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Kamilla Galiza / 6º P Introdução A cicatrização compreende a uma sequência de eventos moleculares e celulares que interagem com o objetivo de restaurar o tecido lesado. É importante conhecer sobre o processo cicatricial, pois ele tem impacto no tempo de hos- pitalização dos pacientes e modifica o tempo de cuidado ne- cessário (ex.: uma ferida limpa demanda menos tempo do que uma ferida suja). Além disso, é preciso considerar tam- bém o fator estético e a redução de custos. Sempre que ocorre uma lesão tecidual que curse com morte celular, ba- sicamente o resultado será dois processos distintos: regene- ração ou cicatrização. Durante o reparo da ferida, a reparação perfeita é sacrificada por causa da urgência para retornar à funcionalidade. Regeneração x cicatrização • Regeneração: só ocorre diante de lesões mínimas em tecidos que possuem células lábeis (que estão em constante renovação). • Cicatrização: ocorre em grandes lesões de tecidos lá- beis ou em lesões em tecidos de células permanentes (com pouca ou nenhuma atividade proliferativa). A diferença é que na cicatrização o reparo é PARCIAL, de forma e de função. Na regeneração o reparo e COMPLETO, tanto de forma como de função. Fases da cicatrização Didaticamente, o processo cicatricial é descrito em fases, o que pode sugerir uma cronologia rígida... Entretanto, todas as fases apresentam grande sobreposição, ou seja, uma mesma ferida pode apresentar regiões em diferentes está- gios. As três fases da cicatrização de feridas são: 1. Fase Inflamatória/Reativa 2. Fase Proliferativa/Regenerativa/Reparadora 3. Fase de Maturação/Remodelamento Fase inflamatória Dura de 1-4 dias em feridas não complicadas por infecção. A fase inflamatória é marcada por dois processos: 1. Hemostasia, fenômeno mais precoce 2. Resposta inflamatória aguda Eventos Lesão tecidual aguda Dano vascular: resulta inicialmente em intensa vasoconstri- ção de arteríolas e capilares, seguida de vasodilatação e au- mento da permeabilidade capilar; Lesão do endotélio vascular: é o estímulo que deflagra o pro- cesso de cicatrização. Causa exposição de fibras subendote- liais de colágeno do tipo IV e V que promovem adesão pla- quetária, seguida de ativação e agregação; Ativação de plaquetas pela trombina: causando liberação de várias citocinas presentes em seus grânulos alfa (PDGF, TGF-β, IGF) e grânulos densos (serotonina); Formação do tampão plaquetário Ativação do sistema de coagulação: tanto pela via intrín- seca, quanto pela via extrínseca; Formação de fibrina: envolve e estabiliza o tampão plaque- tário, servindo de sustentação para as células endoteliais, cé- lulas inflamatórias e fibroblastos; Quimiotaxia de células inflamatórias Componentes do complemento (C5a) e leucotrieno B4: promovem aderência e quimiotaxia de neutrófilos (Polimorfo- nucleares – PMN); Mediadores inflamatórios produzidos pelo endotélio e mo- nócitos (IL-1, TNF-α): vão estimular ainda mais à aderência neutrofílica ao endotélio; regeneração cicatrização Cicatrização e cuidados feridas Objetivo: limitar a extensão da lesão tecidual atra- vés da interrupção do sangramento, do combate à contaminação bacteriana e do controle do acú- mulo de debris celulares. Kamilla Galiza / 6º P Polimorfonucleares: responsáveis pela “limpeza” de debris celulares e pela fagocitose de bactérias. Atuam através da liberação de proteases (como elastase e colagenase), radi- cais livres derivados do oxigênio e substâncias bactericidas, como a catepsina G (que age desestabilizando a parede ce- lular bacteriana). Além disso, os PMN são capazes de produzir citocinas fundamentais para o processo cicatricial; Quanto menos neutrófilos, a resposta inflamatória passa a ser mais branda e a cicatrização é mais rápida e com melhor re- sultado estético. Por isso é importante o desbridamento pre- coce de feridas infectadas. Recrutamento de monócitos São recrutados a partir de 24 a 48 h da lesão; Diferenciam-se em macrófagos: ocorre na época em que os neutrófilos desaparecem da ferida. Esses macrófagos dão continuidade às funções de “limpeza” e também são respon- sáveis pela liberação de diversas citocinas que regulam o processo de síntese dos componentes do tecido cicatricial (IL-1, TNF-α, IL-6, TGF-α, TGF-β, FGF, EGF, IGF-1); Os macrófagos são considerados o tipo celular predomi- nante na fase inflamatória. IL – 1 Citocina pró-inflamatória de fase aguda, se com- porta como pirógeno endó- geno causando uma res- posta febril. Além disso, au- menta a atividade da cola- genase, regula as molécu- las de adesão e promove quimiotaxia. Age na fase proliferativa promovendo o crescimento de fibroblastos e queratinócitos e estimu- lando a síntese do colá- geno. TNF - α Estímulo à aderência dos PMN ao endotélio, estímulo à hemostasia, aumento da permeabilidade capilar e aumento da proliferação endotelial. IL – 6 Leva à ativação de linfóci- tos, regula a síntese hepá- tica de proteínas de fase aguda e age sinergica- mente com IL-1 e TNF-α TGF - α, TGF - β Estimulam o crescimento da epiderme e a angiogê- nese, etapas da fase proli- ferativa. Fase proliferativa Se inicia no 3º dia, pode durar de 12-14 dias. Assim que a fase inflamatória começa a se resolver, entra em cena a fase pro- liferativa, caracterizada por: 1. Neovascularização (angiogênese) 2. Fibroplasia 3. Epitelização É na fase proliferativa que ocorre a formação do tecido de granulação, que consiste em leito capilar, fibroblastos, ma- crófagos e um arranjo pouco consistente de colágeno, fibro- nectina e ácido hialurônico. Objetivo: reestabelecer a continuidade corporal Eventos Angiogênese Proliferação de células endoteliais com formação de novos vasos, que fazem parte do tecido de granulação. Produção de VEGF (um fator angiogênico): produzido por macrófagos, células endoteliais, plaquetas e Outras citocinas envolvidas na neoformação vascular: TGF- β, FGF e IL-8. Fibroplasia Caracterizada pela migração, ativação e proliferação de fi- broblastos, responsáveis pela síntese de Matriz Extracelular (MEC), principalmente colágeno. O fibroblasto é considerado o principal tipo celular da fase proliferativa. Síntese de colágeno: estimulada pela TGF-β e IGF-1 e inibida por INF-γ e glicocorticoides. Inicialmente há predomínio do colágeno tipo III; Outros componentes da MEC: glicosaminoglicanas, ácido hi- alurônico e fibronectina; esses elementos servem como su- porte para as células envolvidas no processo cicatricial, além de facilitar a interação entre as citocinas e suas células-alvo; Modificação bioquímica da MEC: a composição do colágeno se altera, com predomínio do colágeno tipo I. Epitelização Caracterizada por ativação dos queratinócitos, que migram a partir da epiderme residual e do epitélio que reveste a parte mais profunda dos apêndices da derme. Já é encontrada em 24 h nas feridas fechadas por primeira intenção; Proliferação da camada basal da epiderme: com migração dos queratinócitos sobre a MEC; Formação da membrana basal: os queratinócitos sintetizam laminina e colágeno do tipo IV; Modificação dos queratinócitos: assumem configuração mais colunar e iniciam proliferação em direção vertical (de baixo para cima), arrastando consigo tecidos necróticos e corpos estranhos, separando-os da ferida. Posteriormente, formam hemidesmossomas (junções firmes e impermeáveis) e iniciam a produção de queratina. Um aspecto importante é a RESISTÊNCIA DA FERIDA. A recuperação da resistência tecidual começa a partir do fi- nal da fase proliferativa e se inicia, em geral, a partir da 3ª se- mana. Até a 4ª semana, o tecido terá alcançado cerca de 50% do total da resistência. Lembrando, não é igual à resistência do tecido original! Tecidode granula- ção Kamilla Galiza / 6º P O tecido nunca vai ser igual ao que era antes, lembre-se que estamos estudando o processo de cicatrização, que envolve reparo PARCIAL e não total. Esses 50% de força tênsil se refe- rem ao tecido cicatricial. Maturação Duração indeterminada, pode durar de meses a anos) O te- cido cicatricial formado consiste em tecido pouco organi- zado, composto por colágeno e pobremente vascularizado. O processo de remodelamento da ferida envolve: 1. Equilíbrio entre a síntese e a degradação do colágeno 2. Redução da vascularização 3. Diminuição da infiltração de células inflamatórias. Objetivo: atingir a maturação da ferida. Eventos Contração da ferida Um dos principais eventos da fase de maturação. Ocorre por movimento centrípeto de toda a espessura da pele em torno da ferida, aproximando progressivamente suas bordas e re- duzindo a quantidade de cicatriz desorganizada. • Miofibroblastos: parecem ser os responsáveis; • É importantíssima para a cicatrização por segunda in- tenção; • Em alguns casos, pode ocorrer o fenômeno de contra- tura: a contração da ferida pode levar a deformidade estética e funcional (ex.: queimaduras, pele adjacente a articulações); Células Mecanismo de cicatrização Tipos Quanto ao mecanismo de cicatrização, as feridas podem ser classificadas em três tipos: Primária/Primeira intenção: a ferida é fechada por sutura, enxertos cutâneos ou retalhos. Caracteriza-se por rápida epi- telização e mínima formação de tecido de granulação, apre- sentando melhor resultado estético. É recomendada em fe- rida sem contaminação, localizada em área bem vasculari- zada. Secundária/Segunda intenção/Espontânea/Habitual: a fe- rida é deixada aberta de propósito, sendo a cicatrização de- pendente da granulação e contração para a aproximação das bordas. O fechamento secundário é recomendado em algumas situações como biópsias de pele tipo punch, cirur- gias em canal anal ou margem anal e feridas com alto grau de contaminação. Terciária/Primário tardio: a ferida inicialmente é deixada aberta, geralmente por apresentar contaminação grosseira. Após alguns dias, a ferida é fechada mecanicamente através primeira intenção • sutura • enxerto • retalho segunda intenção • ferida deixada propositalmente aberta • granulação / contração terceira intenção • ferida inicialmente deixada aberta • remoção de debris / antibioticoterapia • fechamaento mecânico Kamilla Galiza / 6º P de sutura, enxertos cutâneos ou retalhos. O resultado estético obtido é inferior à cicatrização primária. Fatores que interferem na cicatrização Diversos fatores comprometem o processo de cicatrização de feridas, sendo importante seu conhecimento para um ma- nejo adequado do paciente cirúrgico. 1. Infecção: a causa mais comum no atraso do processo cicatricial é a infecção da ferida operatória. – Fatores que impedem a evolução do processo cicatri- cial: (a) contaminação por 10 UFC ou (b) 5 presença de estreptococo beta-hemolítico na ferida → Nesses casos, a cicatrização não vai acontecer, mesmo que tu colo- que enxerto ou retalho e a porra toda. 2. Desnutrição: a ingesta calórica inadequada leva a um aumento da degradação de proteínas (proteólise), o que interfere no processo cicatricial. – Proteínas: níveis de albumina < 2,0 g/dL prejudicam a cicatrização e se relacionam a uma maior probabili- dade de deiscências; – Vitamina C: o ácido ascórbico atua como cofator em reações envolvidas na síntese de colágeno; – Vitamina A: o ácido retinóico exerce funções benéfi- cas no processo cicatricial (aumento na resposta infla- matória por desestabilizar a membrana de lisossomos; aumento no influxo de macrófagos para a ferida com sua posterior ativação; e aumento na síntese de colá- geno); – Vitamina K: pois é cofator na síntese de determinados fatores de coagulação (protrombina ou fator II, fator VII, fator IX e fator X); – Zinco: sua deficiência compromete a fase de epiteli- zação da ferida, atuando como cofator para RNA poli- merase e DNA polimerase; – Ferro: é um cofator necessário para a transformação de prolina em hidroxiprolina (um aminoácido das fibras de colágeno), porém ainda é controverso se sua defici- ência traz real prejuízo à cicatrização; 3. Hipóxia tecidual e Anemia: a cicatrização de feridas é um processo que exige um aporte contínuo e adequado de oxigênio, necessário para a intensa atividade sinté- tica. – PO2 < 40 mmHg: a síntese de colágeno é intensa- mente prejudicada; – Ht < 15% e Hb<7g/dL: ocorre redução da infiltração de leucócitos na ferida, diminuição de fibroblastos e da produção de colágeno, e redução da angiogênese. 4. Diabetes mellitus: as fases da cicatrização estão preju- dicadas em pacientes diabéticos. – Neuropatia diabética: afeta fibras sensitivas e moto- ras, predispõe a traumas repetidos com muitos episó- dios não percebidos pelo paciente; – Aterosclerose: leva ao estreitamento do lúmen arterial com hipoperfusão tecidual. – Maior probabilidade de infecções: pela quimiotaxia reduzida, somada a resposta inflamatória atenuada e incapacidade de atuar sobre micro-organismos agres- sores; 5. Idade avançada: idosos apresentam um processo de cicatrização mais lento quando comparados a indiví- duos mais jovens. – Deiscência de ferida operatória: uma complicação mais encontrada na idade avançada, uma vez que qualidade e quantidade das fibras colágenas pioram com o tempo; – Alteração na fase inflamatória: por conta da infiltra- ção tardia da ferida por macrófagos e diminuição da ação fagocítica dessas células 6. Glicocorticoides, Quimioterapia e Radioterapia: – Glicocorticoides: pelo efeito anti-inflamatório, além de distúrbios na síntese de colágeno, na epitelização e na contração da ferida; – Quimioterapia: interfere na divisão celular, causando prejuízo importante na proliferação de fibroblastos, de endoteliócitos, de macrófagos de queratinócitos e de outros tipos celulares; – Radioterapia: efeitos semelhantes à quimioterapia, além de causar endarterite (leva a obliteração de pe- quenos vasos, com isquemia e fibrose de tecidos). 7. Tabagismo: por aumentar o teor de monóxido de car- bono no sangue e ocasionar vasoconstrição, interfere em várias etapas do processo cicatricial (diminui a oxi- genação, diminui a vascularização, acelera o gasto energético/metabólico, altera a quimiotaxia), e assim tem efeitos na fase inflamatória, fase proliferativa e também na fase de maturação. Por esse motivo, nós médicos devemos usar o conhecimento para facilitar e tornar o processo de cicatrização mais adequada, bus- cando manter: - Ferida limpa - Boa perfusão de oxigênio - Boa nutrição (local e do paciente) - Controle dos fatores associados (citados anterior- mente) Cicatrização anormal A cicatrização normal antagoniza com processo de cicatriza- ção anormal quando há alguma alteração nas fases da ci- catrização descritas anteriormente. Aqui serão citadas duas principais alterações: 1. Hipercicatrização/Cicatrizes proliferativas 2. Feridas crônicas que não cicatrizam A hipercicatrização resulta de um distúrbio no processo cica- tricial, caracterizado por proliferação anômala de fibroblastos somada à síntese excessiva e degradação insuficiente de co- lágeno. Nesse grupo entram os queloides e as cicatrizes hi- pertróficas. Kamilla Galiza / 6º P Cicatrizes hipertróficas – Respeitam os limites da ferida; – Regridem espontaneamente (nem sempre tem um resolu- ção completa, mas geralmente há melhora com passar do tempo); – Não têm predisposição genética; – Mais frequentes em áreas de tensão da pele e em superfí- cies flexoras; Queloides – Ultrapassam os limites da ferida; – Não regridem espontaneamente; – Apresentam predisposição genética (afrodescendentes, hispânicos...); – Mais frequentesem tronco (região pré-esternal e dorsal su- perior), cabeça e pescoço (em especial a orelha) e em om- bros; Tratamento Complicações da Ferida Cirúrgica Seroma Hematoma Deiscência de sutura Kamilla Galiza / 6º P Infecção de sítio cirúrgico • Ate 30 dias • Ate 1 ano Fatores de Risco Extremos de idade Comorbidades Imunossupressão Tabagismo Baixa oferta de O2 Desnutrição Controle glicêmico inadequado Feridas crônicas que não cicatrizam Ocorre quando os níveis de citocinas pró-inflamatórias per- sistem, ao invés de caírem conforme a cicatriz evolui. Tam- bém existem evidências recentes que mostram que a degra- dação proteolítica mantida é uma característica de feridas que não cicatrizam. A proteólise excessiva provoca liberação de componentes do tecido conjuntivo que, por si só, estimu- lam a inflamação, mantendo esse círculo vicioso. Desse modo, a inflamação persistente impede que o processo cica- tricial evolua. • Não cicatrizaram após 30 a 90 dias da cirurgia. • Predisposição ao surgimento de carcinoma de células escamosas Referências • Ilustrações médicas: Deiscência de suturas. • SAVASSI-ROCHA, Paulo Roberto. Cirurgia de Ambulatório. Rio de Janeiro: Ed. MedBook, 2013. • Townsend, Courtney M. Sabiston Tratado de Cirurgia - A Base Biológica da Prática Cirúrgica Moderna. Disponível em: Minha Biblioteca, (20th edição). Grupo GEN, 2019.
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