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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRINCIPIOLOGIA E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL CRÍTICA À DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO GARANTISMO PENAL JULIANO KELLER DO VALLE Itajaí, agosto de 2007. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRINCIPIOLOGIA E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL CRÍTICA À DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO GARANTISMO PENAL JULIANO KELLER DO VALLE Dissertação submetida ao Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Ciência Jurídica. Orientador[a]: Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa Itajaí, agosto de 2007 AGRADECIMENTO A gratidão não é só uma qualidade inerente à pessoa, mas também um dever de se fazer justiça às pessoas que permanecem indelevelmente na memória, que foram e que continuam sendo presenças marcantes na minha formação. Aos meus pais, Heraldo e Maria Angelina, dois vencedores da vida, que sempre depositaram em mim o amor e o desejo pela minha felicidade. Paulo Murillo e Rosany Maria, meus queridos irmãos, por tudo que me ensinaram. Aos brilhantes advogados e companheiros, Ana Luiza Luz da Gama Lobo d’Eça e Rômulo Linhares Bittencourt, meu absoluto respeito e admiração. Ao sócio de escritório e processualista inspirado, advogado Fernando Luz da Gama Lobo d’Eça, pela amizade diuturnamente compartilhada, exemplo vivo de honestidade, caráter e lealdade. A minha secretária Dulcinéia Silva, pela organização e ajuda diária. Aos professores do Curso de Direito da UNIVALI, amigos feitos e refeitos nos corredores: Vilson Sandrini e Márcio Roberto Paulo, pela primeira oportunidade concedida; Márcio Roberto Harger pelo incentivo necessário à caminhada acadêmica e a ajuda no meu pré-projeto; Flaviano Vetter Tauscheck e José Maria Zilli da Silva. Carinhoso agradecimento à amiga de anos, Professora Vera Lúcia Ribas Batista, pelo afeto sempre dirigido a mim. Aos professores do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – PMCJ da UNIVALI, e em especial para: Professor Doutor Paulo Márcio Cruz; Professor Doutor Romeu Falconi; Professor Doutor Luiz Henrique Cademartori e Professor Doutor Marcos Leite Garcia. Ao amigo e talentoso professor Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino, pelas palavras de incentivo, e, sobretudo pelo exemplo ímpar de figura humana. As funcionárias da secretaria do programa de Mestrado em Ciência Jurídica: Lucilaine, Jaqueline, Naide e Karla. Daniel Linhares Bittencourt, pelo “abstract”, e para Vera pela revisão gramatical. E, por fim, ao meu orientador, Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa, pela precisa orientação, pelos conselhos de vida, e pela liberdade que me permitiu, por certo, ser um pouco poeta nesse texto, sem deixar a Constituição de lado. DEDICATÓRIA Para meu sobrinho e afilhado, João Eduardo Keller do Valle Gouveia de Matos, um novo sentido em minha vida. Para a pessoa que me (re) apresentou o Direito através do Garantismo, resgatando toda a esperança e a crença incondicional na Constituição, refletida em mim e em tantos outros acadêmicos sonhadores: o amigo e Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa. Para Fabíola Probst, um amor para mudar as coisas. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí, agosto de 2007 Juliano Keller do Valle Mestrando(a) PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo mestrando Juliano Keller do Valle, sob o título Crítica à Delação Premiada a partir do Garantismo Penal, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos seguintes professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]). Itajaí, agosto de 2007. Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa Orientador e Presidente da Banca Professor Doutor Paulo Márcio Cruz Coordenador do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da UNIVALI SUMÁRIO RESUMO...................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. INTRODUÇÃO ..........................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CAPÍTULO 1 GARANTISMO PENAL ................................................ 5 1.1 TEORIA GERAL DO GARANTISMO ...............................................................5 1.1.1 Fundamentos do Garantismo..........................................................................5 1.1.2 O sentido do Garantismo Jurídico.................................................................10 1.1.3 O plano da validade e da vigência da norma................................................12 1.1.4 A crítica à norma e a figura do juiz crítico.....................................................13 1.1.5 Uma (nova) filosofia política..........................................................................15 1.1.6 O Estado de Direito e a Democracia: limitações ao poder...........................16 1.3 A QUESTÃO DA SOCIALIDADE: O TRÁGICO, A TEATRALIZAÇÃO E A BARROQUIZAÇÃO DO MUNDO ................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 1.4 A SOCIALIDADE QUE SE MANIFESTA NO TRIBALISMO.................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CAPÍTULO 2 O DIREITO ENQUANTO FENÔMENO SÓCIO- CULTURAL: UMA ANÁLISE DA SEMIOLOGIA NO DISCURSO JURÍDICO..................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1 A COMPREENSÃO E SIGNIFICAÇÃO DO DIREITO QUE SE INSTITUI PELA EXPERIÊNCIA DA VIDA COTIDIANA..................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.2 A LINGUAGEM COMO OBJETO TEÓRICO DO DIREITO SOB A PERSPECTIVA DO POSITIVISMO LÓGICO ..................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.3 A REVISÃO DO DISCURSO JURÍDICO A PARTIR DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM ORDINÁRIA E A SEMIOLOGIA DO PODER ... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CAPÍTULO 3 A FUNÇÃO DA POLÍTICA JURÍDICA NA (RE)CONSTRUÇÃO DO DIREITO ...............ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.1 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA JURÍDICA NA MODERNIDADE: ENTRE A LEGALIDADE E ORDEM ............................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.2 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA POLÍTICA JURÍDICA A PARTIR DE ALF ROSS................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 3.3 O PENSAMENTO PÓS-MODERNO NA PROPOSIÇÃO POLÍTICO JURÍDICA DE OSVALDO FERREIRA DE MELO......... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ......ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. RESUMO A presente pesquisa pretende investigar o instituto da delação premiada no Brasil, analisandoprimeiramente o seu conteúdo existente nas várias legislações existentes no país, bem como no Código Penal Brasileiro. Com efeito, busca-se a partir da leitura acerca da Teoria do Garantismo Penal, estabelecer parâmetros e critérios racionais que efetivem a estrita legalidade defendida por Luigi Ferrajoli no âmbito da delação premiada, posteriormente abordado: a) a supremacia total das garantias fundamentais; e b) o controle de constitucionalidade material. Nesse sentido a delação encontra barreiras éticas e democráticas quanto a sua efetividade, vez que o critério de aplicação será e deverá sempre ser permeada pela crítica proposta pela Teoria do Garantismo Penal, consubstanciada na prevalência dignidade da pessoa humana e na busca da verdade segundo o modelo garantista, minimizando o poder estatal e maximizando as garantias fundamentais do cidadão. Esta dissertação está vinculada à Linha de Pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional e ao Projeto de Pesquisa Fundamentos Teóricos Contemporâneos dos Princípios e Garantias Constitucionais. Palavra-chave: Garantismo Penal – Delação Premiada – Garantias Fundamentais. ABSTRACT This research intends to investigate the institute of awarded delation in Brazil, analyzing firstly its contents in many of the legislations in the country, as well as in the Brazilian Penal Code. It is wanted from the reading of the "Teoria do Garantismo Penal" establish parameters and rational criteria that execute the strict legality defended by Luigi Ferrajoli about awarded delation, latterly spoken of: a) the total supremacy of the fundamental guarantees; and b) the control of material constitutionality. This way delation finds ethical and democratic barriers as to its effectiveness, once the criteria of the application will and ought to always consider the critic proposed by the "Teoria do Garantismo Penal", formed by the prevalence of the human dignity and the search for the real truth, minimizing the power of the state and maximizing the fundamental guarantees of the citizen. Key-word: Garantismo Penal - awarded delation - fundamental guarantees. 2 INTRODUÇÃO A presente dissertação de Mestrado pertence à linha de pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional. O objeto é centralizado no resgate das garantias previstas no texto da Constituição da República aplicada no instituto da Delação Premiada prevista em várias leis ordinárias e em dispositivos do Código Penal Brasileiro vigentes. O seu objetivo, é, por meio da investigação e da interpretação dos princípios e caracteres básicos da Teoria do Garantismo Penal proposta por Luigi Ferrajoli, se a Delação Premiada encontra elementos compatíveis entre validade e vigência da norma inferior com a matriz constitucional, preservando ou não as garantias fundamentais nesse contexto. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, o tratamento inicial acerca do Garantismo Jurídico, expondo, dessa forma, os elementos que o fundamentam, o sentido da teoria, demonstrando a prática da racionalidade como técnica de definição do patamar das garantias e controle estatal, o plano da validade e da vigência da norma e a possibilidade de crítica na figura do juiz, bem como as limitações democráticas impostas pelo garantismo jurídico. Em seqüência, se apresenta o garantismo penal inicialmente como fórmula de intervenção minimizada, utilizando-se os princípios democráticos como forma de controle estatal, e não de controle social até então maximizados por uma face outra do Direito Penal, consubstanciado em uma cultura do medo impregnada na sociedade e uma proposta de um Direito Penal e Processual de Emergência, totalmente desviados das bases democráticas que norteiam a Constituição. Nesse prisma, é através do controle material da Constituição desenvolvida pelo garantismo penal, pelo tratamento e análise da norma inferior vigente em comparação com a norma fundamental válida positivada no texto constitucional, a técnica encontrada para evitar a preponderância do arbítrio estatal com o uso tendencioso do Direito Penal e Processual. 3 No Capítulo 2, busca-se em primeiro lugar apresentar o instituto da delação premiada no processo penal brasileiro, dissecando as suas particularidades e incongruências com os demais princípios constitucionais como a proporcionalidade. Em seguida, se apresenta a previsão da delação premiada nas diversas legislações esparsas vigentes no Brasil e no Código Penal, dissecando cada uma delas. Por fim, traz-se à discussão dois movimentos ideológicos a favor e contra o referido instituto, consubstanciado de um lado na corrente do Direito Penal Máximo (de cunho antigarantista) e de outro, no Direito Penal Mínimo (de raiz garantista), provocando, desta forma, a discussão por meio da crítica a norma da delação premiada vigente, que segundo a pesquisa demonstra o aviltamento às garantias fundamentais. No Capítulo 3, tratando de apresentar os limites impostos pelo garantismo penal frente ao instituto da delação premiada, inicialmente pelas inspirações democráticas apresentadas no capítulo inicial, tendo como vértice o atendimento ao princípio da verdade real segundo o sistema garantista. Em um segundo momento é demonstrado os limites éticos que dificultam a assunção pura e simples da delação nos casos em concreto, e por fim, a possível compatibilidade da delação premiada na ótica garantista. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Crítica à Delação Premiada a partir do Garantismo Penal. Para a presente Dissertação foram levantadas as seguintes hipóteses: a) A Teoria do Garantismo Penal como técnica apresentada de elevação das garantias fundamentais do cidadão, tais como a dignidade da pessoa humana, e o uso da racionalidade e dos princípios democráticos inseridos no texto constitucional como critério de aferição se a norma inferior vigente é válida na perspectiva garantista, deveria corresponder efetivamente a crítica racional ao arbítrio estatal à essas garantias; 4 b) O instituto da delação premiada no Brasil, tal qual conhecemos, espalhada em várias leis ordinárias e no Código Penal, deveria conduzir a situações em que busca um maior incremento na tutela jurisdicional sem que haja, contudo, a prevalência de um Estado Maximizado no seu espectro de controle social e aviltamento das garantias fundamentais, existentes em relevo no processo penal como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, aliado a presunção de inocência e a possível ocorrência de afronta a princípios constitucionais e penais como a proporcionalidade da sentença; c) O cotejo da delação premiada, seus prós e contras existentes encontram limites e parâmetros de racionalidade, de estrita legalidade, de ética e de democracia dentro da análise das demais provas, na busca pela verdade real, segundo a teoria proposta por Luigi Ferrajoli. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. CAPÍTULO 1 GARANTISMO PENAL 1.1 TEORIA GERAL DO GARANTISMO 1.1.1 Fundamentos do Garantismo O Garantismo Jurídico resgata a prevalência dos direitos individuais do homem – alicerçado na proposta da escola iluminista – constitucionalmente garantida e positivada no texto da LeiMaior, em detrimento do poder do Estado1, como forma de (de) limitar2 e controlar o seu intervencionismo, impedindo, destarte, eventual ofensa aos direitos fundamentais. Ditos direitos fundamentais que, como se verá no decorrer do presente texto, são elevados à condição de universais, isto é, a sua validade3 será sempre considerada como universal na medida em que estabelecem os limites, fundamentais dentro de um ordenamento jurídico4, sendo, assim, a base de uma igualdade jurídica a ser alcançada. De inspiração libertária5, o garantismo jurídico teve como início o vínculo com o Direito Penal, cuja efetividade se definia a partir de um modelo de crítica através da racionalidade, de justiça e de legitimidade da 1 Estado pode ser conceituado como : “1. Numa estrita visão jus-positivista, a instituição que detém o poder de coerção incidente sobre a conduta dos cidadãos, determinando-lhes, através de um sistema normative respaldado na força, o que podem e não podem fazer. 2. O mais alto grau de racionalidade na organização política de um povo.” MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000, p. 38. 2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 786. 3 “Numa abordagem crítica, é a norma cuja eticidade 4 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. Madrid: Trotta, 1999, p. 38. 5 Ferrajoli foi membro do Movimento do Uso Alternativo do Direito na Itália. 6 intervenção punitiva6 para, posteriormente, ser guindado à Teoria do Direito7, vez que tem irradiado o seu espectro de atuação para outros campos do Direito, através de outros direitos fundamentais e a outras técnicas e critérios de legitimação8. Entretanto, inicialmente, faz-se necessário o cotejo do garantismo com o ideal proposto por Norberto Bobbio, que, através de suas reflexões atinentes ao campo da política, da filosofia, interligadas à perspectiva dos direitos humanos, contribuiu sobremaneira para a sua positivação nos sistemas democráticos tal qual conhecemos – e a sedimentação da Teoria do Garantismo Jurídico nos tempos atuais. Para Bobbio, a categoria dos direitos humanos serve, sim, para estabelecer formas de controle estatal, vez que: Seja qual for o fundamento dos direitos do homem – Deus, a natureza, a história, o consenso das pessoas – são eles considerados como direitos que o homem tem enquanto tal, independentemente de serem postos pelo poder político e que, portanto o poder político deve não só respeitar, mas, também, proteger. Segundo a terminologia kelseniana, eles constituem limites à validade material do Estado9. Bobbio aprofunda, ainda mais, ao discorrer sobre o que seriam os tais “direitos do homem”, sendo esse instrumento indispensável ao limite imposto à legitimidade da intervenção estatal, senão veja-se: [...] doutrina, segundo a qual, o homem, todos os homens, indiscriminadamente, têm por natureza e, portanto, independentemente de sua própria vontade, e, menos ainda, da vontade de alguns poucos ou de apenas um, certos direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade – direitos esses que o Estado, ou, mais concretamente, 6 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 785. 7 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. Rio de Janeiro: Lumen Juris , 2005, p. 3. 8 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788. 9 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 100. 7 aqueles que, num determinado momento histórico, detêm o poder legítimo de exercer a força para obter a obediência a seus comandos devem respeitar, e, portanto, não invadir, e, ao mesmo tempo, proteger toda possível invasão por parte dos outros10. Da relevância da sustentação dos Direitos Fundamentais, Luigi Ferrajoli preleciona: Los derechos fundamentales se configuran como otros tantos vínculos sustanciales impuestos a la democracia política: vínculos negativos, generados por los derechos de libertad que ninguna mayoria puede violar; vínculos positivos, generados por los derechos sociales que ninguna mayoría puede dejar de satisfacer11. Há, portanto, a fácil identificação de que a Teoria do Garantismo Jurídico é embasada na centralidade da pessoa12, isto é, passa a ser ele não somente sujeito de deveres perante o Estado, mas, sobretudo de direito, na medida em que o efetivo Estado Democrático de Direito, como se verá a seguir, deve preconizar a inviolabilidade dos direitos fundamentais constitucionalizados, garantindo-os como instrumento de defesa e reconhecendo- os não só formalmente, mas materialmente, a subordinação de leis inferiores ao texto constitucional positivado, bem como a indiscriminada sujeição do Estado sob pena de sua total deslegitimação13. A Teoria Geral do Garantismo Jurídico visa, então, em sentido amplo, a total supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana14 e seus Direitos Fundamentais, que são: 10 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 11. 11 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 23-24. 12 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.73. 13 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790. 14 Para Sarlet a dignidade da pessoa humana “[...] é o valor de uma tal disposição de espírito, e está infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade". SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 34. 8 [...] todos aquellos derechos subjetivos que correspondem universalmente a ‘todos’ los seres humanos em cuanto dotados del status de personas. Entendiendo por derecho subjetivo cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no sufrir lesiones) adscrita a un sujeto por una norma jurídica[...]15. Via de regra, estão esses direitos contidos em diversas Constituições que legitimam o Estado Democrático de Direito16, e que, por essa razão, exigem, sem concessão, a sujeição de todas as normas jurídicas à luz da matriz constitucional17, sob pena de se ver declarada a sua flagrante inconstitucionalidade. A fim de evitar abusos oriundos do poder estatal ou privado, a referida teoria estabelece mecanismos de contenção, a saber: Luigi Ferrajoli indica quatro frentes garantistas. A primeira está vinculada à revisão da teoria da validade, que preconiza uma diferenciação entre validade/material e vigência/formal das normas jurídicas. A segunda frente pretende o reconhecimento de uma dimensão substancial da democracia, suplantando o caráter meramente procedimental desta. Já na terceira, do ponto de vista do Juiz, propõe-se uma nova maneira de ver a sujeição à lei somente por ser lei – aspecto formal – pretendendo que a sujeição se dê somente quando conjugadas à forma e ao conteúdo das normas. Por fim, observa a relevância da ciência jurídica, cujo papel deixa de ser meramente descritivo, mas ganha contornos críticos e de projeção do futuro18. Assim, a despeito das várias facetas internas contidas nesses Direitos Fundamentais, não se pode olvidar que as inúmeras positivações contidas nos textos estatais são o substrato de intensas reivindicações sociais do 15 FERRAJOLI, Luigi. Derechosy Garantias. p.37-38. 16 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? (Teoria Geral do Direito). Florianópolis: Habitus, 2003, p. 20. 17 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 20. 18 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. p. 3. 9 homem ao longo dos anos, e que, por essa razão, tal reconhecimento e valoração não podem ser meramente formais19. Historicamente, o garantismo surgiu como resposta a um positivismo20 (jurídico)21 outrora emergente, em face de evidente crise daquele sistema que não alcançou satisfatoriamente uma política jurídica eficaz no campo das garantias constitucionalizadas na forma de Direitos Fundamentais, do que se pode aduzir que: A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valoração dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética22. Com efeito, como será demonstrado, o fazer valer a Constituição é a verdadeira e inarredável questão produzida pelo garantismo, enquanto reflexão no plano filosófico, ético e político, na medida em que fomenta a inquietude social de direitos inalienáveis, indisponíveis e inderrogáveis, ao plano 19 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 86. 20 Para positivismo, pode-se destacar: “Sistema filosófico que tem como postulados principais os seguintes: a ciência é o único conhecimento possível e tudo o que não possa ser investigado por método cinetífico não tem validade; o método geral da ciência é o descritivo, pois cabe a qualquer coência descrever o seu objeto”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 78. 21 Para positivismo jurídico, tem-se: “1. Escola que reduz o Direito à sua função técnica, distinguindo-o rigorosamente da Metafísica, com o que se opõe frontalmente ao Jusnaturalismo (V.). 2. Posicionamento que repele a idéia de um Direito Natural (V.) anterior e superior à positividade jurídica, vendo nesta última a fonte de todo o conhecimento do Direito (V. Positivismo). MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 78. 22 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 349. 10 supremo da hierarquia das normas àqueles personagens que diretamente são provocados para a sua diuturna efetividade: [...] O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se deve agregar o da transformação social e da emancipação – deve ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e promotores, sobre a atuação do Poder Público em geral e sobre a vida das pessoas. Trata-se de transpor a fronteira de reflexão filosófica, ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial e, indo mais além, produzir efeitos positivos sobre a realidade23. O discurso em defesa da Constituição cuja incorporação é questão nuclear da teoria garantista, impede que o texto fundamental seja reduzido a um mero status formal, sem qualquer possibilidade de real efetividade ou inserção no mundo da vida. É, portanto, nesse viés, que o plano da racionalidade passa a atingir os mecanismos de cognição constitucional necessários e indispensáveis para o controle estatal. 1.1.2 O sentido do Garantismo Jurídico A Teoria do Garantismo Jurídico parte do plano da racionalidade crítica contra o vilipêndio estatal aos Direitos Fundamentais, a que não lhe é comprometido, sempre em nome de um Estado de Direito24 meramente formal e não material. Referida racionalidade crítica toma forma de carta aberta de todos os homens para todos os homens no momento em que evidencia o discurso permeado de valores que necessariamente devem estar presentes como 23 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 350. 24 “1. Lato sensu, o ordenamento estatal fundado na ordem social (V.) e na segurança jurídica (V.), cujas características são a legitimidade das instituições políticas, a legalidade dos atos da Administração, a independência e harmonia entre os Poderes, o controle judicial das leis e a garantia dos direitos dos cidadãos. 2. Numa abordagem de teoria democrática de Governo, inclui-se como outra característica essencial a conformidade do poder político à vontade do povo que autorizou e orgnizou o Estado”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 38. 11 finalidades a serem perseguidas pelo Estado de Direito, quais sejam a dignidade humana, a paz, a liberdade plena e a igualdade substancial25. O Garantismo, desta feita, aponta para três significados delineados em: a) um modelo normativo de direito, chamado de estrita legalidade; b) uma teoria jurídica acerca da validade e da vigência da norma e a clara distinção entre ambas e c) uma filosofia política, que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa de quem a eles deve servir26. O modelo normativo de direito é subdividido em três planos: epistemológico, que se objetiva como um sistema de cognição ou de poder mínimo (estatal); político, na medida em que tutela a maximização da liberdade e a minimização da violência pelo Estado e jurídico, que indica que a função punitiva exercida pelo Estado estará sempre vinculada às garantias dos direitos dos cidadãos27. Referido modelo comporta, sobremaneira, um exercício analítico e criterioso, haja vista que, a partir da verificação de eventuais antinomias entre as normas inferiores e seus princípios constitucionais e hipotéticas incoerências perpetradas pelas instituições, em confronto com as normas legais, pode-se chegar a um resultado de alto ou baixo grau de efetividade de uma Constituição28. Desse modo, tem-se claro que a proposta garantista, como já dito alhures, tem como ponto de partida os direitos individuais do homem, limites que são indissociáveis na construção de um modelo de Estado de Direito, cuja obtenção se dá mediante um pacto contratual entre cidadão e Estado, tendo como objeto de direito a ampliação e manutenção da esfera de direitos individuais invioláveis e supremos, e, por conseguinte, o dever de demarcação da atuação do poder estatal, estabelecendo, desse modo, a condução de uma estrita legalidade, impedindo o seu açodamento. 25 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 72. 26 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 27 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 28 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 76. 12 Lastreadas tais condições, o Garantismo Jurídico ganha contornos de teoria, da validade e da efetividade, como categorias distintas não só entre si, mas, também, pela existência ou vigor das normas, distinguindo o “ser” e o “dever ser” 29, na tradição do positivismo jurídico. 1.1.3 O plano da validade e da vigência da norma O Garantismo, enquanto teoria do direito e crítica do direito, invoca para si as quatro frentes – a diferenciaçãoentre validade e vigência; a dimensão substancial da Constituição; a sujeição do Juiz à lei e o abandono da feição meramente descritiva e acrítica da ciência jurídica. Nesse diapasão, trava-se a discussão epistemológica entre modelos normativistas, que tendem à efetividade das garantias e às práticas operacionais, que descambam para o antigarantismo30, isto é, há propositalmente, nesse aspecto, uma nítida provocação no campo das idéias, vez que a divergência solar entre norma válida e norma vigente é capaz de invocar a reflexão crítica do ator jurídico31 no momento em que, dissociado da dogmática pura do direito, insurge-se quanto à concordância de que a vigência gera a presunção de validade, ou seja, bastando-a existir juridicamente, para sê-la, então, válida. Entretanto, a teoria do garantismo exige, dentro desse raciocínio, que o produto de norma inferior, em estando vigente, esteja 29 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 30 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 31 Adota-se o termo “ator jurídico” e não “operador jurídico” seguindo uma concepção usada por ROSA, Alexandre Morais da. Direito Infracional: Garantismo, Psicanálise e Movimento AntiTerror. Florianópolis: Habitus, 2005, p. 15. Segundo o citado autor “[...] por se entender que o primeiro pressupõe a participação nos fatos pelo intérprete, inserido no mundo da vida (sujeito- sujeito), enquanto o segundo facilita a objetivação e o seu distanciamento. As formas clássicas de intepretação do Direito propostas pela dogmática jurídica apresentam o intérprete dissociado da realidade social (sujeito-objeto), envolto numa realidade virtual, favorecendo, com isso, a comodidade e o (dês)compromisso ético(Dussel) das decisões”. 13 obrigatoriamente precedido de um filtro previsto em norma superior32, sob pena de um deslocamento de sua validade arraigada sempre a princípios fundamentais norteadores e esculpidos na seara constitucional positiva, para a da invalidade. Por esse entendimento, a invalidade seria justamente o inverso, isto é, se determinada norma hipoteticamente vigente, cujo conteúdo desrespeite, no caso, a um Direito Fundamental constitucionalizado, terá a sua validade apenas formal, eis que está em evidente descompasso com aquela norma maior reguladora33. Dessa forma, o especial aspecto suscitado pela teoria garantista no plano da validade versus vigência é de singular importância dada a sua preocupação pela efetividade dos direitos fundamentais em um ordenamento jurídico que se volte à Constituição, e a essa categoria de direitos constitucionalizados, dependendo sempre de mecanismos internos para o seu controle34, verificando, assim, sempre a adequação de seu conteúdo vigente à validade exigida35. 1.1.4 A crítica à norma e a figura do juiz crítico A tensão crítica formulada por Ferrajoli propõe, nesse prisma, o ator jurídico, aqui, nesse caso, em comento do juiz efetivo e diligente dos direitos fundamentais, não um super-juiz travestido de “capitão-américa” – contaminado e subserveniente ao casuísmo político-ideológico -, mas aquele que, 32 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 77. 33 “[...] Ora, se uma norma inferior entrar em vigor respeitando os procedimentos previstos para sua criação, mas não já os conteúdos previstos nesses parâmetros supracitados (os Direitos fundamentais, por exemplo), à obviedade, ela existirá até ser declarada sua inconstitucionalidade pela corte competente. Ou seja, ela será válida (na terminologia positivista tradicional) até que o referido tribunal declare que é inválida. Então, para evitar tais confusões, o garantismo propõe uma redefinição das categorias tradicionais, passando a entender como vigentes (ou de validade meramente formal) as normas postas pelo legislador ordinário em conformidade com os procedimentos previstos em normas superiores, reservando a palavra validade à validade também substancial dos atos normativos inferiores. CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 78. 34 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia: La aportación garantista a la teoría de la norma jurídica. Madri: Trotta, 1999, p. 53. 35 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 51. 14 libertado do contorcionismo juspositivista - equivocado, imperfeito e imposto - , retira a “toga acrítica” de juiz papagueador36 e contemplativo, para colocá-la mais uma vez junto da habilidade de brandir a espada e manipular a balança na forma do Estado de Direito definido por Ihering37, e aqui denunciado por Rosa: [...] Como bem destaca Werneck Vianna, uma série de fatores necessitavam ser perscrutados perante a magistratura concreta com o fim de indagar qual o perfil do magistrado e até que ponto havia, de fato, a democratização da prática judicante. É preciso se indagar ‘para que’ e ‘a quem’ o Poder Judiciário está servindo. Diferentemente dos militares e embaixadores, sob os quais a ‘instituição’ procede a uma contínua e reiterada domesticação e homogenização ideológica, munida, ademais, de mecanismo apto à exclusão do pensamento dissonante, na magistratura, por sua organização e história, essa possibilidade de uniformização resta presente [...], mas um tanto quanto difusa38. O juiz, portanto, não se vê mais na obrigação de aplicar o direito vigente de maneira irrefletida, rasteira e positivista. Tem ele a possibilidade única de analisar e se pronunciar acerca da validade da norma vigente, rompendo definitivamente com a condição anterior, para, desse modo, declarar a norma inválida, eivada de incompletude, incoerência39, em razão das violações produzidas pelo Poder Legislativo, ou seja: [...] O juiz não é uma máquina automática na qual, por cima, se introduzem os fatos e, por baixo, se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se adaptem perfeitamente a ela40. Desse modo, o comprometimento do garantismo sempre será com o texto constitucional, e, assim, promove a retirada de cena do ator jurídico contemplativo e descritivo, soldado cego, fiel e sempre cumpridor de seu 36 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 34. 37 IHERING, Rudolf von. A luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret. 2006, p. 27. 38 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, p. 247. 39 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. p. 82. 40 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 15 ofício e das regras, simplesmente por serem regras41, para dar lugar, em contraponto, a outro ator jurídico crítico e motivado pelo discurso desvelado: [...] Em contraste com as imagens edificantes dos sistemas jurídicos oferecidos a partir de suas representações normativas, e com a confiança a priori difusa da ciência jurídica na coerência entre normatividade e efetividade, a perspectiva garantista requer, ao contrário, a dúvida, o espírito acrítico e a incerteza permanente sobre a validade das leis e de suas aplicações e, ainda, a consciência do caráter em larga medida ideal – e, em todo caso não realizado e a realizar – de suas mesmas fontes de legitimação jurídica42. O sentido do racionalismo, como elemento formador de uma práxis jurídica dentro do sistema processual, passa a ser, destarte, a possibilidade real do ator jurídico aplicar, através da crítica, uma resistência constitucional43. 1.1.5 Uma (nova) filosofia política Em um terceiro significado, o garantismo propõe uma (re) designação de filosofia política, que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interessesdos quais a tutela ou a garantia constitui a finalidade, estabelecendo, desse modo, uma separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” ou o dever “ser” do direito44, através da preponderância da doutrina laica. Como se verá a seguir, o Estado constitucional será a superação de um Estado per legem – em que os poderes se expressam na forma de lei – para uma outra figura estatal, no caso sub legem – submetidos à lei45. 41 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 80. 42 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 43 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 271. 44 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 45 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 60. 16 O ônus da justificação, a separação entre direito e moral, o que é válido e o que é justo, o “ser” e o “dever ser” é justificado por Ferrajoli, como tradução de que o Estado e todo o seu conteúdo artificial produzido, que são as instituições jurídicas e políticas46, são permeadas de condicionantes per leges, isto é, de ordens gerais e abstratas, e de condições de subordinação do soberano que não lhe é dado suprimir ou violar, portanto, sub lege47. Os pontos de vista externo e interno48 nada mais são do que o primeiro, o reflexo da parte de baixo (ex parte populi), e o segundo é do alto (ex parte principis) e que a conjugação harmônica de ambos é apontada como legitimação do ônus justificante estatal e suas conseqüentes divisões no campo da filosofia política, objetivando, portanto, a total eficácia e efetividade dos valores extra ou meta ou pré-jurídicos “fundadores”49, atingindo a prometida plenitude do Estado de Direito50. 1.1.6 O Estado de Direito e a Democracia: limitações ao poder Como já definido, o Estado Democrático de Direito, de viés garantista, se constitui como célula organizadora e unificadora do interesse coletivo comum, mediante a construção da legitimidade de seus atos, de suas intervenções, estabelecendo, assim, modelos de racionalidade e de contenção, critérios distinguidos na seara da legalidade estrita, definidos pelo Garantismo. Nessa vereda, portanto, denota-se o próprio caráter progressista e revelador daquela, pois, estabelecidos tais critérios, o Estado Democrático de Direito deixa de ser aquele apenas regido por leis, de nítido perfil 46 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788. 47 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 19. 48 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 49 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788. 50 Ademais, o referido modelo de garantia da legitimidade proposto, desenhada pela citada teoria, é caracterizada por: “[...] a) o caráter vinculado do poder público no estado de direito; b) a divergência ente validade e vigência produzida pelos desníveis de normas e conseqüentemente um grau irredutível de ilegitimidade jurídica das práticas normativas de níveis inferiores; c) a distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico), com a correspondente divergência entre justiça e validade; e d) a autonomia e precedência do primeiro com relação ao segundo, e um grau irredutível de legitimidade política com respeito àquele”. CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 156. 17 formal, para, efetivamente, o de caráter substancial, isto é, que estabelece controles que são fontes de legitimação formal e legitimação substancial51, caracterizado assim: [...] a) no plano formal, pelo princípio da legalidade, por força do qual todo poder público – legislativo, judiciário e administrativo – está subordinado às leis gerais e abstratas que lhes disciplinam as formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de legitimidade por parte dos juízes dela separados e independentes (a corte Constitucional para as leis, os juízes ordinários para as sentenças, os tribunais administrativos para os provimentos); b) no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão aos direitos de liberdade e das obrigações de satisfação dos direitos sociais, bem como dos correlativos poderes dos cidadãos de ativarem a tutela judiciária52. Aduz Barroso ainda o que se diz acerca da supremacia da Constituição: Do ponto de vista jurídico, o principal traço distintivo da Constituição é a sua supremacia, sua posição hierárquica superior às das demais normas do sistema. As leis, atos normativos e atos jurídicos em geral não poderão existir validamente se incompatíveis com alguma norma constitucional. A constituição regula tanto o modo de produção das demais normas jurídicas como também delimita o conteúdo que possam ter. Como conseqüência a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo poderá ter caráter formal ou material53. 51 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790. 52 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790. 53 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 370. 18 Todo o substancialismo proposto54, então, visivelmente em contraponto ao formalismo anterior, serve justamente para, através de um espectro muito maior em razão de sua especificidade, conceber novo tratamento ao princípio da legalidade, haja vista que, se o mencionado princípio se limitava antes precisamente a exigir que o exercício de qualquer poder tenha como fonte livremente o uso da lei como condição formal de legitimidade – nesse caso, chamado de mera legalidade -, o princípio da estrita legalidade passa a exigir, o inverso, a exigência indispensável de que aquela mesma lei condicione a legitimidade do exercício de qualquer poder por ela instituído a determinados conteúdos substanciais55. A distinção feita entre a legitimidade formal e legitimidade substancial, segundo o aporte garantista é condição sine qua non para que se possa chegar à junção seguinte entre a democracia política e o Estado Democrático de Direito, em que Norberto Bobbio introduz, de forma singular: Insistir sobre a participação do cidadão libertado na luta política era o princípio de cada discurso a respeito do ‘futuro da democracia’. Qual democracia? [...] a democracia que tínhamos em mente, quando pregávamos a ‘revolução democrática’, eu poderia defini-la hoje ‘democracia integral’: não somente formal, mas também substancial, não somente instrumental, mas também finalística, não somente como método, mas também como conjunto de princípios inspiradores irrevogáveis. [...] o próprio Calamandrei escrevia, de maneira incisiva: “Não basta assegurar aos cidadãos as liberdades políticas na teoria, mas é preciso dar- lhes as condições de poder utilizar-se delas na prática”56. A democracia integral, apresentada pelo pensador italiano, é a peça inaugural invocada por Ferrajoli ao estabelecer categorias basilares que caracterizam um sistema político alicerçado tanto em um Estado “democrático” 54 Seria, a rigor uma “[…] função criativa dos magistrados em sua missão judicante, que se torna visível no preenchimento de lacunas legais, ou de insuficiências da lei positiva[...]”. MARCELLINO Jr., Julio Cesar. A Jurisdição Constitucional e o papel do poder judiciário no Brasil: procedimentalistas ‘versus’ substancialistas. ROSA, Alexandre Morais da (org.). Para um direito democrático:diálogos sobre paradoxos. Florianópolis: Conceito, 2006, p. 46. 55 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791. 56 BOBBIO, Norberto. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Brasília: Universidade de Brasília, 2001, p. 113. 19 quanto num Estado “de direito”, quais sejam a de “quem” pode e “como” se deve decidir, além de definir “o que” se deve e “o que não” se deve decidir57. Desse modo, tem-se mais uma vez claro que o Estado “democrático” estabelece, por exemplo, regras de representatividade, de legitimidade desta mediante o sufrágio universal, o princípio da maioria das decisões, enfim, determinam a forma como são tomadas as decisões em favor dos cidadãos, ao passo que o Estado “de direito” salvaguarda os direitos fundamentais ao estabelecer o que se deve e o que não se deve decidir, estabelecendo, destarte, proibições de suprimir ou limitar as liberdades fora dos casos taxativamente previstos em lei, sejam estes direitos de liberdade (ou “direitos de”) suas condicionantes negativas, ou os direitos sociais (ou “direitos a”) e as condicionantes positivas que a integram58. Assim, são mais uma vez colocados elementos de contenção à atuação estatal, seguindo a tendência minimalista do Estado na existência de um controle mediante o uso de uma democracia substancial: [...] Essa limitação do Poder Estatal não se restringe ao Poder Executivo, como pode transparecer no primeiro momento, mas vincula as demais funções estatais, principalmente o Poder Legislativo, que não possui (mais) um cheque em branco; o Poder Legislativo, na concepção garantista, também está balizado em seu conteúdo por fronteiras materiais, não podendo dispor de maneira discriminatória, nem se afastar do contido materialmente na Constituição59. A palavra de ordem passa a ser, então, que se deixe a mera democracia formal e se passe para a democracia material60, aquela que, mediante a aplicação da eqüidade no texto constitucional, alcança o equilíbrio 57 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791. 58 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. p. 159. 59 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. p. 4. 60 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. p. 4. 20 necessário e indispensável para a salvaguarda dos ditos direitos, sob pena de seu desmantelamento. Nesse diapasão o garantismo jurídico passa a ter uma maior textura, haja vista que passa a dar sustentação à democracia substancial, aquela em que reflete o interesse primordial de todos os seus componentes, isto é: [...] Estado de direito equivale à democracia, no sentido que reflete, além da vontade da maioria, os interesses e necessidades vitais de todos. Nesse sentido, o garantismo, como técnica de limitação e disciplina dos poderes públicos, voltado a determinar o que estes não devem e o que devem decidir, pode bem ser concebido com a conotação (não formal, mas) estrutural e substancial da democracia: as garantias sejam liberais ou sociais, exprimem de fato os direitos fundamentais dos cidadãos contra os poderes do Estado, os interesses dos fracos e dos fortes, a tutela das minorias marginalizadas ou dissociadas em relação às maiorias integradas, as razões de baixo relativamente às razões do alto61. Há, aqui, interessante justificativa do aporte garantista, porque os ditos direitos fundamentais, sejam eles de liberdade ou sociais, como já visto, são indisponíveis, sem qualquer possibilidade de barganha ou uso de uma suposta legitimidade democrática com base na maioria dos interessados. A construção garantista, mais uma vez, é esclarecida por Ferrajoli ao alçar os direitos fundamentais expressamente à categoria de irrenunciáveis, inegociáveis, a saber: [...] estos derechos no son alienables o negociables sino que corresponden, por decirlo de algum modo, a prerrogativas no contigentes e inalterables de sus titulares y a otros tantos límites y vinculos insalvables para todos los podres, tanto públicos como privados62. Peremptoriamente, não se tem, aqui, por exemplo, o emprego da ficção altruísta de Alexandre Dumas, quando as fronteiras garantistas 61 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 797. 62 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías, p. 39. 21 destacadas sugerem que não são “um por todos” nem “todos por um”63, mas, sim, “todos por todos” sem distinção a qualquer título, na medida em que a não observância dessa premissa basilar da teoria garantista impede, in totum, o reconhecimento da legitimidade de determinada prática jurídica em face da denominada esfera do não-decidível, isto é, núcleo sobre o qual sequer a totalidade pode decidir64 sob o argumento da defesa do “bem comum” ou do “bem-estar social”, dissociado, assim, do direito individual do homem. Os Direitos Fundamentais constitucionalizados e positivados transformam a figura do súdito para a de cidadão65, pois, com a aplicação do contrato social no formato constitucional e garantidor, passa a ser a peça vestibular para uma ida à igualdade, dividida com o Estado. O animal artificial, o grande Leviatã66, passa a ser, então, paulatinamente domesticado pela coerência da força de um novo contrato social, cujo objetivo primordial é o de retirar a figura pretérita da hegemonia do poder estatal, para, desse modo, aplicar um pacto recíproco de limitação da soberania de ambos (cidadão e Estado). A mencionada hegemonia sempre se materializou antes, num Estado absolutista, cujo soberano não estava sujeito às leis que dele próprio emanavam, mas estava sujeito às leis divinas ou naturais e às leis fundamentais do reino67, muito embora o Estado de Direito, ainda assim, não contemple todos os direitos fundamentais, dado que aquela vontade popular, fomentada pela promessa estatal não são nunca realizados e garantidos inteiramente68, por força da perda da legitimidade pela sua não efetivação. 63 DUMAS, Alexandre. Le Trois Mousquetaires: Les Ferrets de La Reine. Paris: Easy Readers, 2003, p. 41. 64 CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 19. 65 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793. 66 HOBBES, Thomas. Leviatã ou material, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 15. 67 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 18. 68 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799. 22 A crítica garantista, aqui nesse momento, encontra justificativa na inversão do propósito de Hobbes, identificada como sendo um excesso de poder, estando aquele homem artificial e forte não mais atrelado a um propósito de paz social e garantia a tutela dos direitos fundamentais69, mas, sim, super poderoso e invasor da esfera individual de direitos do homem. Entretanto, a fim de se estabelecerem critérios à problemática denunciada pelo viés garantista, os mecanismos constitucionais que caracterizam o Estado de direito, como se verá logo adiante, tem como objetivo não só combater os mencionados abusos de poder, mas, em outras palavras, a de estabelecer garantias de liberdades à disposição, da assim chamada liberdade negativa, entendida como esfera de ação em que o indivíduo não está obrigado por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja, ou não está impedido de fazer aquilo que deseja70: [...] E com a estipulação constitucional de tais deveres públicos que os direitos naturais se tornam direitos positivos invioláveis, e muda, por isso, a estrutura do Estado, não mais absoluto mas limitado e constitucionalizado71.Como dito alhures, esse núcleo do não-decidível é facilmente entendido, vez que os Direitos Fundamentais do homem, ao adquirirem a qualidade máxima da valoração normativa – indisponíveis na acepção da palavra e, conseqüentemente, de cunho erga omnis - não podem ser colocados à margem nem pelo interesse da maioria em desfavor de uma minoria, não sendo, assim, permeáveis à prática de casuísmos, por exemplo. Isso explica por que a teoria garantista, ao outorgar o status aos poderes reconhecidos (Legislativo, Executivo e Judiciário) no bojo das constituições democráticas de direito, condiciona que estão sujeitos ao princípio primordial e inarredável da estrita legalidade, da dignidade da pessoa humana e dos Direitos Fundamentais, portanto, a todos a eles submissos. 69 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. p. 54. 70 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 19. 71 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793. 23 Ferrajoli assim se posiciona: [...] Nenhuma maioria, se tem dito, pode decidir a condenação de um inocente ou a privação dos direitos fundamentais de um sujeito ou de um grupo minoritário; e nem mesmo pode não decidir pelas medidas necessárias para que a um cidadão sejam asseguradas a subsistência e a sobrevivência. O princípio da democracia política, relativo a quem decide, é, em suma, subordinado aos princípios da democracia social relativos ao que não é lícito decidir e o que não é lícito decidir72. Não se pode conceber que a Constituição ao reconhecer os poderes de cada um que compõe a tríade estatal – sobretudo o Legislativo -, conceda-lhe por conseqüência, total e ampla legitimidade para atuar, ao arrepio do contido materialmente na Lei Maior73. 1.2 GARANTISMO PENAL 1.2.1 Da intervenção mínima do Direito Penal para a intervenção máxima na forma de uma “Defesa Social” Com o fim dos regimes antidemocráticos que prevaleciam em países como o Brasil, foi a partir dos anos 1980 que entrou em processo de crise o discurso intervencionista penal estatal, até então vigente, que afirmava que o crime não tinha realidade ontológica e que os conflitos sociais ou problemas que realmente existiam só poderiam ser equacionados através da negociação de todas as partes envolvidas74. A partir de então, grupos que viviam à margem da discussão acerca da política criminal à época vigente, entre eles os depois identificados como alternativos7576, que, permeados por ideologias de cunho de “esquerda”77, 72 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799. 73 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. p. 4. 74 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I – Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 7. 75 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I. p. 7. 24 redimensionaram a postura do Direito Penal, através de teorias, entre elas, abolicionistas, que, em sentido amplo, recusavam-se a admitir a legitimidade do Direito Penal, voltando-se contra a intervenção punitiva do Estado, tendo em vista a ausência de fundamentos para a aplicação da pena, em razão da violência que a mesma produzia, segundo aqueles. Desta feita, as teses abolicionistas fincavam, também, como objetivo essencial a ser alcançado, a paz social, entretanto, a aflição e o tratamento despendido ao apenado era desumano e degradante, eis que contrário à própria razão democrática já vigente. A crítica também se valia de que o sistema penal era subserviente apenas a um setor hegemônico, portanto, apenas simbólico na medida em que apenas trazia uma falsa impressão de justiça justificante aos demais. Há que se ressaltar, neste momento, que a total negação da legitimidade do poder punitivo, de acepção eminentemente abolicionista, constituiu-se também em um risco às garantias constitucionais que vieram a posteriori, pois, em sendo vanguarda, não apresentaram, de fato, respostas que 76 O episódio responsável que deu origem ao movimento no Brasil, ocorreu em 25 de outubro de 1990, quando o periódico paulista Jornal da Tarde, veiculou matéria com o título de “Juízes Gaúchos colocam Direito Acima da Lei”, colocando o grupo na vanguarda, inclusive no encontro promovido em Florianópolis/SC naquele mesmo período, pioneiro na profusão daquela nova ideologia do Direito. ANDRADE, Lédio Rosa de. O que é Direito Alternativo?.<Disponível em http://www.amc.org.br. Acesso em 20 de jun. de 2007. 77 O sentido do termo de “esquerda” de cunho eminentemente ideológico aqui suscitado, pode ser percebido na apresentação feita por Ludwig acerca do Direito Alternativo e a opção feita por um novo sujeito histórico: “[...] é possível configurar a essência da alternatividade – no sentido da determinação mais geral – e que se expressa nas formas específicas do ‘uso alternativo’, do ‘positivismo de combate’ e do ‘direito alternativo em sentido estrito’. Nesse sentido, a alternatividade como categoria aparece em seu maior grau de abstração, na condição de alternatividade em geral. Ou seja, há uma alternatividade comum às diferentes formas de manifestação. Na especificidade de cada uma das formas de manifestação, a alternatividade, segundo o autor, caracteriza-se pelo uso alternativo do direito, como sendo a atuação que visa a utilização das contradições, lacunas e ambigüidades dos sistema. [...] A segunda manifestação específica denominada de positivismo de combate visa à eficácia dos direitos positivados, porém sonegados, porque não aplicados, quando do interesse das classes populares; enfim, o nível do direito alternativo em sentido estrito, resultante do ‘pluralismo jurídico’. O alternativo, aqui, caracteriza-se como o ‘alter’ do direito oficial, mesmo que em conflito com este a partir das lutas das comunidades”. LUDWIG, Celso Luiz. Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: Paradigmas da Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo. Florianópolis: Conceito Editorial, 2006, p. 207. 25 fossem convincentes ao à época neófito ideal proposto, eis que baseadas em leis naturais despidas de mecanismos de contenção à intromissão punitiva privada, nem mesmo para evitar a preponderância da lei do mais forte78. Assim, a marcha pela constitucionalização e prevalência dos Direitos Fundamentais foi enveredada para a seara da identificação de que os débeis, os mais fragilizados economicamente, as minorias sociais, em geral advindas de uma casta inferior, eram, de fato, os mais atingidos por aquele mecanismo repressivo estatal, e que, por esse motivo, era necessário o resgate de garantias formais e, sobretudo, materiais indelevelmente incrustadas na gênese daquele ressurgido Estado Democrático de Direito, necessárias para o seu (re) equilíbrio. Consignou-se, portanto, nas cartas magnas posteriores (e em especial a brasileira), o seu resgate, como forma de se recuperarem os seus ideais fundantes: [...] Admitir este tipo de pacto fundador significava ao mesmo tempo reconhecer a validade de princípios, tais como os da culpabilidade, da humanidade da pena, da igualdade, da proporcionalidade e da ressocialização. E isto sem que se perdesse de vista o caráter preventivo norteador da intervenção penal estatal, isto é, sem que se pusessem de lado os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade da tutela penal79. A essência da cultura da teoria do garantismo e do direito penal mínimo caía como luva ao ideal proposto, que passava então pelo controle social permeado por cercanias indicadas pela figura do cidadão comum, titular de direitos fundamentais e indissociáveisa sua pessoa, impossíveis, portanto, de serem aviltados. Basta perceber, para tanto, a acolhida que se deu no pensamento brasileiro de vanguarda, os quais acolheram a matriz garantista para atuação no ambiente processual. 78 SANTOS, Juarez Cirino dos Santos. Direito Penal: Parte Geral. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 5. 79 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 7. 26 Desse modo, o discurso de um novo modelo de Direito Penal, balizado pelos novos ventos democráticos, passou a ser a “caixa de ressonância” da sociedade, redundando em seu expresso reconhecimento e relevância, através da promulgação da Carta Magna Brasileira em 1988. Passou-se, assim, a justificar não só em razão do status quo político vigente naquele momento histórico, mas também pela validade dos princípios fundamentais inseridos no texto daquela Lei Maior de que no Estado Democrático de Direito, a intervenção penal deveria ser (re) vista como: [...] necessariamente mínima, expressando, apenas e exclusivamente, a idéia de proteção de bens jurídicos vitais para a livre e plena realização da personalidade de cada ser humano e para a organização, conservação e desenvolvimento da comunidade social em que ele está inserido. Os anos 80 renovaram a discussão – que, nas décadas anteriores, ficara num segundo plano – sobre o Direito Penal que, devendo ser mínimo e garantístico, teria por missão a defesa dos direitos humanos80. Contudo, ainda que a atual Constituição tenha sido calcada por aspirações humanistas e liberais, o modelo garantidor e o princípio da intervenção penal mínima não foram inteiramente atendidos. Os avanços até então foram paulatinamente obliterados por nocivas interferências81 e franqueados progressivamente pela admissão de maliciosos mecanismos e tipos penais porosos, tais como “crime hediondo”, tipos imprescritíveis, além da outorga (o tal “cheque em branco”) praticamente sem limites, de poderes ao legislador infraconstitucional para criminalizar condutas e cominar penas, advertido por Cirino dos Santos como uma espécie de apartheid legislativo velado, consubstanciado: [...] através das definições legais de crimes e de penas o legislador protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas, incriminando condutas lesivas das relações de produção e de circulação da riqueza material, concentradas na área da criminalidade patrimonial comum, 80 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8. 81 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 11. 27 características das classes e categorias sociais subalternas, privadas de meios materiais de subsistência animal: os tipos legais de crimes fundados em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias à existência e reprodução dessas classes sociais. Nessa medida, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal, os indivíduos pertencentes às classes e grupos sociais subalternos, especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal82. Com efeito, foi a partir dos anos 199083 que todo o aparato garantidor e interventor mínimo estatal passou a ser açodado por novos(?) paradigmas que passaram a valorizar sobremaneira a prevenção penal positiva, desvinculando a pena da função protetora de bens jurídicos84. Passou-se, então, gradativamente, à obtenção de um “novo” justificante social: de que através da prevenção penal positiva e o uso simbólico do Direito Penal, se conseguiria a total obediência às normas penais. O ocaso passou a tomar conta do direito penal e processual penal, protagonizado pelas arbitrárias inserções estatais advindas, ocasionando: a) o ocaso das garantias formais; b) o ocaso das garantias materiais; e c) o ocaso do princípio de utilidade da intervenção penal85. O princípio da legalidade, por exemplo, passou a ser alvo da prática de sua descontinuidade e inobservância, em evidente afronta e contraste com a Constituição da República. As cláusulas vagas, gerais e permeáveis à prática casuística, produzidas pelo legislativo, foram direcionadas intencionalmente para 82 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 11. 83 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8. 84 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8. 85 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 9. 28 o benefício das elites em detrimento das demais, sendo então vala comum de um instrumento mascarado em forma da garantia da defesa social. A parcialidade do sistema penal, a criminalização do sujeito e a separação de classes ganham contornos reais de seu objetivo primordial, que é o desenvolvimento de uma estratégia de controle social86, precária e injusta. Assim é que, em virtude do próprio antagonismo formador das classes sociais, que fomenta a desigualdade na distribuição de renda, e o ínfimo desenvolvimento social e familiar, acabam por dividir entre proprietários do capital e possuidores da força de trabalho87, reforçando ainda mais o seu tendencionismo88. A “defesa social” é, sem dúvida, argumento substancial de alguns para o arrefecimento da pena, sem que se (re) discuta seu caráter utilitário e preventivo: [...] Nestas condições, se o homem está fatalmente determinado a cometer crimes, a sociedade está igualmente determinada – através do Estado – a reagir em defesa de sua própria conservação, como qualquer outro organismo vivo, contra os ataques às suas condições normais de existência. A pena é, pois, um meio de defesa social. Contudo, na defesa da sociedade 86 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 16. 87 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 6. 88 [...] Seja como for, é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenação/absolvição criminal: a variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor, integrada por indivíduos vulneráveis selecionados por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social – e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano. A criminalidade sistêmica econômica e financeira de autores pertencentes aos grupos sociais hegemônicos não produz conseqüências penais: não gera processos de criminalização, ou os processos de criminalização não geram conseqüências penais; ao contrário, a criminalidade individual violenta ou fraudulenta de autores dos segmentos sociais subalternos, especialmente dos marginalizados do mercado de trabalho, produz conseqüências penais: gera processos de criminalização, com conseqüências penais de rigor punitivo progressivo, na relação direta das variáveis de subocupação, desocupação e marginalização do mercado de trabalho. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 13. 29 contra a criminalidade, a prevenção deve ocupar o lugar central, porque muito mais eficaz do que a repressão89. O convencionalismo, segundo Ferrajoli, passa a ser, então, elemento verificador e classificador do que é e o de que pode ser punível: [...] Este princípio exige duas condições: o caráter formal ou legal do critério de definição do desvio e o caráter empírico ou fático das hipótesesde desvio legalmente definidas. O desvio punível, segundo a primeira condição, não é o que, por características intrínsecas ou ontológicas, é reconhecido em cada ocasião como imoral, como naturalmente anormal, como socialmente lesivo ou coisa semelhante. É aquele formalmente indicado pela lei como pressuposto necessário para a aplicação de uma pena, segundo a clássica fórmula nulla poena et nullum crimen sine lege. Por outra parte, conforme a segunda condição, a definição legal do desvio deve ser produzida não com referência a figuras subjetivas de status ou de autor, mas somente a figuras empíricas e objetivas de comportamento, segundo a outra máxima clássica: nulla poena sine crimine et sine culpa90. Desse modo, portanto, o modelo garantista se encaminha para a busca de alternativas concretas de combate a um ideal a ser superado, que é a submissão do juiz à lei, invariavelmente sustentada por elementos discriminatórios e arbitrários, que sustentam em seu bojo, conteúdos incertos, revestidos, em verdade, de instrumentos abusivos de negação de condutas perversamente ontológicas: [...] portanto, não admite normas que criam ou constituem ipso jure as situações de desvio sem nada prescrever, mas somente regras de comportamento que estabeleçam uma proibição, quer dizer, uma modalidade deôntica, cujo conteúdo não pode ser mais do que uma ação, e a respeito da qual seja aleticamente possível tanto a omissão quanto a comissão, uma exigível e a outra obtida 89 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 68. 90 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38. 30 sem coação, portanto, imputável à culpa ou responsabilidade de seu autor91. Tal proposição passa, necessariamente, pelo total desapego do juiz a qualquer outro elemento senão a sua submissão à lei, como equivalência ao princípio da reserva legal, na medida em que não pode qualificar como delitos todos (ou somente) os fenômenos que considere imorais, ou, em todo caso, merecedores de sanção, mas apenas (e todos) os que, independentemente de sua valoração, venham formalmente designados pela lei como pressupostos de uma pena. A segunda condição comporta, além disso, o caráter absoluto da reserva da lei penal, em virtude da qual a submissão do juiz é somente à lei92. Há, portanto, indiscutivelmente, um marco teórico também neste momento. Ao invocar a reserva legal, rebatizada de “mera legalidade” direcionada aos juízes e a reserva absoluta de “estrita legalidade” ao legislador, o garantismo delineia um próximo passo racional formador do convencionalismo penal, que remete às únicas ações taxativamente indicadas pela lei, dela excluindo qualquer configuração ontológica ou, em todo caso, extralegal93. Sendo o modelo garantista um modelo coerente e racional em prol dos Direitos Fundamentais, balizado na concepção da intervenção estatal mínima, como forma de controle e limitação daquele poder artificial, tem-se, assim mesmo, preocupações relevantes quanto a hipóteses de ardis antigarantistas fundamentados justamente como já visto na chamada “defesa social” ou da “prevenção especial”94; há, de fato, ausência de condicionantes limitadores. 1.2.2 O uso simbólico do Direito Penal e do Processo Penal e a “cultura do medo” impregnada 91 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39. 92 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39. 93 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39. 94 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38. 31 Ainda que os Direitos Fundamentais estejam formalmente garantidos no ordenamento brasileiro, não se pode olvidar que cada emprego simbólico do direito penal e do processo penal como técnica de afirmação, dominação e reprodução do poder95, invade sensivelmente a seara dos ditos direitos. Esse processo de emergência, imposto pelo poderio estatal, tem, na verdade, um significado singular para inculcar na sociedade a “cultura do medo” e, por conseqüência, a sensação de proteção e segurança. Como já visto, o Direito Penal e Processual pós anos 1980 cedeu lugar a uma fase crepuscular, pelo seu uso simbólico, deixando de lado o seu caráter até então de tutela dos bens jurídicos considerados essenciais à harmonia social, para a produção maquiada de um impacto tranqüilizador sobre o cidadão, a opinião pública, acalmando os sentimentos, numa tentativa de resposta àquela continuidade de histerismo social96. Ora, sabe-se, perfeitamente que, ao utilizar-se medidas legislativas (?) emergenciais, tem-se como objetivo certeiro a própria desconstrução de toda a codificação, sob a justificativa de que é mais um entrave da ineficácia do sistema punitivo, protagonizado por leis materiais e processuais em descompasso com a real situação das coisas97. Desse modo, a lavagem cerebral é a fórceps, ou, às vezes, sem tanta força, desde que, com a ajuda de uma mídia preparada para se chegar à “cultura do medo”, instrumento como visto alhures, usado oportunamente por setores dominantes do poder, a saber: [...] Resultado disso é o fomento da ‘cultura do medo’, com a mitigação do senso crítico dos cidadãos [...]. Mesmo sem nunca ter tido a ‘paz’ almejada, fala-se de um tempo perdido de segurança, facilitando-se discursivamente, pelas emoções, a 95 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 46. 96 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 47. 97 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 48. 32 prevalência de discursos de opressão social, tudo em nome da escalada avassaladora da criminalidade98. E é dentro dessa contínua gestação, de face, muitas vezes, midiática, que se perpetua esse status quo nefando, que noticia, propaga, mas que nada resolve, em evidente expediente ao largo de qualquer comprometimento com o bem jurídico: [...] Paradoxalmente, o medo e a insegurança neste período democrático permitem ao Estado medidas simbólicas cada vez mais autoritárias, leis cada vez mais punitivas, legitimadas por demandas sociais de proteção reais e imaginárias, principalmente da elite. Além disso, justificam a criação de empresas de segurança e o apoio à privatização da polícia. (...) A cultura do medo, que se criou em torno da criminalidade, provoca um generalizado desejo de punição, uma intensa busca de repressão e uma obsessão por segurança. A lei passa a ser a ‘tábua de salvação’ da sociedade e, quanto maior for a sua dureza, mais satisfeita ela estará. Além disso, todos os programas e notícias que lidam de forma direta com esse pânico passam a ser produtos muito consumidos e por isso, muito divulgados, aumentando ainda mais o próprio alarme. A segurança torna-se plataforma política e algumas vezes, a causa da derrocada de um governo. A promessa é sempre repressão99. O medo de que é vítima a grande massa é capaz de incutir um verdadeiro pânico generalizado, sem que se possa perceber, às vezes, que ele transcende a esfera do subconsciente. O poder midiático exerce tamanha influência, que basta apenas traçar um exemplo de como a “cultura do medo” foi tão bem explorada como no filme sucesso de Holywood, “Tubarão” de Steven Spielberg, no sentido de que no filme o “tubarão” aparece nos momentos estratégios, sustentando-se a tensão, o medo e o desespero justamente nos intervalos em que se aguarda, em suspenso, um ataque. 98 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 231. 99 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel da jurisdição constitucional na realização
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