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Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Medicina 8° Período CLÍNICA MÉDICO CIRÚRGICA VIII HEMATOLOGIA JOÃO PAULO ALVIM MAULER MED 106 2 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ÍNDICE HEMATOPOESE ............................................................................................................................. 3 ANEMIAS MICROCÍTICAS E NORMOCÍTICAS ................................................................................ 8 ANEMIAS MACROCÍTICAS .......................................................................................................... 14 ANEMIAS HEMOLÍTICAS ............................................................................................................. 20 COAGULAÇÃO E SÍNDROMES HEMORRÁGICAS ........................................................................ 28 LEUCEMIAS .................................................................................................................................. 33 MIELOMA MÚLTIPLO .................................................................................................................. 37 LINFOMAS ................................................................................................................................... 40 INDICAÇÃO DE TRANSFUSÃO DE SANGUE E HEMOCOMPONENTES ........................................ 42 REAÇÕES TRANSFUSIONAIS ....................................................................................................... 47 3 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 HEMATOPOESE A hematopoese, a produção do sangue, é um processo pelo qual o organismo, através da medula óssea e dos órgãos linfóides, vai produzir e repor as células do sangue, porque essas células têm uma vida relativamente curta (hemácias 120 dias, plaquetas 5 a 7 dias, leucócitos 6 a 8 horas). É um processo dinâmico e permanente. Se esse processo é em algum momento interrompido, ele gera uma doença hematológica chamada anemia aplástica. O indivíduo tem uma pancitopenia. No feto com até 30 dias de vida começa, no saco vitelino, a produção das hemácias. Com 2 meses já se produzem todas as linhagens. Essa hematopoese acontece principalmente ao redor da aorta, gônadas, mesonefro. É a fase mesoblástica. Com o desenvolvimento do feto, vai haver uma fase hepatoesplênica, em que a hematopoese migra para a placenta, fígado e baço. Esses órgãos assumem a hematopoese até o quinto mês de gestação. Pode-se tirar de prático desse conhecimento que nas doenças hematológicas em que a medula óssea não está dando conta da hematopoese, os órgãos que fazem parte dessa fase hepatoesplênica assumem de forma não tão adequada o processo. Isso se traduz no fato de em muitas doenças hematológicas o indivíduo ter hepatoesplenomegalia. A fase medular inicia no quinto ou sexto mês de gestação, e após o nascimento a hematopoese acontece em todos os ossos. A partir do terceiro ano de vida, ela ocorre principalmente em ossos chatos e epífises (fêmur, tíbia, úmero). Na fase adulta o local em que acontece a maior produção de células é na crista ilíaca, mas acontece também no esterno e pequenas quantidades nas costelas, calota craniana e vértebras. Anemias hemolíticas hereditárias (anemia falciforme e, principalmente, talassemia), a calota craniana e vértebras tentam de toda maneira produzir hemácias, e isso gera um aspecto característico da talassemia, que é a presença de protuberâncias na calota craniana, às vezes massas extra-medulares em vértebras. Existem 3 tipos de medula óssea. A medula óssea cinza não tem função hematopoética, e sua função ainda é discutida. A medula óssea amarela é formada por tecido adiposo e também não tem função hematopoética. Ela dá sustentação à medula óssea vermelha. A medula óssea vermelha é que tem função hematopoética. Ela tem uma parte estrutural chamada estroma e uma parte funcional chamada parênquima. O estroma é constituído de uma matriz extracelular, células reticulares e também macrófagos. O estroma e o parênquima vão se organizar em dois compartimentos, porque as células que são produzidas no interior da medula óssea precisam cair na corrente sanguínea. A matriz medular vai originar todas as linhagens celulares. O endotélio medular reveste a medula óssea, isolando-a do tecido ósseo. Existem vários mecanismos e células responsáveis pela regulação da hematopoese. O microambiente da medula óssea, constituído também de células adiposas, endolteliais, mesenquimais, células do tecido óssea, estimula ou inibe, de forma combinada, a produção ou inibição das células da medula óssea. As células-mãe da medula óssea são chamadas de células progenitoras hematopoéticas, ou stem cells. Ela tem uma capacidade de auto-renovação e de originar células progenitoras multipotentes. À medida em que essa célula vai recebendo informações, ela vai se diferenciando para dar origem a leucócitos, hemácias e plaquetas. Ele se diferencia e diminui sua multiplicação. Uma célula indiferenciada multiplica muito, e uma céula mais diferenciada se multiplica menos. 4 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Essa célula dá origem a dois braços: as células progenitoras mielóides e as células progenitoras linfóides. A célula progenitora mielóide vai dar origem às unidades formadoras de colônia eritróide, que vai terminar na síntese de hemácias. As unidades de formadoras de colônia dos granulócitos e monócitos se diferenciam nos granulócitos (neutrófilos, eosinófilos, basófilos) e também nos monócitos. Essa célula progenitora mielóide também dará origem às células progenitoras megacariocíticas, que vão gerar no sangue periférico as plaquetas. As células progenitoras linfóides vão dar origem aos linfócitos B, linfócitos T e células natural killer. Existe uma célula ainda mais indiferenciada que as stem cells pluripotentes, que é a célula indiferenciada totipotente. Essa célula, além de dar origem às células que se tornarão as células do sangue, também é responsável pela síntese de células endoteliais, células ósseas, adipócitos e fibroblastos. Existem fatores que estimulam a síntese dessas células, como as interleucinas, e fatores que vão inibir a produção ou diferenciação dessas células, principalmente o interferon e prostaglandinas. 5 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A medula óssea é um ambiente adequado para a sobrevida, autorrenovação e diferenciação das células progenitoras hematopoéticas. Existem moléculas de adesão e fatores de crescimento que vão propiciar esse ambiente adequado. A interleucina 3 vai estimular a síntese de hemácias, plaquetas, neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos. A interleucina 5 coordena a síntese de linfócitos B e T. Outro estímulo são os fatores de crescimento celular (GCSF), que hoje são muito usados em doenças hematológicas quando o paciente tem uma leucopenia muito intensa, ou pós-quimioterapia. Outro fator estimulador é a eritropoetina. Ela se origina das células justaglomerulares renais e macrófagos no fígado, que vai estimular a diferenciação dos eritroblastos e produção de hemoglobina. Uma célula jovem indiferenciada é uma célula grande, com um núcleo grande: a relação núcleo-citoplasma é grande. Algumas células têm nucléolos, que é uma condensação da cromatina do DNA, e um citoplasma azul (azurófilo). À medida em que elas amadurecem, se diferenciam, o núcleo diminui, elas perdem nucléolos, algumas adquirem no citoplasma grânulos com enzimas. Existe uma unidade formadora de crescimento rápido de eritrócitos. Ela sofre um amadurecimente e se torna uma colônia formadora de hemácias. A primeira célulaé um proeritroblasto. À medida em que vai evoluindo, ela se transforma em eritroblasto basófilo, policromático, ortocromático, até chegar no reticulócito e na hemácia. No eritroblasto ortocromático há a perda do núcleo. O processo total de diferenciação de proeritroblasto a hemácia demora cerca de 7 dias. O reticulócito e a hemácia podem ser encontrados no sangue periférico. Se no hemograma de um paciente com anemia intensa aparecer uma das outras células, ou uma quantidade grande de reticulócitos, significa que tem alguma doença hematológica. Pode ser alguma doença que esteja destruindo as hemácias no sangue periférico, e a medula óssea começar a liberar para o sangue periférico células jovens. Pacientes com hemólise têm reticulocitose. Apesar de ter uma anemia, ele tem reticulócito alto, e pode até ocorrer de achar outras células mais jovens no sangue periférico. Dentro da hemácia há hemoglobina, que é uma proteína. Em indivíduos adultos e normais há 3 tipos de hemoglobina: A, A2 e fetal. Nos adultos normais existe grande quantidade de hemoglobina A, que é formada por duas cadeias α e duas cadeias β. A hemoglobina A2 tem duas cadeias α e duas δ. A hemoglobina fetal tem duas cadeias α e duas γ. Duas coisas estimulam a produção de hemácias: a hipóxia causada por hemorragia e a hemólise, que é a destruição das hemácias. A hemácia pode ter alteração de tamanho, da forma e da cor. Pode haver uma anisocitose, poiquilocitose (forma) e anisocromia (cor). Um indivíduo com uma anemia com hemácias normocrômicas e normocíticas, as principais patologias que levam a esse tipo de hemácia são as doenças crônicas (artrite reumatóide, lúpus, colagenoses). Hemácias hipocrômicas e microcíticas aparecem em duas doenças: anemia ferropriva (anemia mais frequente na 6 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 população mundial, principalmente em mulheres em idade fértil) e talassemia (anemia hemolítica hereditária em que não se produz aquelas cadeias de hemoglobina). A diferença entre elas é que uma cursa com o ferro muito baixo e a outra com o ferro muito elevado. Hemácias hipocrômicas e macrocíticas caracterizam a anemia megaloblástica. Os dois fatores que levam à anemia megaloblástica são a deficiência de vitamina B12 (uma das doenças que mais levam à deficiência de B12 é uma atrofia da mucosa gástrica, impedindo a absorção da vitamina, além de alcoolismo, falta de consumo de carne) e deficiência de ácido fólico. Eles estão envolvidos na síntese do DNA e acabam levando à macrocitose. Trepanócitos são as hemácias em foice, que fazem o diagnóstico de uma anemia hemolítica hereditária, que é a anemia falciforme. Microesferócitos são hemácias pequenas, sem o halo claro. É característica de uma doença hereditária chamada de esferocitose hereditária. Hemácias em alvo podem aparecer na talassemia. Hemácias crenadas são cheias de reentrâncias, e podem ser encontradas em indivíduos com insuficiência renal crônica, além da deficiência da G6PD. Na hemácia o tempo todo está acontecendo um processo de oxidação. Para que haja a produção de um antioxidante, que é a glutationa, precisa dessa enzima. Se não tem essa enzima, a hemácia sofre um processo oxidativo que faz com que ela tenha menor sobrevida e tenha esse aspecto. Acantócitos são hemácias em forma de triângulos, presentes em queimados graves, ou esplenectomizados. Esquizócitos caracterizam duas doenças: a síndrome hemolítica urêmica e as anemias hemolíticas microangiopáticas. Existem alterações que não têm tradução clínica, chamadas de estomatócitos. Policromasia são hemácias mais escuras, que acontece nas anemias hemolíticas. E o fenômeno de Rouleaux, que são hemácias todas empilhadas. Nesse caso o problema está no plasma, em que o aumento da produção de imunoglobulinas deixa o plasma mais viscoso. Existem células que são chamadas de granulócitos (neutrófilos - grânulos não têm uma coloração específica, eosinófilos - grânulos se coram de vermelho, basófilos - grânulos se coram de azul), e existem os agranulócitos (monócitos e linfócitos). Na medula óssea existe uma sequência de células, que começa com uma célula muito jovem, que vai amadurecendo, e no sangue periférico vai se encontrar uma pequena quantidade de bastonetes e as células maduras. O mieloblasto dá origem ao promielócito, mielócito, metamielócito, bastonete, segmentado e célula madura. Uma neutrofilia aparece em infecções bacterianas agudas, grandes queimados, politrauma. Eosinofilia em parasitoses. Basofilia em pacientes com quadros alérgicos, e na leucemia mielóide crônica. Monocitose pode acontecer na tuberculose. A reação leucemóide acontece em paciente de UTI, paciente grave. O paciente tem um quadro infeccioso grave, uma sepse, uma grande queimadura. Quem ataca primeiro são os neutrófilos. Quando eles acabam, a medula começa a mandar para o sangue periférico células jovens, na sequência: bastão, metamielócito, mielócito. Isso se chama reação leucemóide, porque simula como se fosse uma leucemia. 7 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Os linfócitos também surgem de células jovens. Se forem encontrados linfoblastos no sangue periférico, provavelmente é uma leucemia linfóide aguda, mais frequente em crianças. Os linfócitos podem ser típicos ou atípicos. A criança pode ter linfócitos atípicos em maior quantidade e isso não quer dizer nada. No adulto é sinal de que tem algo acontecendo. O plasmócito é quem produz as imunoglobulinas. Se essa célula é produzida de forma descontrolada, era uma doença chamada mieloma múltiplo. As plaquetas também têm toda uma sequência de maturação. As plaquetas são fragmentos de células no sangue periférico. 8 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ANEMIAS MICROCÍTICAS E NORMOCÍTICAS As anemias podem ser divididas, de acordo com o valor do VCM, em anemias macrocíticas, microcíticas ou normocíticas. ANEMIA FERROPRIVA Acontece quando não se tem estoques de ferro suficientes para fazer a hematopoese. É a deficiência nutricional mais prevalente no mundo. O ferro é absorvido numa quantidade mais ou menos fixa de 1 mg por dia. O organismo não consegue aumentar demais a absorção de ferro. Quando ele é absorvido no intestino, ele fica em circulação, apenas 1% dele, ligado à transferrina. A maior parte do ferro (65%) está circulando ligado à hemoglobina nos eritrócitos. Existe um acúmulo de ferro nos macrófagos do sistema retículo-endotelial (12%), e em outros tecidos (5%). O restante está na medula óssea para produção de novos eritrócitos. Existem dois tipos de ferro elementar: o ferro não heme e o ferro heme. O ferro heme é aquele que é derivado da hemoglobina e da mioglobina, e vem das carnes. Esse ferro tem maior biodisponibilidade (se consumir a mesma quantidade de ferro heme e não heme, vai ser absorvido melhor o ferro heme). As fontes de ferro não heme são os vegetais de folhas escuras, a beterraba, o feijão, os produtos de origem vegetal. O ferro não heme, além de ser menos biodisponível, ainda tem sua absorção prejudicada pelo consumo de chás e cereais. O que melhora a absorção do ferro é a vitamina C. O que piora a absorção de ferro é o leite de vaca (o materno não, ele tem uma alta biodisponibilidade do ferro nele contido) e os fitatos (presentes em diversos grãos). Uma vez que o ferro é consumido e chega no enterócito, se ele chega na forma de ferro heme, ele é internalizado por uma proteína, e se for o ferro não heme, ele pode estar na forma +3 ou +2. Somente o ferro +2 é internalizado pela proteína DMT-1 (transportadora de metal divalente). Se ele chega na forma +3 precisa primeiro ser convertido para depois ser internalizado, e ele é convertido pela enzima ferro redutase.Uma vez que o ferro entrou, seja na forma de Fe+2 ou na forma de ferro heme (o ferro heme entra no enterócito através da proteína transportadora do heme), ele precisa sair do enterócito para se distribuir pelo resto do organismo. Para ele sair ele sai través da proteína ferroportina. Depois ele se liga à transferrina para ser transportado, mas antes disso ele novamente é convertido em Fe+3 pela enzima hefaestina (ele só precisa ser Fe+2 para passar por dentro do enterócito). A transferrina é a proteína que vai transporta o ferro por todo o organismo, levar ele até a medula para entrar na produção dos eritrócitos. Quando tem ferro a mais do que precisa, ele será armazenado nos tecidos na forma de ferritina. Se começa a ter excesso de ferro no organismo, ele começa a se acumular, e ele acumula primeiro no fígado, mas se esse excesso continuar, outros órgãos vão acumular ferro: todas as glândulas podem acumular ferro, assim como o coração. E o que acontece quando o tecido começa a acumular ferro? No fígado pode começar a ter sinais de insuficiência hepática, no coração insuficiência cardíaca, no pâncreas insuficiência pancreática, e assim por diante. De forma geral, quando o ferro começa a acumular em um órgão, aquele órgão começa a funcionar pior. Existe outra proteína, que é a hepcidina. Ela é capaz de se ligar, lá no enterócito, na ferroportina, e internaliza essa proteína, fazendo com ela seja degradada. Ou seja, se tiver 9 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 hepcidina, o ferro que chega ao enterócito não vai conseguir ser absorvido para a circulação. A hepcidina faz a mesma coisa nos macrófagos. Os macrófagos teciduais também guardam ferro, e são capazes de liberar o ferro caso seja necessário. Mas se a hepcidina estiver presente, ela liga na proteína transportadora, a internaliza e degrada, e o ferro fica acumulado dentro do macrófago, não conseguindo cair na circulação. A hepcidina aumenta quando há excesso de ferro, quando há processos infecciosos e inflamatórios (intermediada pela IL-6) e em situações de anemia ou hipóxia há inibição da hepcidina. A anemia ferropriva acontece quando há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de ferro. Toda vez que tiver um prejuízo da oferta, como a pessoa não se alimenta com alimentos ricos em ferro, ou como a criança que está começando a ser introduzida aos alimentos, ou o idoso com doença crônica que não se alimenta direito, ou ainda o bebê prematuro. Isso porque o estoque de ferro no bebê é formado no terceiro trimestre, e se o bebê nasceu prematuro, ele não teve tempo de formar esse estoque de ferro. Ou então a demanda ou perda está alta, como no caso de um sangramento crônico, ou quando se tem parasitas intestinais se alimentando de sangue (Ancylostoma, por exemplo). Ou ainda quando tem um aumento da demanda (como na grávida, ou na criança com estirão de crescimento). Por isso não basta tratar a anemia ferropriva, mas deve-se corrigir aquilo que a está causando. Os fatores de risco da anemia ferropriva são a suspensão precoce do aleitamento materno exclusivo (o leite materno tem ferro de maior biodisponibilidade), não comer alimentos ricos em ferro, consumo frequente de chá (o chá inibe a absorção), prematuridade, baixo peso ao nascer, crescimento intrauterino restrito (significa insuficiência placentária na maioria das vezes, a placenta não passou nutrientes para o bebê), gemelar, sangramento perinatal, baixo nível socioeconômico, baixa escolaridade materna (esses dois estão relacionados a alimentação inadequada, suspensão precoce do aleitamento materno, maior risco de infestação parasitária), falta de saneamento básico (risco de verminose). Em adolescentes pode acontecer por ingesta inadequada (em um momento que precisa de muito ferro para o crescimento). A gestante tem maior risco. E sempre pensar em sangramento pelo TGI. 10 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Toda anemia carencial (como é o caso da anemia ferropriva) vai ter palidez, língua despapilada, pode ter alteração nas unhas (distrofismo ungueal), inapetência, dificuldade de ganho de peso nas crianças. Qualquer anemia grave ou de instalação aguda a pessoa pode ter fadiga, dispneia, taquicardia, sopro (comum em criança), e se for muito grave pode evoluir para congestão pulmonar. Mas a anemia ferropriva frequentemente é de instalação lenta, e esses sintomas só vão aparecer quando a anemia for realmente muito grave. E os sintomas da carência crônica de ferro (às vezes não se tem um estoque de ferro bom, mas ainda não tem anemia; isso acontece muitas vezes em crianças) são alterações cognitivas (dificuldade escolar, por exemplo). O laboratório da anemia ferropriva é de uma anemia microcítica (VCM baixo) e hipocrômica (CHCM baixo). As hemácias são pequenas e pálidas (a hemácia hipocrômica tem a área de palidez central maior do que 1/3 do diâmetro total da hemácia). O hemograma vai mostrar também anisocitose (RDW alto), representando uma grande variação no tamanho das hemácias. O ferro sérico vai estar baixo. A capacidade total de ligação do ferro (quantidade de receptores para ligação do ferro no plasma) estará elevada (o ferro circula ligado à transferrina, e como o ferro está baixo, muitos receptores de ferro estarão livres). A saturação da transferrina (dos receptores disponíveis, quantos estão saturados) é baixa. A ferritina (estoque tecidual do ferro) é baixa. Vai haver ainda trombocitose (aumento da contagem de plaquetas), não em todos os casos, mas é frequente. Não é muito explicado porque acontece. É uma das principais causas de trombocitose em pediatria (a segunda causa é infecção, porque a plaqueta funciona como se fosse de fase aguda, e aumenta nas infecções). A prevenção da anemia ferropriva começa com a orientação de uma alimentação adequada para o paciente. Se tiver alguma causa (sangramento menstrual vultuoso), corrigir. Mas existem duas situações em que é preciso fazer um profilaxia medicamentosa da anemia ferropriva: a criança e a gestante. Todo recém-nascido a termo com peso normal que chegou aos 6 meses de vida com aleitamento materno exclusivo, deve receber a partir do 6o mês, até o 24o mês, uma profilaxia de 1 mg/kg/dia. A úncia exceção é se a criança mamar pelo menos 500 mL por dia de fórmula, não precisa fazer a profilaxia para os menores de 2 anos a termo, porque a fórmula já é enriquecida com ferro, inclusive para suprir a menor biodisponibilidade do ferro da fórmula. Se a criança foi pré-termo ela começa a fazer a profilaxia a partir do primeiro mês de vida. A dose varia de acordo com o peso da criança. Se a criança tem acima de 1,5 kg, ela vai receber 2 mg/kg/dia. Se ela tem entre 1,0 e 1,5 kg, 3 mg/kg/dia. Se é menor que 1,0 kg, 4 mg/kg/dia. Essa dose é mantida até o primeiro ano de vida, e no segundo ano de vida usa a mesma dose das outras crianças (1 mg/kg/dia). Essas crianças, mesmo que mamem fórmula, tem que fazer a profilaxia. A gestante deve receber entre 40 e 60 mg de ferro elementar (varia entre os consensos), até 3 meses após o parto. Quando se tem uma anemia e vai tratá-la, podem-se usar vários sais ferrosos, não existe diferença entre a qualidade deles. A diferença é nos efeitos colaterais. O mais usado é o sulfato ferroso (é o que tem disponível na rede pública). Para crianças a dose é de 4 a 6 mg/kg/dia de ferro elementar. Para o adulto a dose é de 120 mg/dia de ferro elementar. Os sais ferrosos em geral podem dar efeitos colaterais gastrointestinais (náusea, cólica, constipação, diarreia), em até 20% dos pacientes. Quando isso acontece pode-se fracionar a dose (parte antes do almoço e parte antes do jantar) e, quando isso não funciona, pode-se fazer uma dose um pouco menor. Ele vai demorarmais a ter a anemia tratada, mas é uma forma de tolerar melhor o medicamento. Outra alternativa é trocar por outra formulação de ferro oral. Existe o ferro parenteral, mas ele é pouco usado na prática clínica, porque o ferro 11 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 oral tem boa reposição. Deixa-se o ferro parenteral para situações em que já se tentou o ferro oral, sabendo que o paciente tomou corretamente, e ainda assim ele não melhorou, ou em pacientes em que o oral não está dando conta porque ainda não conseguiu se retirar a causa (um sangramento crônico por causa de um tumor, por exemplo). Ele tem muitos efeitos colaterais, e é um medicamento de alto custo. Geralmente em 6 semanas de tratamento vai haver a correção da anemia. Mas se mantém o tratamento por 4 a 6 meses para reposição do estoque. Mas a resposta é muito rápida. A contagem de reticulócitos começa a se elevar com 48 horas, e atingem um pico em 5 a 7 dias. A hemoglobina e o hematócrito começam a elevar em 2 semanas, e se normalizam em até 2 meses. ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA A anemia de doença crônica pode ser microcítica (principal diagnóstico diferencial da anemia ferropriva) ou normocítica. A anemia de doença crônica1 é uma anemia que acontece em pacientes portadores de uma doença infecciosa, neoplásica ou inflamatória crônica. Um outro nome dela é anemia da inflamação (algumas situações inflamatórias que não são crônicas podem causar essa anemia também). Ela é uma falha da medula em aumentar a produção para compensar uma menor vida das hemácias. As etiologias da anemia de doença crônica são muito variadas. Podem ser infecções bacterianas, fúngicas, virais, como tuberculose, bronquiectasia infectada, abscesso pulmonar, pneumonia, endocardite, osteomielite, meningite, doença inflamatória pélvica, infecção pelo HIV. Doenças não infecciosas como artrite, febre reumática, lúpus, doença de Chron, sarcoidose, além de doenças neoplásicas. Ela é a causa mais frequente de anemia em pacientes hospitalizados. É a segunda causa de anemia em geral. Acontecem 3 coisas na anemia de doença crônica. Há uma diminuição na sobrevida das hemácias, uma resposta medular inadequada e um distúrbio no metabolismo do ferro. Normalmente a hemácia vive 120 dias. Quando tem uma doença crônica, uma situação inflamatória, acontecem algumas coisas que levam à diminuição na sobrevida das hemácias, e elas passam a viver 80 a 90 dias. Há uma hiperatividade do sistema fagocitário, então a hemácia vai sofrer hemocaterese mais cedo. A febre está presente em muitas dessas doenças, e pode danificar a membrana do eritrócito. Algumas neoplasias liberam hemolisinas que destroem hemácias. E algumas toxinas bacterianas levam a uma maior hemólise. A resposta medular está inadequada. A eritropoese pode estar normal ou discretamente aumentada, mas não o suficiente para compensar aquela destruição aumentada de hemácias. Os reticulócitos vão estar inapropriadamente aumentados para o grau de anemia, eles não vão estar aumentados o suficiente para o grau de anemia. Isso porque a medula está tendo menor resposta à eritropoetina, por causa da interferência de citocinas produzidas nessa inflamação, e porque vai ter menos ferro disponível para a medula óssea. O distúrbio no metabolismo do ferro cursa com aumento na síntese de ferritina, interferência de citocinas inflamatórias e, principalmente, a participação da hepcidina. A inflamação e infecção aumentam a produção de hepcidina, que prejudica a absorção do ferro da alimentação e impede a liberação do ferro dos macrófagos. 1 Quando se fala em anemia de doença crônica, não se inclui a anemia de doença renal crônica. 12 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A anemia geralmente é de leve a moderada. Os sintomas que predominam são os da doença de base. A intensidade da anemia é um parâmetro de evolução da doença e de eficiência do tratamento. Ou seja, à medida em que se trata a doença e consegue um bom controle, a anemia melhora. No laboratório, a anemia em geral é normocítica e normocrômica, mas pode ser microcítica em até 50% dos casos. Pode ter anisocitose. O reticulócito vai estar inapropriadamente elevado. A ferritina vai estar aumentada (a ferritina é uma proteína de fase aguda, e ela aumenta em processos inflamatórios; não necessariamente a ferritina alta aqui quer dizer estoque alto de ferro). O ferro sérico está baixo. A saturação de transferrina em geral também está baixa. Anemia ferropriva Anemia de doença crônica Índices hemantimétrico Anemia microcítica e hipocrômica Anemia normocítica e normocrômica (mas pode ser micro também) Ferro sérico Baixo Baixo Ferritina Baixa Normal ou alta Saturação de transferrina Baixa Baixa Capacidade de ligação do ferro Alta Normal ou baixa Ferro na medula Baixo Normal O principal no tratamento da anemia de doença crônica é tratar a doença de base. Em alguns casos pode ser preciso lançar mão de outros tratamentos, como reposição de ferro, de eritropoetina (já que há uma resistência à eritropoetina) e transfusão de sangue (reservada ao paciente com hemoglobina mais baixa, mais debilitado; como essa anemia é de leve a moderada, raramente se chega a precisar de transfusão). ANEMIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA Também é multifatorial. O principal é a redução de eritropoetina. Se o rim não funciona bem, vai ter uma produção deficitária de eritropoetina. Além disso, o paciente renal crônico acaba perdendo sangue na diálise, que é pequena, mas acumuladamente torna-se significativa. Também vai ter um processo inflamatório, que vai provocar aqueles problemas da anemia de doença crônica. E muitas vezes são pacientes com deficiência nutricional. Essa anemia está associada a piora na qualidade de vida e uma progressão mais rápida da doença renal. Muitas vezes a anemia é uma das primeiras manifestações da doença renal crônica, porque a DRC costuma ser oligossintomática até que se torne grave. Essa anemia vai ser normocítica e normocrômica na maioria das vezes. O tratamento é com eritropoetina, mas também é preciso estar atento a manter um bom estoque de ferro. Se começa a dar eritropoetina, mas tem pouco ferro, vai fazer uma anemia ferropriva no paciente. Por isso é preciso garantir que o paciente tenha um estoque de ferro adequado, e aí pode fazer reposição de ferro oral ou venoso. Esse paciente está perdendo sangue e, portanto, ferro. O objetivo do tratamento é normalizar os níveis de hemoglobina e os estoques de ferro. 13 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 SÍNDROMES DE FALÊNCIA MEDULAR São doenças hereditárias ou adquiridas que cursam com diminuição da produção de uma ou mais linhagens celulares. As causas hereditárias em geral aparecem na criança, mas não é impossível que apareçam no adulto jovem. Isso porque o fenótipo é muito variável. A principal síndrome de falência medular é a aplasia de medula óssea, também chamada de anemia aplásica adquirida. Há uma alteração na célula-tronco devido a uma ação autoimune dos linfócitos T. Há uma reação imunológica contra a célula-tronco. Vai haver alteração de todas as séries do hemograma. Boa parte das aplasias de medula são idiopáticas. Mas existe uma série de causas que deve-se tentar investigar. Pode ser secundária a radiação, exposição a benzeno, quimioterápicos citotóxicos, pode ser uma reação a alguns medicamentos (cloranfenicol, antiinflamatórios, antiepilépticos, sais de iodo), pode ser secundário a algumas infecções virais (Epstein-Barr, hepatite, parbovírus, HIV) ou associado a outras doenças imunológicas. Pode ser associada também à gravidez. As manifestações clínicas da aplasiaestão associadas a uma pancitopenia. O paciente vai ter anemia, neutropenia, plaquetopenia. A anemia é normocítica e normocrômica. Vai ter reticulócito baixo. Faz parte da investigação laboratorial pesquisar as possíveis causas e fazer um diagnóstico diferencial das causas hereditárias. No tratamento pode ser preciso transfundir os hemocomponentes. É preciso tratar a doença em si. Em pacientes jovens com doador compatível, o ideal é fazer um transplante de medula óssea. O transplante tem possibilidade de curar o paciente. Os outros tratamentos (com imunossupressores) até podem fazer o paciente melhorar muito, ter uma boa resposta, voltar o hemograma ao normal, mas eles não curam o paciente. Se o paciente é mais velho, tem outras comorbidades, nem sempre o transplante de medula óssea é a melhor opção. Se o transplante não está indicado ou não tem doador compatível, o tratamento é imunossupressor, com corticóide, ciclosporina, e a globulina antlinfocitária hoje é o principal tratamento. 14 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ANEMIAS MACROCÍTICAS ANEMIA MEGALOBLÁSTICA É anemia causada pela deficência de vitamina B12 ou ácido fólico. Vai acontecer porque essas vitaminas não estão sendo consumidas de forma suficiente, ou há algum problema na absorção, ou interferência de medicamentos ou, em casos raros, ocasionada por erros inatos do metabolismo. O ácido fólico e a bitamina B12 causam anemia porque ambos são usados na produção do DNA das células. Se um deles está deficiente, esse processo é prejudicado, e as células que se dividem muito acabam não conseguindo fazer a divisão celular, levando a anemia. Pode ter até pancitopenia, porque todas as células da medula óssea estão em divisão intensa. Especialmente nos casos de deficiência de vitamina B12 não tem só anemia, mas pancitopenia. As principais fontes alimentares de vitamina B12 são os produtos de origem animal 2 (carnes, peixes, ovos). A absorção da vitamina B12 depende da ligação com o fator intrínseco, produzido pelo estômago. Ela será absorvida no íleo terminal. Se tiver uma deficiência de fator intrínseco vai haver problemas na absorção. Além disso, quem fez uma ressecção do íleo terminal também vai ter dificuldade de absorver a vitamina B12, ou quem fez ressecção do estômago, ou quem tem estômago, mas não está produzindo fator intrínseco (a principal causa é autoimune). Existe uma influência da acidez gástrica. Quando se consome um medicamento que reduz a acidez gástrica há diminuição da absorção da vitamina B12. Também há influência da função pancreática exócrina e das bactérias intestinais. Uma insuficiência pancreática exócrina e uma alteração da microbiota intestinal podem atrapalhar a absorção. Na hora que a vitamina B12 é absorvida, ela é transportada no plasma por 3 proteínas: transcobalamina I, II e III, sendo que a II é a mais importante. 2 Quem é vegetariano costuma ter que repor vitamina B12. 15 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Então pode haver uma deficiência de vitamina B12 por falta de ingesta adequada (vegetarianos estritos3 ou filhos de mães vegetarianas, se a mãe tiver deficiência de B12, o filho não vai fazer estoque da vitamina, e não vai consumir porque o leite da mãe será pobre na vitamina). Pode haver deficiência de fator intrínseco, pela chamada anemia perniciosa (é uma doença autoimune no adulto, mas existem as formas congênita e juvenil), ou por causa de ressecções. Pdoe haver um prejuízo na absorção pelo intestino, seja por uma ressecção do íleo terminal, ou por uma doença inflamatória intestinal que atrapalha a absorção, ou por infestação por Diphyllobothrium latum, que é um parasita presente em peixes crus e mal cozidos. Por fim, pode haver ausência das proteínas de transporte (principalmente a transcobalamina II). A clínica da anemia megaloblástica pode ter manifestações das anemias carenciais (palidez, língua despapilada, alterações ungueais, quelite angular, inapetência, dificuldade de ganho de 3 Alguém que se torna vegetariano demora um tempo para ter anemia, porque a necessidade da vitamina B12 é pequena, e demora a gastar o estoque. 16 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 peso) e das anemias graves (fadiga, dispneia, taquicardia, sopro sistólico, congestão pulmonar). A anemia megaloblástica também pode cursar com diarreia e vômitos, mas não é muito comum. E ela pode cursar com uma leve icterícia. Às vezes se vê alteração da bilirrubina indireta, sem clínica de icterícia. Na anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12, na medula óssea, ao tentar produzir a célula e não conseguir, acaba tendo um processo de hemólise dentro da medula. Apesar de ser uma anemia carencial, por isso, acaba tendo algumas características de anemia hemolítica, como a icterícia e aumento da desidrogenase láctica (LDH). Específico da deficiência de vitamina B12 é a possibilidade de parestesia, déficit sensorial, hipotonia, convulsões, atraso/regressão desenvolvimento, alterações neuropsiquiátricas, e tudo isso pode ocorrer na ausência de alterações hematológicas (o mais comum é que existam alterações hematológicas). O laboratório da anemia megaloblástica é uma anemia macrocítica (VCM elevado), normocrômica, e ela vai ter macrovalócitos (além da célula ser grande, ela vai ter um formato mais oval). Podem ser encontrados neutrófilos hipersegmentados (neutrófilo com mais de 5 segmentos). Em alguns casos pode ter pancitopenia. Além disso, vai ter uma dosagem de vitamina B12 baixa (a não ser na deficiência das proteínas de transporte, em que a dosagem de B12 é normal). Geralmente tem um aumento importante da LDH, e pode ter aumento da bilirrubina indireta, e essas alterações refletem uma eritropoiese ineficaz. Pode ter aumento do ácido metilmalônico e da homocisteína (fazem parte do ciclo da produção do DNA e incorporação de nucleotídeos; se não tem vitamina B12 esses produtos sobram). O tratamento da anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12 depende do que está causando. Se a vitamina B12 não está sendo adequadamente ingerida, é preciso ver o que pode ser melhorado na alimentação. Se não tiver como melhorar a alimentação, é preciso repor vitamina B12 por via oral (o paciente não tem problema de absorção). A dose de 500 a 1.000 mcg por semana para criança é suficiente, e de 2.000 mcg por semana para adulto. Pode ser feita a dose semanal ou diária (nesse caso manipular a cápsula com dosagem menor). Se existe alguma situação em que o problema está na absorção da vitamina B12 (deficiência de fator intrínseco, ressecção intestinal), não adianta fazer a reposição por via oral, e nesse caso é preciso usar a B12 parenteral, por via intramuscular. Nesse caso, quando a anemia está instalada, começa repondo a vitamina B12 diariamente nos primeiros 7 dias, e aí vai espaçando essa dose até uma dose a cada mês, a cada 3 meses, dependendo da resposta do paciente. Se houver deficiência na proteína de transporte, pode-se fazer a B12 parenteral em altas doses. Isso porque existe deficiência de só uma das 3 proteínas, e se der altas doses de B12 se consegue saturar as outras proteínas. Na resposta ao tratamento, os reticulócitos começam a subir em 48 horas, e em 7 dias já se vê elevação da hemoglobina. A normalização do índice depende de como estava a hemoglobina no início do tratamento, mas em geral em um mês já não tem anemia. As fontes alimentares de ácido fólico são alguns vegetais, legumes de forma geral, amendoim, miúdos, milho. O ácido fólico já está presente em mais alimentos do que a vitaminaB12, e por 17 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 isso, a deficiência alimentar de ácido fólico é menos comum. A deficiência de ácido fólico acontece se tem um consumo muito inadequado de alimentos, ou numa situação de alta demanda, como por exemplo na gestante, em que ele é necessário principalmente no primeiro trimestre da gestação4, pois é importante para formação do tubo neural. Deficiência de ácido fólico na gestação é teratogênico. Por isso é recomendado para a mulher que quer engravidar começar a suplementar o ácido fólico um mês antes de engravidar. Além disso, fases de crescimento acelerado podem ter uma deficiência relativa, e também nas anemias hemolíticas. Na anemia hemolítica está havendo destruição de hemácias, e a medula começa a trabalhar mais para repor, e nessa situação pode haver deficiência. As situações de consumo inadequado são restritas, mas bebês alimentados com leite de cabra ou leite em pó que não seja fórmula podem ter deficiência de ácido fólico. Outra situação é o alcoolismo crônico. O alcoolista crônico costuma se alimentar mal. O álcool é calórico mas não tem outros nutrientes. Qualquer problema que atrapalhe a absorção intestinal pode levar a prejuízo na absorção de ácido fólico, como qualquer diarréia crônica, ou grandes ressecções intestinais. Existem também alguns erros inatos do metabolismo (é raro), e existem medicamentos que interferem na absorção (fenitoína, fenobarbital; nesses casos basta suplementar com ácido fólico) ou no metabolismo (metotrexate, pirimetamina; não adianta dar ácido fólico, porque eles inibem a enzima que transforma ácido fólico em folínico, e nesse caso é preciso suplementar com ácido folínico). A clínica da anemia por deficiência de ácido fólico é semelhante à deficiência de vitamina B12, com exceção das manifestações neurológicas. Na gestante com deficiência de ácido fólico, lembrar do risco de defeitos do tubo neural. O laboratório será semelhante à deficiência de B12, mas com ácido fólico baixo. Pode ter aumento do LDH e bilirrubina indireta. No tratamento, se tem uma anemia por deficiência de ácido fólico instalada, pode-se repor o ácido fólico por via oral, na dose de 1 a 5 mg/dia por 4 semanas. Após isso manter uma dose baixa (100 a 200 mcg/dia5) até resolver a causa da anemia. A profilaxia na gestante é a dose de tratamento (5 mg/dia), começando um mês antes de engravidar até o fim do primeiro trimestre. Nas anemias hemolíticas ou problemas de absorção, a profilaxia é na mesma dose de tratamento. No caso de uso de metotrexate ou pirimetamina, deve-se administrar ácido folínico, em doses definidas nos protocolos. ANEMIAS MACROCÍTICAS NÃO MEGALOBLÁSTICAS Síndromes mielodisplásicas É um grupo de doenças, que se originam por uma proliferação clonal de células hematopoéticas. São doenças de idosos e incuráveis. Cerca de 30% delas vão evoluir para uma leucemia aguda, e o restante vai evoluir para uma falência medular progressiva. É mais comum em idosos, mas podem acontecer em qualquer faixa etária. Existem fatores de risco herdados (síndromes genéticas) e adquiridos para as síndromes mielodisplásicas. Os fatores adquiridos são radiação ionizante (radioterapia, exposição ocupacional, excesso de exposição a exames de imagens), exposição a produtos químicos (pesticidas, derivados do petróleo, quimioterapia citotóxica, exposição ao álcool/tabaco pré- 4 Ao contrário do ferro, que é mais necessário no terceiro trimestre. 5 O ácido fólico é vendido em comprimidos de 5 mg. Pode-se dar em dias alternados, ou 3 vezes por semana. Mesmo que a dose seja maior, não tem problema, porque o ácido fólico é hidrossolúvel e o excesso é eliminado na urina. 18 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 natal). Então um importante fator de risco é já ter tratado um câncer, com quimio ou radioterapia. Fatores genéticos associados a fatores ambientais vão levar a uma afecção da célula progenitora. Ainda não é considerada uma neoplasia, mas uma doença pré-neoplásica, uma doença clonal. Vai haver uma hematopoese ineficaz (ela acontece, mas não produz com a mesma eficácia). Vai haver sinais de displasia, e aumento da apoptose (as células acabam morrendo ainda durante a hematopoese). No sangue periférico vai haver uma citopenia ou citopenias, com a medula óssea hipercelular na maioria das vezes (10 a 15% dos casos é hipocelular). Ela é hipercelular porque a hematopoese está tentando acontecer, mas é ineficaz. Existe uma evolução da síndrome mielodisplásica. Na maioria das vezes a síndrome começa como uma citopenia refratária (na maioria das vezes anemia), com menos de 5% de blastos (é o valor normal). Vai ter uma anemia, ou uma plaquetopenia, ou uma granulocitopenia, e não consegue se achar uma causa. Existem casos em que a síndrome mielodisplásica se associa a presença de sideroblastos em anel (inclusões de ferro), é uma classificação à parte. A anemia refratária com sem excesso de blastos pode evoluir para anemia ou citopenia refratária com excesso de blastos. Depois ela evolui para uma anemia refratária com excesso de blastos em transformação, que é a leucemia mielóide aguda (acima de 20% de blastos já é leucemia mielóide aguda). O que faz o paciente evoluir é o tempo, simplesmente. A partir do momento em que o paciente tem uma leucemia mielóide aguda evoluída de uma síndrome mielodisplásica, o prognóstico é muito ruim. As manifestações clínicas e laboratoriais serão citopenias ou pan citopenia, macrocitose, aumento da hemoglobina fetal. A maioria dos pacientes não tem hepatoesplenomegalia, ou quando tem é muito discreta (em grandes hepatoesplenomegalias a síndrome mielodisplásica não é um diagnóstico diferencial). Vai ser preciso avaliar a medula óssea do paciente. Pode ser feito o mielograma (é uma citologia, em que se aspira o líquido da medula e faz um esfregaço; laudado pelo hematologista) ou a biópsia (é uma histologia, em que se tira fragmento de 19 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 tecido; laudado pelo patologista). O diagnóstico final é sempre pela biópsia, mas o mielograma ajuda muito, porque a biópsia demora mais. Pode ter uma medula hipocelular, normocelular ou hipercelular (mais comum). Vai haver uma série de alterações displásicas, como eritroblasto gigante multinucleado, sideroblastos em anel, pontes citoplasmáticas e nucleares, neutrófilos hipossegmentados (2 segmentos). O que o clínico deve saber? Essa é uma doença para o hematologista acompanhar, deve ser encaminhado. Mas é preciso suspeitar de uma síndrome mielodisplásica frente a uma citopenia refratária, ou uma anemia que não melhora com o tratamento. É preciso conhecer os diagnósticos diferenciais (anemias carenciais, doenças hematológicas proliferativas, doenças autoimunes, medicamentos, HIV). E é preciso conhecer as complicações (evolução para malignidade, sobrecarga de ferro: o paciente começa a absorver mais ferro, que pode depositar em órgãos). Para o tratamento, existe uma estratificação de risco, e de acordo com ela trata-se o paciente ou não. O paciente pode ficar estável por anos, e às vezes não vale a pena começar o tratamento. Existe o tratamento quimioterápico, uso de indutores de diferenciação celular, imunossupressão, e o transplante de medula óssea, que é o único tratamento com potencial curativo. Anemia por doença hepática Os pacientes com doença hepática (cirrose) geralmente têm aumento do volume plasmático, o que já hemodilui a hemoglobina do paciente, além de poder ter hemorragias por varizes de esôfago, pode ter deficiência de ferro, ácido fólico, vitamina B12 (porque não alimenta bem, ou porque o cirrótico pode ser alcoolista crônico),pode ser anemia de doença crônica/inflamação. Então é uma anemia multifatorial, e o fator que predomina vai determinar o tipo de anemia. Mas pode ser macrocítica porque na doença hepática acontece uma alteração na esterificação do colesterol, que faz parte da membrana das células, e isso gera um excesso de membrana nas hemácias. Anemia do hipotireoidismo O paciente com hipotireoidismo pode ter anemia porque os distúrbios autoimunes podem ser associar (tireoidite + deficiência de fator intrínseco). Mulheres com hipotireoidismo podem ter menorragia. O hipotireoidismo reduz a produção de eritropoietina. Novamente é uma doença multifatorial. Ela será micro, normo ou macrocítica de acordo com o que predomina. Ela pode ser macrocítica mesmo na ausência de deficiência de B12 ou ácido fólico (não se sabe a causa). 20 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ANEMIAS HEMOLÍTICAS Hemólise é um processo de destruição aumentada das hemácias. Ela pode ser extravascular ou intravascular. Extravascular, ela acontece nos órgãos do sistema retículo-endotelial. Vai ter como característica aumento de LDH, bilirrubina indireta e reticulócitos. Pode ter hepatoesplenomegalia (por hiperplasia do sistema retículo-endotelial), e pode ter alterações na forma das hemácias. Agora, quando a hemólise for intravascular, vai ter hemoglobina livre no citoplasma e hemoglobinúria. Existem processos em que as duas formas de hemólise coexistem. As doenças que vão causar hemólise são as hemoglobinopatias, que podem ser estruturais ou por deficiência de síntese, a anemia hemolítica autoimune e os defeitos da membrana eritrocitária. HEMOGLOBINOPATIAS Existem 2 cromossomos que possuem genes que codificam as cadeias de globina: o cromossomo 16 e o cromossomo 11. Eles produzem as cadeias de globina, e sempre precisa de 4 cadeias para fazer uma hemoglobina. DE acordo com a faixa etária, são produzidos diferentes tipos de hemoglobina. A hemoglobina A1 é a principal hemoglobina do adulto. Ela possui duas cadeias α e duas cadeias β. A cadeia α vem do cromossomo 16 e a cadeia β do cromossomo 11. Depois tem a hemoglobina A2, que é a segunda hemoglobina mais importante do adulto. Ela tem duas cadeias α (cromossomo 16) e duas cadeias δ (cromossomo 11). A hemoglobina fetal tem duas cadeias α (cromossomo 16) e duas cadeias γ (cromossomo 11). Embora seja chamada de fetal, o bebê quando nasce ainda tem ela, e permanece até cerca de 6 meses de vida, em situações normais (embora em algumas patologias possa haver permanência da hemoglobina fetal e seu aparecimento na vida adulta). Existem ainda as hemoglobinas embrionárias, que são menos importantes. É importante perceber que todas as hemoglobinas do adulto têm a cadeia α. O recém-nascido normal, na eletroforese de hemoglobina, vai ter o padrão AF (hemoglobina A + fetal), e no adulto vai ser AA. Anemia falciforme Na anemia falciforme acontece uma substituição de um único aminoácido em uma cadeia β, e essa cadeia se torna instável. Forma-se uma hemoglobina chamada S. Se fizer uma eletroforese de hemoglobina num adulto com doença falciforme, vai encontrar S no resultado. Se a alteração for em um único gene, vai ter um traço falciforme, e o paciente vai ser AS (se for recém-nascido, será ASF). Se ele tiver alteração em 2 genes, ele terá anemia falciforme, e será SS (ele não é capaz de produzir uma cadeia β normal, e por isso não se encontra hemoglobina 21 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A1 nesse paciente, mas ele pode ter hemoglobina A2). O paciente pode ainda ter um gene com o gene β alterado para anemia falciforme, e outro gene veio com outra forma de hemoglobina (hemoglobina C, alteração da talassemia), e esse paciente vai ter outra forma de doença falciforme (SC, STal). Só se chama de anemia falciforme quando o paciente é SS. Hemoglobina S em conjunto com outro gene alterado se chama doença falciforme (as manifestações clínicas são muito parecidas com as da anemia falciforme). A anemia falciforme é uma doença hereditária, bastante comum em alguns estados do Brasil. É causada por uma mutação no gene que transcreve a cadeia β da hemoglobina. Pacientes heterozigotos são assintomáticos (traço falciforme). A única preocupação a se ter com esse paciente é o aconselhamento genético. Pacientes homozigotos possuem instabilidade da hemoglobina, que desnatura em situações de hipóxia, desidratação, estresse, mudando a conformaçã da hemácia e alterando sua meia-vida. A hemácia que normalmente dura 120 dias passa a viver algo em torno de 15 dias, e vai sofrer hemólise intra e extravascular. Uma hemácia normal, quando passa por um capilar estreito, ela se amassa e consegue passar por ali. Uma hemácia falcizada (trepanócito) agarra nas bifurcações de pequenos vasos. Além da célula viver menos, ela agarra, provocando infartos. A hemácia, quando perde oxigênio ou passa por um estresse, a hemoglobina polimeriza, mudando a conformação da hemácia, até ela mudar de forma, perdendo a capacidade de se deformar na circulação. Esse processo das hemácias agarrarem dentro do vaso chama-se vaso-oclusivo. Depois esse vaso acaba sendo liberado, e aí tem um processo de reperfusão, que libera radicais livres e causa mais dano tecidual. Enquanto o vaso está ocluído, vai haver um processo de infarto, que causa dor aguda, pode causar uma síndrome torácica aguda, hipoesplenismo (as hemácias agarram nos capilares do baço, que vai infartando, e com o passar dos anos o baço vai involuindo até desaparecer; por volta dos 5 anos considera-se que já não há função esplênica), se for no osso causa osteonecrose, se for no rim, nefropatia. Além disso, quando a hemácia agarra, aumenta a destruição dela (hemólise intravascular), liberando hemoglobina livre no plasma, e isso inativa óxido nítrico e gera espécies reativas de oxigênio, aumentando o dano tecidual. O óxido nítrico deficiente leva a hipertensão pulmonar (a longo prazo), priaprismo, úlceras em perna e doença cerebrovascular. Além disso, são pacientes inflamados, com aumento de expressão de algumas moléculas inflamatórias e com um estado de hipercoagulabilidade. A maior parte das manifestações clínicas vão advir da crise vaso-oclusiva, que pode ser desencadeada por hipóxia, infecção, desidratação, frio, febre, acidose, exaustão física. Quando tem uma crise vaso-oclusiva, pode ter dor em qualquer região, e pode ser desde uma dor leve, que passa com uma analgesia por via oral, até uma dor muito importante, que leve o paciente a ser internado, usar altas doses de morfina, e mesmo assim demorar a melhorar. Quando acontece da vaso-oclusão ser nos dedos da criança, os dedos incham, e se chama de dactilite, ou síndrome mão-pé. Isso é mais comum em criança. No tratamento da crise álgica vaso-oclusiva, primeiro corrigir a causa (tratar infecção, hidratar, 22 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 esquentar). Em segundo, fazer a analgesia. Quanto mais rápido reverte o processo álgico, menos demorada vai ser a resolução da crise como um todo. O objetivo é tentar tirar o paciente da crise em até uma hora após o início do quadro. É importante não esquecer de hidratar (esse paciente tem uma viscosidade sanguínea maior, e se o paciente não for mantido bem hidratado a chance de crises oclusivas é maior; o paciente é instruído a sempre beber muita água). Outra coisa é aquecer o paciente. Existem ainda medidas não farmacológicas usadas no controle da dor (distrair o paciente, acupuntura, cromoterapia, etc). Começa a tirar a analgesia pelo menos 24 horas após o paciente parar de sentir dor. Outra manifestação muito importante é a síndrome torácica aguda.Atualmente é a principal causa de mortalidade no paciente com doença falciforme. Ela tem causa multifatorial, pode ter um processo infeccioso, pode ter uma vaso-oclusão pulmonar, pode ser que a medula óssea necrótica tenha soltado êmbolos gordurosos, pode estar acontecendo um sequestro pulmonar. Como não se consegue saber exatamente o que está acontecendo, de uma forma geral considera-se que a infecção é uma causa potencial para todo paciente, então se trata com antibiótico. Os sintomas são dor torácica, dispneia, queda da saturação, febre e o aparecimento de infiltrado no raio X de tórax. Até metade dos pacientes têm um primeiro raio X de tórax normal. Aí quando hidrata o paciente é que o infiltrado aparece. Por isso, mesmo com um raio X normal não se descarta síndrome torácica aguda. O tratamento é com oxigenoterapia em todos os pacientes que estão hipoxêmicos. Analgesia segue o mesmo princípio da crise álgica. Entra com antibiótico de amplo espectro: ceftriaxona (gram negativos e germes capsulados de comunidade) + macrolídeo (atípicos). A hidratação faz parte, mas é preciso ter cuidado para não hidratar e enxarcar esse paciente. Existe o tratamento com NO inalatório, mas poucos serviços têm disponível. O AVC pode ser isquêmico ou hemorrágico, pode ser recorrente e tem alta mortalidade e sequelas. O AVC isquêmico acontece por obstrução de vaso, com isquemia do tecido. O AVC hemorrágico acontece porque o paciente pode ter processos isquêmicos na microvasculatura cerebral, e aí ele vai formando neovasos para contornar essa isquemia (padrão de moyamoya). Esses neovasos são muito frágeis e propensos a hemorragias. Para tratar o paciente que já teve AVC, como geralmente acontece com os pacientes que têm manifestações mais graves, eles precisam entrar numa terapia transfusional com exsanguíneo parcial no quadro agudo (tira um pouco de sangue do paciente e transfunde), e depois um regime de transfusão crônica para manter a HbS menor que 30%. Quando o paciente tem muita crise vaso-oclusiva (mais de 3 por ano), também pode fazer essa terapia para reduzir a HbS e o paciente ter menos sintomas. 23 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 As úlceras de membros inferiores costumam aparecer a partir da segunda década de vida. É uma úlcera maleolar. O tratamento é semelhante a outras etiologias de úlceras, em termos de cuidados locais. O priapismo é a congestão dos corpos cavernosos pelas hemácias falcizadas, e o paciente apresenta uma ereção dolorosa e permanente. É preciso fazer analgesia, hidratação, exsanguíneo parcial, punção aspirativa e, se não resolver, tratamento cirúrgico. Todo paciente que tem anemia hemolítica, a medula tem que trabalhar muito para produzir hemácias para repor. Se o paciente tem uma infecção que atrapalha a medula de trabalhar, como infecção pelo parvovírus B19 (que tem tropismo por células eritropoéticas), vai ter além do processo de hemólise uma aplasia de medula, uma crise aplásica. A crise aplásica é uma anemia aguda com reticulócitos baixos, sem esplenomegalia, e que pode levar o paciente ao choque por falta de sangue mesmo. Ela é autolimitada, dura até 10 dias. O tratamento é o suporte transfusional. Existe a crise do sequestro esplênico. Geralmente acontece em crianças mais novas. Também é uma anemia grave, mas aqui há esplenomegalia e reticulócitos elevados. O baço começa a crescer, geralmente seguido a alguma infecção viral, e ele começa a sequestrar as hemácias para dentro dele. A medula vai trabalhar mais para repor, e tem reticulócito alto. Pode ter plaquetopenia. Há risco de evolução para choque. O tratamento é com suporte transfusional até resolver o quadro agudo, e programar esplenectomia, se o paciente já tiver mais de 2 anos. Se ele tem menos de 2 anos, fazer regime transfusional crônico para diminuir HbS, porque o sistema imunológico ainda não está tão maduro. A crise hemolítica é quando, em algum momento, começa a hemolisar ainda mais. Geralmente está associada a algum processo infeccioso. Com isso piora a anemia, tem mais reticulocitose, aumenta a icterícia. O tratamento é com transfusão e suporte hemodinâmico. É comum vir a crise hemolítica junto com a crise vaso-oclusiva. Pode haver ainda crise megaloblástica, por carência de ácido fólico. Por isso é preciso fazer suplementação profilática. As complicações crônicas são litíase biliar (todo paciente com anemia hemolítica tem chance de ter litíase biliar, pelo aumento da bilirrubina), vasculopatia retiniana, comprometimento do crescimento e atraso puberal (como em toda doença crônica), dor neuropática (pacientes que tiveram muitas crises álgicas na vida, principalmente quando demora a tratar), necrose óssea, osteopenia, sobrecarga de ferro (o paciente transfunde muito), hipertensão pulmonar (vaso- oclusão pulmonar crônica). No diagnóstico, atualmente o teste do pezinho faz o screening, e existem 3 resultados possíveis: AF (normal), AFS (traço falciforme), SF (anemia falciforme), além de outros tipos de hemoglobina. O ideal é repetir a eletroforese de hemoglobina a partir do sexto mês (quando a hemoglobina fetal tende a sumir). Bebês que foram transfundidos deve-se esperar 3 meses para repetir o exame. Existe um teste, o teste de solubilidade, que confirma a presença de HbS através da precipitação em um tampão fosfato (dá positivo também no 24 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 traço falciforme). O hemograma da anemia falciforme vai mostrar uma anemia normocítica e normocrômica, pode ter leucocitose e plaquetose (a medula trabalha muito, produzindo tudo, além do fato do baço parar de funcionar, fazendo com que leucócitos e plaquetas vivam mais). Ao observar o esfregaço, a principal característica é a presença de hemácias falcizadas (compridas e pontiagudas). Algumas hemácias apresentam corpúsculos de Howell-Jolly, que são restos de DNA na hemácia (seta). É um sinal de que o paciente tem hipoesplenismo (porque o baço é que retira esses fragmentos das hemácias). Pode ainda aparecer eritroblastos no sangue periférico (NR na imagem). No tratamento da anemia falciforme deve ser feito suplemento de ácido fólico. Por conta do hipoesplenismo, esse paciente tem maior risco de infecção (germes capsulados), e é preciso usar antibiótico profilático, que pode ser penicilina benzatina (a cada 21 dias) ou penicilina V oral (diario). Regime transfusional crônico, quando indicado. A hidroxiureia é indicada quando há crises álgicas de repetição, alteração no Doppler transcraniano, pacientes com sequeestro esplênico, priapismo de repetição. Fazer um acompanhamento rigoroso das complicações e seu tratamento. Existe a chance de curar o paciente através do transplante de medula óssea. Mas como é uma doença benigna, só se faz transplante de doador aparentado. Talassemias Talassemias são transtornos associados a defeitos nas cadeias da hemoglobina A (α e β). A síntese das cadeias pode estar ausente (α0 e β0) ou reduzida (α- e β-). Assim como na anemia falciforme, a heterozigose traz resistência à malária. Tem maior incidência no Mediterrâneo, Oriente Médio, Sudeste Asiático, África. Existe a alfa e a beta-Talassemia. Cada cromossomo 16 tem dois genes α. Mas o cromossomo 11 tem apenas um gene β. Alfa-talassemia Cada cromossomo 16 tem dois genes α. Então cada pessoa tem 4 genes α. O normal é ter os 4 genes normais. Se a pessoa tem um dos 4 genes defeituoso, ou seja, 3 cópias normais do gene, ela é chamada de portadora silenciosa. Ela não tem sinais de anemia, nenhuma manifestação clínica. Se tiver 2 genes normais e 2 defeituosos (não faz diferença se no mesmo cromossomo ou em cromossomos cruzados), éo chamado traço talassêmico. Os pacientes com traço talassêmico têm anemia leve, com uma vida praticamente normal. O que costuma acontecer é que ela tem uma anemia que é tratada como ferropriva mas não melhora. Mas isso tem pouco impacto na vida da pessoa. Quando a pessoa tem 3 genes defeituosos e apenas um gene normal, ela vai ter o que se chama de doença da hemoglobina H (HbH), com uma anemia de moderada a grave. Precisa ter duas cadeias α e duas cadeias β para fazer a hemoglobina A1. Se estiver faltando cadeia α vai começar a sobrar e acumular cadeia β. Começa a juntar 4 cadeias β, formando um tetrâmero, que é a hemoglobina H. Porém, lembrar que a hemoglobina fetal é formada por cadeias α e γ. Então, quem tem alfa- talassemia com 3 genes alterados, na vida fetal faz tetrâmero de cadeia γ. Quando tem 4 cadeias γ, se chama hemoglobina de Bart. Isso é importante, porque no teste do pezinho vai encontrar Hb de Bart. A presença de 4 genes alterados e nenhum normal é incompatível com a vida, porque todas as hemoglobinas depois do período embrionário precisam da hemoglobina α. 25 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O portador silencioso (um gene defeituoso) não tem anemia, no máximo tem uma microcitose. Ele pode formar hemoglobina de Bart quando é RN, mas numa quantidade muito pequena (1 a 2%). A pessoa que tem 2 genes alterados tem o traço talassêmico, e tem uma anemia leve, com microcitose e hipocromia acentuadas. Pode ser cis (mesmo cromossomo) ou trans (cromossomos diferentes). A hemoglobina de Bart vai ser um pouco mais alta (3 a 8%). Se tiver 3 genes alterados, tem a doença da HbH. São tetrâmeros de cadeias β que precipitam dentro da hemácia e fazem hemólise. Esse paciente vai ter pelo menos anemia moderada, além de microcitose com fragmentação das hemácias, e vai ter hemoglobina de Bart no bebê (25%) e hemoglobina H quando adulto (15%). Beta-talassemia A beta-talassemia vai ser uma alteração na globina β. De forma análoga à alfa-talassemia, se tiver alterações graves na β globina, vai ter acúmulo da cadeia α. O gene β pode estar totalmente não funcionante (β0), ou funcionando parcialmente (β-). O normal é ter dois genes funcionando bem, com uma eletroforese de hemoglobina normal. Quando um gene funciona menos e o outro funciona normal, tem uma beta-talassemia menor, com uma falha parcial no gene β. Esse paciente tem uma anemia discreta, leva uma vida normal na maioria das vezes, mas ele vai ter a hemoglobina A2 um pouco aumentada (> 4%). O paciente que tem um gene normal e um que não funciona, ou que tem dois genes que funcionam parcialmente, vai ter uma anemia de discreta a moderada, uma beta-talassemia intermédia, e também vai ter aumento da hemoglobina A2, além de ter a hemoglobina fetal um pouco aumentada. Quando o paciente tem um gene que não funciona e outro que funciona parcialmente já vai ter uma anemia mais grave, uma beta-talassemia maior. E se nenhum dos dois genes funcionam, ele vai ter uma anemia muito grave, não vai ter hemoglobina A1, e tem até 98% de hemoglobina fetal. Vai ter um excesso de cadeias α. Essas cadeias precipitam dentro da célula e causam dano à membrana. Na circulação periférica, nos eritrócitos, esse dano de membrana vai fazer que a 26 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 célula sofra hemólise. Na medula óssea, isso vai levar à eritropoese ineficaz (começa a produzir muito, mas não consegue entregar eritrócitos funcionantes de forma eficaz, eles acabam sendo destruídos dentro da medula). Com tudo isso vai ter anemia. Se tem anemia, vai precisar de transfusão, vai ter um aumento da eritropoese, a medula vai trabalhar muito, e vai aumentar a absorção de ferro (como a medula óssea está trabalhando muito, o organismo entende que precisa de muito ferro). Por conta da transfusão e do aumento da absorção de ferro, há sobrecarga de ferro, podendo danificar órgãos. E por conta do aumenta da eritropoese, a medula se hiperplasia, e sítios que faziam hepatopoese na vida embrionária, voltam a fazer para ajudar a medula. Então tem hiperplasia de medula óssea, que leva a deformidades ósseas, e hepatoesplenomegalia. Resumindo as formas clínicas, a beta-talassemia minor tem manifestações brandas, não precisa de tratamento específico, mas pode ter esplenomegalia, pode ter colelitíase, úlceras de membros inferiores, alterações ósseas leves. A forma intermédia já vai ter uma anemia moderada, podendo ter necessidade transfusional. A criança vai ter alteração do crescimento, desenvolvimento, maturação sexual. Pode evoluir com hipertensão pulmonar, hiperesplenismo, alterações ósseas. A major vai ser grave. Esse paciente tem que ficar em terapia transfusional para manter a hemoglobina entre 9 e 10. Esse paciente vai estar em risco transfusional, de infecção, reações transfusionais, acúmulo de ferro. O tratamento vai ser principalmente com o suporte transfusional, quelação de ferro (quando tiver acúmulo de ferro), pode fazer esplenectomia e prevenir e tratar as complicações (crescimento, deformidades ósseas, alterações endócrinas, infertilidade, trombose). O tratamento curativo é transplante de medula óssea, mas também só é feita com doador aparentado. ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE É uma anemia adquirida. É uma anemia hemolítica causada por autoanticorpos fixados a antígenos na membrana eritrocitária. Vai ter hemólise intravascular e extravascular combinadas. É mais comum em mulheres jovens. Existem várias causas secundárias envolvidas (lúpus, infecções, tumores, imunossupressão, medicamentos), mas a maior parte é idiopática. Vão existir sinais e sintomas de anemia e hemólise. Pode ter hepatoesplenomegalia, febre, dor abdominal. No laboratória, a anemia geralmente é macrocítica, com reticulocitose. Vai ter 27 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 eritroblastos em sangue periférico. A bioquímica vai ser de hemólise, com hemoglobinúria. O coombs direto será positivo em 96% dos casos. Não esquecer de investigar causas secundárias. O paciente que tem anemia hemolítica autoimune tem autoanticorpos ligados a antígenos na superfície dos eritrócitos. No teste de Coombs direto é adicionado ao sangue o soro de Coombs, que é um anticorpo anti-anticorpo. Se existem autoanticorpos, as células começam a grudar uma na outra e precipitam. Isso é o Coombs direto positivo. No tratamento, se tiver causa de base, deve ser retirada essa causa. Se é uma doença autoimune, pode precisar imunossuprimir, com corticóide e imunoglobulina. Fazer suporte transfusional cuidadoso (o autoanticorpo pode se ligar na hemácia do doador também, acelerando o processo de hemólise). DEFEITOS DE MEMBRANA ERITROCITÁRIA É uma desordem hereditária caracterizada por hemácias osmoticamente frágeis e com alteração na forma devido a alterações no citoesqueleto. Geralmente é uma herança autossômica dominante. O citoesqueleto é importante na deformabilidade da hemácia (para ela conseguir passar nos vasos mais finos), no metabolismo e no envelhecimento. Em 20 a 25% dos casos os pais são assintomáticos (mutação de novo, penetrância variável). Pode haver esferocitose, eliptocitose, piropoiquilocitose. A gravidade é variável. Vai ter sintomas de hemólise (anemia, icterícia, reticulocitose, esplenomegalia leve). Poucos paciente têm uma hemólise importante ou necessidade transfusional. Podem ter crises hemolítica, aplásica, megaloblástica, assim como na anemia falciforme. Pode ter cálculo biliar, gota, úlceras em membros inferiores. Existe um teste para avaliar a fragilidade osmótica das hemácias. A sensibilidade é de 70%. O tratamento é com ácido fólico, suporte transfusional pode ser necessário nas crises, esplenectomia nos casos graves.28 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 COAGULAÇÃO E SÍNDROMES HEMORRÁGICAS A hemostasia se faz através de um equilíbrio entre sangramento e coagulação. Ela depende do endotélio, das plaquetas, da coagulação e da fibrinólise. Se alguma coisa nisso atrapalha, vai ter um risco de sangramento ou trombose. Quando se tem uma lesão vascular, a primeira coisa que ocorre é uma vasoconstrição, para evitar que o sangue fique jorrando. Depois disso vai ocorrer a adesão e agregação plaquetária. Até aqui há a hemostasia primária, com a participação de fatores locais e atividade plaquetária. Num momento secundário, chamado de hemostasia secundária, vai haver a ativação dos fatores de coagulação. E, por último, vai formar o coágulo de fibrina. Num terceiro momento, o organismo vai tentar desfazer daquela coágulo, e aí vai vir a fibrinólise, que no final vai lisar o coágulo. Com a lesão vascular vai haver uma vasoconstrição e diminuição do fluxo. Aqui já é hemostasia primária (qualquer defeito em vaso vai ter relação com hemostasia primária). Com a exposição do colágeno, vai haver uma secreção plaquetária, com liberação de serotonina, fosfolípide plaquetário, tromboxano A2 e ADP. Isso estimula a vasoconstrição para tentar fazer o sangramento parar, e vai estimular a agregação plaquetária. A partir de uma estimulação também vascular (o papel do endotélio é muito importante na coagulação), o fator tecidual, liberado pelo endotélio, vai ativar a cascata da coagulação (que também é estimulada pela secreção plaquetária), e isso vai gerar trombina (a partir da protrombina), que vai se transformar em fibrina e fazer o coágulo estável. A destruição do coágulo se chama fibrinólise. Os fatores da coagulação são produzidos, em sua maioria, pelo fígado. Por isso a hepatopatia corre do lado da coagulopatia. Além disso, o paciente hepatopata vai ter hipertensão portal, e com isso vai ter esplenomegalia, e com a esplenomegalia vai ter plaquetopenia. A meia-vida dos fatores de coagulação é extremamente variável. Por exemplo, o uso de Varfarina, que é um anti-coagulante que é antagonista da vitamina K. Se um paciente sangra pelo uso de Varfarina, para imaginar quando vai acabar o efeito dela, é preciso ver os fatores que ela inativa (II, VII, IX e X), e por isso seu efeito acaba em cerca de 3 dias (o fator em que ela atua 29 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 que tem maior meia-vida tem esse tempo). Por outro lado, para ela começar seus efeitos é a mesma coisa. O tempo de protrombina (TP) vê a via extrínseca da coagulação (nela participam os fatores vitamina K dependentes). Nessa via existem 3 fatores vitamina K dependentes, e um fator que, embora seja produzido pelo fígado e faz parte da protrombina, não é vitamina K dependente, que é o fator V. Se tem um paciente em que não se sabe se ele está com falta de vitamina K ou não está produzindo fatores porque o fígado está ruim, e tem o TP alterado, o que se pode fazer é dosar o fator V. Quando se faz o TP, vêm mais duas medições que lêem a mesma coisa: a atividade de protrombina e o RNI. O RNI é para fazer o controle da Varfarina. A atividade de protrombina serve para fazer uma imaginação da situação patológica, porque em geral se sabe que um paciente com uma atividade de protrombina maior que 50% dificilmente vai ter sangramento espontâneo, e provavelmente pode ser submetido a um tratamento cirúrgico sem preocupação. Um TP prolongado pode significar deficiência dos fatores II, VII, X (vitamina K dependentes) e V. Ele também pode ser influenciado por um fibrinogênio baixo (< 100 mg/dL), que ocorre nas disfibrinogemias, e pode ser influenciado pela presença de inibidores (por exemplo, um paciente com tumor ou doença autoimune pode produzir inibidores). O tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA) tem outros fatores que o influenciam: calicreína, cininogênio, fatores XII, XI, IX, VIII, e a fase final, com os fatores X, V, II, fibrinogênio e fibrina. É a via final comum ao TTPA e ao TP. Então provavelmente, se for uma deficiência de fator X, V, II, pode ser que o paciente tenha alteração tanto no TP quanto no TTPA. Por exemplo, um paciente com hemofilia B, que é deficiência do fator IX, vai chegar com um TTPA alargado. Um hepatopata em fase terminal pode ter tudo alargado. O que altera o TTPA é a deficiência principalmente dos fatores da via intrínseca (aquelas não vitamina K dependentes). Pode haver ainda o tempo de trombina, que vai olhar para o fibrinogênio, avaliando a formação da fibrina, e pode dar uma indicação de algum problema que venha a ocorrer nessa etapa. Geralmente, ele estará alargado por uma redução ou aumento do fibrinogênio, 30 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 disfibrinogenemia, e em momentos em que há uma degradação da fibrina. Por exemplo quando há uma embolia pulmonar, ou uma trombose, é natural que a fibrinólise esteja aumentada. Isso vai gerar produtos de degradação da fibrina. O principal exame que vê isso é o D-dímero. Em um paciente que está sangrando, deve-se olhar para as plaquetas (hemostasia primária, e secreção plaquetária que estimula a cascata da coagulação). Se elas estiverem normais não exclui um problema plaquetário. Existem alterações de função plaquetária, que podem ser tanto do ponto de vista adquirido quanto congênitas. Uma disfunção adquirida é quando se usa uma droga anti-agregante (AAS), por exemplo. É importante também olhar os fatores de coagulação, porque eles entram na hemostasia secundária. E se olha para eles através do TTPa e atividade de protrombina. TTPa normal não exclui de tudo, porque existem fatores que não levam a alteração do TTPa, como o fator XIII. Se ele está alargado, isso fala provavelmente em deficiência de fatores da via intrínseca. O TP alto fala de uma alteração na via extrínseca. E se os dois estiverem, fala a favor de uma deficiência de fatores da via final comum. 31 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Quando há uma disfunção plaquetária, medicamentos são uma causa importante, mas pode ter quadros hereditários. Além do uso de medicações, algumas doenças hereditárias raras são defeitos congênitos da função plaquetária. O paciente que tem petéquias ou hematomas pode ter uma deficiência da hemostasia primária. A primeira coisa que se pensa num quadro desses é se o paciente tem alguma disfunção plaquetária. A função plaquetária pode ser vista furando a pele da pessoa e contando o tempo que ela demora para parar de sangrar. É o chamado tempo de sangramento, que pode dar uma noção da hemostasia primária, e indiretamente olhar a função plaquetária. Quando se tem um sangramento por um defeito funcional de plaquetas, mesmo que elas estejam quantitativamente normais, pode ser que tenha que se fazer uma transfusão de plaquetas. Se isso não for necessário, pode-se atuar aumentando o fator de Von Willebrand ou usando anti-fibrinolíticos, ou seja, reduzindo o sistema de fibrinólise. As púrpuras vasculares são várias. Uma das que se conhece são as manchas da melancolia ou púrpuras psicogênicas. São alterações espontâneas. Uma púrpura alérgica que é um defeito vascular também, muito comum em crianças, que dá uma púrpura palpável com plaquetas normais, chama-se púpura de Henoch-Schonlein. A distribuição poupa tronco. A telangiectasia hemorrágica hereditária é uma doença familar que dá telangiectasias em todo o TGI e vias aéreas (pode dar epistaxe de repetição). Não altera exame nenhum, porque é uma púrpura vascular. Só dá anemia ferropriva. No ambiente hospitalar usa-se muito heparina. A heparina é um indutor de trombocitopenia por uma ativação de anticorpos. A heparina não é antiagregante plaquetário, ela é um anticoagulante,
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