process. Cambridge: 
Harvard University Press. 1971. 
GOLDSMITH, E. Blueprint of survival. Boston: Pinguin, Harmon ds Worth & Haughton 
Miffin. 1972. 
________________ . O Desafio Ecológico. Lisboa: Instituto Piaget. 1995. 
GONÇALVES, C. W. P. Natureza e sociedade: elementos para uma ética da sustentabilidade. 
In: COIMBRA, J. A. A. Fronteiras da Ética. São Paulo: Senac. 2002. 
HARROD, R. F. An Essay in Dynamic Theory. The Economic Journal, XLIX. 1939. 
KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. 7ª ed. São Paulo: Perspectiva. 2003. 
MARCUSE, H. Razão e revolução. São Paulo: Paz & Terra. 1978. 
_____________ . Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. Revista de Estudos 
Marxista, Praga, 1: 73-104. 1996. 
MARX, K. O capital. São Paulo: Nova Cultural, vol.1. 1996. 
_________ . Manuscrito Econômico –Filosóficos, in Os Pensadores. São Paulo: Nova 
Cultural. 1982. 
MARTINEZ-ALIER, J. De la economía ecológica al ecologismo popular. 2ª ed. revista e 
ampliada. Barcelona: Icaria Editorial. 1994. 
MATIAS-PEREIRA, J. Políticas de Defesa da Concorrência e de Regulação Econômica: as 
deficiências do sistema brasileiro de defesa da concorrência. RAC, v. 10, n. 2, 51-73. 2006. 
MEADOWS, D.; MEADOWS, D.; RANDERS, J.; BEHRENS III, W. Limites do 
crescimento. 2ª ed. São Paulo: Perpectiva. Coleção Debates. 1978. 
MORIN, E.; TERENA, M. Saberes globais e saberes locais. Rio de Janeiro: Garamond. 
2001. 
 
29 
MÜLLER, A. Las teorías del desarrollo: algunas reflexiones desde la actualidad. Economia & 
Tecnologia, 1, 4-29. 1998. 
NASCIMENTO, C. A autogestão e o ‘novo cooperativismo. In: BENINI, E.; FARIA, M. S.; 
NOVAES, H.; DAGNINO, R. Gestão Pública e Sociedade. São Paulo: Outras Expressões. 
2011. 
NASCIMENTO, E. P.; COSTA, H. A. Sustainability as a new political Field. Cahiers do 
IIRPC, 51-58. 2010. 
NORTH, D. C. Structure and change in economic history. New York: W. W. Norton & 
Company. 1981. 
_____________ . Institutions, institutional change and economic performance. New York: 
Cambridge University Press. 1990. 
_____________ . Custos de transação, instituições e desempenho econômico. Rio de Janeiro: 
Instituto Liberal. 1994. 
PEARCE, D., MARKANDYA, A.; BARBIER, E. Blueprint for a Green Economy. London: 
Earthscan. 1989. 
PEARCE, D. (Ed.) Blueprint 2: Greening the World Economy. London: Earthscan. 1991. 
PUTNAM, R. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: 
Fundação Getúlio Vargas. 1996. 
ROSTOW, W. W. Etapas do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Zahar. 1961. 
________________ . A Decolagem para o desenvolvimento auto-sustentado. In: 
AGARWALA, A.; SINGH, S. P. A Economia do Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: 
Forense. 1969. 
RUBIN, I. I. A Teoria Marxista do Valor. São Paulo: Brasiliense. 1980. 
SACHS, I. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice. 1981. 
 
30 
___________ . Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio 
ambiente. Prefácio: M. F. Strong ; trad. Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel : Fundação do 
desenvolvimento administrativo (FUNDAP). 1993. 
____________ . Desenvolvimento includente, sutentável e sustentado. Rio de Janeiro: Ed. 
Garamond. 2006. 
____________ . Rumo à Ecossocioeconomia - teoria e prática do desenvolvimento. São 
Paulo: Cortez Editora. 2007. 
SARDÁ, M.; NOVAES, H. O sentido da autogestão. In: BENINI, E.; FARIA, M. S.; 
NOVAES, H.; DAGNINO, R.. Gestão Pública e Sociedade. São Paulo: Outras Expressões. 
2011. 
SEN, A. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras. 2000. 
SHEFFER, M.; CARPENTER, S.; FOLEY, J.; FOLKE, C.; WALKER, B. (2001), 
“Catastrophic shifts in ecosystems”. Nature, 413: 591-596. 
SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Perseu Abramo. 2002. 
VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: 
Garamond. 2005. 
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, 
capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. 
SOLOW, R. M. A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of 
Economics. v. 70, 65-94. 1956. 
SOLOW, M. R. Technical Change and the Aggregate Production Function. The Review of 
Economics and Statistics. v. 39, n. 3, 312-320. 1957. 
STIGLITZ, J. The economic role of the State, 2nd. ed. Oxford: Basil Blackweel. 1990. 
TODARO, M. P. Economic Development. 6ª. ed. New York: Longman. 1997. 
 
31 
VEBLEN, T.(a). The Theoryof the Leisure Clas. In: The Collected Works of Thorstein 
Veblen (vol. 1) – An Economic Study of Institutions. London: Routledge/Thoemmes Press. 
1994. 
_________ . (b). The Limitations of Marginal Utility. In: The Collected Works of Thorstein 
Veblen (vol. 8) – The Place of Science in Modern Civilization and Other Essays. London: 
Routledge/Thoemmes Press. 1994.

Continue navegando