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Departamento de Engenharia Naval e Oceânica – EPUSP PNV-2321 Termodinâmica e Transferência de Calor NOTAS DE AULA Trabalho e Calor Introdução Vamos aqui introduzir os conceitos de Trabalho e Calor em Termodinâmica. A rigor, estes conceitos são melhor discutidos após a definição de Energia, a qual é derivada da 1a Lei. Portanto, as definições aqui apresentadas procuram partir das noções já conhecidas da Mecânica e Termologia. Existem, entretanto, diferenças importantes entre as definições desses conceitos na Termodinâmica e nas ciências acima mencionadas. O principal intuito desta apresentação é ressaltar essas particularidades, caracterizando Trabalho e Calor como interações entre um sistema e seu meio. Trabalho em Mecânica O conceito familiar de Trabalho em Mecânica pode servir como ponto de partida: O trabalho elementar realizado por uma força † r F agindo através de um deslocamento † dr x é † dW = r F ⋅ dr x , isto é, é o produto da força pelo deslocamento na sua direção (ou seja, seu produto escalar). Desta forma, o trabalho realizado é dado por: † WAB = r F ⋅ dr x A B Ú Esta definição é útil porque permite calcular o trabalho envolvido em uma série de processos, conforme veremos mais adiante. Note-se, porém, que a definição acima não faz menção ao conceito de sistema, fundamental para a Termodinâmica. Além disso, o conceito de trabalho em Termodinâmica é mais amplo, incluindo processos nos quais não há forças e/ou deslocamentos em jogo. Trabalho em Termodinâmica Uma definição clássica de Trabalho em Termodinâmica é aquela de Poincaré1: Trabalho positivo é realizado por um sistema sobre seu meio durante um dado processo se o sistema pudesse passar pelo mesmo processo enquanto o único efeito externo ao sistema fosse o levantamento de um peso2. A magnitude do trabalho realizado é encontrada contando-se o número de pesos padrão que podem ser levantados de um dado nível a outro. A quantidade de trabalho transferida do sistema é idêntica à quantidade de trabalho transferida ao meio. 1 Ver, por exemplo, Keenan and Shapiro (1947), p. 917, citado em Russel and Adebiyi (1993), nossa tradução. 2 Em um campo gravitacional. (N.A.) Observemos alguns pontos importantes decorrentes da definição acima: • Trabalho em Termodinâmica é uma interação entre um sistema e seu meio. Como tal, o trabalho é, via de regra, um fenômeno de fronteira. Isto significa que trabalho é usualmente definido como um certo tipo de fluxo de energia através da fronteira que separa o sistema do seu meio (daí sua definição depender, a rigor, da definição de energia). Como conseqüência disso, temos que a escolha do sistema e de sua fronteira influi diretamente sobre o cálculo do trabalho. De fato, não há sentido em perguntar qual é o trabalho realizado em um processo termodinâmico sem especificar com exatidão o sistema, sua fronteira e o meio. Suponhamos que um guindaste eleva um automóvel de 2000kg de massa a uma altura de 2m. Qual o trabalho realizado? A pergunta está mal formulada. Se tomo o guindaste como sistema e o automóvel como meio, então o trabalho realizado pelo sistema pode ser dado por † W = mgh = 2000kg ¥10m s2 ¥ 2m = 40kJ . Se defino o sistema como o guindaste mais o automóvel, o trabalho realizado pelo sistema é nulo, ou seja, o levantamento do automóvel foi um processo interno ao sistema, nenhum trabalho cruzou a fronteira do sistema. • Convém lembrar que a fronteira de um sistema não precisa ser fixa no espaço, desde que delimite uma mesma porção de matéria (o sistema). Desta forma, se a fronteira de um sistema se move contra uma força que se opõe ao seu movimento, esse movimento constitui trabalho positivo (dito trabalho de fronteira) realizado pelo sistema sobre o meio, uma vez que ele equivale ao levantamento de um peso externo ao sistema. • Note-se que a definição de Poincaré adota uma convenção para o sinal algébrico do trabalho: diz-se que o sistema realiza trabalho positivo quando o efeito sobre o meio equivale ao do levantamento de um peso. Como o trabalho é uma interação entre sistema e meio, decorre que nesse caso dizemos que o meio realiza a mesma quantidade de trabalho negativo sobre o sistema3. Esta é uma forma de expressão que pode causar certa confusão a princípio. É, entretanto, importante lembrar que diremos que o trabalho realizado por um sistema é positivo, enquanto que o trabalho realizado sobre o sistema é negativo. Obviamente, com essas hipóteses, a soma algébrica do trabalho realizado pelo sistema e pelo meio é sempre nula. Note-se aqui uma diferença importante entre as definições de trabalho na Mecânica e na Termodinâmica: considerando o exemplo acima descrito, na Mecânica diríamos que o automóvel realizou trabalho nulo; em Termodinâmica, ele realizou –40kJ de trabalho sobre o guindaste. • É fundamental perceber que trabalho não é uma propriedade termodinâmica. Embora esta confusão seja mais comum com a noção de Calor, convém ressaltar que um sistema não “possui trabalho”. Trabalho é um fenômeno transitório, um certo fluxo de energia entre sistema e meio. Um sistema não pode “possuir um fluxo”; o fluxo ocorre entre o sistema e o meio (através da fronteira do sistema). Em termos matemáticos, esse fato resulta em que o trabalho é, diferentemente das propriedades (que são funções de ponto), uma função de linha, denotada por † dW e não por dW4. Assim, o trabalho realizado em um dado processo depende dos detalhes do processo e não apenas dos estados inicial e final 3 Trata-se, de fato, de um postulado adicional, baseado em uma extensão do Princípio da Ação e Reação de Newton. 4 Em linguagem matemática dizemos que dW é uma diferencial exata e que Wd é uma diferencial inexata. do sistema. Imaginemos um processo qualquer tal que os estados inicial e final do sistema são Ei e Ef, respectivamente. A variação de uma propriedade qualquer p entre os dois estados é † Dp = p(E f ) - p(Ei), a qual é perfeitamente bem definida, uma vez que p depende apenas do estado do sistema. Qual é, entretanto, o trabalho realizado pelo sistema neste processo? Impossível responder sem conhecer os detalhes do processo, isto é, precisamos conhecer o fluxo de trabalho ao longo de todo o processo para poder calcular o trabalho realizado. Em especial, deve-se salientar que a afirmação de que o trabalho realizado é algo como † W = W (E f ) -W (Ei) é desprovida de sentido, uma vez que não há sentido em dizer que o trabalho no estado Ei ou Ef é W(Ei) ou W(Ef): o trabalho não é função do estado. Note-se que evitamos dizer aqui que precisamos conhecer os estados intermediários percorridos pelo sistema (ou seja, o caminho termodinâmico). Isto porque é possível que tais estados não sejam sequer definidos, como é o caso em processos de não-equilíbrio ou irreversíveis. Mesmo assim, pode ser perfeitamente possível calcular o trabalho realizado. • Por fim, é útil observar que a definição de trabalho em Termodinâmica é mais ampla do que aquela encontrada na Mecânica. Por exemplo, uma corrente elétrica que cruza a fronteira do sistema representa um fluxo de trabalho. Diremos que o sistema realiza trabalho positivo sobre o meio se energia elétrica é fornecida do sistema para o meio e vice-versa. A justificativa para isso é que a energia elétrica pode, em princípio, ser usada para elevar um peso. Há várias outras formas de trabalho, associadas, por exemplo, a fenômenos de tensão superficial, elétricos e magnéticos5. De fato, essa definição parece ser tão ampla que, à primeira vista, poderia incluir até mesmo o fluxo de calor. Afinal de contas, se calor flui de um sistema para o meio, esse calor pode ser usado para levantar um peso. Esse ponto é normalmente evitado em livros textode Termodinâmica, provavelmente porque sua discussão envolve necessariamente a 2a Lei. Os livros apontam, porém, as várias semelhanças entre os conceitos de Trabalho e Calor6 e pode-se ficar com a impressão que sua distinção é, no fundo, arbitrária. Voltaremos a esse ponto mais adiante, mas talvez seja oportuno dizer aqui que, em virtude da 2a Lei, o fluxo de Calor não se confunde com o de Trabalho, de acordo com a definição de Poincaré. Isto porque calor jamais pode ser inteiramente convertido em trabalho (este é, de fato, um dos possíveis enunciados da 2a Lei), de modo que, o requisito de que o “único efeito externo ao sistema fosse o levantamento de um peso” não pode ser satisfeito pelo calor. Unidades Decorre da definição de trabalho que sua dimensão física é a mesma da energia. No Sistema Internacional de Unidades (SI), a unidade empregada é o Joule (J), o qual equivale ao trabalho realizado por uma força de 1N agindo ao longo de uma distância de 1m em sua direção: † J = N.m 5 Ver, por exemplo, Van Wylen et al. (1998), pp. 62-64. 6 Ver Van Wylen et al. (1998), pp. 68-69. Cálculo do Trabalho em Processos de Quase-Equilíbrio Suponhamos que um sistema se expande em um processo de quase-equilíbrio. Tomemos, por exemplo, um gás em um cilindro com pistão: O trabalho realizado pelo sistema (gás) durante um deslocamento infinitesimal de sua fronteira dx é: dxfW .=d Mas, como o sistema está em equilíbrio, a força que resiste ao movimento deve ter a mesma magnitude daquela aplicada pelo sistema (gás): APf .= Logo: dxAPW ..=d Mas: dVdxA =. onde dV é a variação do volume do sistema. Então, o trabalho realizado é: Ú= 2 1 12 PdVW Graficamente, temos: P VV1 V2 1 2 TRABALHO Figura 1 – Trabalho em um processo de expansão de quase-equilíbrio. Note-se que o resultado acima é válido apenas para processos de quase-equilíbrio. Casos Particulares de Interesse a) Processo a volume constante: 0 2 1 12 == Ú PdVW , não há trabalho. b) Processo a pressão constante: ( )12 2 1 2 1 12 VVPdVPPdVW -=== ÚÚ c) Gás Perfeito a temperatura constante: Temos nesse caso a equação de estado do gás perfeito: mRTPV = , onde m e R são constantes para o sistema. Se T é constante: CT = , então CPV = . Posso então escrever: 11VPC = e V C P = . Logo: V VP P 11= O trabalho é então dado por: ˜˜ ¯ ˆ ÁÁ Ë Ê == Ú 1 2 111112 ln 12 1 V V VPdV V VPW V V d) Expansão ou compressão politrópica de um Gás Perfeito: Um processo de expansão ou compressão politrópica de um Gás Perfeito é aquele no qual ctePV n = , onde n é denominado expoente politrópico do processo. É fácil verificar que o trabalho aqui é dado por: ( ) n TTmR n VPVP W - - = - - = 11 121122 12 Calor Há várias definições de Calor7. Apresentamos aqui a definição fenomenológica clássica de Poincaré: Calor é o efeito de um corpo sobre outro devido à desigualdade de temperaturas entre eles. Como podemos ver, esta definição não faz menção ao conceito de energia ou trabalho, o que é positivo, uma vez que ainda não definimos energia. É possível, porém, definir Calor em termos de Trabalho sem problemas lógicos: “Calor é toda interação entre um sistema e seu meio que não é trabalho”. Vê-se assim que, de fato, a definição de trabalho apresentada no item anterior inclui todos os tipos de interação entre sistema e meio com exceção do Calor. 7 Ver Van Wylen et al. (1998) p. 65 e Russel and Adebiyi (1993) pp. 182-184. Observações relativas ao Calor: a) Calor é uma interação (assim como trabalho), é um fenômeno de fronteira. Não há calor se não há um gradiente (diferença) de temperatura na fronteira do sistema. b) Calor não é uma propriedade, ele não se define como função do estado do sistema. Um sistema não possui calor. O calor é um fluxo (de energia), um fenômeno transitório. c) Convenção de sinal para o Calor: convenciona-se que o Calor fornecido ao sistema é positivo e calor cedido pelo sistema ao meio é negativo. A figura abaixo resume a convenção de sinal para trabalho e calor: (+)Q (-)Q (-)W (+)W sistema d) O cálculo do calor transferido em diversos tipos de processos será visto em outra parte do curso (Transferência de Calor).
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