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12/10/2016 1 LESÃO MEDULAR “Homem com fratura-luxação da vértebra cervical que apresentava paralisia dos quatro membros, perda total da sensibilidade, perda do controle vesical, priapismo, ejaculação seminal involuntária, distensão abdominal e congestão conjuntival. Diagnóstico: Fratura-luxação de vértebra do pescoço. Doença não- tratável”. Este foi o primeiro relato de diagnóstico de lesão medular (de autor desconhecido; no Egito), que pode ser encontrado no Papiro Cirúrgico de Edwin Smith (Revista Paraplegia, vol.26, nº 2, 1988). As estatísticas mundiais revelam que, por ano, a cada um milhão de pessoas, 30 a 40 sofrem lesão medular. Aplicando tais dados à população brasileira, pode-se supor que de 5 a 6 mil pessoas por ano apresentam esse grave comprometimento neurológico, sendo que a população mais afetada é jovem e do sexo masculino. Traumáticas: • ferimentos por arma de fogo, acidentes de trânsito, quedas, mergulho e outros tipos de trauma, são as mais freqüentes. Não traumáticas: • destacam-se por seu predomínio as tumorais, as infecciosas, as vasculares e as degenerativas. • Lesão determina marcantes modificações somáticas (motoras, sensitivas e autonômicas) e psíquicas, que podem instalar-se abrupta ou lentamente, de acordo com a etiologia da lesão. 12/10/2016 2 • Medula cervical, ocasiona a tetraplegia: Membros superiores (MMSS), tronco e membros inferiores (MMII). • Medula torácica, lombar ou sacral, provoca a paraplegia: Comprometendo a função do tronco e/ou dos MMII. O nível exato da lesão é determinado pelo segmento mais caudal da medula com funções motora e sensitiva normais em ambos os lados do corpo. NÍVEL DA LESÃO: Quadro I – Classificação Neurológica da Lesão Medular Raiz Músculo-chave Raiz Músculo-chave C5 Flexores do cotovelo Bíceps Braquial e Braquial Anterior L2 Flexores do quadril Ileopsoas C6 Extensores do punho Extensor Radial Longo e Curto do Carpo L3 Extensores do joelho Quadríceps C7 Extensor do cotovelo Tríceps Braquial L4 Dorsiflexores do tornozelo Tibial anterior C8 Flexores profundos dedos Flexor profundo do 3º dedo L5 Extensores longos dedos Extensor longo do hálux T1 Adutores dos dedos Adutor do 5º dedo S1 Flexores plantares do tornozelo Sóleo e Gastrocnêmio A American Spinal Injury Association (ASIA) padronizou a classificação neurológica da lesão medular utilizando o músculo-chave para determinar o nível motor Mapa sensitivo: Dermátomos (ponto-chave) GRAU DA LESÃO: Lesão medular incompleta: • Exame físico constata a • Presença de função sensitiva e/ou motora abaixo do nível de lesão, incluindo os dermátomos e/ou miótomos inervados pelos segmentos medulares sacrais. 12/10/2016 3 Lesões completas: • alguns dermátomos e miótomos caudais à lesão podem permanecer parcialmente inervados, dando lugar à zona chamada de preservação parcial. Escala de Deficiência da ASIA A = Completa Ausência de função sensitivo-motora nos segmentos sacrais. B = Incompleta Há função sensitiva abaixo do nível da lesão, incluindo os dermátomos sacrais, porém não há função motora. C = Incompleta D = Incompleta Há função motora abaixo do nível da lesão, incluindo os dermátomos sacrais, e a maioria dos músculos-chave localizados abaixo da lesão tem grau de força superior a três. E = Normal As funções sensitivas e motoras são normais. Há função motora abaixo do nível da lesão, incluindo os dermátomos sacrais, e a maioria dos músculos-chave localizados abaixo da lesão tem grau de força inferior a três SÍNDROMES MEDULARES: Após a fase de choque medular, as manifestações clínicas dependem do nível e do grau da lesão, distinguindo-se em síndromes medulares com características bem definidas • Síndrome centromedular: Lesão incompleta localizada na medula cervical; MMSS com maior deficiência motora que os MMII; sensibilidade presente nos segmentos sacrais. • Síndrome de Brown-Séquard: Lesão incompleta da medula (hemissecção medular); perda motora e proprioceptiva homolateral à lesão; perda de sensibilidade térmica e dolorosa contralateral à lesão. • Síndrome medular anterior: Lesão medular incompleta; perda motora e de sensibilidade térmica e dolorosa; propriocepção preservada. • Síndrome medular transversa: Lesão medular completa localizada acima do cone medular; perda motora completa (paralisia espástica); perda sensitiva completa (anestesia superficial e profunda). Síndrome medular anterior Síndrome centro medular Síndrome de Brown-Séquard Síndrome medular anterior Síndrome medular transversa 12/10/2016 4 Sensação de vibração e propiocepção Síndrome da cauda eqüina: Lesão de raízes nervosas lombossacras dentro do canal, abaixo do cone medular; • perda motora nos músculos inervados pelas raízes lesadas (paralisia flácida); • perda sensitiva nos dermátomos inervados pelas raízes lesadas. Síndrome do cone medular: Lesão da medula sacra e das raízes lombares dentro do canal espinal; • perda motora (paralisia flácida); • perda sensitiva nos dermátomos lombossacros correspondentes. ASPECTOS PSICOLÓGICOS: • Transformações bruscas. • Uma nova imagem precisa ser construída a partir da reação do corpo e das reações dos outros ao “novo corpo”. • Para estabelecer sua nova imagem, o portador de lesão medular precisa conhecer sua realidade atual, isto é, suas limitações e suas possibilidades. ASPECTOS PSICOLÓGICOS: Cada caso merece um: • Estudo individualizado e especial; • Traços isolados não caracterizam uma pessoa, • Em geral pode-se dizer que a grande perda causada pela lesão medular provoca mudanças comportamentais que podem ser esquematizadas em quatro fases bem definidas. • Devem ser reconhecidas pelos integrantes da equipe de reabilitação e pelos familiares. ASPECTOS PSICOLÓGICOS: Quadro 3. Fases de mudança comportamental decorrente da lesão medular. Fases Comportamento do paciente Papel da equipe Fase de Choque Desorientado, confuso,assustado, desconhecendo sua real situação. Participação ativa; realizando todos cuidados e orientando a família, Fase de Negação Começa a perceber a realidade, porém a distorce; seu pensamento está direcionado à recuperação total. Compreender e respeitar, fornecendo ao paciente e seus familiares informações claras e realistas, visando uma conscientização gradativa. Fase de Reconhecimento Começa a tomar consciência de sua real situação, gerando ansiedade. Em alguns casos, pode entrar em depressão e manifestar idéias suicidas. Estimular a participação ativa do paciente, por meio de metas reais e capazes de serem obtidas em curto prazo. Valorizar suas capacidades e desenvolver ao máximo todo o seu potencial. Fase de Adaptação Boa colaboração e capacidade máxima para atingir os objetivos propostos. Reestruturação de sua auto-imagem e recuperação de sua auto-eficiência, dentro dos limites impostos pela lesão medular. Trabalhar dirigindo todos os estímulos para a autonomia do paciente, em todas as áreas. 12/10/2016 5 Nem todos os pacientes “passam” por essas fases seqüencialmente, assim como alguns podem “estacionar” em uma delas não atingindo, por exemplo, a fase de adaptação. Essa situação está muito mais vinculada às características de personalidade do paciente e sua estrutura familiar e, independe da “qualidade” do tratamento de reabilitação física e da condição sócio-cultural do paciente. COMPLICAÇÕES QUE PODEM PREJUDICAR A REABILITAÇÃO Alterações Respiratórias: São observadas, desde a fase aguda, em pacientes com lesão cervical ou torácica alta. • Lesões acima da C4 e paralisia diafragmática (lesão do nervo frênico). Capazes de provocar atelectasia, infecção pulmonar e morte súbita durante o sono. Conduta: Ventilação assistida.•Lesões abaixo da C4 e preservam a função diafragmática, porém provocam paralisia da musculatura intercostal, levando à diminuição da capacidade vital e infecção. Conduta: Fisioterapia respiratória COMPLICAÇÕES QUE PODEM PREJUDICAR A REABILITAÇÃO Alterações Respiratórias: Como medidas gerais, devem ser tomados os seguintes cuidados: evitar ambientes poluídos; evitar a permanência no leito por períodos prolongados; fazer mudanças de decúbito a cada duas horas, quando estiver no leito; manter correta hidratação; realizar exercícios respiratórios. Trombose Venosa Profunda (TVP): • Hidratação adequada; • Posicionamento dos membros inferiores em ligeira elevação (Trendelenburg); • Movimentação passiva de membros inferiores e • Exercícios respiratórios; • Uso de meias elásticas (evitar áreas de estrangulamento); compressão pneumática intermitente de membros inferiores. Êmbulo Fluxo sanguìneo normal Trombose venosa profunda Regulação Térmica: O controle da temperatura corpórea depende de complexos mecanismos neurológicos, endócrinos e vasculares. Ossificação Heterotópica (OH): A terminologia associada com ossificação de tecidos moles 12/10/2016 6 Hipotensão Ortostática: Essa manifestação clínica, freqüentemente observada nos primeiros meses da lesão medular, deve-se à queda brusca da pressão arterial, provocada pela mudança postural, e à pobre resposta vasomotora compensatória, secundária às alterações autonômicas. Disreflexia Autonômica: Instalação abrupta, apresentam-se em pacientes com lesão cervical ou torácica alta (acima do segmento medular T6) e manifestam-se por rubor cutâneo acima do nível da lesão, cefaléia intensa e latejante, sudorese, mal-estar e aumento brusco da pressão arterial. Esse quadro, resultante da atividade exagerada do sistema nervoso simpático, pode ser desencadeado por vários fatores, entre os quais se destacam distensão de vísceras ocas (bexiga, intestino, útero), estiramentos musculotendinosos e estímulos dolorosos que atingem áreas corporais com perda de sensibilidade (debridamento de úlceras de pressão, ressecção de unhas encravadas e outros estímulos cruentos sem anestesia). Medidas preventivas: manter sempre um bom e periódico esvaziamento vesical e intestinal; evitar estiramentos musculares bruscos e exagerados; evitar o apoio das áreas corporais anestesiadas em superfícies mal acolchoadas; usar sempre colchão de água ou de ar e almofada de assento adequada na cadeira de rodas; não utilizar roupas, calçados ou órteses apertados; contra indicar procedimentos cruentos sem anestesia prévia. Dor: A dor crônica pós-lesão medular é caracterizada como sendo diária, constante, predominantemente em queimor ou choques. É exacerbada por atividades físicas, estresse, mudança climática, apresentando uma intensidade de moderada a muito incomodativa e incapacitante. Esse quadro de dor é acompanhado por um constante desconforto induzido por estimulações somatossensoriais como hiperestesia, hiperpatia, alodínea. A dor ocorre usualmente na área correspondente ao do trato espinotalâmico lesado e é acompanhada ou não de perda completa ou incompleta da sensibilidade. Tratamento: Em 1º lugar, devem ser identificados e removidos fatores como foco de fratura instável, siringomielia pós-traumática, infecções, litíase, úlceras de pressão, espasticidade intensa, entre outros. 12/10/2016 7 Disfunção Intestinal: O intestino neurogênico decorrente da lesão medular provoca alterações que se manifestam desde a fase aguda pelo íleo adinâmico, caracterizado por distensão abdominal e obstipação. O objetivo do treinamento intestinal é recuperar o ritmo de evacuação a cada 24 ou 48 horas, em horários pré-determinados, evitando a formação de fecalomas e permitindo a retomada do convívio social Espasticidade e Automatismos Medulares: Conforme a definição de J. W. Lance, a “espasticidade é uma alteração motora caracterizada por hiper-atividade do reflexo miotático, diretamente proporcional à velocidade do estiramento do músculo”. Esse conceito é de fundamental importância, pois alerta sobre a necessidade de evitar movimentos rápidos e bruscos durante o exercício, com a finalidade de não desencadear a descarga dos fusos neuromusculares e o conseqüente incremento do reflexo miotático Úlceras de Pressão lesões decorrentes de isquemia tecidual local provocada pela alteração do reflexo de dor. Vários são os termos utilizados para as úlceras de pressão, como úlceras de decúbito, úlceras isquêmicas, escaras, todos inadequados. O termo úlcera de decúbito deriva do latim decumbere, que significa deitar-se e o termo escara define o tecido desvitalizado que recobre a úlcera. Quadro 1 - Estágios do desenvolvimento das úlceras de pressão Estágio I Hiperemia: observada em 30 minutos ou menos, manifestada por vermelhidão dapele, que desaparece uma hora após a pressão ser aliviada. Estágio II Isquemia: desenvolve-se com pressão contínua por duas a seis horas. Em contraste com a hiperemia, a vermelhidão devido à isquemia necessita de pelo menos 36h para desaparecer depois da pressão ser aliviada. Estágio III Necrose: pressão não aliviada por seis horas pode produzir necrose. Esta é detectada clinicamente por azulamento de pele ou um “hard lump” similar a um “boil”. A necrose não desaparece em tempo preciso após o alívio da pressão. Estágio IV Ulceração: em duas semanas, a área necrótica pode se tornar ulcerada e infectada. Se a úlcera de pressão progredir para este estágio, proeminências ósseas podem ser afetadas e destruídas. 12/10/2016 8 Disfunção Vesical: Cabe ressaltar que a insuficiência renal, causada pelo refluxo vésico-ureteral é uma das mais importantes causas de óbito do paciente portador de lesão medular. Todos os profissionais da equipe têm, portanto, a responsabilidade de esclarecer o paciente e sua família quanto ao seguimento dos cuidados orientados pelo médico urologista. Fontes Bibliográficas: • Casalis, M.E.P., Lesão Medular. In: Teixeira, E. e colaboradores. Terapia Ocupacional na Reabilitação Física. Editora Roca. São Paulo, 2003. • Greve, J.M.D’A; Casalis, M.E.P; Barros Filho, T.E.P. – Diagnóstico e Tratamento da Lesão da Medula espinal. Editora Roca, São Paulo, 2001. • American Spinal Injury Association – Padrões Internacionais para Classificação Neurológica e Funcional de Lesões na Medula Espinal. Chicago. ASIA, 1996. • Apostila elaborada por Françoise Nicole Sauron (AACD)
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