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CICATRIZAÇÃO Disciplina de Cirurgia Plástica e Reparadora da Universidade Federal do Paraná Prof. Associado Gilvani Azor de Oliveira e Cruz Prof. Associado I Renato da Silva Freitas Profa. Adjunto II Ruth Maria Graf Objetivos Educacionais Ao final deste módulo, você será capaz de: 1. Conhecer os fatores biológicos mais modernamente relacionados à fisiologia normal e aos distúrbios da cicatrização dos tecidos. 2. Identificar os aspectos epidemiológicos predisponentes para uma evolução desfavorável do processo cicatricial. 3. Citar as diversas fases evolutivas de uma cicatriz, estabelecendo os marcos de acompanhamento clínico que devem nortear a conduta profilática e terapêutica. 4. Classificar e descrever as possíveis intercorrências deste processo, bem como suas conseqüências imediatas e tardias. 5. Compreender as implicações físicas e psicológicas de uma cicatriz mal resolvida e a importância de se orientar adequadamente os pacientes, com informações verdadeiras e precisas correlacionando-as a expectativas e possibilidades reais. 6. Estabelecer uma visão crítica e preventiva frente à agressão orgânica no manuseio dos tecidos pela equipe médica, durante o acompanhamento pré, intra e pós operatório. 7. Diferenciar os muitos procedimentos profiláticos e terapêuticos, descrevendo suas principais vantagens e limitações à luz dos conhecimentos científicos atuais. 8. Traçar um planejamento estratégico identificando o momento ideal para cada procedimento, visando protocolos de prevenção e reparação das seqüelas do processo cicatricial. 2 INTRODUÇÃO O médico precisa entender o processo da cicatrização para que possa dar atendimento adequado a pacientes com distúrbios, como grandes quelóides deformantes em face, cicatrizes hipertróficas pós-toracotomias ou deiscências de parede abdominal pós laparotomias em pacientes em uso crônico de corticóides. Os vertebrados inferiores quando sofrem uma lesão, lançam mão do processo de Regeneração Tecidual para restaurar a sua integridade anátomo funcional e conseqüente proteção. Nos vertebrados superiores, em especial, no organismo humano, a regeneração não é uma regra e somente alguns tecidos realizam a regeneração tecidual, como o fígado. Quando ocorre uma injúria do revestimento cutâneo, os vertebrados superiores curam através da Cicatrização. A cicatrização é definida como a tentativa biológica que o organismo faz para restaurar a sua integridade. A cicatriz é o resultado de uma série de eventos biológicos (cicatrização) que permeiam a reconstituição da continuidade da pele com a reabilitação morfofuncional local. A atuação do médico sobre as feridas apresentou 4 etapas evolutivas. Nos primeiros tempos, o homem foi um mero observador, deixando que a ferida curasse através da cicatrização, por segunda intenção. No máximo eram aplicadas toalhas úmidas e mel sobre as feridas. Na segunda época, acreditava-se que a presença de secreção purulenta era sinal de boa evolução e realizava-se a queimadura das feridas com óleo ou metais aquecidos. Em 1586, início da terceira etapa, Ambroise Paré propôs o que se chama hoje de Interferência mínima, ou seja, o médico deveria realizar somente a limpeza das feridas e aguardar que o organismo realizasse a cicatrização. Na mesma época, Louis Pasteur propôs a assepsia e anti- sepsia dos tecidos. Na quarta etapa, a qual estamos vivendo atualmente, o médico tem tratado as feridas localmente com a interferência mínima. A nível sistêmico, com auxílio da biologia molecular, tem-se avançado e muito, tentando estimular a formação de tecidos em pacientes com dificuldade de cicatrização e retardar a sua formação em pacientes que formam muita cicatriz, como quelóides, cicatrizes hipertróficas, fibrose de tendões, etc. 3 Tipos de cicatrização cutânea: a) Primária ou de primeira intenção: é a que ocorre quando da imediata reconstituição cirúrgica após o aparecimento da ferida. As bordas são aproximadas usando-se sutura por fios ou outros meios (grampos, micropore e colas cirúrgicas). O metabolismo do colágeno proporciona resistência à ferida quando há síntese normal, pela deposição e entrecruzamento das suas fibras. A epitelização faz com que ocorra a cobertura da superfície agindo como uma barreira contra a invasão bacteriana. b) Primária retarda: é a aquela que acontece em casos de contaminação ou com bordas irregulares, e que são deixadas abertas para tentar prevenir infecção. Após 3-4 dias, as células fagocitárias fazem a limpeza local associado à angiogênese, permitindo a sutura das bordas das lesões, após o desbridamento local. Não ocorre distúrbio do metabolismo do colágeno, evoluindo como uma ferida fechada por primeira intenção. c) Secundária ou por segunda intenção: é a cicatrização que se dá na ferida completamente aberta, aguardando-se a contração e a reepitelização expontânea. O processo ainda não é bem conhecido, sabendo-se que os miofibroblastos tem grande importância neste processo. Elas aparecem no 3 º dia atingindo a máxima concentração ao redor do 10-11 º dia, desaparecendo após a contração da ferida. d) Restauração em feridas de espessura parcial: nas perdas parciais do epitélio e partes da derme, a cicatrização se faz por reepitelização. As células epiteliais multiplicam-se a partir de ilhas de epitélio, dos apêndices dérmicos (glândulas sebáceas e sudoríparas), com mínima deposição colágena e conseqüente ausência de contração cutânea. NOÇÕES DA FISIOLOGIA DA CICATRIZAÇÃO: Didaticamente a cicatrização pode ser subdividida em 3 fases. A primeira fase ou inflamatória, inicia-se logo após o trauma, e compreende uma resposta vascular e celular, com vasocontração seguido de vasodilatação, diminuição da velocidade de fluxo sangüíneo, associado a marginilização leucocitária. Clinicamente no local da ferida forma-se um exsudato, que leva a reações locais como calor, tumor, dor e rubor. A segunda fase ou de fibroplasia apresenta intensa proliferação endotelial, com multiplicação e síntese de várias substâncias. Nesta fase é que se formam as fibras de colágeno ao redor de 48 horas após o trauma, e perdura por 15 a 21 dias aproximadamente. O resultado é a formação do tecido de granulação. 4 A terceira fase ou de maturação, a mais longa, que dura aproximadamente 2 anos, ocorre com a contração e reepitelização da ferida, quando cessa a atividade dos fibroblastos. FASE INFLAMATÓRIA a) Lesão Tecidual No momento do trauma, ocorre a perda da continuidade da pele, com exposição do organismo a agentes agressores. Ocorre o sangramento, coagulação, inflamação, e replicação celular. O organismo usa meios de reparação para refazer a sua homeostase. Há o extravasamento do sangue entre as bordas, vasoconstrição e ativação da cascata da coagulação que faz diminuir o volume sangüíneo perdido. b) Coagulação A cascata de coagulação não segue uma seqüência numérica lógica, pois os fatores de coagulação foram descritos a medida em que foram descobertos. Estes são pró-enzimas, ou seja, eles não existem na forma ativada. Dependem de uma ativação seqüencial, um em função do outro, até o evento final que é a coagulação. A coagulação pode ser ativada por duas vias: a via intrínseca e a via extrínseca. Ainda não se conhece bem os mecanismos que disparam a via intrínseca, por outro lado, a ativação da via extrínseca se faz através de um fator tecidual (tecido traumatizado), que não está exposto normalmente no endotélio. Quando há ruptura do endotélio, esse fator é exposto. O fator tecidual ativa então o fator VII e a partir daí a cascata dacoagulação segue a via comum. A via intrínseca é iniciada pela ativação do fator XII (possivelmente pelo contato de superfície com o colágeno e plaquetas), o qual ativa então o fator XI, que por sua vez ativa o fator IX. Este, juntamente com o fator VIII ativado, com determinados fosfolipídios, com o íon Ca ++ e com o fator VII ativado da via extrínseca, ativam o fator X, seguindo a via comum. Denomina-se via comum os eventos que se seguem à ativação do fator X, com a conversão das vias intrínseca e extrínseca. O fator X ativado, associado ao fator V ativado (pelo fator II), irá transformar a protrombina em trombina, potente enzima com atividade proteolítica. A trombina atuará sobre o fibrinogênio, molécula complexa presente na circulação, que ao ser degradada, transforma- 5 se em monômeros de fibrina, que tem capacidade automática de polimerização entre si, formando longas redes de fibrina. Para que esses agrupamentos se façam de maneira ordenada, é necessária a presença de um estabilizador, que neste caso é chamado de fator XIII (fator estabilizador de fibrina). Essa rede quase elástica e de difícil dissolução é que se denomina coágulo. Com a formação da rede de fibrina e fibras, ocorre o aprisionamento das plaquetas. Estas células liberam fatores inflamatórios, que irão controlar todo a cascata da cicatrização. Os grânulos alfa das plaquetas têm fatores de crescimento, que incluem o Fator de Crescimento Derivado das Plaquetas (PDGF) e o fator IV. O PDGF é a sustância que controla no primeiro momento a resposta do organismo. Tem a função de estimular a fibroplasia pela quimiotaxia de fibroblastos e aumento da proliferação de fibroblastos, associado a efeito estimulante da neoangiogênese e epitelização. As plaquetas também contêm grânulos densos que contém aminas vasoativas que agem na permeabilidade vascular. c) Mediadores Químicos São proteínas produzidas pelas plaquetas, mastócitos, granulócitos e também pela degradação enzimática da albumina. No local da lesão devido a descarboxilização da Histidina forma-se a Histamina, que tem ação direta sobre a permeabilidade capilar, com duração de 30 minutos. A Serotonina, coadjuvante da histamina, com ação menos efetiva na permeabilidade do capilar, tem período curto de ação. As Leucotaxinas, resultante da degradação enzimática da albumina, é um polipeptídio que substitui a serotonina e histamina, com ação mais duradoura sobre a permeabilidade capilar. Discute-se seu efeito na quimiotaxia aos leucócitos. A Bradicinina, que também é uma amina vasoativa, aparece pela ação da calicreína sobre a alfa 2 globulina, no plasma do exsudato da ferida. Como fatores bioquímicos de maior importância estão as Prostaglandinas e Tromboxano, pois ambos atuam em todas as fases da cicatrização. O trauma da membrana celular faz com que elas sejam liberadas pela ação de fosfolipases sobre os fosfolipídios existentes, que são convertidos em ácidos graxos insaturados com maior destaque ao ácido aracdônico. Este por sua vez, por ação de uma ciclooxigenase, forma substâncias precursoras das prostaglandinas e tromboxanos. As primeiras estão envolvidas com aumento da permeabilidade capilar e respondem pela migração e proliferação dos fibroblastos. As Linfocinas são produzidas por linfócitos e parecem estar associadas a fibroplasia e alguns aspectos da imunologia na cicatrização. As Interleucinas I são sintetizados pelos 6 macrófagos e monócitos, com ação sobre os fosfolipídios e conseqüentemente promovendo a produção de prostaglandinas. Outro efeito seria o de modular a síntese protéica. d) Resposta Celular. Inicia-se pela diapedese dos neutrófilos e monócitos, que são os responsáveis pela retirada de corpos estranhos. Isto leva a formação de exsudato inflamatório, com aspecto purulento, pela degeneração gordurosa e lise dos neutrófilos. Os monócitos no interstício sofrem modificações para macrófagos, altamente especializados, com organelas que permitem modular o processo cicatricial. São as células predominantes entre 48 e 72 horas após o trauma. A depleção destas células causa gravíssimos distúrbios na cicatrização pela falta de desbridamento celular, retardamento da proliferação fibroblástica, inadequada angiogênese e fibrose deficiente. A fase inflamatória tem duração de 48 a 72 horas, e é substituída pela segunda fase ou fase de fibroplasia. Os fatores de crescimento são substâncias que modulam todas as fases da cicatrização. Foram identificadas várias substâncias, entre elas o PDGF (fator de crescimento derivado das plaquetas), TGF (fator de crescimento transformador beta), TGF (fator de crescimento transformador alfa), IGF (fator de crescimento da insulina), EGF (fator de crescimento epitelial), FGF (fator de crescimento fibroblástico) e TNF (fator de necrose tumoral). O PDGF tem função na proliferação fibroblástica, quimiotaxia e metabolismo do colágeno, ativação dos macrófagos e angiogênese. O TGF tem ação semelhante ao PDGF, vem para substituí-lo, secretado pelos mastócitos e controla a produção dos outros fatores. O TGF é similar ao EGF, com função principal na epitelização e na formação do tecido de granulação. O IGF e o FGF estimulam a síntese do colágeno e a proliferação fibroblástica, porem o FGF também estimula a contração da parede. FASE DE FIBROPLASIA Uma cicatrização ideal exige a migração de células mesenquimais para dentro das bordas da ferida. Assim os fibroblastos estimulados pelos fatores de crescimento, migram para o interior da ferida, através da matriz extracelular. Durante os próximos sete dias será a célula predominante. Entre o 5 º e 7 º dia do trauma se dá o início da sintetização do colágeno 7 que aumenta de forma progressiva e linear por duas até três semanas, quando se finaliza esta fase. A) Fibroblastos Ao redor de 2 º e 3 º dia do trauma, identifica-se a presença de fibroblastos, que são células fusiformes, com núcleos ovais que se depositam sobre a malha de fibrina, cuja densidade é regulada pela ação do plasminogênio que permite assim a continuidade da deposição fibroblástica. Ao mesmo tempo, há proliferação vascular pela modulação macrofágica, interada com as tromboxanas e prostaglandinas. Com isto, a formação de brotos endoteliais faz constituir cordões que se alternam com os fibroblastos e se canalizam permitindo novo fluxo de sangue. Este tecido granuloso e avermelhado é o Tecido de Granulação (figura 1). Figura 1 – Tecido de granulação. A B No tecido de granulação evidencia-se uma célula diferenciada denominada de Miofibroblasto, que dá ao tecido de granulação a capacidade contrátil, que reduz a área cruenta de feridas facilitando a epitelização. É da associação dos fibroblastos com os miofibroblastos que observamos o aumento da resistência da cicatriz. Ao redor de 15 dias pós-trauma, o fibroblasto desaparece. Estas células produzem além do colágeno a substância fundamental, que é um composto de água, eletrólitos e mucopolissacarídeos (glicosaminoglicanos). Entre estes evidenciamos o Sulfato Dermatan, também conhecido como Condroitin Sulfato B. B) Colágeno 8 O colágeno é a proteína mais abundante no corpo humano, e a sua função é produzir tensão e integridade em todos os tecidos, tendo grande imposição fisiológica no reparo das bordas das feridas. Existem mais de 13 diferentes tipos de colágeno, sendo de interesse para a pele o tipo I, compondo também ossos e tendões; o tipo III que é associado ao tipo I; e o tipo IV encontrado na membrana basal. É uma longa cadeia protéica,composta pela alternância de 3 cadeias peptídicas na seqüência (prolina-glicina-hidroxiprolina e lisina-glicina-hidroxilisina). A hidroxiprolina é substância produzida basicamente na cicatrização e serve de monitorização da produção de colágeno numa ferida. No interior do fibroblasto se forma o Protocolágeno, que é liberado sofrendo nas suas extremidades um processo de clivagem, formando a estrutura secundária (Procolágeno) que por sua vez é constituída de 3 cadeias de aminoácidos. Duas delas são de alfa-1 e uma cadeia alfa-2. A hidroxilização ocorre dentro do fibroblasto. A estrutura terciária (Tropocolágeno) resulta da união das cadeias alfa-1 e alfa-2, em forma helicoidal, na sua concepção espacial. A polimerização do tropocolágeno forma a estrutura quaternária que é o colágeno, nas formas de filamentos, fibras e fibrilas. FASE DE MATURAÇÃO Este processo inicia-se ao redor do 7 º dia, proporcionando resistência à tensão cicatricial, agregação e remodelação do colágeno. Ocorre a reestruturação da cicatriz, cessando a atividade dos fibroblastos. Ocorre nesta fase a parada da produção de colágeno e remodelação contínua da matrix extracelular. A degradação do colágeno se dá por uma matrix específica de metaloproteinases, produzidas por várias células da ferida (fibroblastos, granulócitos e macrófagos). O epitélio tem como principal função proteger o organismo como barreira seletiva a agressões do meio externo, função bastante importante para a homeostase. Em feridas de espessura parcial, a epitelização ocorre através do epitélio existente nos folículos pilosos e glândulas sudoríparas e sebáceas. Em feridas de espessura total, o epitélio deve migrar das margens da lesão. O processo de epitelização ocorre pela dediferenciação celular, seguida de mitose. Isto se inicia de 48 a 72 horas depois da injúria. Ocorre a migração do epitélio da borda pela perda da inibição de contato das células. Em grandes áreas, esta perda de inibição de contato leva por estimulação contínua à aceleração das mitoses, que pode culminar coma formação de carcinoma epitelial. Em 9 queimaduras, esta estimulação contínua do epitélio evolui para o carcinoma em até 30 anos. Nas radiodermites o processo ocorre de forma semelhante com período mais curto (18 a 24 meses). O fator PDGF é a substância que estimula inicialmente a migração epitelial. Este fato foi descoberto por Stenn em 1978. A presença do colágeno tipo V é essencial para a migração epitelial. O fator de crescimento epitelial (EGF) é o principal fator que estimula a mitose do epitélio. As Chalonas são substâncias que retardam a epitelização. Na sua ausência, o processo ocorre normalmente. As células epiteliais das bordas da ferida, através da ação de enzimas colagenolíticas, quebram a adesão entre a crosta (plasma seco e restos celulares) sobre a ferida e a úlcera, permitindo que estas células avancem através do tecido fibrótico. As superfícies úmidas melhoram a migração celular. Deste modo, é certo que área doadora coberta tem melhor evolução, pois o material de curativo mantém a umidade local, evitando a dissecação. Há algumas drogas que impedem a hipertrofia do tecido cicatricial, denominadas de substâncias latirogênicas (planta Latirus) que leva ao enfraquecimento do tecido conectivo quando ingeridas. O primeiro grupo compreende a Penicilamina e o BAPN. Ambas são substâncias que impedem a polimerização do colágeno, por tornar as pontes de H+ mais fortes, dificultando a formação do Tropocolágeno. No segundo grupo evidenciamos a Colchicina que estimula a colagenase, enzima que impede a condensação do colágeno. Ambas são por substâncias latirogênicas. PATOLOGIAS DA CICATRIZAÇÃO Podem ocorrer várias alterações no aspecto das cicatrizes, incluindo as discromias, alargamentos, úlcera de Marjolin, contraturas cicatriciais, cicatrizes hipertróficas e quelóides. a) Discromias As discromias são decorrentes da lesão dos melanócitos. Podem ocorrer hipercromias e hipocromias, em diferentes graus. Hipercromia pode ser tratada com produtos clareadores a base de hidroxi-ácidos e/ou hidroquinona. Hipocromia é de difícil tratamento e ainda deixa muito a desejar. Pode-se utilizar a tatuagem como método de camuflagem, assim como o uso de maquiagem (Figura 2). 10 Figura 2 – Paciente com seqüela de queimadura em membro inferior. b) Alargamento de cicatriz Cicatrizes localizadas em áreas contra as linhas de força da pele, sofrem estiramentos contínuos e podem evoluir com alargamento I(Figura 3). Figura 3 – Tatuagem em braço submetido a ressecção parcelada, evoluindo com alargamento da cicatriz. c) Úlcera de Marjolin Úlceras crônicas podem evoluir para carcinoma cutâneo, principalmente carcinoma espinocelular. Áreas de queimaduras e de radiodermites, pelo estímulo contínuo da mitose celular, ocorre com a perda da inibição de contato, e desta forma são mais propensas a evoluírem para neoplasias cutâneas. 11 Figura 4 – Úlcera de Marjolin em região poplítea pós-queimadura d) Contratura cicatricial A contração da cicatriz é um processo biológico que diminui a dimensão do tecido conectivo envolvido. Muitos autores acreditam que a contração é quase inteiramente resultante de um processo celular e independente da síntese do colágeno. A célula envolvida na contração é um fibroblasto especializado que apresenta fibras de actina em seu interior, que lhe proporciona a esta capacidade de contração, e é denominada de miofibroblasto, que foi identificada por Gabianni em 1971. Deve-se diferenciar a contração cicatricial da contratura tecidual. As contraturas são lesões deformantes decorrentes da retração exagerada dos tecidos e que muitas vezes necessitam sua liberação e cobertura com enxertos ou retalhos de pele, para a restauração da função do local envolvido. Algumas drogas foram utilizadas como agentes inibitórios para se evitar a contratura, porém se mostraram ineficazes clinicamente, tais como o Trocinate (hidroclorito thiophenamil), que é inibidora da contração de músculo liso. Os corticóides foram utilizados para preveni-la, porém o que se evidenciou foi o retardo na sua evolução, mas não a sua prevenção. Pela ação antiinflamatória, previne a migração de fibroblastos e outras células inflamatórias para a ferida. Também, tem a função de estimular a ação das colagenases. Pacientes em uso crônico de corticóides, como pacientes com doenças reumáticas, quando são submetidos a cirurgia, devem receber um antagonista da ação do corticóides na cicatrização que é a Vitamina A. Ela não evita a epitelização, agindo somente sobre os efeitos deletérios dos corticóides. 12 Recentemente alguns autores estão utilizando a substância chamada Zafirlukast (ACCOLATE ®), que age inibindo a ação da lipooxigenase, impedindo a formação de leucotrienos, que é um mediador químico, reduzindo a resposta inflamatória e conseqüentemente a ação dos mastócitos, macrófagos, neutrófilos, eosinófilos e linfócitos e a ação dos miofibroblastos, por impedir a contração das fibras de actina, levando a menor contração tecidual e regressão da contratura. Pacientes com úlceras tardias que já apresentam tecido de granulação exuberante, quando são cobertas com enxertos ou retalhos, não evitam a contração cicatricial, porém conseguem diminuir a chance de evoluírem para contratura tecidual (figura 5). A colocação de enxertos de pele no momento que a ferida é criada pode vir a retardar a contração. Assim como a ressecção parcial do tecido de granulação exuberante pode diminuir a contratura.A pressão contínua sobre uma cicatriz retarda ou evita a contratura (Frank, 1984). A pressão leva a reorientação das fibras de colágeno e diminui o edema intersticial. Figura 5 – Brida cervical tratada com plastia em Z. Figura 6 – Brida palmar pós-queimadura. 13 CICATRIZ HIPERTRÓFICA E QUELÓIDE Clinicamente, ambas se apresentam como cicatrizes elevadas, avermelhadas, dolorosas e pruriginosas. As cicatrizes hipertróficas não ultrapassam as bordas da lesão inicial e os quelóides são lesões mais expansivas, que não regridem mesmo após muitos anos de seu aparecimento. Histologicamente são indistinguíveis, e somente com a observação por técnica imunohistoquímica consegue-se diferenciá-las. No quelóide as fibras desordenadas se dispõem em forma de espiral ou de nódulos. Figura 7 – Cicatriz hipertrófica (A) e queloidiana (B). A B O quelóide tem a sua etiologia ainda mal definida. Sabe-se que ocorre perda da relação entre a síntese e a lise do colágeno. Pode ocorrer a lise deficiente das fibras de colágeno ou a síntese exagerada, mas sempre se apresentarão de forma desordenada. É mais comum nas raças negra e amarela, com história familiar positiva, sendo mais comum em jovens, com predominância em determinadas regiões, como a peitoral, deltoidiana e facial, especialmente, no lóbulo de orelha. Alguns pacientes apresentam numa mesma cicatriz, áreas de hipertrofia, de cicatriz queloidiana e áreas com cicatriz normal. a) Tratamento O tratamento das cicatrizes hipertróficas e dos quelóides objetiva melhorar a sintomatologia e a estética destas lesões. A cirurgia é de primordial importância no tratamento, porém deve estar associada a outras modalidades terapêuticas para que se evite recidivas. Deve ser realizada a ressecção intralesional (dentro dos limites do quelóide) visto que a possibilidade de recidiva aumenta quando se incisa na pele normal (figura 8). 14 Figura 8 – Ressecção intralesional. As técnicas que aliviam a tensão das feridas devem ser lembradas, algumas vezes podendo-se lançar mão de plastia em Z, de enxertos ou de retalhos. O trauma instrumental deve ser evitado ao máximo. Em nossa experiência, a plastia em Z deve ser evitada, pois na confecção dos retalhos a incisão avança sobre pele normal podendo levar a um novo quelóide (figura 9). Figura 9 – Plastia em Z no tratamento de quelóide em tórax. A) demarcação; B) pós- operatório imediato; e C) recidiva de quelóide em paciente diferente tratado de maneira semelhante. A B C A radioterapia tem como função a destruição dos fibroblastos locais. Assim, deve ser realizada nas primeiras 48 horas após a cirurgia, evitando-se a proliferação destas células. Pode-se utilizar a radioterapia superficial ou a betaterapia (doses respectivas de 1800 rads e 2000 rads em ambas com 10 sessões fracionadas). O uso de corticoterapia é bastante difundido devido a simplicidade de aplicação e aos resultados muitas vezes animadores. Não há indicação para o uso sistêmico de corticóides. A sua aplicação é para o uso intralesional. Age inibindo a fase inflamatória diminuindo todas as respostas que se seguem a este evento. Também inibe a síntese protéica e altera a solubilidade do colágeno. A droga mais utilizada é a Triancinolona 10 ou 40 mg que pode ser diluída em solução anestésica para minorar a dor da aplicação. 15 Laser vascular tem sido utilizado com relativo sucesso em cicatrizes hipertróficas e queloidianas com o objetivo de reduzir o aporte sanguíneo para as células e provocar a sua morte. Com isso irá ocorrer a redução da cicatriz exuberante. O laser mais utilizado é o de 1064 nm, numa fluência de 80 a 140 J/cm2 num tempo de 4 a 16 ms. A compressão sobre a cicatriz tem a função de provocar achatamento celular ou redução celular por hipóxia. As placas de silicone mostram-se efetivas desde que utilizadas continuamente por período mínimo de 6 meses. Elas criam um campo eletromagnético que leva a reorientação das fibras de colágeno, associado ao efeito compressivo da placa e ao microclima estável sobre a mesma. Talvez esta fosse o mecanismo de ação deste método. A compressão com malha elástica é bastante utilizada em serviços de queimados para o tratamento de cicatrizes, como método preventivo e curativo, com bons resultados. A função da compressão ainda é obscura, mas aventa-se que pode ser devido a desidratação da cicatriz ou pela hipóxia relativa resultante. O período mínimo de uso é um ano, e se possível 24 horas por dia. O uso de enzimas colagenolíticas foi tentado, sem resultados satisfatórios. Novos métodos terapêuticos incluem o uso de interferon e zafirlukast. O interferon é substância utilizada para modular a resposta inflamatória, utilizada no tratamento de câncer e doenças auto-imunes. Nos quelóides mostrou-se pouco efetivo, caro e com muitos efeitos colaterais. Zafirlukast é uma droga utilizada para asma brônquica e que age a nível da ferida impedindo a formação de leucotrienos da reação inflamatória reduzindo a proliferação celular e ação dos miofibroblastos e com isso evitando a formação de quelóides. A profilaxia de quelóides e cicatrizes inestéticas e hipertróficas é o caminho para evitar tais patologias que são tão difíceis de correção. Um bom planejamento cirúrgico e técnicas adequadas colaboram para um bom resultado cirúrgico. O uso de fitas adesivas como o micropore por um período de três meses evita o alargamento das cicatrizes e promove o achatamento das mesmas por compressão. Massagens com corticóides ou cremes a base de silicone auxiliam na prevenção de formação de tais cicatrizes. Placas de silicone também podem prevenir o seu aparecimento. 16 Figura 10 - Paciente com quelóide facial, como seqüela de múltiplas foliculites, tratado com ressecções seriadas intralesionais e radioterapia superficial.
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