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A H U M A N I Z A Ç Ã O D O D I R E I T O I N T E R N A C I O N A L : CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERSONALIDADE JURÍDICA DO INDIVÍDUO NO CONTEXTO DO DIREITO INTERNACIONAL.* Gabriel Haddad Teixeira** 1. Introdução Os Estados soberanos e as Organizações Internacionais propriamente ditas compõem – juntamente com a Santa Sé1 – o rol taxativo das personalidades jurídicas do Direito Internacional. Durante algum tempo, esta afirmação era considerada como um consenso entre os doutrinadores. Contudo, algumas das modificações do cenário internacional observadas a partir do final do século XX retomaram a questão da personalidade jurídica no Direito Internacional trazendo à tona a questão da personalidade jurídica do indivíduo. Neste contexto, este artigo se propõe a uma rápida abordagem da questão da personalidade jurídica no Direito Internacional Público, a partir do debate acerca da personalidade do indivíduo. Buscar-se-á nestas poucas páginas uma breve abordagem dos principais argumentos pertinentes a noção de personalidade jurídica internacional, bem como uma sucinta análise dos discursos a respeito da personalidade jurídica do indivíduo no Direito Internacional. A presente proposta será apresentada em três partes. A primeira parte se destina à apresentação da teoria clássica do Direito Internacional no que tange à personalidade jurídica. O intuito é identificar – por meio de uma reconstrução concisa da teoria – o parâmetro segundo o qual se atribui a personalidade jurídica. Em um segundo momento, * Artigo desenvolvido como avaliação da disciplina Teoria do Direito Internacional ministrada no 1º semestre de 2012 pelo Professor Dr. Francisco Rezek no programa de Mestrado em Direitos das Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. ** Mestrando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB no programa de Mestrado das Relações Internacionais, registro académico 61100886. 1 A Santa Sé é uma Pessoa Jurídica de Direito Internacional porque assim quiseram os Estados. Eles acordaram pela autonomia do Papa e a soberania sobre a colina do vaticano – cuja extensão é de 44 hectares – sobre alguns outros imóveis. Ver: Tratado de Latrão – 1929 entre Itália e Vaticano. Trata-se de uma personalidade extravagante, não é possível de ser caracterizado como Estado por dois motivos: (a) não possui uma população humana – a população do Vaticano não é composta por famílias que vão gerar uma renovação orgânica, e não há nacionalidade dentro da Santa Sé; (b) falta uma identidade teológica (de finalidade de propósito) – a finalidade do Estado soberano é realizar a felicidade geral da comunidade humana assentada sobre o seu território, a finalidade da Santa Sé é a administração de uma religião. A ordem soberana e militar de Malta não é comparada com a Santa Sé. Esta ilusão de que se trata de uma personalidade decorre de sua pseudo-relação diplomática com vários Estados. [Notas realizadas no decorrer do Curso] volta-se a atenção para o novo discurso sobre a personalidade jurídica do indivíduo no Direito Internacional – algumas de suas motivações e fundamentações. Por fim, buscar–se–á uma ponderação dos argumentos apresentados a fim de construir uma posição quanto ao tema em tela. Uma breve consideração a respeito da terminologia apropriada antecede a questão em análise, porquanto se observa com considerável frequência na doutrina, ao tratar do tema da personalidade jurídica, o uso da expressão “sujeitos de direito”. Embora bivalente, verifica-se que o uso da expressão “sujeitos de direito” se torna inapropriada no Direito Internacional. Isto porque, o termo é passível de gerar ambiguidade, uma vez que significa tanto agente, quanto súdito, subordinado. E, é neste último sentido que o termo se torna inadequado, pois conforme é cediço não se deve falar em subordinação do Estado ao Direito Internacional, por se tratar uma ordem de coordenação.2 2. A teoria clássica da personalidade jurídica no Direito Internacional Na primeira formatação do Direito Internacional a questão da personalidade jurídica estava limitada apenas aos Estados.3 Esta configuração perdurou até o final da Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes de 1919 estabelece o marco jurídico do final da primeira grande guerra, e permite o estabelecimento das primeiras Organizações Internacionais propriamente ditas. Na oportunidade surgiu a Liga das Nações4 e a Organização Internacional do Trabalho, esta última permanece até os dias atuais. Algumas acontecimentos que tiveram lugar na virada do século XIX para o XX fomentaram a criação das Organizações Internacionais entre as quais destacam-se as Conferências Internacionais Americanas e da Cruz Vermelha,5 bem como a 2ª Conferência da Paz de Haia (1907), a Conferência Naval de Londres (1908/1909), entre outros.6 2 2 REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 151. 3 Esta primeira configuração teria se estendido ao longo de 300 anos englobando o “modelo de Vestfália” em 1648, prosseguindo em 1815 em Viena até 1919 momento em que as Organizações Internacionais propriamente ditas começaram a surgir. ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito I n t e r n a c i o n a l P ú b l i c o . 1 9 . e d . S ã o P a u l o : S a r a i v a , 2 0 1 1 , p . 2 5 3 . 4 Liga das Nações é o termo que decorre da tradução em inglês, há também referência a Sociedade das Nações que decore de outras traduções. Optou-se pelo primeiro termo seguindo a opção utilizado ao longo do curso. 5 [Notas realizadas no decorrer das Aulas] 6 Ibidem, p. 110. As Organizações Internacionais propriamente ditas não foram definidas em um instrumento internacional próprio. Enquanto o Estado soberano é uma realidade física sobre a qual muito se escreveu e ainda se escreve, as Organizações Internacionais são uma construção jurídica decorrente da conjugação de vontades soberanas. Neste contexto, a doutrina se esforça para buscar a pedra de toque em matéria de Organizações Internacionais, aquilo que a define como tal, qual seja: a concessão expressa ou implícita do poder de celebrar tratados.7 As Organizações Internacionais propriamente ditas são titulares de personalidade jurídica objetiva – ou seja, imponível a toda a comunidade internacional independentemente. Isto significa que o reconhecimento da sua personalidade jurídica independe da ratificação do tratado constitutivo pelo Estado em que se busca o reconhecimento.8 Seria o caso do reconhecimento da União Europeia nos país que a integram. A terminologia correta é Organizações Internacionais (propriamente ditas)9 – OI. Não se deve confundir com o termo Organismos Internacionais – termo utilizado na diplomacia quando não se tem conhecimento preciso a respeito da natureza jurídica do objeto do discurso. Este termo engloba os órgãos das Organizações Internacionais, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha – Sociedade Civil da Suíça –, pessoas jurídicas de direito privado binacionais – a exemplo da Itaipu –, Instituições internacionais de âmbito privado – como a IATA.10 Desta forma, verifica-se que a questão da personalidade jurídica no Direito Internacional está fortemente atrelada a questão da soberania. Os Estados soberanos são os “sujeitos” clássicos do Direito Internacional, e, é somente por meio do reconhecimento destes entes soberanos que se pode atribuir personalidade jurídica a outro personagem. Assim, conclui-se que a soberania é o parâmetro por meio do qual se define a personalidade jurídica no âmbito do Direito Internacional segundo a teoria clássica. Neste contexto a personalidade jurídica é atribuída em decorrência da soberaniainerente ao ente em questão, ou por meio do 3 7 [Notas realizadas no decorrer do curso] No mesmo sentido: REZEK, Francisco. op. cit. p. 250. VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 285. 8 Ibidem, p. 287. 9 O professor Rezek utiliza o termo Organizações Internacionais propriamente ditas. 10 [Notas realizadas no decorrer do curso] No mesmo sentido: REZEK, Francisco. op. cit. p. 248. reconhecimento dos demais entes soberanos como é o caso das Organizações Internacionais ou da Santa Sé. Esta posição se consolidou sobretudo durante o século XIX. Celso D. Albuquerque Mello salienta que a doutrina anterior cuja base recebia fortes influências do Direito Natural e da noção do “Jus gentium” reconhecia a personalidade jurídica do homem no plano internacional. Este cenário começa a se modificar no século XIX, com advento de uma corrente contrária a “subjetividade do indivíduo” e em prol do “predomínio da soberania absoluta do Estado”.11 Em poucas linhas, esta é a posição da doutrina clássica a respeito da Personalidade Jurídica no Direito Internacional. Atribui-se personalidade internacional apenas aos Estados, às Organizações Internacionais e à Santa Sé, sendo esta de caráter excepcional.12 Não obstante esta posição, não se exclui a participação de outros protagonistas que mesmo sem personalidade jurídica interferem nas relações jurídicas e políticas internacionais.13 3. A personalidade jurídica do indivíduo no Direito Internacional O cenário internacional sofre algumas modificações no início do século XX que motivaram reações contrárias ao monopólio do Estado14 – à “aristocracia de Estados.”15 Trata-se de um discurso de democratização do Direito Internacional, por intermédio da defesa da personalidade jurídica do indivíduo no contexto internacional, buscando a superação da noção de indivíduo como objeto do Direito Internacional decorrente da teoria clássica.16 Houve na história uma despersonificação do indivíduo e a desvalorização do homem a partir de práticas tal como a escravidão realizada nas mais variadas espécies. No âmbito nacional há um fortalecimento da noção de personalidade jurídica.17 Contudo, no plano internacional verificava-se uma desvalorização do homem e valorização da noção de Estado. Neste contexto a proteção do homem contra um injusto cujo autor era um Estado estrangeiro era viabilizada por meio do instituto da proteção diplomática.18 4 11 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro Renovar, 2001, p. 765. 12 REZEK, Francisco. op. cit. p. 151. 13 VARELLA, Marcelo Dias. op. cit. p. 23. 14 [Nota realizadas no decorrer do curso] 15 MELLO, Celso D. de Albuquerque. op. cit. p. 767. 16 JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 361. 17 [Notas realizadas no decorrer das aulas] 18 Ibidem, p. 360. Esse quadro se modificou após a Segunda Guerra Mundial, em que se verificaram grandes esforços na busca pela responsabilidade internacional do indivíduo por meio de um vínculo direito, e não mais por meio de um instituto com a participação do Estado. As modificações realizadas no conjuntos de normas internacionais sobre as questões humanitárias também alimentaram a sensação de que o indivíduo ganhara mais espaço no plano internacional.19 Embora se fale com maior frequência na personalidade jurídica do indivíduo, verifica-se que o processo de democratização do Direito Internacional engloba não apenas a noção do indivíduo, mas também das pessoas jurídicas de âmbito nacional e as organizações não governamentais, uma vez que, juntamente com o indivíduo, as pessoas jurídicas e as organizações não governamentais ganharam considerável espaço e importância no plano internacional, sobretudo após o segundo pós–guerra.20 Por esse motivo, com mais propriedade deveria se falar na personalidade jurídica dos particulares abrangendo assim as três categorias: indivíduo, sociedades empresárias e ONGs. A democratização do Direito Internacional se fundamenta em três principais argumentos: (i) o maior respeito que se tem pelo ser humano na atualidade; (ii) o reconhecimento de direitos e a imputação de responsabilidade pressupõe a personalidade jurídica; e, (iii) o fato do direito ser um produto do homem destinado ao próprio homem. O primeiro argumento é bastante simples. Defende-se que a teoria clássica a respeito da personalidade jurídica internacional deve ser superada com fundamento na valorização do ser humano que se verifica no plano internacional atualmente. A noção de dignidade como alto inerente ao próprio homem está fortemente atrelada a este argumento. Assim, deve-se buscar a consolidação da sua personalidade jurídica a exemplo do que se verificou no plano nacional onde esta valorização do ser humano fundamentou o fortalecimento da personalidade jurídica e a extinção de institutos tais como a escravidão ou a morte civil. O argumento seguinte salienta que só é possível se falar em direitos e deveres do indivíduo no plano do Direito Internacional, se lhe for devidamente assegurado a personalidade jurídica. Por isso, o reconhecimento da personalidade jurídica do indivíduo no 5 19 [Notas realizadas no decorrer do curso] 20 Ibidem, p. 362. plano internacional seria uma questão de validade de vários institutos a ele inerentes. Uma vez que o não reconhecimento da personalidade jurídica do indivíduo colocaria em dúvida institutos de proteção do homem – como as cortes regionais de proteção – bem como os mecanismos de responsabilização tais como o Tribunal Penal Internacional. Nas palavras do Celso D. Albuquerque de Mello: Não se pode falar em direitos do homem garantidos pela ordem jurídica internacional se o homem não for sujeito de DI. Dentro do mesmo raciocínio não poderíamos falar no criminoso de guerra, nem na proteção ao trabalhador dada pela OIT e nem mesmo se poderia lugar por uma Corte Internacional Criminal como se tem feito. Em conclusão, podemos assimilar que negar a personalidade internacional do homem ou deturpar a existência de uma série de institutos da vida jurídica internacional.21 Ademais, salienta que em decorrência do desenvolvimento do Direito Internacional, estabeleceram-se institutos voltados para a proteção do homem, e foi oportunizado ao particular a possibilidade de recorrer a determinadas cortes internacionais e fóruns internacionais de solução de conflitos, a fim de lhe assegurar seus direitos e garantias assegurados em nível internacional. Entre as cortes e fóruns nos quais o acesso do indivíduo é oportunizado destaca-se: o Tribunal Arbitral Internacional ad hoc do Banco Mundial - ICSID; o Iran–United States Claims Tribunal; a Corte Permanente de Arbitragem - PCA; e, o Binational Panels do NAFTA22 O último argumento elencado sustenta que o Direito é uma criação do homem cujo único destinatário é o próprio homem. Por esse motivo, a ordem internacional se volta cada vez mais para o homem e para seus direitos que seriam considerados “direitos naturais concretos.”23 Duas teorias ganham destaque na defesa da personalidade jurídica do particular no âmbito internacional. A primeira foi intitulada de teoria individualista e desenvolvida por Duguit. A teoria individualista propõe a desconsideração do Estado – negação de sua soberania e de sua personalidade – e, a super valorização do indivíduo como único ente dotado de personalidade jurídica. Trata-se na verdade de uma redução do Estado a um conjunto de indivíduos. Esta teoria encontrou – e, ainda encontra – ao longo do tempo 6 21 MELLO, Celso D. de Albuquerque. op. cit. p. 766. 22 JO, Hee Moon. op. cit. p. 361. 23 MELLO, Celso D. de Albuquerque.op. cit. p. 766. diversos adeptos e seguidores. Todavia, observa-se que esse discurso não guarda consonância com a realidade contemporânea na qual o Estado é uma realidade.24 A segunda teoria, desenvolvida por Le Fur, é menos radical. Sua proposta reconhece a personalidade do Estado e do indivíduo em concomitância, e em graus distintos. Fala-se em Estado como “sujeito” direto do Direito Internacional, e no indivíduo enquanto “sujeito” indireto. Isto porque, verifica-se que o objetivo último do Direito é o indivíduo, contudo no plano jurídico internacional sua atuação se faz por intermédio do Estado.25 Esta segunda teoria parece mais aceita entre os defensores da personalidade jurídica do particular no plano internacional, conforme é possível inferir dos discursos apresentados. Com certa frequência, fala-se em uma personalidade jurídica do indivíduo no plano internacional, todavia trata-se de uma personalidade jurídica com capacidade limitada26. Diante do exposto, não se pode negar a personalidade internacional do indivíduo. Admiti-la é se enquadrar em uma das mais modernas tendências do DIP [Direito Internacional Público]: a sua democratização. É o homem pessoa internacional como é o Estado, apenas a sua capacidade jurídica de agir é bem mais limitada que a do Estado.27 De fato, não é possível extrair deste discurso o reconhecimento de uma personalidade jurídica ilimitada, como poderes para exercer atividades que até então são tipicamente do Estado como, por exemplo, a negociação, assinatura ou denúncia de um tratado. Trata-se apenas do reconhecimento necessário, porquanto acredita-se que sem personalidade jurídica internacional, o indivíduo não poderia ser titular de direito, tampouco seria possível lhe imputar responsabilidade. 4. Breve ponderação dos argumentos apresentado em defesa da superação da teoria clássica Não obstante todas as correntes e discursos em prol do reconhecimento da personalidade jurídica do particular no plano internacional, verifica-se que o Estado é uma realidade que não se pode negar, assim como seu monopólio no cenário do Direito Internacional. Os fatos e a dinâmica da atualidade nos mostram que a superação da teoria clássica parece uma possibilidade distante. 7 24 Ibidem, p. 768. 25 Ibidem, p. 769. 26 JO, Hee Moon. op. cit. p. 361. 27 MELLO, Celso D. de Albuquerque. op. cit. p. 770. Ademais, salienta-se que a teoria clássica – em conjunto com a teoria geral do Direito Internacional – apresenta respostas fundamentadas aos argumentos apresentados pelos defensores da personalidade do particular, desabilitando assim o discurso de superação da teoria clássica. Passe-se então para uma ponderação entre os argumentos apresentados em defesa da personalidade jurídica do particular no plano internacional, e os argumentos apresentados pela teoria clássica. Um dos argumentos apresentados em defesa da personalidade do particular é o da recente valorização do ser humano. Este argumento não merece o devido respaldo, porquanto se verifica que o respeito pelo ser humano é observado ao longo de toda a história da humanidade, ainda que em diferentes níveis e com alguns períodos peculiares. Em outras palavras, verifica-se que não há na atualidade um respeito pelo ser humano que se diferencia de forma substancial daquele observado ao logo da história a ponto de ser suficiente para fundamentar a personalidade jurídica do indivíduo no plano internacional. Tanto é assim, que é possível se extrair da Grécia antiga exemplos concretos de respeito pelo ser humano em nível igual – ou até mais – concretos que da atualidade.28 O segundo argumento apresentado salienta a necessidade de se reconhecer a personalidade jurídica do particular no plano internacional em decorrência dos direitos que lhe são garantidos e dos deveres que lhe são imputados pela ordem internacional. Todavia, cabe salientar que o estabelecimento de direitos e deveres ao indivíduo não é suficiente para per si fundamentar sua personalidade jurídica. Isto porque, conforme é cediço várias ordens jurídicas nacionais garantem direitos a vários elementos, sem reconhecer sua personalidade jurídica. O meio ambiente – incluído a fauna e a flora – são com elevada frequência objeto de proteção das diversas ordens nacionais e também da ordem internacional, contudo não se conclui pela necessidade de se reconhecer sua capacidade jurídica nessas ordens jurídicas29. Além disso é preciso ressaltar que no plano jurídico internacional, alguns dos direitos30 e a grande parte dos deveres relacionados ao indivíduo dependem de uma posição anterior do Estado – seja do Estado infrator, ou de nacionalidade do particular. 8 28 [Notas realizadas no decorrer do curso] 29 REZEK, Francisco. op. cit. p. 153. 30 Trata-se na grande parte de direitos de acesso a fóruns e cortes internacionais de solução de conflitos. Desta forma, verifica-se que o Estado ainda é uma realidade necessária quando se fala em direitos e deveres do particular na ordem internacional. O desenvolvimento normativo da ordem internacional ainda se faz com o monopólio dos Estados soberanos e das Organizações Internacionais propriamente ditas. E, a proteção diplomática ainda é um elemento importante na participação do indivíduo no plano internacional. Todavia, verifica-se nos últimos 60 anos que essa realidade tem sido aos poucos alterada. O Estado tem se tornado cada vez mais dispensável no patrocínio das causas dos particulares na ordem internacional. Os particulares estão cada vez mais conscientes e instruídos de seus direitos e da possibilidade de demandar em organismos internacionais o reconhecimento destes por parte dos Estados.31 Além da ampliação do acesso ao conhecimento, verifica-se que o discurso de universalidade dos Direitos Humanos como algo inerente ao ser humano – e, independente de reconhecimento do Estado – também contribui para alteração desse paradigma.32 Cabe salientar que o acesso do particular a essas cortes ainda não constitui a regra do Direito Internacional. Trata-se na verdade de tímidas experiências vivenciadas em planos regionais de alcance ainda muito limitados. A grande maioria da população mundial ainda é composta por indivíduos sem acesso aos foros internacionais.33 Por fim, tem-se o argumento que salienta que o direito é um produto humano destinado ao próprio homem. Questiona-se até que ponto a teoria clássica fugiria a este enunciado. Ao limitar a personalidade jurídica no plano internacional ao Estados e às Organizações Internacionais, a teoria clássica não transforma o Direito Internacional em um Direito decorrente de Estados voltados apenas para os Estados. Além disso ressalta-se que muitos são os interesses dos particulares que são negociados na ordem internacional obedecendo estes critérios de personalidades. 5. Conclusão Os discursos em defesa da personalidade jurídica do particular no plano internacional ainda carecem de uma fundamentação sólida capaz de superar a teoria clássica do Direito Internacional. Nota-se que a realidade decorrente da teoria clássica, embora não 9 31 [Notas realizadas no decorrer do curso] 32 MELLO, Celso D. de Albuquerque. op. cit. p. 773. 33 [Notas realizadas no decorrer do curso] reconheça a personalidade jurídica do particular, não o retira da ordem jurídica internacional, tampouco impossibilita a sua proteção – que se perfaz com intermédio do Estado em alguma fase. No contexto da teoria clássica, a soberania é o elemento-chave de definição da personalidade jurídica. Deste modo, reconhece-se a personalidade jurídica no plano internacional dos Estados – possuidores de soberania – das Organizações Internacionais propriamente ditas, e da Santa Sé – aquem os Estados atribuíram personalidade jurídica. O indivíduo neste contexto não pode ter sua capacidade jurídica reconhecida, não obstante lhe seja assegurado direitos e imputado responsabilidades. A teoria clássica não pode ser considerada como uma “verdade eterna”, mas ainda parece a mais adequada à atualidade, segundo é possível inferir do cenário internacional.34 Entre os vários argumentos elencados no discurso de superação da teoria clássica, o fundamentado no ativismo jurídico do particular no plano internacional é o que se apresenta de forma mais promissora.35 A possibilidade de recorrer a foros internacionais independente do patrocínio do Estado foi intensificado nos últimos 60 anos. Contudo, ainda se apresenta de forma muito limitada, uma vez que está restrita a alguns poucos sistemas de proteção regional. A tendência é de que esta possibilidade se amplie cada vez mais com as facilidade de acesso ao conhecimento. Ante todo exposto, conclui-se que teoria clássica é a que corresponde – com mais precisão – à realidade da cena internacional contemporânea. A negação da personalidade jurídica do particular não impossibilita sua proteção no plano internacional, e sua participação neste contexto de forma independente – sem o patrocínio do Estado – ainda é muito pequena para motivar a superação desta teoria. É razoável esperar que a participação independente do particular no plano internacional se desenvolva com o passar do tempo, compondo juntamente com outros elementos um novo cenário em que a teoria clássica se torne obsoleta. 10 34 REZEK, Francisco. op. cit. p. 151. 35 [Notas realizadas no decorrer do curso] 6. Referências ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. JO, Hee Moon. Introdução ao direito internacional. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro Renovar, 2001. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 11
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