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inconstitucionalidade da colaboração premiada TCC SOB OTICA PENAL

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI 
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA 
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS 
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ 
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRINCIPIOLOGIA E HERMENÊUTICA 
CONSTITUCIONAL 
 
 
 
 
 
CRÍTICA À DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO GARANTISMO 
PENAL 
 
 
JULIANO KELLER DO VALLE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Itajaí, agosto de 2007.
 
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI 
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA 
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS 
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ 
PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ 
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRINCIPIOLOGIA E HERMENÊUTICA 
CONSTITUCIONAL 
 
 
 
CRÍTICA À DELAÇÃO PREMIADA A PARTIR DO GARANTISMO 
PENAL 
 
 
JULIANO KELLER DO VALLE 
 
 
Dissertação submetida ao Programa de 
Mestrado em Ciência Jurídica da 
Universidade do Vale do Itajaí – 
UNIVALI, como requisito parcial à 
obtenção do Título de Mestre em 
Ciência Jurídica. 
 
 
 
 
Orientador[a]: Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa 
 
 
 
 
Itajaí, agosto de 2007
 
AGRADECIMENTO 
A gratidão não é só uma qualidade inerente à 
pessoa, mas também um dever de se fazer justiça 
às pessoas que permanecem indelevelmente na 
memória, que foram e que continuam sendo 
presenças marcantes na minha formação. 
Aos meus pais, Heraldo e Maria Angelina, dois 
vencedores da vida, que sempre depositaram em 
mim o amor e o desejo pela minha felicidade. 
Paulo Murillo e Rosany Maria, meus queridos 
irmãos, por tudo que me ensinaram. 
Aos brilhantes advogados e companheiros, Ana 
Luiza Luz da Gama Lobo d’Eça e Rômulo 
Linhares Bittencourt, meu absoluto respeito e 
admiração. 
Ao sócio de escritório e processualista inspirado, 
advogado Fernando Luz da Gama Lobo d’Eça, 
pela amizade diuturnamente compartilhada, 
exemplo vivo de honestidade, caráter e lealdade. 
A minha secretária Dulcinéia Silva, pela 
organização e ajuda diária. 
Aos professores do Curso de Direito da UNIVALI, 
amigos feitos e refeitos nos corredores: Vilson 
Sandrini e Márcio Roberto Paulo, pela primeira 
oportunidade concedida; Márcio Roberto Harger 
pelo incentivo necessário à caminhada acadêmica 
e a ajuda no meu pré-projeto; Flaviano Vetter 
Tauscheck e José Maria Zilli da Silva. 
Carinhoso agradecimento à amiga de anos, 
Professora Vera Lúcia Ribas Batista, pelo afeto 
sempre dirigido a mim. 
Aos professores do Curso de Pós-Graduação 
Stricto Sensu em Ciência Jurídica – PMCJ da 
UNIVALI, e em especial para: Professor Doutor 
 
Paulo Márcio Cruz; Professor Doutor Romeu 
Falconi; Professor Doutor Luiz Henrique 
Cademartori e Professor Doutor Marcos Leite 
Garcia. 
Ao amigo e talentoso professor Sérgio Ricardo 
Fernandes de Aquino, pelas palavras de 
incentivo, e, sobretudo pelo exemplo ímpar de 
figura humana. 
As funcionárias da secretaria do programa de 
Mestrado em Ciência Jurídica: Lucilaine, 
Jaqueline, Naide e Karla. 
Daniel Linhares Bittencourt, pelo “abstract”, e para 
Vera pela revisão gramatical. 
E, por fim, ao meu orientador, Professor Doutor 
Alexandre Morais da Rosa, pela precisa 
orientação, pelos conselhos de vida, e pela 
liberdade que me permitiu, por certo, ser um 
pouco poeta nesse texto, sem deixar a 
Constituição de lado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
Para meu sobrinho e afilhado, João Eduardo 
Keller do Valle Gouveia de Matos, um novo 
sentido em minha vida. 
 
Para a pessoa que me (re) apresentou o Direito 
através do Garantismo, resgatando toda a 
esperança e a crença incondicional na 
Constituição, refletida em mim e em tantos outros 
acadêmicos sonhadores: o amigo e Professor 
Doutor Alexandre Morais da Rosa. 
 
Para Fabíola Probst, um amor para mudar as 
coisas. 
 
 
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE 
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo 
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do 
Vale do Itajaí, a coordenação do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, a 
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca 
do mesmo. 
 
Itajaí, agosto de 2007 
 
 
Juliano Keller do Valle 
Mestrando(a) 
 
 
PÁGINA DE APROVAÇÃO 
 
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale 
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo mestrando Juliano Keller do Valle, sob o título 
Crítica à Delação Premiada a partir do Garantismo Penal, foi submetida em [Data] 
à banca examinadora composta pelos seguintes professores: [Nome dos 
Professores ] ([Função]), e aprovada com a nota [Nota] ([nota Extenso]). 
 
 
Itajaí, agosto de 2007. 
Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa 
Orientador e Presidente da Banca 
 
 
Professor Doutor Paulo Márcio Cruz 
Coordenador do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica 
da UNIVALI 
 
 
 
SUMÁRIO 
RESUMO...................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
INTRODUÇÃO ..........................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
CAPÍTULO 1 GARANTISMO PENAL ................................................ 5 
 
1.1 TEORIA GERAL DO GARANTISMO ...............................................................5 
1.1.1 Fundamentos do Garantismo..........................................................................5 
1.1.2 O sentido do Garantismo Jurídico.................................................................10 
1.1.3 O plano da validade e da vigência da norma................................................12 
1.1.4 A crítica à norma e a figura do juiz crítico.....................................................13 
1.1.5 Uma (nova) filosofia política..........................................................................15 
1.1.6 O Estado de Direito e a Democracia: limitações ao poder...........................16 
 
 
1.3 A QUESTÃO DA SOCIALIDADE: O TRÁGICO, A TEATRALIZAÇÃO E A 
BARROQUIZAÇÃO DO MUNDO ................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
 
1.4 A SOCIALIDADE QUE SE MANIFESTA NO TRIBALISMO.................. ERRO! 
INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
CAPÍTULO 2 O DIREITO ENQUANTO FENÔMENO SÓCIO-
CULTURAL: UMA ANÁLISE DA SEMIOLOGIA NO DISCURSO 
JURÍDICO..................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
 
2.1 A COMPREENSÃO E SIGNIFICAÇÃO DO DIREITO QUE SE INSTITUI 
PELA EXPERIÊNCIA DA VIDA COTIDIANA..................ERRO! INDICADOR NÃO 
DEFINIDO. 
 
2.2 A LINGUAGEM COMO OBJETO TEÓRICO DO DIREITO SOB A 
PERSPECTIVA DO POSITIVISMO LÓGICO ..................ERRO! INDICADOR NÃO 
DEFINIDO. 
 
2.3 A REVISÃO DO DISCURSO JURÍDICO A PARTIR DA FILOSOFIA DA 
LINGUAGEM ORDINÁRIA E A SEMIOLOGIA DO PODER ... ERRO! INDICADOR 
NÃO DEFINIDO. 
CAPÍTULO 3 A FUNÇÃO DA POLÍTICA JURÍDICA NA 
(RE)CONSTRUÇÃO DO DIREITO ...............ERRO! INDICADOR NÃO 
DEFINIDO. 
 
3.1 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA JURÍDICA NA MODERNIDADE: ENTRE A 
LEGALIDADE E ORDEM ............................ ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
 
3.2 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA POLÍTICA JURÍDICA A PARTIR DE 
ALF ROSS................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
 
3.3 O PENSAMENTO PÓS-MODERNO NA PROPOSIÇÃO POLÍTICO JURÍDICA 
DE OSVALDO FERREIRA DE MELO......... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ......ERRO! INDICADOR NÃO 
DEFINIDO. 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa pretende investigar o instituto da 
delação premiada no Brasil, analisandoprimeiramente o seu conteúdo existente 
nas várias legislações existentes no país, bem como no Código Penal Brasileiro. 
Com efeito, busca-se a partir da leitura acerca da Teoria do Garantismo Penal, 
estabelecer parâmetros e critérios racionais que efetivem a estrita legalidade 
defendida por Luigi Ferrajoli no âmbito da delação premiada, posteriormente 
abordado: a) a supremacia total das garantias fundamentais; e b) o controle de 
constitucionalidade material. Nesse sentido a delação encontra barreiras éticas e 
democráticas quanto a sua efetividade, vez que o critério de aplicação será e 
deverá sempre ser permeada pela crítica proposta pela Teoria do Garantismo 
Penal, consubstanciada na prevalência dignidade da pessoa humana e na busca 
da verdade segundo o modelo garantista, minimizando o poder estatal e 
maximizando as garantias fundamentais do cidadão. Esta dissertação está 
vinculada à Linha de Pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional e ao 
Projeto de Pesquisa Fundamentos Teóricos Contemporâneos dos Princípios e 
Garantias Constitucionais. 
 
Palavra-chave: Garantismo Penal – Delação Premiada – 
Garantias Fundamentais. 
 
ABSTRACT 
This research intends to investigate the institute of awarded 
delation in Brazil, analyzing firstly its contents in many of the legislations in the 
country, as well as in the Brazilian Penal Code. It is wanted from the reading of the 
"Teoria do Garantismo Penal" establish parameters and rational criteria that 
execute the strict legality defended by Luigi Ferrajoli about awarded delation, 
latterly spoken of: a) the total supremacy of the fundamental guarantees; and b) 
the control of material constitutionality. This way delation finds ethical and 
democratic barriers as to its effectiveness, once the criteria of the application will 
and ought to always consider the critic proposed by the "Teoria do Garantismo 
Penal", formed by the prevalence of the human dignity and the search for the real 
truth, minimizing the power of the state and maximizing the fundamental 
guarantees of the citizen. 
Key-word: Garantismo Penal - awarded delation - 
fundamental guarantees. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
 
INTRODUÇÃO 
A presente dissertação de Mestrado pertence à linha de 
pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional. O objeto é centralizado no 
resgate das garantias previstas no texto da Constituição da República aplicada no 
instituto da Delação Premiada prevista em várias leis ordinárias e em dispositivos 
do Código Penal Brasileiro vigentes. 
O seu objetivo, é, por meio da investigação e da 
interpretação dos princípios e caracteres básicos da Teoria do Garantismo Penal 
proposta por Luigi Ferrajoli, se a Delação Premiada encontra elementos 
compatíveis entre validade e vigência da norma inferior com a matriz 
constitucional, preservando ou não as garantias fundamentais nesse contexto. 
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, o tratamento inicial 
acerca do Garantismo Jurídico, expondo, dessa forma, os elementos que o 
fundamentam, o sentido da teoria, demonstrando a prática da racionalidade como 
técnica de definição do patamar das garantias e controle estatal, o plano da 
validade e da vigência da norma e a possibilidade de crítica na figura do juiz, bem 
como as limitações democráticas impostas pelo garantismo jurídico. Em 
seqüência, se apresenta o garantismo penal inicialmente como fórmula de 
intervenção minimizada, utilizando-se os princípios democráticos como forma de 
controle estatal, e não de controle social até então maximizados por uma face 
outra do Direito Penal, consubstanciado em uma cultura do medo impregnada na 
sociedade e uma proposta de um Direito Penal e Processual de Emergência, 
totalmente desviados das bases democráticas que norteiam a Constituição. 
Nesse prisma, é através do controle material da Constituição 
desenvolvida pelo garantismo penal, pelo tratamento e análise da norma inferior 
vigente em comparação com a norma fundamental válida positivada no texto 
constitucional, a técnica encontrada para evitar a preponderância do arbítrio 
estatal com o uso tendencioso do Direito Penal e Processual. 
 3 
No Capítulo 2, busca-se em primeiro lugar apresentar o 
instituto da delação premiada no processo penal brasileiro, dissecando as suas 
particularidades e incongruências com os demais princípios constitucionais como 
a proporcionalidade. Em seguida, se apresenta a previsão da delação premiada 
nas diversas legislações esparsas vigentes no Brasil e no Código Penal, 
dissecando cada uma delas. Por fim, traz-se à discussão dois movimentos 
ideológicos a favor e contra o referido instituto, consubstanciado de um lado na 
corrente do Direito Penal Máximo (de cunho antigarantista) e de outro, no Direito 
Penal Mínimo (de raiz garantista), provocando, desta forma, a discussão por meio 
da crítica a norma da delação premiada vigente, que segundo a pesquisa 
demonstra o aviltamento às garantias fundamentais. 
No Capítulo 3, tratando de apresentar os limites impostos 
pelo garantismo penal frente ao instituto da delação premiada, inicialmente pelas 
inspirações democráticas apresentadas no capítulo inicial, tendo como vértice o 
atendimento ao princípio da verdade real segundo o sistema garantista. Em um 
segundo momento é demonstrado os limites éticos que dificultam a assunção 
pura e simples da delação nos casos em concreto, e por fim, a possível 
compatibilidade da delação premiada na ótica garantista. 
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as 
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos 
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões 
sobre a Crítica à Delação Premiada a partir do Garantismo Penal. 
Para a presente Dissertação foram levantadas as seguintes 
hipóteses: 
a) A Teoria do Garantismo Penal como técnica apresentada 
de elevação das garantias fundamentais do cidadão, tais como a dignidade da 
pessoa humana, e o uso da racionalidade e dos princípios democráticos inseridos 
no texto constitucional como critério de aferição se a norma inferior vigente é 
válida na perspectiva garantista, deveria corresponder efetivamente a crítica 
racional ao arbítrio estatal à essas garantias; 
 4 
b) O instituto da delação premiada no Brasil, tal qual 
conhecemos, espalhada em várias leis ordinárias e no Código Penal, deveria 
conduzir a situações em que busca um maior incremento na tutela jurisdicional 
sem que haja, contudo, a prevalência de um Estado Maximizado no seu espectro 
de controle social e aviltamento das garantias fundamentais, existentes em relevo 
no processo penal como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, 
aliado a presunção de inocência e a possível ocorrência de afronta a princípios 
constitucionais e penais como a proporcionalidade da sentença; 
c) O cotejo da delação premiada, seus prós e contras 
existentes encontram limites e parâmetros de racionalidade, de estrita legalidade, 
de ética e de democracia dentro da análise das demais provas, na busca pela 
verdade real, segundo a teoria proposta por Luigi Ferrajoli. 
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase 
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados 
o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente 
Monografia é composto na base lógica Indutiva. 
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as 
Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa 
Bibliográfica.
 
CAPÍTULO 1 
GARANTISMO PENAL 
1.1 TEORIA GERAL DO GARANTISMO 
 
1.1.1 Fundamentos do Garantismo 
O Garantismo Jurídico resgata a prevalência dos direitos 
individuais do homem – alicerçado na proposta da escola iluminista – 
constitucionalmente garantida e positivada no texto da LeiMaior, em detrimento 
do poder do Estado1, como forma de (de) limitar2 e controlar o seu 
intervencionismo, impedindo, destarte, eventual ofensa aos direitos fundamentais. 
Ditos direitos fundamentais que, como se verá no decorrer 
do presente texto, são elevados à condição de universais, isto é, a sua validade3 
será sempre considerada como universal na medida em que estabelecem os 
limites, fundamentais dentro de um ordenamento jurídico4, sendo, assim, a base 
de uma igualdade jurídica a ser alcançada. 
De inspiração libertária5, o garantismo jurídico teve como 
início o vínculo com o Direito Penal, cuja efetividade se definia a partir de um 
modelo de crítica através da racionalidade, de justiça e de legitimidade da 
 
1
 Estado pode ser conceituado como : “1. Numa estrita visão jus-positivista, a instituição que detém o 
poder de coerção incidente sobre a conduta dos cidadãos, determinando-lhes, através de um 
sistema normative respaldado na força, o que podem e não podem fazer. 2. O mais alto grau de 
racionalidade na organização política de um povo.” MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de 
Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000, p. 38. 
2
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 786. 
3
 “Numa abordagem crítica, é a norma cuja eticidade 
4
 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. Madrid: Trotta, 1999, p. 38. 
5
 Ferrajoli foi membro do Movimento do Uso Alternativo do Direito na Itália. 
 6 
intervenção punitiva6 para, posteriormente, ser guindado à Teoria do Direito7, vez 
que tem irradiado o seu espectro de atuação para outros campos do Direito, 
através de outros direitos fundamentais e a outras técnicas e critérios de 
legitimação8. 
Entretanto, inicialmente, faz-se necessário o cotejo do 
garantismo com o ideal proposto por Norberto Bobbio, que, através de suas 
reflexões atinentes ao campo da política, da filosofia, interligadas à perspectiva 
dos direitos humanos, contribuiu sobremaneira para a sua positivação nos 
sistemas democráticos tal qual conhecemos – e a sedimentação da Teoria do 
Garantismo Jurídico nos tempos atuais. 
Para Bobbio, a categoria dos direitos humanos serve, sim, 
para estabelecer formas de controle estatal, vez que: 
Seja qual for o fundamento dos direitos do homem – Deus, a 
natureza, a história, o consenso das pessoas – são eles 
considerados como direitos que o homem tem enquanto tal, 
independentemente de serem postos pelo poder político e que, 
portanto o poder político deve não só respeitar, mas, também, 
proteger. Segundo a terminologia kelseniana, eles constituem 
limites à validade material do Estado9. 
Bobbio aprofunda, ainda mais, ao discorrer sobre o que 
seriam os tais “direitos do homem”, sendo esse instrumento indispensável ao 
limite imposto à legitimidade da intervenção estatal, senão veja-se: 
[...] doutrina, segundo a qual, o homem, todos os homens, 
indiscriminadamente, têm por natureza e, portanto, 
independentemente de sua própria vontade, e, menos ainda, da 
vontade de alguns poucos ou de apenas um, certos direitos 
fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à 
felicidade – direitos esses que o Estado, ou, mais concretamente, 
 
6
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 785. 
7
 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 
Rio de Janeiro: Lumen Juris , 2005, p. 3. 
8
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788. 
9
 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 
100. 
 7 
aqueles que, num determinado momento histórico, detêm o poder 
legítimo de exercer a força para obter a obediência a seus 
comandos devem respeitar, e, portanto, não invadir, e, ao mesmo 
tempo, proteger toda possível invasão por parte dos outros10. 
Da relevância da sustentação dos Direitos Fundamentais, 
Luigi Ferrajoli preleciona: 
Los derechos fundamentales se configuran como otros tantos 
vínculos sustanciales impuestos a la democracia política: vínculos 
negativos, generados por los derechos de libertad que ninguna 
mayoria puede violar; vínculos positivos, generados por los 
derechos sociales que ninguna mayoría puede dejar de 
satisfacer11. 
Há, portanto, a fácil identificação de que a Teoria do 
Garantismo Jurídico é embasada na centralidade da pessoa12, isto é, passa a ser 
ele não somente sujeito de deveres perante o Estado, mas, sobretudo de direito, 
na medida em que o efetivo Estado Democrático de Direito, como se verá a 
seguir, deve preconizar a inviolabilidade dos direitos fundamentais 
constitucionalizados, garantindo-os como instrumento de defesa e reconhecendo-
os não só formalmente, mas materialmente, a subordinação de leis inferiores ao 
texto constitucional positivado, bem como a indiscriminada sujeição do Estado 
sob pena de sua total deslegitimação13. 
A Teoria Geral do Garantismo Jurídico visa, então, em 
sentido amplo, a total supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana14 
e seus Direitos Fundamentais, que são: 
 
10
 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005, p. 11. 
11
 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 23-24. 
12
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto 
Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p.73. 
13
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790. 
14
 Para Sarlet a dignidade da pessoa humana “[...] é o valor de uma tal disposição de espírito, e está 
infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com 
qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade". SARLET, Ingo 
Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. 
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 34. 
 8 
[...] todos aquellos derechos subjetivos que correspondem 
universalmente a ‘todos’ los seres humanos em cuanto dotados 
del status de personas. Entendiendo por derecho subjetivo 
cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no 
sufrir lesiones) adscrita a un sujeto por una norma jurídica[...]15. 
Via de regra, estão esses direitos contidos em diversas 
Constituições que legitimam o Estado Democrático de Direito16, e que, por essa 
razão, exigem, sem concessão, a sujeição de todas as normas jurídicas à luz da 
matriz constitucional17, sob pena de se ver declarada a sua flagrante 
inconstitucionalidade. 
A fim de evitar abusos oriundos do poder estatal ou privado, 
a referida teoria estabelece mecanismos de contenção, a saber: 
Luigi Ferrajoli indica quatro frentes garantistas. A primeira está 
vinculada à revisão da teoria da validade, que preconiza uma 
diferenciação entre validade/material e vigência/formal das 
normas jurídicas. A segunda frente pretende o reconhecimento de 
uma dimensão substancial da democracia, suplantando o caráter 
meramente procedimental desta. Já na terceira, do ponto de vista 
do Juiz, propõe-se uma nova maneira de ver a sujeição à lei 
somente por ser lei – aspecto formal – pretendendo que a sujeição 
se dê somente quando conjugadas à forma e ao conteúdo das 
normas. Por fim, observa a relevância da ciência jurídica, cujo 
papel deixa de ser meramente descritivo, mas ganha contornos 
críticos e de projeção do futuro18. 
Assim, a despeito das várias facetas internas contidas 
nesses Direitos Fundamentais, não se pode olvidar que as inúmeras positivações 
contidas nos textos estatais são o substrato de intensas reivindicações sociais do 
 
 
15
 FERRAJOLI, Luigi. Derechosy Garantias. p.37-38. 
16
 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? (Teoria Geral do Direito). 
Florianópolis: Habitus, 2003, p. 20. 
17
 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 20. 
18
 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 
p. 3. 
 9 
homem ao longo dos anos, e que, por essa razão, tal reconhecimento e valoração 
não podem ser meramente formais19. 
Historicamente, o garantismo surgiu como resposta a um 
positivismo20 (jurídico)21 outrora emergente, em face de evidente crise daquele 
sistema que não alcançou satisfatoriamente uma política jurídica eficaz no campo 
das garantias constitucionalizadas na forma de Direitos Fundamentais, do que se 
pode aduzir que: 
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do 
positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda 
inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua 
interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e 
genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das 
relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada 
nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos 
fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade 
humana. A valoração dos princípios, sua incorporação, explícita 
ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela 
ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente 
de reaproximação entre Direito e Ética22. 
Com efeito, como será demonstrado, o fazer valer a 
Constituição é a verdadeira e inarredável questão produzida pelo garantismo, 
enquanto reflexão no plano filosófico, ético e político, na medida em que fomenta 
a inquietude social de direitos inalienáveis, indisponíveis e inderrogáveis, ao plano 
 
19
 LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no 
Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 86. 
20
 Para positivismo, pode-se destacar: “Sistema filosófico que tem como postulados principais os 
seguintes: a ciência é o único conhecimento possível e tudo o que não possa ser investigado por 
método cinetífico não tem validade; o método geral da ciência é o descritivo, pois cabe a qualquer 
coência descrever o seu objeto”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 
78. 
 
21
 Para positivismo jurídico, tem-se: “1. Escola que reduz o Direito à sua função técnica, 
distinguindo-o rigorosamente da Metafísica, com o que se opõe frontalmente ao Jusnaturalismo 
(V.). 2. Posicionamento que repele a idéia de um Direito Natural (V.) anterior e superior à 
positividade jurídica, vendo nesta última a fonte de todo o conhecimento do Direito (V. 
Positivismo). MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 78. 
 
22
 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2004, p. 349. 
 10 
supremo da hierarquia das normas àqueles personagens que diretamente são 
provocados para a sua diuturna efetividade: 
[...] O discurso acerca dos princípios, da supremacia dos direitos 
fundamentais e do reencontro com a Ética – ao qual, no Brasil, se 
deve agregar o da transformação social e da emancipação – deve 
ter repercussão sobre o ofício dos juízes, advogados e 
promotores, sobre a atuação do Poder Público em geral e sobre a 
vida das pessoas. Trata-se de transpor a fronteira de reflexão 
filosófica, ingressar na dogmática jurídica e na prática 
jurisprudencial e, indo mais além, produzir efeitos positivos sobre 
a realidade23. 
O discurso em defesa da Constituição cuja incorporação é 
questão nuclear da teoria garantista, impede que o texto fundamental seja 
reduzido a um mero status formal, sem qualquer possibilidade de real efetividade 
ou inserção no mundo da vida. 
É, portanto, nesse viés, que o plano da racionalidade passa 
a atingir os mecanismos de cognição constitucional necessários e indispensáveis 
para o controle estatal. 
1.1.2 O sentido do Garantismo Jurídico 
A Teoria do Garantismo Jurídico parte do plano da 
racionalidade crítica contra o vilipêndio estatal aos Direitos Fundamentais, a que 
não lhe é comprometido, sempre em nome de um Estado de Direito24 meramente 
formal e não material. 
Referida racionalidade crítica toma forma de carta aberta de 
todos os homens para todos os homens no momento em que evidencia o discurso 
permeado de valores que necessariamente devem estar presentes como 
 
23
 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 350. 
24
 “1. Lato sensu, o ordenamento estatal fundado na ordem social (V.) e na segurança jurídica (V.), 
cujas características são a legitimidade das instituições políticas, a legalidade dos atos da 
Administração, a independência e harmonia entre os Poderes, o controle judicial das leis e a 
garantia dos direitos dos cidadãos. 2. Numa abordagem de teoria democrática de Governo, inclui-se 
como outra característica essencial a conformidade do poder político à vontade do povo que 
autorizou e orgnizou o Estado”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 38. 
 11 
finalidades a serem perseguidas pelo Estado de Direito, quais sejam a dignidade 
humana, a paz, a liberdade plena e a igualdade substancial25. 
O Garantismo, desta feita, aponta para três significados 
delineados em: a) um modelo normativo de direito, chamado de estrita legalidade; 
b) uma teoria jurídica acerca da validade e da vigência da norma e a clara 
distinção entre ambas e c) uma filosofia política, que requer do direito e do Estado 
o ônus da justificação externa de quem a eles deve servir26. 
O modelo normativo de direito é subdividido em três planos: 
epistemológico, que se objetiva como um sistema de cognição ou de poder 
mínimo (estatal); político, na medida em que tutela a maximização da liberdade e 
a minimização da violência pelo Estado e jurídico, que indica que a função 
punitiva exercida pelo Estado estará sempre vinculada às garantias dos direitos 
dos cidadãos27. 
Referido modelo comporta, sobremaneira, um exercício 
analítico e criterioso, haja vista que, a partir da verificação de eventuais 
antinomias entre as normas inferiores e seus princípios constitucionais e 
hipotéticas incoerências perpetradas pelas instituições, em confronto com as 
normas legais, pode-se chegar a um resultado de alto ou baixo grau de 
efetividade de uma Constituição28. 
Desse modo, tem-se claro que a proposta garantista, como 
já dito alhures, tem como ponto de partida os direitos individuais do homem, 
limites que são indissociáveis na construção de um modelo de Estado de Direito, 
cuja obtenção se dá mediante um pacto contratual entre cidadão e Estado, tendo 
como objeto de direito a ampliação e manutenção da esfera de direitos individuais 
invioláveis e supremos, e, por conseguinte, o dever de demarcação da atuação do 
poder estatal, estabelecendo, desse modo, a condução de uma estrita legalidade, 
impedindo o seu açodamento. 
 
25
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 72. 
26
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 
27
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 
28
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 76. 
 12 
Lastreadas tais condições, o Garantismo Jurídico ganha 
contornos de teoria, da validade e da efetividade, como categorias distintas não 
só entre si, mas, também, pela existência ou vigor das normas, distinguindo o 
“ser” e o “dever ser” 29, na tradição do positivismo jurídico. 
 
1.1.3 O plano da validade e da vigência da norma 
 
O Garantismo, enquanto teoria do direito e crítica do direito, 
invoca para si as quatro frentes – a diferenciaçãoentre validade e vigência; a 
dimensão substancial da Constituição; a sujeição do Juiz à lei e o abandono da 
feição meramente descritiva e acrítica da ciência jurídica. 
Nesse diapasão, trava-se a discussão epistemológica entre 
modelos normativistas, que tendem à efetividade das garantias e às práticas 
operacionais, que descambam para o antigarantismo30, isto é, há propositalmente, 
nesse aspecto, uma nítida provocação no campo das idéias, vez que a 
divergência solar entre norma válida e norma vigente é capaz de invocar a 
reflexão crítica do ator jurídico31 no momento em que, dissociado da dogmática 
pura do direito, insurge-se quanto à concordância de que a vigência gera a 
presunção de validade, ou seja, bastando-a existir juridicamente, para sê-la, 
então, válida. 
Entretanto, a teoria do garantismo exige, dentro desse 
raciocínio, que o produto de norma inferior, em estando vigente, esteja 
 
29
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 
30
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 
31
 Adota-se o termo “ator jurídico” e não “operador jurídico” seguindo uma concepção usada por 
ROSA, Alexandre Morais da. Direito Infracional: Garantismo, Psicanálise e Movimento 
AntiTerror. Florianópolis: Habitus, 2005, p. 15. Segundo o citado autor “[...] por se entender que o 
primeiro pressupõe a participação nos fatos pelo intérprete, inserido no mundo da vida (sujeito-
sujeito), enquanto o segundo facilita a objetivação e o seu distanciamento. As formas clássicas de 
intepretação do Direito propostas pela dogmática jurídica apresentam o intérprete dissociado da 
realidade social (sujeito-objeto), envolto numa realidade virtual, favorecendo, com isso, a 
comodidade e o (dês)compromisso ético(Dussel) das decisões”. 
 13 
obrigatoriamente precedido de um filtro previsto em norma superior32, sob pena 
de um deslocamento de sua validade arraigada sempre a princípios fundamentais 
norteadores e esculpidos na seara constitucional positiva, para a da invalidade. 
Por esse entendimento, a invalidade seria justamente o 
inverso, isto é, se determinada norma hipoteticamente vigente, cujo conteúdo 
desrespeite, no caso, a um Direito Fundamental constitucionalizado, terá a sua 
validade apenas formal, eis que está em evidente descompasso com aquela 
norma maior reguladora33. 
Dessa forma, o especial aspecto suscitado pela teoria 
garantista no plano da validade versus vigência é de singular importância dada a 
sua preocupação pela efetividade dos direitos fundamentais em um ordenamento 
jurídico que se volte à Constituição, e a essa categoria de direitos 
constitucionalizados, dependendo sempre de mecanismos internos para o seu 
controle34, verificando, assim, sempre a adequação de seu conteúdo vigente à 
validade exigida35. 
1.1.4 A crítica à norma e a figura do juiz crítico 
A tensão crítica formulada por Ferrajoli propõe, nesse 
prisma, o ator jurídico, aqui, nesse caso, em comento do juiz efetivo e diligente 
dos direitos fundamentais, não um super-juiz travestido de “capitão-américa” – 
contaminado e subserveniente ao casuísmo político-ideológico -, mas aquele que, 
 
32
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 77. 
33
 “[...] Ora, se uma norma inferior entrar em vigor respeitando os procedimentos previstos para 
sua criação, mas não já os conteúdos previstos nesses parâmetros supracitados (os Direitos 
fundamentais, por exemplo), à obviedade, ela existirá até ser declarada sua inconstitucionalidade 
pela corte competente. Ou seja, ela será válida (na terminologia positivista tradicional) até que o 
referido tribunal declare que é inválida. Então, para evitar tais confusões, o garantismo propõe 
uma redefinição das categorias tradicionais, passando a entender como vigentes (ou de validade 
meramente formal) as normas postas pelo legislador ordinário em conformidade com os 
procedimentos previstos em normas superiores, reservando a palavra validade à validade também 
substancial dos atos normativos inferiores. CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e 
Legitimidade. p. 78. 
 
34
 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia: La aportación garantista a la teoría de la norma 
jurídica. Madri: Trotta, 1999, p. 53. 
 
35
 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 51. 
 14 
libertado do contorcionismo juspositivista - equivocado, imperfeito e imposto - , 
retira a “toga acrítica” de juiz papagueador36 e contemplativo, para colocá-la mais 
uma vez junto da habilidade de brandir a espada e manipular a balança na forma 
do Estado de Direito definido por Ihering37, e aqui denunciado por Rosa: 
[...] Como bem destaca Werneck Vianna, uma série de fatores 
necessitavam ser perscrutados perante a magistratura concreta 
com o fim de indagar qual o perfil do magistrado e até que ponto 
havia, de fato, a democratização da prática judicante. É preciso se 
indagar ‘para que’ e ‘a quem’ o Poder Judiciário está servindo. 
Diferentemente dos militares e embaixadores, sob os quais a 
‘instituição’ procede a uma contínua e reiterada domesticação e 
homogenização ideológica, munida, ademais, de mecanismo apto 
à exclusão do pensamento dissonante, na magistratura, por sua 
organização e história, essa possibilidade de uniformização resta 
presente [...], mas um tanto quanto difusa38. 
O juiz, portanto, não se vê mais na obrigação de aplicar o 
direito vigente de maneira irrefletida, rasteira e positivista. Tem ele a possibilidade 
única de analisar e se pronunciar acerca da validade da norma vigente, rompendo 
definitivamente com a condição anterior, para, desse modo, declarar a norma 
inválida, eivada de incompletude, incoerência39, em razão das violações 
produzidas pelo Poder Legislativo, ou seja: 
[...] O juiz não é uma máquina automática na qual, por cima, se 
introduzem os fatos e, por baixo, se retiram as sentenças, ainda 
que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se 
adaptem perfeitamente a ela40. 
Desse modo, o comprometimento do garantismo sempre 
será com o texto constitucional, e, assim, promove a retirada de cena do ator 
jurídico contemplativo e descritivo, soldado cego, fiel e sempre cumpridor de seu 
 
36
 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 34. 
37
 IHERING, Rudolf von. A luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret. 2006, p. 27. 
38
 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A Bricolage de Significantes. Rio de Janeiro: 
Lumen Júris, 2006, p. 247. 
39
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. p. 
82. 
40
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 786. 
 15 
ofício e das regras, simplesmente por serem regras41, para dar lugar, em 
contraponto, a outro ator jurídico crítico e motivado pelo discurso desvelado: 
[...] Em contraste com as imagens edificantes dos sistemas 
jurídicos oferecidos a partir de suas representações normativas, e 
com a confiança a priori difusa da ciência jurídica na coerência 
entre normatividade e efetividade, a perspectiva garantista requer, 
ao contrário, a dúvida, o espírito acrítico e a incerteza permanente 
sobre a validade das leis e de suas aplicações e, ainda, a 
consciência do caráter em larga medida ideal – e, em todo caso 
não realizado e a realizar – de suas mesmas fontes de legitimação 
jurídica42. 
O sentido do racionalismo, como elemento formador de uma 
práxis jurídica dentro do sistema processual, passa a ser, destarte, a possibilidade 
real do ator jurídico aplicar, através da crítica, uma resistência constitucional43. 
 
1.1.5 Uma (nova) filosofia política 
Em um terceiro significado, o garantismo propõe uma (re) 
designação de filosofia política, que requer do direito e do Estado o ônus da 
justificação externa com base nos bens e nos interessesdos quais a tutela ou a 
garantia constitui a finalidade, estabelecendo, desse modo, uma separação entre 
direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e externo na 
valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” ou o dever “ser” do direito44, 
através da preponderância da doutrina laica. 
Como se verá a seguir, o Estado constitucional será a 
superação de um Estado per legem – em que os poderes se expressam na forma 
de lei – para uma outra figura estatal, no caso sub legem – submetidos à lei45. 
 
41
 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico? p. 80. 
42
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 
43
 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do 
Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 271. 
44
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 
45
 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 60. 
 16 
O ônus da justificação, a separação entre direito e moral, o 
que é válido e o que é justo, o “ser” e o “dever ser” é justificado por Ferrajoli, 
como tradução de que o Estado e todo o seu conteúdo artificial produzido, que 
são as instituições jurídicas e políticas46, são permeadas de condicionantes per 
leges, isto é, de ordens gerais e abstratas, e de condições de subordinação do 
soberano que não lhe é dado suprimir ou violar, portanto, sub lege47. 
Os pontos de vista externo e interno48 nada mais são do que 
o primeiro, o reflexo da parte de baixo (ex parte populi), e o segundo é do alto (ex 
parte principis) e que a conjugação harmônica de ambos é apontada como 
legitimação do ônus justificante estatal e suas conseqüentes divisões no campo 
da filosofia política, objetivando, portanto, a total eficácia e efetividade dos valores 
extra ou meta ou pré-jurídicos “fundadores”49, atingindo a prometida plenitude do 
Estado de Direito50. 
1.1.6 O Estado de Direito e a Democracia: limitações ao poder 
Como já definido, o Estado Democrático de Direito, de viés 
garantista, se constitui como célula organizadora e unificadora do interesse 
coletivo comum, mediante a construção da legitimidade de seus atos, de suas 
intervenções, estabelecendo, assim, modelos de racionalidade e de contenção, 
critérios distinguidos na seara da legalidade estrita, definidos pelo Garantismo. 
Nessa vereda, portanto, denota-se o próprio caráter 
progressista e revelador daquela, pois, estabelecidos tais critérios, o Estado 
Democrático de Direito deixa de ser aquele apenas regido por leis, de nítido perfil 
 
46
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788. 
47
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 19. 
48
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 787. 
49
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 788. 
50
 Ademais, o referido modelo de garantia da legitimidade proposto, desenhada pela citada teoria, é 
caracterizada por: “[...] a) o caráter vinculado do poder público no estado de direito; b) a 
divergência ente validade e vigência produzida pelos desníveis de normas e conseqüentemente 
um grau irredutível de ilegitimidade jurídica das práticas normativas de níveis inferiores; c) a 
distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico), com 
a correspondente divergência entre justiça e validade; e d) a autonomia e precedência do primeiro 
com relação ao segundo, e um grau irredutível de legitimidade política com respeito àquele”. 
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. p. 156. 
 17 
formal, para, efetivamente, o de caráter substancial, isto é, que estabelece 
controles que são fontes de legitimação formal e legitimação substancial51, 
caracterizado assim: 
[...] a) no plano formal, pelo princípio da legalidade, por força do 
qual todo poder público – legislativo, judiciário e administrativo – 
está subordinado às leis gerais e abstratas que lhes disciplinam as 
formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de 
legitimidade por parte dos juízes dela separados e independentes 
(a corte Constitucional para as leis, os juízes ordinários para as 
sentenças, os tribunais administrativos para os provimentos); b) 
no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do 
Estado à garantia de direitos fundamentais dos cidadãos, por meio 
da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres 
públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão 
aos direitos de liberdade e das obrigações de satisfação dos 
direitos sociais, bem como dos correlativos poderes dos cidadãos 
de ativarem a tutela judiciária52. 
Aduz Barroso ainda o que se diz acerca da supremacia da 
Constituição: 
Do ponto de vista jurídico, o principal traço distintivo da 
Constituição é a sua supremacia, sua posição hierárquica superior 
às das demais normas do sistema. As leis, atos normativos e atos 
jurídicos em geral não poderão existir validamente se 
incompatíveis com alguma norma constitucional. A constituição 
regula tanto o modo de produção das demais normas jurídicas 
como também delimita o conteúdo que possam ter. Como 
conseqüência a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo 
poderá ter caráter formal ou material53. 
 
51
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790. 
52
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 790. 
53
 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 370. 
 18 
Todo o substancialismo proposto54, então, visivelmente em 
contraponto ao formalismo anterior, serve justamente para, através de um 
espectro muito maior em razão de sua especificidade, conceber novo tratamento 
ao princípio da legalidade, haja vista que, se o mencionado princípio se limitava 
antes precisamente a exigir que o exercício de qualquer poder tenha como fonte 
livremente o uso da lei como condição formal de legitimidade – nesse caso, 
chamado de mera legalidade -, o princípio da estrita legalidade passa a exigir, o 
inverso, a exigência indispensável de que aquela mesma lei condicione a 
legitimidade do exercício de qualquer poder por ela instituído a determinados 
conteúdos substanciais55. 
A distinção feita entre a legitimidade formal e legitimidade 
substancial, segundo o aporte garantista é condição sine qua non para que se 
possa chegar à junção seguinte entre a democracia política e o Estado 
Democrático de Direito, em que Norberto Bobbio introduz, de forma singular: 
Insistir sobre a participação do cidadão libertado na luta política 
era o princípio de cada discurso a respeito do ‘futuro da 
democracia’. Qual democracia? [...] a democracia que tínhamos 
em mente, quando pregávamos a ‘revolução democrática’, eu 
poderia defini-la hoje ‘democracia integral’: não somente formal, 
mas também substancial, não somente instrumental, mas também 
finalística, não somente como método, mas também como 
conjunto de princípios inspiradores irrevogáveis. [...] o próprio 
Calamandrei escrevia, de maneira incisiva: “Não basta assegurar 
aos cidadãos as liberdades políticas na teoria, mas é preciso dar-
lhes as condições de poder utilizar-se delas na prática”56. 
A democracia integral, apresentada pelo pensador italiano, é 
a peça inaugural invocada por Ferrajoli ao estabelecer categorias basilares que 
caracterizam um sistema político alicerçado tanto em um Estado “democrático” 
 
54
 Seria, a rigor uma “[…] função criativa dos magistrados em sua missão judicante, que se torna 
visível no preenchimento de lacunas legais, ou de insuficiências da lei positiva[...]”. MARCELLINO 
Jr., Julio Cesar. A Jurisdição Constitucional e o papel do poder judiciário no Brasil: 
procedimentalistas ‘versus’ substancialistas. ROSA, Alexandre Morais da (org.). Para um direito 
democrático:diálogos sobre paradoxos. Florianópolis: Conceito, 2006, p. 46. 
55
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791. 
56
 BOBBIO, Norberto. Entre duas Repúblicas: às origens da democracia italiana. Brasília: 
Universidade de Brasília, 2001, p. 113. 
 19 
quanto num Estado “de direito”, quais sejam a de “quem” pode e “como” se deve 
decidir, além de definir “o que” se deve e “o que não” se deve decidir57. 
Desse modo, tem-se mais uma vez claro que o Estado 
“democrático” estabelece, por exemplo, regras de representatividade, de 
legitimidade desta mediante o sufrágio universal, o princípio da maioria das 
decisões, enfim, determinam a forma como são tomadas as decisões em favor 
dos cidadãos, ao passo que o Estado “de direito” salvaguarda os direitos 
fundamentais ao estabelecer o que se deve e o que não se deve decidir, 
estabelecendo, destarte, proibições de suprimir ou limitar as liberdades fora dos 
casos taxativamente previstos em lei, sejam estes direitos de liberdade (ou 
“direitos de”) suas condicionantes negativas, ou os direitos sociais (ou “direitos a”) 
e as condicionantes positivas que a integram58. 
Assim, são mais uma vez colocados elementos de 
contenção à atuação estatal, seguindo a tendência minimalista do Estado na 
existência de um controle mediante o uso de uma democracia substancial: 
[...] Essa limitação do Poder Estatal não se restringe ao Poder 
Executivo, como pode transparecer no primeiro momento, mas 
vincula as demais funções estatais, principalmente o Poder 
Legislativo, que não possui (mais) um cheque em branco; o Poder 
Legislativo, na concepção garantista, também está balizado em 
seu conteúdo por fronteiras materiais, não podendo dispor de 
maneira discriminatória, nem se afastar do contido materialmente 
na Constituição59. 
A palavra de ordem passa a ser, então, que se deixe a mera 
democracia formal e se passe para a democracia material60, aquela que, 
mediante a aplicação da eqüidade no texto constitucional, alcança o equilíbrio 
 
57
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 791. 
58
 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. p. 159. 
59
 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 
p. 4. 
60
 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 
p. 4. 
 20 
necessário e indispensável para a salvaguarda dos ditos direitos, sob pena de seu 
desmantelamento. 
Nesse diapasão o garantismo jurídico passa a ter uma maior 
textura, haja vista que passa a dar sustentação à democracia substancial, aquela 
em que reflete o interesse primordial de todos os seus componentes, isto é: 
[...] Estado de direito equivale à democracia, no sentido que 
reflete, além da vontade da maioria, os interesses e necessidades 
vitais de todos. Nesse sentido, o garantismo, como técnica de 
limitação e disciplina dos poderes públicos, voltado a determinar o 
que estes não devem e o que devem decidir, pode bem ser 
concebido com a conotação (não formal, mas) estrutural e 
substancial da democracia: as garantias sejam liberais ou sociais, 
exprimem de fato os direitos fundamentais dos cidadãos contra os 
poderes do Estado, os interesses dos fracos e dos fortes, a tutela 
das minorias marginalizadas ou dissociadas em relação às 
maiorias integradas, as razões de baixo relativamente às razões 
do alto61. 
Há, aqui, interessante justificativa do aporte garantista, 
porque os ditos direitos fundamentais, sejam eles de liberdade ou sociais, como já 
visto, são indisponíveis, sem qualquer possibilidade de barganha ou uso de uma 
suposta legitimidade democrática com base na maioria dos interessados. 
A construção garantista, mais uma vez, é esclarecida por 
Ferrajoli ao alçar os direitos fundamentais expressamente à categoria de 
irrenunciáveis, inegociáveis, a saber: 
[...] estos derechos no son alienables o negociables sino que 
corresponden, por decirlo de algum modo, a prerrogativas no 
contigentes e inalterables de sus titulares y a otros tantos límites y 
vinculos insalvables para todos los podres, tanto públicos como 
privados62. 
Peremptoriamente, não se tem, aqui, por exemplo, o 
emprego da ficção altruísta de Alexandre Dumas, quando as fronteiras garantistas 
 
61
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 797. 
62
 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías, p. 39. 
 21 
destacadas sugerem que não são “um por todos” nem “todos por um”63, mas, sim, 
“todos por todos” sem distinção a qualquer título, na medida em que a não 
observância dessa premissa basilar da teoria garantista impede, in totum, o 
reconhecimento da legitimidade de determinada prática jurídica em face da 
denominada esfera do não-decidível, isto é, núcleo sobre o qual sequer a 
totalidade pode decidir64 sob o argumento da defesa do “bem comum” ou do 
“bem-estar social”, dissociado, assim, do direito individual do homem. 
Os Direitos Fundamentais constitucionalizados e positivados 
transformam a figura do súdito para a de cidadão65, pois, com a aplicação do 
contrato social no formato constitucional e garantidor, passa a ser a peça 
vestibular para uma ida à igualdade, dividida com o Estado. 
O animal artificial, o grande Leviatã66, passa a ser, então, 
paulatinamente domesticado pela coerência da força de um novo contrato social, 
cujo objetivo primordial é o de retirar a figura pretérita da hegemonia do poder 
estatal, para, desse modo, aplicar um pacto recíproco de limitação da soberania 
de ambos (cidadão e Estado). 
A mencionada hegemonia sempre se materializou antes, 
num Estado absolutista, cujo soberano não estava sujeito às leis que dele próprio 
emanavam, mas estava sujeito às leis divinas ou naturais e às leis fundamentais 
do reino67, muito embora o Estado de Direito, ainda assim, não contemple todos 
os direitos fundamentais, dado que aquela vontade popular, fomentada pela 
promessa estatal não são nunca realizados e garantidos inteiramente68, por força 
da perda da legitimidade pela sua não efetivação. 
 
63
 DUMAS, Alexandre. Le Trois Mousquetaires: Les Ferrets de La Reine. Paris: Easy Readers, 
2003, p. 41. 
64
 CARVALHO, Amilton Bueno de. Aplicação da Pena e Garantismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen 
Júris, 2004. p. 19. 
65
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793. 
66
 HOBBES, Thomas. Leviatã ou material, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São 
Paulo: Martin Claret, 2003, p. 15. 
67
 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 18. 
68
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799. 
 22 
A crítica garantista, aqui nesse momento, encontra 
justificativa na inversão do propósito de Hobbes, identificada como sendo um 
excesso de poder, estando aquele homem artificial e forte não mais atrelado a um 
propósito de paz social e garantia a tutela dos direitos fundamentais69, mas, sim, 
super poderoso e invasor da esfera individual de direitos do homem. 
Entretanto, a fim de se estabelecerem critérios à 
problemática denunciada pelo viés garantista, os mecanismos constitucionais que 
caracterizam o Estado de direito, como se verá logo adiante, tem como objetivo 
não só combater os mencionados abusos de poder, mas, em outras palavras, a 
de estabelecer garantias de liberdades à disposição, da assim chamada liberdade 
negativa, entendida como esfera de ação em que o indivíduo não está obrigado 
por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja, ou não está 
impedido de fazer aquilo que deseja70: 
[...] E com a estipulação constitucional de tais deveres públicos 
que os direitos naturais se tornam direitos positivos invioláveis, e 
muda, por isso, a estrutura do Estado, não mais absoluto mas 
limitado e constitucionalizado71.Como dito alhures, esse núcleo do não-decidível é 
facilmente entendido, vez que os Direitos Fundamentais do homem, ao adquirirem 
a qualidade máxima da valoração normativa – indisponíveis na acepção da 
palavra e, conseqüentemente, de cunho erga omnis - não podem ser colocados à 
margem nem pelo interesse da maioria em desfavor de uma minoria, não sendo, 
assim, permeáveis à prática de casuísmos, por exemplo. 
Isso explica por que a teoria garantista, ao outorgar o status 
aos poderes reconhecidos (Legislativo, Executivo e Judiciário) no bojo das 
constituições democráticas de direito, condiciona que estão sujeitos ao princípio 
primordial e inarredável da estrita legalidade, da dignidade da pessoa humana e 
dos Direitos Fundamentais, portanto, a todos a eles submissos. 
 
69
 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías. p. 54. 
70
 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. p. 19. 
71
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 793. 
 23 
Ferrajoli assim se posiciona: 
[...] Nenhuma maioria, se tem dito, pode decidir a condenação de 
um inocente ou a privação dos direitos fundamentais de um sujeito 
ou de um grupo minoritário; e nem mesmo pode não decidir pelas 
medidas necessárias para que a um cidadão sejam asseguradas 
a subsistência e a sobrevivência. O princípio da democracia 
política, relativo a quem decide, é, em suma, subordinado aos 
princípios da democracia social relativos ao que não é lícito decidir 
e o que não é lícito decidir72. 
Não se pode conceber que a Constituição ao reconhecer os 
poderes de cada um que compõe a tríade estatal – sobretudo o Legislativo -, 
conceda-lhe por conseqüência, total e ampla legitimidade para atuar, ao arrepio 
do contido materialmente na Lei Maior73. 
 
1.2 GARANTISMO PENAL 
1.2.1 Da intervenção mínima do Direito Penal para a intervenção máxima na 
forma de uma “Defesa Social” 
Com o fim dos regimes antidemocráticos que prevaleciam 
em países como o Brasil, foi a partir dos anos 1980 que entrou em processo de 
crise o discurso intervencionista penal estatal, até então vigente, que afirmava 
que o crime não tinha realidade ontológica e que os conflitos sociais ou problemas 
que realmente existiam só poderiam ser equacionados através da negociação de 
todas as partes envolvidas74. 
A partir de então, grupos que viviam à margem da discussão 
acerca da política criminal à época vigente, entre eles os depois identificados 
como alternativos7576, que, permeados por ideologias de cunho de “esquerda”77, 
 
72
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 799. 
73
 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. 
p. 4. 
74
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I – Parte Geral. 5. ed. São Paulo: 
Revista dos Tribunais, 2006, p. 7. 
75
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I. p. 7. 
 24 
redimensionaram a postura do Direito Penal, através de teorias, entre elas, 
abolicionistas, que, em sentido amplo, recusavam-se a admitir a legitimidade do 
Direito Penal, voltando-se contra a intervenção punitiva do Estado, tendo em vista 
a ausência de fundamentos para a aplicação da pena, em razão da violência que 
a mesma produzia, segundo aqueles. 
Desta feita, as teses abolicionistas fincavam, também, como 
objetivo essencial a ser alcançado, a paz social, entretanto, a aflição e o 
tratamento despendido ao apenado era desumano e degradante, eis que contrário 
à própria razão democrática já vigente. 
A crítica também se valia de que o sistema penal era 
subserviente apenas a um setor hegemônico, portanto, apenas simbólico na 
medida em que apenas trazia uma falsa impressão de justiça justificante aos 
demais. 
Há que se ressaltar, neste momento, que a total negação da 
legitimidade do poder punitivo, de acepção eminentemente abolicionista, 
constituiu-se também em um risco às garantias constitucionais que vieram a 
posteriori, pois, em sendo vanguarda, não apresentaram, de fato, respostas que 
 
76
 O episódio responsável que deu origem ao movimento no Brasil, ocorreu em 25 de outubro de 
1990, quando o periódico paulista Jornal da Tarde, veiculou matéria com o título de “Juízes 
Gaúchos colocam Direito Acima da Lei”, colocando o grupo na vanguarda, inclusive no encontro 
promovido em Florianópolis/SC naquele mesmo período, pioneiro na profusão daquela nova 
ideologia do Direito. ANDRADE, Lédio Rosa de. O que é Direito Alternativo?.<Disponível em 
http://www.amc.org.br. Acesso em 20 de jun. de 2007. 
 
77
 O sentido do termo de “esquerda” de cunho eminentemente ideológico aqui suscitado, pode ser 
percebido na apresentação feita por Ludwig acerca do Direito Alternativo e a opção feita por um 
novo sujeito histórico: “[...] é possível configurar a essência da alternatividade – no sentido da 
determinação mais geral – e que se expressa nas formas específicas do ‘uso alternativo’, do 
‘positivismo de combate’ e do ‘direito alternativo em sentido estrito’. Nesse sentido, a 
alternatividade como categoria aparece em seu maior grau de abstração, na condição de 
alternatividade em geral. Ou seja, há uma alternatividade comum às diferentes formas de 
manifestação. Na especificidade de cada uma das formas de manifestação, a alternatividade, 
segundo o autor, caracteriza-se pelo uso alternativo do direito, como sendo a atuação que visa a 
utilização das contradições, lacunas e ambigüidades dos sistema. [...] A segunda manifestação 
específica denominada de positivismo de combate visa à eficácia dos direitos positivados, porém 
sonegados, porque não aplicados, quando do interesse das classes populares; enfim, o nível do 
direito alternativo em sentido estrito, resultante do ‘pluralismo jurídico’. O alternativo, aqui, 
caracteriza-se como o ‘alter’ do direito oficial, mesmo que em conflito com este a partir das lutas 
das comunidades”. LUDWIG, Celso Luiz. Para uma Filosofia Jurídica da Libertação: 
Paradigmas da Filosofia, Filosofia da Libertação e Direito Alternativo. Florianópolis: Conceito 
Editorial, 2006, p. 207. 
 25 
fossem convincentes ao à época neófito ideal proposto, eis que baseadas em leis 
naturais despidas de mecanismos de contenção à intromissão punitiva privada, 
nem mesmo para evitar a preponderância da lei do mais forte78. 
Assim, a marcha pela constitucionalização e prevalência dos 
Direitos Fundamentais foi enveredada para a seara da identificação de que os 
débeis, os mais fragilizados economicamente, as minorias sociais, em geral 
advindas de uma casta inferior, eram, de fato, os mais atingidos por aquele 
mecanismo repressivo estatal, e que, por esse motivo, era necessário o resgate 
de garantias formais e, sobretudo, materiais indelevelmente incrustadas na 
gênese daquele ressurgido Estado Democrático de Direito, necessárias para o 
seu (re) equilíbrio. 
Consignou-se, portanto, nas cartas magnas posteriores (e 
em especial a brasileira), o seu resgate, como forma de se recuperarem os seus 
ideais fundantes: 
[...] Admitir este tipo de pacto fundador significava ao mesmo 
tempo reconhecer a validade de princípios, tais como os da 
culpabilidade, da humanidade da pena, da igualdade, da 
proporcionalidade e da ressocialização. E isto sem que se 
perdesse de vista o caráter preventivo norteador da intervenção 
penal estatal, isto é, sem que se pusessem de lado os princípios 
da fragmentariedade e da subsidiariedade da tutela penal79. 
A essência da cultura da teoria do garantismo e do direito 
penal mínimo caía como luva ao ideal proposto, que passava então pelo controle 
social permeado por cercanias indicadas pela figura do cidadão comum, titular de 
direitos fundamentais e indissociáveisa sua pessoa, impossíveis, portanto, de 
serem aviltados. 
Basta perceber, para tanto, a acolhida que se deu no 
pensamento brasileiro de vanguarda, os quais acolheram a matriz garantista para 
atuação no ambiente processual. 
 
78
 SANTOS, Juarez Cirino dos Santos. Direito Penal: Parte Geral. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen 
Juris, 2006, p. 5. 
79
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 7. 
 26 
Desse modo, o discurso de um novo modelo de Direito 
Penal, balizado pelos novos ventos democráticos, passou a ser a “caixa de 
ressonância” da sociedade, redundando em seu expresso reconhecimento e 
relevância, através da promulgação da Carta Magna Brasileira em 1988. 
Passou-se, assim, a justificar não só em razão do status quo 
político vigente naquele momento histórico, mas também pela validade dos 
princípios fundamentais inseridos no texto daquela Lei Maior de que no Estado 
Democrático de Direito, a intervenção penal deveria ser (re) vista como: 
[...] necessariamente mínima, expressando, apenas e 
exclusivamente, a idéia de proteção de bens jurídicos vitais para a 
livre e plena realização da personalidade de cada ser humano e 
para a organização, conservação e desenvolvimento da 
comunidade social em que ele está inserido. Os anos 80 
renovaram a discussão – que, nas décadas anteriores, ficara num 
segundo plano – sobre o Direito Penal que, devendo ser mínimo e 
garantístico, teria por missão a defesa dos direitos humanos80. 
Contudo, ainda que a atual Constituição tenha sido calcada 
por aspirações humanistas e liberais, o modelo garantidor e o princípio da 
intervenção penal mínima não foram inteiramente atendidos. Os avanços até 
então foram paulatinamente obliterados por nocivas interferências81 e 
franqueados progressivamente pela admissão de maliciosos mecanismos e tipos 
penais porosos, tais como “crime hediondo”, tipos imprescritíveis, além da outorga 
(o tal “cheque em branco”) praticamente sem limites, de poderes ao legislador 
infraconstitucional para criminalizar condutas e cominar penas, advertido por 
Cirino dos Santos como uma espécie de apartheid legislativo velado, 
consubstanciado: 
[...] através das definições legais de crimes e de penas o 
legislador protege interesses e necessidades das classes e 
categorias sociais hegemônicas, incriminando condutas lesivas 
das relações de produção e de circulação da riqueza material, 
concentradas na área da criminalidade patrimonial comum, 
 
80
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8. 
81
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 11. 
 27 
características das classes e categorias sociais subalternas, 
privadas de meios materiais de subsistência animal: os tipos 
legais de crimes fundados em bens jurídicos próprios das elites 
econômicas e políticas da formação social garantem os interesses 
e as condições necessárias à existência e reprodução dessas 
classes sociais. Nessa medida, a proteção penal seletiva de bens 
jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona 
os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal, os indivíduos 
pertencentes às classes e grupos sociais subalternos, 
especialmente os contingentes marginalizados do mercado de 
trabalho e do consumo social, como sujeitos privados dos bens 
jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal82. 
Com efeito, foi a partir dos anos 199083 que todo o aparato 
garantidor e interventor mínimo estatal passou a ser açodado por novos(?) 
paradigmas que passaram a valorizar sobremaneira a prevenção penal positiva, 
desvinculando a pena da função protetora de bens jurídicos84. 
Passou-se, então, gradativamente, à obtenção de um “novo” 
justificante social: de que através da prevenção penal positiva e o uso simbólico 
do Direito Penal, se conseguiria a total obediência às normas penais. 
O ocaso passou a tomar conta do direito penal e processual 
penal, protagonizado pelas arbitrárias inserções estatais advindas, ocasionando: 
a) o ocaso das garantias formais; b) o ocaso das garantias materiais; e c) o ocaso 
do princípio de utilidade da intervenção penal85. 
O princípio da legalidade, por exemplo, passou a ser alvo da 
prática de sua descontinuidade e inobservância, em evidente afronta e contraste 
com a Constituição da República. 
As cláusulas vagas, gerais e permeáveis à prática 
casuística, produzidas pelo legislativo, foram direcionadas intencionalmente para 
 
82
 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 11. 
83
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8. 
84
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 8. 
85
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Direito Penal Brasileiro Volume I . p. 9. 
 28 
o benefício das elites em detrimento das demais, sendo então vala comum de um 
instrumento mascarado em forma da garantia da defesa social. 
A parcialidade do sistema penal, a criminalização do sujeito 
e a separação de classes ganham contornos reais de seu objetivo primordial, que 
é o desenvolvimento de uma estratégia de controle social86, precária e injusta. 
Assim é que, em virtude do próprio antagonismo formador 
das classes sociais, que fomenta a desigualdade na distribuição de renda, e o 
ínfimo desenvolvimento social e familiar, acabam por dividir entre proprietários do 
capital e possuidores da força de trabalho87, reforçando ainda mais o seu 
tendencionismo88. 
A “defesa social” é, sem dúvida, argumento substancial de 
alguns para o arrefecimento da pena, sem que se (re) discuta seu caráter utilitário 
e preventivo: 
[...] Nestas condições, se o homem está fatalmente determinado a 
cometer crimes, a sociedade está igualmente determinada – 
através do Estado – a reagir em defesa de sua própria 
conservação, como qualquer outro organismo vivo, contra os 
ataques às suas condições normais de existência. A pena é, pois, 
um meio de defesa social. Contudo, na defesa da sociedade 
 
86
 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 16. 
87
 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 6. 
88
 [...] Seja como for, é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos 
criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenação/absolvição criminal: a 
variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor, integrada por indivíduos 
vulneráveis selecionados por estereótipos, preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos 
agentes de controle social – e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano. A 
criminalidade sistêmica econômica e financeira de autores pertencentes aos grupos sociais 
hegemônicos não produz conseqüências penais: não gera processos de criminalização, ou os 
processos de criminalização não geram conseqüências penais; ao contrário, a criminalidade 
individual violenta ou fraudulenta de autores dos segmentos sociais subalternos, especialmente 
dos marginalizados do mercado de trabalho, produz conseqüências penais: gera processos de 
criminalização, com conseqüências penais de rigor punitivo progressivo, na relação direta das 
variáveis de subocupação, desocupação e marginalização do mercado de trabalho. SANTOS, 
Juarez Cirino dos. Direito Penal. p. 13. 
 29 
contra a criminalidade, a prevenção deve ocupar o lugar central, 
porque muito mais eficaz do que a repressão89. 
O convencionalismo, segundo Ferrajoli, passa a ser, então, 
elemento verificador e classificador do que é e o de que pode ser punível: 
[...] Este princípio exige duas condições: o caráter formal ou legal 
do critério de definição do desvio e o caráter empírico ou fático 
das hipótesesde desvio legalmente definidas. O desvio punível, 
segundo a primeira condição, não é o que, por características 
intrínsecas ou ontológicas, é reconhecido em cada ocasião como 
imoral, como naturalmente anormal, como socialmente lesivo ou 
coisa semelhante. É aquele formalmente indicado pela lei como 
pressuposto necessário para a aplicação de uma pena, segundo a 
clássica fórmula nulla poena et nullum crimen sine lege. Por outra 
parte, conforme a segunda condição, a definição legal do desvio 
deve ser produzida não com referência a figuras subjetivas de 
status ou de autor, mas somente a figuras empíricas e objetivas 
de comportamento, segundo a outra máxima clássica: nulla poena 
sine crimine et sine culpa90. 
Desse modo, portanto, o modelo garantista se encaminha 
para a busca de alternativas concretas de combate a um ideal a ser superado, 
que é a submissão do juiz à lei, invariavelmente sustentada por elementos 
discriminatórios e arbitrários, que sustentam em seu bojo, conteúdos incertos, 
revestidos, em verdade, de instrumentos abusivos de negação de condutas 
perversamente ontológicas: 
[...] portanto, não admite normas que criam ou constituem ipso 
jure as situações de desvio sem nada prescrever, mas somente 
regras de comportamento que estabeleçam uma proibição, quer 
dizer, uma modalidade deôntica, cujo conteúdo não pode ser mais 
do que uma ação, e a respeito da qual seja aleticamente possível 
tanto a omissão quanto a comissão, uma exigível e a outra obtida 
 
89
 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência 
à violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 68. 
90
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38. 
 30 
sem coação, portanto, imputável à culpa ou responsabilidade de 
seu autor91. 
Tal proposição passa, necessariamente, pelo total desapego 
do juiz a qualquer outro elemento senão a sua submissão à lei, como equivalência 
ao princípio da reserva legal, na medida em que não pode qualificar como delitos 
todos (ou somente) os fenômenos que considere imorais, ou, em todo caso, 
merecedores de sanção, mas apenas (e todos) os que, independentemente de 
sua valoração, venham formalmente designados pela lei como pressupostos de 
uma pena. A segunda condição comporta, além disso, o caráter absoluto da 
reserva da lei penal, em virtude da qual a submissão do juiz é somente à lei92. 
Há, portanto, indiscutivelmente, um marco teórico também 
neste momento. Ao invocar a reserva legal, rebatizada de “mera legalidade” 
direcionada aos juízes e a reserva absoluta de “estrita legalidade” ao legislador, o 
garantismo delineia um próximo passo racional formador do convencionalismo 
penal, que remete às únicas ações taxativamente indicadas pela lei, dela 
excluindo qualquer configuração ontológica ou, em todo caso, extralegal93. 
Sendo o modelo garantista um modelo coerente e racional 
em prol dos Direitos Fundamentais, balizado na concepção da intervenção estatal 
mínima, como forma de controle e limitação daquele poder artificial, tem-se, assim 
mesmo, preocupações relevantes quanto a hipóteses de ardis antigarantistas 
fundamentados justamente como já visto na chamada “defesa social” ou da 
“prevenção especial”94; há, de fato, ausência de condicionantes limitadores. 
 
1.2.2 O uso simbólico do Direito Penal e do Processo Penal e a “cultura do 
medo” impregnada 
 
 
91
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39. 
92
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39. 
93
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 39. 
94
 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. p. 38. 
 31 
Ainda que os Direitos Fundamentais estejam formalmente 
garantidos no ordenamento brasileiro, não se pode olvidar que cada emprego 
simbólico do direito penal e do processo penal como técnica de afirmação, 
dominação e reprodução do poder95, invade sensivelmente a seara dos ditos 
direitos. 
Esse processo de emergência, imposto pelo poderio estatal, 
tem, na verdade, um significado singular para inculcar na sociedade a “cultura do 
medo” e, por conseqüência, a sensação de proteção e segurança. 
Como já visto, o Direito Penal e Processual pós anos 1980 
cedeu lugar a uma fase crepuscular, pelo seu uso simbólico, deixando de lado o 
seu caráter até então de tutela dos bens jurídicos considerados essenciais à 
harmonia social, para a produção maquiada de um impacto tranqüilizador sobre o 
cidadão, a opinião pública, acalmando os sentimentos, numa tentativa de 
resposta àquela continuidade de histerismo social96. 
Ora, sabe-se, perfeitamente que, ao utilizar-se medidas 
legislativas (?) emergenciais, tem-se como objetivo certeiro a própria 
desconstrução de toda a codificação, sob a justificativa de que é mais um entrave 
da ineficácia do sistema punitivo, protagonizado por leis materiais e processuais 
em descompasso com a real situação das coisas97. 
Desse modo, a lavagem cerebral é a fórceps, ou, às vezes, 
sem tanta força, desde que, com a ajuda de uma mídia preparada para se chegar 
à “cultura do medo”, instrumento como visto alhures, usado oportunamente por 
setores dominantes do poder, a saber: 
[...] Resultado disso é o fomento da ‘cultura do medo’, com a 
mitigação do senso crítico dos cidadãos [...]. Mesmo sem nunca 
ter tido a ‘paz’ almejada, fala-se de um tempo perdido de 
segurança, facilitando-se discursivamente, pelas emoções, a 
 
95
 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 
46. 
96
 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 47. 
97
 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. p. 48. 
 32 
prevalência de discursos de opressão social, tudo em nome da 
escalada avassaladora da criminalidade98. 
E é dentro dessa contínua gestação, de face, muitas vezes, 
midiática, que se perpetua esse status quo nefando, que noticia, propaga, mas 
que nada resolve, em evidente expediente ao largo de qualquer comprometimento 
com o bem jurídico: 
[...] Paradoxalmente, o medo e a insegurança neste período 
democrático permitem ao Estado medidas simbólicas cada vez 
mais autoritárias, leis cada vez mais punitivas, legitimadas por 
demandas sociais de proteção reais e imaginárias, principalmente 
da elite. Além disso, justificam a criação de empresas de 
segurança e o apoio à privatização da polícia. (...) A cultura do 
medo, que se criou em torno da criminalidade, provoca um 
generalizado desejo de punição, uma intensa busca de repressão 
e uma obsessão por segurança. A lei passa a ser a ‘tábua de 
salvação’ da sociedade e, quanto maior for a sua dureza, mais 
satisfeita ela estará. Além disso, todos os programas e notícias 
que lidam de forma direta com esse pânico passam a ser produtos 
muito consumidos e por isso, muito divulgados, aumentando ainda 
mais o próprio alarme. A segurança torna-se plataforma política e 
algumas vezes, a causa da derrocada de um governo. A 
promessa é sempre repressão99. 
O medo de que é vítima a grande massa é capaz de incutir 
um verdadeiro pânico generalizado, sem que se possa perceber, às vezes, que 
ele transcende a esfera do subconsciente. 
O poder midiático exerce tamanha influência, que basta 
apenas traçar um exemplo de como a “cultura do medo” foi tão bem explorada 
como no filme sucesso de Holywood, “Tubarão” de Steven Spielberg, no sentido 
de que no filme o “tubarão” aparece nos momentos estratégios, sustentando-se a 
tensão, o medo e o desespero justamente nos intervalos em que se aguarda, em 
suspenso, um ataque. 
 
98
 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 231. 
 
99
 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. O papel da jurisdição constitucional na realização

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