Buscar

hemato 51 págs

Prévia do material em texto

Universidade Federal de Juiz de Fora 
Faculdade de Medicina 
8° Período 
 
CLÍNICA MÉDICO CIRÚRGICA VIII 
 
 
 
 
HEMATOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JOÃO PAULO ALVIM MAULER 
MED 106 
2 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
ÍNDICE 
 
HEMATOPOESE ............................................................................................................................. 3 
ANEMIAS MICROCÍTICAS E NORMOCÍTICAS ................................................................................ 8 
ANEMIAS MACROCÍTICAS .......................................................................................................... 14 
ANEMIAS HEMOLÍTICAS ............................................................................................................. 20 
COAGULAÇÃO E SÍNDROMES HEMORRÁGICAS ........................................................................ 28 
LEUCEMIAS .................................................................................................................................. 33 
MIELOMA MÚLTIPLO .................................................................................................................. 37 
LINFOMAS ................................................................................................................................... 40 
INDICAÇÃO DE TRANSFUSÃO DE SANGUE E HEMOCOMPONENTES ........................................ 42 
REAÇÕES TRANSFUSIONAIS ....................................................................................................... 47 
 
 
3 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
HEMATOPOESE 
 
A hematopoese, a produção do sangue, é um processo pelo qual o organismo, através da 
medula óssea e dos órgãos linfóides, vai produzir e repor as células do sangue, porque essas 
células têm uma vida relativamente curta (hemácias 120 dias, plaquetas 5 a 7 dias, leucócitos 6 
a 8 horas). É um processo dinâmico e permanente. Se esse processo é em algum momento 
interrompido, ele gera uma doença hematológica chamada anemia aplástica. O indivíduo tem 
uma pancitopenia. 
No feto com até 30 dias de vida começa, no saco vitelino, a produção das hemácias. Com 2 
meses já se produzem todas as linhagens. Essa hematopoese acontece principalmente ao 
redor da aorta, gônadas, mesonefro. É a fase mesoblástica. Com o desenvolvimento do feto, 
vai haver uma fase hepatoesplênica, em que a hematopoese migra para a placenta, fígado e 
baço. Esses órgãos assumem a hematopoese até o quinto mês de gestação. Pode-se tirar de 
prático desse conhecimento que nas doenças hematológicas em que a medula óssea não está 
dando conta da hematopoese, os órgãos que fazem parte dessa fase hepatoesplênica 
assumem de forma não tão adequada o processo. Isso se traduz no fato de em muitas doenças 
hematológicas o indivíduo ter hepatoesplenomegalia. A fase medular inicia no quinto ou sexto 
mês de gestação, e após o nascimento a hematopoese acontece em todos os ossos. A partir do 
terceiro ano de vida, ela ocorre principalmente em ossos chatos e epífises (fêmur, tíbia, 
úmero). Na fase adulta o local em que acontece a maior produção de células é na crista ilíaca, 
mas acontece também no esterno e pequenas quantidades nas costelas, calota craniana e 
vértebras. Anemias hemolíticas hereditárias (anemia falciforme e, principalmente, talassemia), 
a calota craniana e vértebras tentam de toda maneira produzir hemácias, e isso gera um 
aspecto característico da talassemia, que é a presença de protuberâncias na calota craniana, às 
vezes massas extra-medulares em vértebras. 
Existem 3 tipos de medula óssea. A medula óssea cinza não tem função hematopoética, e sua 
função ainda é discutida. A medula óssea amarela é formada por tecido adiposo e também não 
tem função hematopoética. Ela dá sustentação à medula óssea vermelha. A medula óssea 
vermelha é que tem função hematopoética. Ela tem uma parte estrutural chamada estroma e 
uma parte funcional chamada parênquima. O estroma é constituído de uma matriz 
extracelular, células reticulares e também macrófagos. O estroma e o parênquima vão se 
organizar em dois compartimentos, porque as células que são produzidas no interior da 
medula óssea precisam cair na corrente sanguínea. A matriz medular vai originar todas as 
linhagens celulares. O endotélio medular reveste a medula óssea, isolando-a do tecido ósseo. 
Existem vários mecanismos e células responsáveis pela regulação da hematopoese. O 
microambiente da medula óssea, constituído também de células adiposas, endolteliais, 
mesenquimais, células do tecido óssea, estimula ou inibe, de forma combinada, a produção ou 
inibição das células da medula óssea. 
As células-mãe da medula óssea são chamadas de células progenitoras hematopoéticas, ou 
stem cells. Ela tem uma capacidade de auto-renovação e de originar células progenitoras 
multipotentes. À medida em que essa célula vai recebendo informações, ela vai se 
diferenciando para dar origem a leucócitos, hemácias e plaquetas. Ele se diferencia e diminui 
sua multiplicação. Uma célula indiferenciada multiplica muito, e uma céula mais diferenciada 
se multiplica menos. 
4 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
 
Essa célula dá origem a dois braços: as células progenitoras mielóides e as células progenitoras 
linfóides. A célula progenitora mielóide vai dar origem às unidades formadoras de colônia 
eritróide, que vai terminar na síntese de hemácias. As unidades de formadoras de colônia dos 
granulócitos e monócitos se diferenciam nos granulócitos (neutrófilos, eosinófilos, basófilos) e 
também nos monócitos. Essa célula progenitora mielóide também dará origem às células 
progenitoras megacariocíticas, que vão gerar no sangue periférico as plaquetas. As células 
progenitoras linfóides vão dar origem aos linfócitos B, linfócitos T e células natural killer. 
Existe uma célula ainda mais 
indiferenciada que as stem cells 
pluripotentes, que é a célula 
indiferenciada totipotente. Essa 
célula, além de dar origem às 
células que se tornarão as células 
do sangue, também é responsável 
pela síntese de células endoteliais, 
células ósseas, adipócitos e 
fibroblastos. 
Existem fatores que estimulam a 
síntese dessas células, como as 
interleucinas, e fatores que vão 
inibir a produção ou diferenciação 
dessas células, principalmente o 
interferon e prostaglandinas. 
5 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
A medula óssea é um ambiente adequado para a sobrevida, autorrenovação e diferenciação 
das células progenitoras hematopoéticas. Existem moléculas de adesão e fatores de 
crescimento que vão propiciar esse ambiente adequado. A interleucina 3 vai estimular a 
síntese de hemácias, plaquetas, neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos. A interleucina 5 
coordena a síntese de linfócitos B e T. Outro estímulo são os fatores de crescimento celular 
(GCSF), que hoje são muito usados em doenças hematológicas quando o paciente tem uma 
leucopenia muito intensa, ou pós-quimioterapia. Outro fator estimulador é a eritropoetina. Ela 
se origina das células justaglomerulares renais e macrófagos no fígado, que vai estimular a 
diferenciação dos eritroblastos e produção de hemoglobina. 
Uma célula jovem indiferenciada é uma célula grande, com um núcleo grande: a relação 
núcleo-citoplasma é grande. Algumas células têm nucléolos, que é uma condensação da 
cromatina do DNA, e um citoplasma azul (azurófilo). À medida em que elas amadurecem, se 
diferenciam, o núcleo diminui, elas perdem nucléolos, algumas adquirem no citoplasma 
grânulos com enzimas. 
Existe uma unidade formadora de crescimento rápido de eritrócitos. Ela sofre um 
amadurecimente e se torna uma colônia formadora de hemácias. A primeira célulaé um 
proeritroblasto. À medida em que vai evoluindo, ela se transforma em eritroblasto basófilo, 
policromático, ortocromático, até chegar no reticulócito e na hemácia. No eritroblasto 
ortocromático há a perda do núcleo. O processo total de diferenciação de proeritroblasto a 
hemácia demora cerca de 7 dias. O reticulócito e a hemácia podem ser encontrados no sangue 
periférico. Se no hemograma de um paciente com anemia intensa aparecer uma das outras 
células, ou uma quantidade grande de reticulócitos, significa que tem alguma doença 
hematológica. Pode ser alguma doença que esteja destruindo as hemácias no sangue 
periférico, e a medula óssea começar a liberar para o sangue periférico células jovens. 
Pacientes com hemólise têm reticulocitose. Apesar de ter uma anemia, ele tem reticulócito 
alto, e pode até ocorrer de achar outras células mais jovens no sangue periférico. 
 
Dentro da hemácia há hemoglobina, que é uma proteína. Em indivíduos adultos e normais há 3 
tipos de hemoglobina: A, A2 e fetal. Nos adultos normais existe grande quantidade de 
hemoglobina A, que é formada por duas cadeias α e duas cadeias β. A hemoglobina A2 tem 
duas cadeias α e duas δ. A hemoglobina fetal tem duas cadeias α e duas γ. 
Duas coisas estimulam a produção de hemácias: a hipóxia causada por hemorragia e a 
hemólise, que é a destruição das hemácias. 
A hemácia pode ter alteração de tamanho, da forma e da cor. Pode haver uma anisocitose, 
poiquilocitose (forma) e anisocromia (cor). Um indivíduo com uma anemia com hemácias 
normocrômicas e normocíticas, as principais patologias que levam a esse tipo de hemácia são 
as doenças crônicas (artrite reumatóide, lúpus, colagenoses). Hemácias hipocrômicas e 
microcíticas aparecem em duas doenças: anemia ferropriva (anemia mais frequente na 
6 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
população mundial, principalmente em mulheres em idade fértil) e talassemia (anemia 
hemolítica hereditária em que não se produz aquelas cadeias de hemoglobina). A diferença 
entre elas é que uma cursa com o ferro muito baixo e a outra com o ferro muito elevado. 
Hemácias hipocrômicas e macrocíticas caracterizam a anemia megaloblástica. Os dois fatores 
que levam à anemia megaloblástica são a deficiência de vitamina B12 (uma das doenças que 
mais levam à deficiência de B12 é uma atrofia da mucosa gástrica, impedindo a absorção da 
vitamina, além de alcoolismo, falta de consumo de carne) e deficiência de ácido fólico. Eles 
estão envolvidos na síntese do DNA e acabam levando à macrocitose. 
Trepanócitos são as hemácias em foice, que fazem o diagnóstico de uma anemia hemolítica 
hereditária, que é a anemia falciforme. Microesferócitos são hemácias pequenas, sem o halo 
claro. É característica de uma doença hereditária chamada de esferocitose hereditária. 
Hemácias em alvo podem aparecer na talassemia. Hemácias crenadas são cheias de 
reentrâncias, e podem ser encontradas em indivíduos com insuficiência renal crônica, além da 
deficiência da G6PD. Na hemácia o tempo todo está acontecendo um processo de oxidação. 
Para que haja a produção de um antioxidante, que é a glutationa, precisa dessa enzima. Se não 
tem essa enzima, a hemácia sofre um processo oxidativo que faz com que ela tenha menor 
sobrevida e tenha esse aspecto. Acantócitos são hemácias em forma de triângulos, presentes 
em queimados graves, ou esplenectomizados. Esquizócitos caracterizam duas doenças: a 
síndrome hemolítica urêmica e as anemias hemolíticas microangiopáticas. Existem alterações 
que não têm tradução clínica, chamadas de estomatócitos. Policromasia são hemácias mais 
escuras, que acontece nas anemias hemolíticas. E o fenômeno de Rouleaux, que são hemácias 
todas empilhadas. Nesse caso o problema está no plasma, em que o aumento da produção de 
imunoglobulinas deixa o plasma mais viscoso. 
Existem células que são chamadas de granulócitos (neutrófilos - grânulos não têm uma 
coloração específica, eosinófilos - grânulos se coram de vermelho, basófilos - grânulos se 
coram de azul), e existem os agranulócitos (monócitos e linfócitos). Na medula óssea existe 
uma sequência de células, que começa com uma célula muito jovem, que vai amadurecendo, e 
no sangue periférico vai se encontrar uma pequena quantidade de bastonetes e as células 
maduras. O mieloblasto dá origem ao promielócito, mielócito, metamielócito, bastonete, 
segmentado e célula madura. 
 
Uma neutrofilia aparece em infecções bacterianas agudas, grandes queimados, politrauma. 
Eosinofilia em parasitoses. Basofilia em pacientes com quadros alérgicos, e na leucemia 
mielóide crônica. Monocitose pode acontecer na tuberculose. 
A reação leucemóide acontece em paciente de UTI, paciente grave. O paciente tem um quadro 
infeccioso grave, uma sepse, uma grande queimadura. Quem ataca primeiro são os 
neutrófilos. Quando eles acabam, a medula começa a mandar para o sangue periférico células 
jovens, na sequência: bastão, metamielócito, mielócito. Isso se chama reação leucemóide, 
porque simula como se fosse uma leucemia. 
7 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
Os linfócitos também surgem de células jovens. Se forem encontrados linfoblastos no sangue 
periférico, provavelmente é uma leucemia linfóide aguda, mais frequente em crianças. Os 
linfócitos podem ser típicos ou atípicos. A criança pode ter linfócitos atípicos em maior 
quantidade e isso não quer dizer nada. No adulto é sinal de que tem algo acontecendo. O 
plasmócito é quem produz as imunoglobulinas. Se essa célula é produzida de forma 
descontrolada, era uma doença chamada mieloma múltiplo. 
 
As plaquetas também têm toda uma sequência de maturação. As plaquetas são fragmentos de 
células no sangue periférico. 
 
 
 
8 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
ANEMIAS MICROCÍTICAS E NORMOCÍTICAS 
 
As anemias podem ser divididas, de acordo com o valor do VCM, em anemias macrocíticas, 
microcíticas ou normocíticas. 
ANEMIA FERROPRIVA 
Acontece quando não se tem estoques de ferro suficientes para fazer a hematopoese. É a 
deficiência nutricional mais prevalente no mundo. O ferro é absorvido numa quantidade mais 
ou menos fixa de 1 mg por dia. O organismo não consegue aumentar demais a absorção de 
ferro. Quando ele é absorvido no intestino, ele fica em circulação, apenas 1% dele, ligado à 
transferrina. A maior parte do ferro (65%) está circulando ligado à hemoglobina nos 
eritrócitos. Existe um acúmulo de ferro nos macrófagos do sistema retículo-endotelial (12%), e 
em outros tecidos (5%). O restante está na medula óssea para produção de novos eritrócitos. 
Existem dois tipos de ferro elementar: o ferro não heme e o ferro heme. O ferro heme é 
aquele que é derivado da hemoglobina e da mioglobina, e vem das carnes. Esse ferro tem 
maior biodisponibilidade (se consumir a mesma quantidade de ferro heme e não heme, vai ser 
absorvido melhor o ferro heme). As fontes de ferro não heme são os vegetais de folhas 
escuras, a beterraba, o feijão, os produtos de origem vegetal. O ferro não heme, além de ser 
menos biodisponível, ainda tem sua absorção prejudicada pelo consumo de chás e cereais. O 
que melhora a absorção do ferro é a vitamina C. O que piora a absorção de ferro é o leite de 
vaca (o materno não, ele tem uma alta biodisponibilidade do ferro nele contido) e os fitatos 
(presentes em diversos grãos). 
Uma vez que o ferro é consumido e chega no enterócito, se ele chega na forma de ferro heme, 
ele é internalizado por uma proteína, e se for o ferro não heme, ele pode estar na forma +3 ou 
+2. Somente o ferro +2 é internalizado pela proteína DMT-1 (transportadora de metal 
divalente). Se ele chega na forma +3 precisa primeiro ser convertido para depois ser 
internalizado, e ele é convertido pela enzima ferro redutase.Uma vez que o ferro entrou, seja 
na forma de Fe+2 ou na forma de ferro heme (o ferro heme entra no enterócito através da 
proteína transportadora do heme), ele precisa sair do enterócito para se distribuir pelo resto 
do organismo. Para ele sair ele sai través da proteína ferroportina. Depois ele se liga à 
transferrina para ser transportado, mas antes disso ele novamente é convertido em Fe+3 pela 
enzima hefaestina (ele só precisa ser Fe+2 para passar por dentro do enterócito). A transferrina 
é a proteína que vai transporta o ferro por todo o organismo, levar ele até a medula para 
entrar na produção dos eritrócitos. Quando tem ferro a mais do que precisa, ele será 
armazenado nos tecidos na forma de ferritina. 
Se começa a ter excesso de ferro no organismo, ele começa a se acumular, e ele acumula 
primeiro no fígado, mas se esse excesso continuar, outros órgãos vão acumular ferro: todas as 
glândulas podem acumular ferro, assim como o coração. E o que acontece quando o tecido 
começa a acumular ferro? No fígado pode começar a ter sinais de insuficiência hepática, no 
coração insuficiência cardíaca, no pâncreas insuficiência pancreática, e assim por diante. De 
forma geral, quando o ferro começa a acumular em um órgão, aquele órgão começa a 
funcionar pior. 
Existe outra proteína, que é a hepcidina. Ela é capaz de se ligar, lá no enterócito, na 
ferroportina, e internaliza essa proteína, fazendo com ela seja degradada. Ou seja, se tiver 
9 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
hepcidina, o ferro que chega ao enterócito não vai conseguir ser absorvido para a circulação. A 
hepcidina faz a mesma coisa nos macrófagos. Os macrófagos teciduais também guardam ferro, 
e são capazes de liberar o ferro caso seja necessário. Mas se a hepcidina estiver presente, ela 
liga na proteína transportadora, a internaliza e degrada, e o ferro fica acumulado dentro do 
macrófago, não conseguindo cair na circulação. A hepcidina aumenta quando há excesso de 
ferro, quando há processos infecciosos e inflamatórios (intermediada pela IL-6) e em situações 
de anemia ou hipóxia há inibição da hepcidina. 
 
A anemia ferropriva acontece quando há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de 
ferro. Toda vez que tiver um prejuízo da oferta, como a pessoa não se alimenta com alimentos 
ricos em ferro, ou como a criança que está começando a ser introduzida aos alimentos, ou o 
idoso com doença crônica que não se alimenta direito, ou ainda o bebê prematuro. Isso 
porque o estoque de ferro no bebê é formado no terceiro trimestre, e se o bebê nasceu 
prematuro, ele não teve tempo de formar esse estoque de ferro. Ou então a demanda ou 
perda está alta, como no caso de um sangramento crônico, ou quando se tem parasitas 
intestinais se alimentando de sangue (Ancylostoma, por exemplo). Ou ainda quando tem um 
aumento da demanda (como na grávida, ou na criança com estirão de crescimento). Por isso 
não basta tratar a anemia ferropriva, mas deve-se corrigir aquilo que a está causando. 
Os fatores de risco da anemia ferropriva são a suspensão precoce do aleitamento materno 
exclusivo (o leite materno tem ferro de maior biodisponibilidade), não comer alimentos ricos 
em ferro, consumo frequente de chá (o chá inibe a absorção), prematuridade, baixo peso ao 
nascer, crescimento intrauterino restrito (significa insuficiência placentária na maioria das 
vezes, a placenta não passou nutrientes para o bebê), gemelar, sangramento perinatal, baixo 
nível socioeconômico, baixa escolaridade materna (esses dois estão relacionados a 
alimentação inadequada, suspensão precoce do aleitamento materno, maior risco de 
infestação parasitária), falta de saneamento básico (risco de verminose). Em adolescentes 
pode acontecer por ingesta inadequada (em um momento que precisa de muito ferro para o 
crescimento). A gestante tem maior risco. E sempre pensar em sangramento pelo TGI. 
10 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
Toda anemia carencial (como é o caso da anemia ferropriva) vai ter palidez, língua 
despapilada, pode ter alteração nas unhas (distrofismo ungueal), inapetência, dificuldade de 
ganho de peso nas crianças. Qualquer anemia grave ou de instalação aguda a pessoa pode ter 
fadiga, dispneia, taquicardia, sopro (comum em criança), e se for muito grave pode evoluir 
para congestão pulmonar. Mas a anemia ferropriva frequentemente é de instalação lenta, e 
esses sintomas só vão aparecer quando a anemia for realmente muito grave. E os sintomas da 
carência crônica de ferro (às vezes não se tem um estoque de ferro bom, mas ainda não tem 
anemia; isso acontece muitas vezes em crianças) são alterações cognitivas (dificuldade escolar, 
por exemplo). 
O laboratório da anemia ferropriva é de uma anemia microcítica (VCM baixo) e hipocrômica 
(CHCM baixo). As hemácias são pequenas e pálidas (a hemácia hipocrômica tem a área de 
palidez central maior do que 1/3 do diâmetro total da hemácia). O hemograma vai mostrar 
também anisocitose (RDW alto), representando uma grande variação no tamanho das 
hemácias. O ferro sérico vai estar baixo. A capacidade total de ligação do ferro (quantidade de 
receptores para ligação do ferro no plasma) estará elevada (o ferro circula ligado à 
transferrina, e como o ferro está baixo, muitos receptores de ferro estarão livres). A saturação 
da transferrina (dos receptores disponíveis, quantos estão saturados) é baixa. A ferritina 
(estoque tecidual do ferro) é baixa. Vai haver ainda trombocitose (aumento da contagem de 
plaquetas), não em todos os casos, mas é frequente. Não é muito explicado porque acontece. 
É uma das principais causas de trombocitose em pediatria (a segunda causa é infecção, porque 
a plaqueta funciona como se fosse de fase aguda, e aumenta nas infecções). 
A prevenção da anemia ferropriva começa com a orientação de uma alimentação adequada 
para o paciente. Se tiver alguma causa (sangramento menstrual vultuoso), corrigir. Mas 
existem duas situações em que é preciso fazer um profilaxia medicamentosa da anemia 
ferropriva: a criança e a gestante. Todo recém-nascido a termo com peso normal que chegou 
aos 6 meses de vida com aleitamento materno exclusivo, deve receber a partir do 6o mês, até 
o 24o mês, uma profilaxia de 1 mg/kg/dia. A úncia exceção é se a criança mamar pelo menos 
500 mL por dia de fórmula, não precisa fazer a profilaxia para os menores de 2 anos a termo, 
porque a fórmula já é enriquecida com ferro, inclusive para suprir a menor biodisponibilidade 
do ferro da fórmula. Se a criança foi pré-termo ela começa a fazer a profilaxia a partir do 
primeiro mês de vida. A dose varia de acordo com o peso da criança. Se a criança tem acima de 
1,5 kg, ela vai receber 2 mg/kg/dia. Se ela tem entre 1,0 e 1,5 kg, 3 mg/kg/dia. Se é menor que 
1,0 kg, 4 mg/kg/dia. Essa dose é mantida até o primeiro ano de vida, e no segundo ano de vida 
usa a mesma dose das outras crianças (1 mg/kg/dia). Essas crianças, mesmo que mamem 
fórmula, tem que fazer a profilaxia. A gestante deve receber entre 40 e 60 mg de ferro 
elementar (varia entre os consensos), até 3 meses após o parto. 
Quando se tem uma anemia e vai tratá-la, podem-se usar vários sais ferrosos, não existe 
diferença entre a qualidade deles. A diferença é nos efeitos colaterais. O mais usado é o 
sulfato ferroso (é o que tem disponível na rede pública). Para crianças a dose é de 4 a 6 
mg/kg/dia de ferro elementar. Para o adulto a dose é de 120 mg/dia de ferro elementar. Os 
sais ferrosos em geral podem dar efeitos colaterais gastrointestinais (náusea, cólica, 
constipação, diarreia), em até 20% dos pacientes. Quando isso acontece pode-se fracionar a 
dose (parte antes do almoço e parte antes do jantar) e, quando isso não funciona, pode-se 
fazer uma dose um pouco menor. Ele vai demorarmais a ter a anemia tratada, mas é uma 
forma de tolerar melhor o medicamento. Outra alternativa é trocar por outra formulação de 
ferro oral. Existe o ferro parenteral, mas ele é pouco usado na prática clínica, porque o ferro 
11 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
oral tem boa reposição. Deixa-se o ferro parenteral para situações em que já se tentou o ferro 
oral, sabendo que o paciente tomou corretamente, e ainda assim ele não melhorou, ou em 
pacientes em que o oral não está dando conta porque ainda não conseguiu se retirar a causa 
(um sangramento crônico por causa de um tumor, por exemplo). Ele tem muitos efeitos 
colaterais, e é um medicamento de alto custo. 
Geralmente em 6 semanas de tratamento vai haver a correção da anemia. Mas se mantém o 
tratamento por 4 a 6 meses para reposição do estoque. Mas a resposta é muito rápida. A 
contagem de reticulócitos começa a se elevar com 48 horas, e atingem um pico em 5 a 7 dias. 
A hemoglobina e o hematócrito começam a elevar em 2 semanas, e se normalizam em até 2 
meses. 
ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA 
A anemia de doença crônica pode ser microcítica (principal diagnóstico diferencial da anemia 
ferropriva) ou normocítica. A anemia de doença crônica1 é uma anemia que acontece em 
pacientes portadores de uma doença infecciosa, neoplásica ou inflamatória crônica. Um outro 
nome dela é anemia da inflamação (algumas situações inflamatórias que não são crônicas 
podem causar essa anemia também). Ela é uma falha da medula em aumentar a produção 
para compensar uma menor vida das hemácias. 
As etiologias da anemia de doença crônica são muito variadas. Podem ser infecções 
bacterianas, fúngicas, virais, como tuberculose, bronquiectasia infectada, abscesso pulmonar, 
pneumonia, endocardite, osteomielite, meningite, doença inflamatória pélvica, infecção pelo 
HIV. Doenças não infecciosas como artrite, febre reumática, lúpus, doença de Chron, 
sarcoidose, além de doenças neoplásicas. Ela é a causa mais frequente de anemia em 
pacientes hospitalizados. É a segunda causa de anemia em geral. 
Acontecem 3 coisas na anemia de doença crônica. Há uma diminuição na sobrevida das 
hemácias, uma resposta medular inadequada e um distúrbio no metabolismo do ferro. 
Normalmente a hemácia vive 120 dias. Quando tem uma doença crônica, uma situação 
inflamatória, acontecem algumas coisas que levam à diminuição na sobrevida das hemácias, e 
elas passam a viver 80 a 90 dias. Há uma hiperatividade do sistema fagocitário, então a 
hemácia vai sofrer hemocaterese mais cedo. A febre está presente em muitas dessas doenças, 
e pode danificar a membrana do eritrócito. Algumas neoplasias liberam hemolisinas que 
destroem hemácias. E algumas toxinas bacterianas levam a uma maior hemólise. 
A resposta medular está inadequada. A eritropoese pode estar normal ou discretamente 
aumentada, mas não o suficiente para compensar aquela destruição aumentada de hemácias. 
Os reticulócitos vão estar inapropriadamente aumentados para o grau de anemia, eles não vão 
estar aumentados o suficiente para o grau de anemia. Isso porque a medula está tendo menor 
resposta à eritropoetina, por causa da interferência de citocinas produzidas nessa inflamação, 
e porque vai ter menos ferro disponível para a medula óssea. 
O distúrbio no metabolismo do ferro cursa com aumento na síntese de ferritina, interferência 
de citocinas inflamatórias e, principalmente, a participação da hepcidina. A inflamação e 
infecção aumentam a produção de hepcidina, que prejudica a absorção do ferro da 
alimentação e impede a liberação do ferro dos macrófagos. 
 
1
 Quando se fala em anemia de doença crônica, não se inclui a anemia de doença renal crônica. 
12 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
A anemia geralmente é de leve a moderada. Os sintomas que predominam são os da doença 
de base. A intensidade da anemia é um parâmetro de evolução da doença e de eficiência do 
tratamento. Ou seja, à medida em que se trata a doença e consegue um bom controle, a 
anemia melhora. 
No laboratório, a anemia em geral é normocítica e normocrômica, mas pode ser microcítica 
em até 50% dos casos. Pode ter anisocitose. O reticulócito vai estar inapropriadamente 
elevado. A ferritina vai estar aumentada (a ferritina é uma proteína de fase aguda, e ela 
aumenta em processos inflamatórios; não necessariamente a ferritina alta aqui quer dizer 
estoque alto de ferro). O ferro sérico está baixo. A saturação de transferrina em geral também 
está baixa. 
 Anemia ferropriva Anemia de doença crônica 
Índices hemantimétrico Anemia microcítica e 
hipocrômica 
Anemia normocítica e 
normocrômica (mas pode ser 
micro também) 
Ferro sérico Baixo Baixo 
Ferritina Baixa Normal ou alta 
Saturação de transferrina Baixa Baixa 
Capacidade de ligação do 
ferro 
Alta Normal ou baixa 
Ferro na medula Baixo Normal 
 
O principal no tratamento da anemia de doença crônica é tratar a doença de base. Em alguns 
casos pode ser preciso lançar mão de outros tratamentos, como reposição de ferro, de 
eritropoetina (já que há uma resistência à eritropoetina) e transfusão de sangue (reservada ao 
paciente com hemoglobina mais baixa, mais debilitado; como essa anemia é de leve a 
moderada, raramente se chega a precisar de transfusão). 
ANEMIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA 
Também é multifatorial. O principal é a redução de eritropoetina. Se o rim não funciona bem, 
vai ter uma produção deficitária de eritropoetina. Além disso, o paciente renal crônico acaba 
perdendo sangue na diálise, que é pequena, mas acumuladamente torna-se significativa. 
Também vai ter um processo inflamatório, que vai provocar aqueles problemas da anemia de 
doença crônica. E muitas vezes são pacientes com deficiência nutricional. Essa anemia está 
associada a piora na qualidade de vida e uma progressão mais rápida da doença renal. Muitas 
vezes a anemia é uma das primeiras manifestações da doença renal crônica, porque a DRC 
costuma ser oligossintomática até que se torne grave. Essa anemia vai ser normocítica e 
normocrômica na maioria das vezes. 
O tratamento é com eritropoetina, mas também é preciso estar atento a manter um bom 
estoque de ferro. Se começa a dar eritropoetina, mas tem pouco ferro, vai fazer uma anemia 
ferropriva no paciente. Por isso é preciso garantir que o paciente tenha um estoque de ferro 
adequado, e aí pode fazer reposição de ferro oral ou venoso. Esse paciente está perdendo 
sangue e, portanto, ferro. O objetivo do tratamento é normalizar os níveis de hemoglobina e 
os estoques de ferro. 
 
 
13 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
SÍNDROMES DE FALÊNCIA MEDULAR 
São doenças hereditárias ou adquiridas que cursam com diminuição da produção de uma ou 
mais linhagens celulares. As causas hereditárias em geral aparecem na criança, mas não é 
impossível que apareçam no adulto jovem. Isso porque o fenótipo é muito variável. 
A principal síndrome de falência medular é a aplasia de medula óssea, também chamada de 
anemia aplásica adquirida. Há uma alteração na célula-tronco devido a uma ação autoimune 
dos linfócitos T. Há uma reação imunológica contra a célula-tronco. Vai haver alteração de 
todas as séries do hemograma. Boa parte das aplasias de medula são idiopáticas. Mas existe 
uma série de causas que deve-se tentar investigar. Pode ser secundária a radiação, exposição a 
benzeno, quimioterápicos citotóxicos, pode ser uma reação a alguns medicamentos 
(cloranfenicol, antiinflamatórios, antiepilépticos, sais de iodo), pode ser secundário a algumas 
infecções virais (Epstein-Barr, hepatite, parbovírus, HIV) ou associado a outras doenças 
imunológicas. Pode ser associada também à gravidez. 
As manifestações clínicas da aplasiaestão associadas a uma pancitopenia. O paciente vai ter 
anemia, neutropenia, plaquetopenia. A anemia é normocítica e normocrômica. Vai ter 
reticulócito baixo. Faz parte da investigação laboratorial pesquisar as possíveis causas e fazer 
um diagnóstico diferencial das causas hereditárias. 
No tratamento pode ser preciso transfundir os hemocomponentes. É preciso tratar a doença 
em si. Em pacientes jovens com doador compatível, o ideal é fazer um transplante de medula 
óssea. O transplante tem possibilidade de curar o paciente. Os outros tratamentos (com 
imunossupressores) até podem fazer o paciente melhorar muito, ter uma boa resposta, voltar 
o hemograma ao normal, mas eles não curam o paciente. Se o paciente é mais velho, tem 
outras comorbidades, nem sempre o transplante de medula óssea é a melhor opção. Se o 
transplante não está indicado ou não tem doador compatível, o tratamento é 
imunossupressor, com corticóide, ciclosporina, e a globulina antlinfocitária hoje é o principal 
tratamento. 
 
 
14 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
ANEMIAS MACROCÍTICAS 
 
ANEMIA MEGALOBLÁSTICA 
É anemia causada pela deficência de vitamina B12 ou ácido fólico. Vai acontecer porque essas 
vitaminas não estão sendo consumidas de forma suficiente, ou há algum problema na 
absorção, ou interferência de medicamentos ou, em casos raros, ocasionada por erros inatos 
do metabolismo. 
O ácido fólico e a bitamina B12 causam anemia porque ambos são usados na produção do DNA 
das células. Se um deles está deficiente, esse processo é prejudicado, e as células que se 
dividem muito acabam não conseguindo fazer a divisão celular, levando a anemia. Pode ter até 
pancitopenia, porque todas as células da medula óssea estão em divisão intensa. 
Especialmente nos casos de deficiência de vitamina B12 não tem só anemia, mas pancitopenia. 
 
As principais fontes alimentares de vitamina B12 são os produtos de origem animal
2 (carnes, 
peixes, ovos). A absorção da vitamina B12 depende da ligação com o fator intrínseco, produzido 
pelo estômago. Ela será absorvida no íleo terminal. Se tiver uma deficiência de fator intrínseco 
vai haver problemas na absorção. Além disso, quem fez uma ressecção do íleo terminal 
também vai ter dificuldade de absorver a vitamina B12, ou quem fez ressecção do estômago, 
ou quem tem estômago, mas não está produzindo fator intrínseco (a principal causa é 
autoimune). Existe uma influência da acidez gástrica. Quando se consome um medicamento 
que reduz a acidez gástrica há diminuição da absorção da vitamina B12. Também há influência 
da função pancreática exócrina e das bactérias intestinais. Uma insuficiência pancreática 
exócrina e uma alteração da microbiota intestinal podem atrapalhar a absorção. Na hora que a 
vitamina B12 é absorvida, ela é transportada no plasma por 3 proteínas: transcobalamina I, II e 
III, sendo que a II é a mais importante. 
 
2
 Quem é vegetariano costuma ter que repor vitamina B12. 
15 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
 
Então pode haver uma deficiência de vitamina B12 por falta de ingesta adequada (vegetarianos 
estritos3 ou filhos de mães vegetarianas, se a mãe tiver deficiência de B12, o filho não vai fazer 
estoque da vitamina, e não vai consumir porque o leite da mãe será pobre na vitamina). Pode 
haver deficiência de fator intrínseco, pela chamada anemia perniciosa (é uma doença 
autoimune no adulto, mas existem as formas congênita e juvenil), ou por causa de ressecções. 
Pdoe haver um prejuízo na absorção pelo intestino, seja por uma ressecção do íleo terminal, 
ou por uma doença inflamatória intestinal que atrapalha a absorção, ou por infestação por 
Diphyllobothrium latum, que é um parasita presente em peixes crus e mal cozidos. Por fim, 
pode haver ausência das proteínas de transporte (principalmente a transcobalamina II). 
A clínica da anemia megaloblástica pode ter manifestações das anemias carenciais (palidez, 
língua despapilada, alterações ungueais, quelite angular, inapetência, dificuldade de ganho de 
 
3
 Alguém que se torna vegetariano demora um tempo para ter anemia, porque a necessidade da 
vitamina B12 é pequena, e demora a gastar o estoque. 
16 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
peso) e das anemias graves (fadiga, dispneia, taquicardia, sopro sistólico, congestão 
pulmonar). A anemia megaloblástica também pode cursar com diarreia e vômitos, mas não é 
muito comum. E ela pode cursar com uma leve icterícia. Às vezes se vê alteração da bilirrubina 
indireta, sem clínica de icterícia. Na anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12, na 
medula óssea, ao tentar produzir a célula e não conseguir, acaba tendo um processo de 
hemólise dentro da medula. Apesar de ser uma anemia carencial, por isso, acaba tendo 
algumas características de anemia hemolítica, como a icterícia e aumento da desidrogenase 
láctica (LDH). 
Específico da deficiência de vitamina B12 é a possibilidade de parestesia, déficit sensorial, 
hipotonia, convulsões, atraso/regressão desenvolvimento, alterações neuropsiquiátricas, e 
tudo isso pode ocorrer na ausência de alterações hematológicas (o mais comum é que existam 
alterações hematológicas). 
O laboratório da anemia megaloblástica é 
uma anemia macrocítica (VCM elevado), 
normocrômica, e ela vai ter macrovalócitos 
(além da célula ser grande, ela vai ter um 
formato mais oval). Podem ser encontrados 
neutrófilos hipersegmentados (neutrófilo com 
mais de 5 segmentos). Em alguns casos pode 
ter pancitopenia. Além disso, vai ter uma 
dosagem de vitamina B12 baixa (a não ser na 
deficiência das proteínas de transporte, em 
que a dosagem de B12 é normal). Geralmente tem um aumento importante da LDH, e pode ter 
aumento da bilirrubina indireta, e essas alterações refletem uma eritropoiese ineficaz. Pode 
ter aumento do ácido metilmalônico e da homocisteína (fazem parte do ciclo da produção do 
DNA e incorporação de nucleotídeos; se não tem vitamina B12 esses produtos sobram). 
O tratamento da anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12 depende do que está 
causando. Se a vitamina B12 não está sendo adequadamente ingerida, é preciso ver o que pode 
ser melhorado na alimentação. Se não tiver como melhorar a alimentação, é preciso repor 
vitamina B12 por via oral (o paciente não tem problema de absorção). A dose de 500 a 1.000 
mcg por semana para criança é suficiente, e de 2.000 mcg por semana para adulto. Pode ser 
feita a dose semanal ou diária (nesse caso manipular a cápsula com dosagem menor). Se existe 
alguma situação em que o problema está na absorção da vitamina B12 (deficiência de fator 
intrínseco, ressecção intestinal), não adianta fazer a reposição por via oral, e nesse caso é 
preciso usar a B12 parenteral, por via intramuscular. Nesse caso, quando a anemia está 
instalada, começa repondo a vitamina B12 diariamente nos primeiros 7 dias, e aí vai espaçando 
essa dose até uma dose a cada mês, a cada 3 meses, dependendo da resposta do paciente. Se 
houver deficiência na proteína de transporte, pode-se fazer a B12 parenteral em altas doses. 
Isso porque existe deficiência de só uma das 3 proteínas, e se der altas doses de B12 se 
consegue saturar as outras proteínas. Na resposta ao tratamento, os reticulócitos começam a 
subir em 48 horas, e em 7 dias já se vê elevação da hemoglobina. A normalização do índice 
depende de como estava a hemoglobina no início do tratamento, mas em geral em um mês já 
não tem anemia. 
As fontes alimentares de ácido fólico são alguns vegetais, legumes de forma geral, amendoim, 
miúdos, milho. O ácido fólico já está presente em mais alimentos do que a vitaminaB12, e por 
17 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
isso, a deficiência alimentar de ácido fólico é menos comum. A deficiência de ácido fólico 
acontece se tem um consumo muito inadequado de alimentos, ou numa situação de alta 
demanda, como por exemplo na gestante, em que ele é necessário principalmente no 
primeiro trimestre da gestação4, pois é importante para formação do tubo neural. Deficiência 
de ácido fólico na gestação é teratogênico. Por isso é recomendado para a mulher que quer 
engravidar começar a suplementar o ácido fólico um mês antes de engravidar. Além disso, 
fases de crescimento acelerado podem ter uma deficiência relativa, e também nas anemias 
hemolíticas. Na anemia hemolítica está havendo destruição de hemácias, e a medula começa a 
trabalhar mais para repor, e nessa situação pode haver deficiência. As situações de consumo 
inadequado são restritas, mas bebês alimentados com leite de cabra ou leite em pó que não 
seja fórmula podem ter deficiência de ácido fólico. Outra situação é o alcoolismo crônico. O 
alcoolista crônico costuma se alimentar mal. O álcool é calórico mas não tem outros 
nutrientes. Qualquer problema que atrapalhe a absorção intestinal pode levar a prejuízo na 
absorção de ácido fólico, como qualquer diarréia crônica, ou grandes ressecções intestinais. 
Existem também alguns erros inatos do metabolismo (é raro), e existem medicamentos que 
interferem na absorção (fenitoína, fenobarbital; nesses casos basta suplementar com ácido 
fólico) ou no metabolismo (metotrexate, pirimetamina; não adianta dar ácido fólico, porque 
eles inibem a enzima que transforma ácido fólico em folínico, e nesse caso é preciso 
suplementar com ácido folínico). 
A clínica da anemia por deficiência de ácido fólico é semelhante à deficiência de vitamina B12, 
com exceção das manifestações neurológicas. Na gestante com deficiência de ácido fólico, 
lembrar do risco de defeitos do tubo neural. O laboratório será semelhante à deficiência de 
B12, mas com ácido fólico baixo. Pode ter aumento do LDH e bilirrubina indireta. 
No tratamento, se tem uma anemia por deficiência de ácido fólico instalada, pode-se repor o 
ácido fólico por via oral, na dose de 1 a 5 mg/dia por 4 semanas. Após isso manter uma dose 
baixa (100 a 200 mcg/dia5) até resolver a causa da anemia. A profilaxia na gestante é a dose de 
tratamento (5 mg/dia), começando um mês antes de engravidar até o fim do primeiro 
trimestre. Nas anemias hemolíticas ou problemas de absorção, a profilaxia é na mesma dose 
de tratamento. No caso de uso de metotrexate ou pirimetamina, deve-se administrar ácido 
folínico, em doses definidas nos protocolos. 
ANEMIAS MACROCÍTICAS NÃO MEGALOBLÁSTICAS 
Síndromes mielodisplásicas 
É um grupo de doenças, que se originam por uma proliferação clonal de células 
hematopoéticas. São doenças de idosos e incuráveis. Cerca de 30% delas vão evoluir para uma 
leucemia aguda, e o restante vai evoluir para uma falência medular progressiva. É mais comum 
em idosos, mas podem acontecer em qualquer faixa etária. 
Existem fatores de risco herdados (síndromes genéticas) e adquiridos para as síndromes 
mielodisplásicas. Os fatores adquiridos são radiação ionizante (radioterapia, exposição 
ocupacional, excesso de exposição a exames de imagens), exposição a produtos químicos 
(pesticidas, derivados do petróleo, quimioterapia citotóxica, exposição ao álcool/tabaco pré-
 
4
 Ao contrário do ferro, que é mais necessário no terceiro trimestre. 
5
 O ácido fólico é vendido em comprimidos de 5 mg. Pode-se dar em dias alternados, ou 3 vezes por 
semana. Mesmo que a dose seja maior, não tem problema, porque o ácido fólico é hidrossolúvel e o 
excesso é eliminado na urina. 
18 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
natal). Então um importante fator de risco é já ter tratado um câncer, com quimio ou 
radioterapia. 
Fatores genéticos associados a fatores ambientais vão levar a uma afecção da célula 
progenitora. Ainda não é considerada uma neoplasia, mas uma doença pré-neoplásica, uma 
doença clonal. Vai haver uma hematopoese ineficaz (ela acontece, mas não produz com a 
mesma eficácia). Vai haver sinais de displasia, e aumento da apoptose (as células acabam 
morrendo ainda durante a hematopoese). No sangue periférico vai haver uma citopenia ou 
citopenias, com a medula óssea hipercelular na maioria das vezes (10 a 15% dos casos é 
hipocelular). Ela é hipercelular porque a hematopoese está tentando acontecer, mas é ineficaz. 
Existe uma evolução da síndrome mielodisplásica. Na maioria das vezes a síndrome começa 
como uma citopenia refratária (na maioria das vezes anemia), com menos de 5% de blastos (é 
o valor normal). Vai ter uma anemia, ou uma plaquetopenia, ou uma granulocitopenia, e não 
consegue se achar uma causa. Existem casos em que a síndrome mielodisplásica se associa a 
presença de sideroblastos em anel (inclusões de ferro), é uma classificação à parte. A anemia 
refratária com sem excesso de blastos pode evoluir para anemia ou citopenia refratária com 
excesso de blastos. Depois ela evolui para uma anemia refratária com excesso de blastos em 
transformação, que é a leucemia mielóide aguda (acima de 20% de blastos já é leucemia 
mielóide aguda). O que faz o paciente evoluir é o tempo, simplesmente. A partir do momento 
em que o paciente tem uma leucemia mielóide aguda evoluída de uma síndrome 
mielodisplásica, o prognóstico é muito ruim. 
 
As manifestações clínicas e laboratoriais serão citopenias ou pan citopenia, macrocitose, 
aumento da hemoglobina fetal. A maioria dos pacientes não tem hepatoesplenomegalia, ou 
quando tem é muito discreta (em grandes hepatoesplenomegalias a síndrome mielodisplásica 
não é um diagnóstico diferencial). Vai ser preciso avaliar a medula óssea do paciente. Pode ser 
feito o mielograma (é uma citologia, em que se aspira o líquido da medula e faz um esfregaço; 
laudado pelo hematologista) ou a biópsia (é uma histologia, em que se tira fragmento de 
19 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
tecido; laudado pelo patologista). O diagnóstico final é sempre pela biópsia, mas o mielograma 
ajuda muito, porque a biópsia demora mais. Pode ter uma medula hipocelular, normocelular 
ou hipercelular (mais comum). Vai haver uma série de alterações displásicas, como eritroblasto 
gigante multinucleado, sideroblastos em anel, pontes citoplasmáticas e nucleares, neutrófilos 
hipossegmentados (2 segmentos). 
O que o clínico deve saber? Essa é uma doença para o hematologista acompanhar, deve ser 
encaminhado. Mas é preciso suspeitar de uma síndrome mielodisplásica frente a uma 
citopenia refratária, ou uma anemia que não melhora com o tratamento. É preciso conhecer 
os diagnósticos diferenciais (anemias carenciais, doenças hematológicas proliferativas, 
doenças autoimunes, medicamentos, HIV). E é preciso conhecer as complicações (evolução 
para malignidade, sobrecarga de ferro: o paciente começa a absorver mais ferro, que pode 
depositar em órgãos). 
Para o tratamento, existe uma estratificação de risco, e de acordo com ela trata-se o paciente 
ou não. O paciente pode ficar estável por anos, e às vezes não vale a pena começar o 
tratamento. Existe o tratamento quimioterápico, uso de indutores de diferenciação celular, 
imunossupressão, e o transplante de medula óssea, que é o único tratamento com potencial 
curativo. 
Anemia por doença hepática 
Os pacientes com doença hepática (cirrose) geralmente têm aumento do volume plasmático, o 
que já hemodilui a hemoglobina do paciente, além de poder ter hemorragias por varizes de 
esôfago, pode ter deficiência de ferro, ácido fólico, vitamina B12 (porque não alimenta bem, ou 
porque o cirrótico pode ser alcoolista crônico),pode ser anemia de doença 
crônica/inflamação. Então é uma anemia multifatorial, e o fator que predomina vai determinar 
o tipo de anemia. Mas pode ser macrocítica porque na doença hepática acontece uma 
alteração na esterificação do colesterol, que faz parte da membrana das células, e isso gera um 
excesso de membrana nas hemácias. 
Anemia do hipotireoidismo 
O paciente com hipotireoidismo pode ter anemia porque os distúrbios autoimunes podem ser 
associar (tireoidite + deficiência de fator intrínseco). Mulheres com hipotireoidismo podem ter 
menorragia. O hipotireoidismo reduz a produção de eritropoietina. Novamente é uma doença 
multifatorial. Ela será micro, normo ou macrocítica de acordo com o que predomina. Ela pode 
ser macrocítica mesmo na ausência de deficiência de B12 ou ácido fólico (não se sabe a causa). 
 
 
 
20 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
ANEMIAS HEMOLÍTICAS 
 
Hemólise é um processo de destruição aumentada das hemácias. Ela pode ser extravascular ou 
intravascular. Extravascular, ela acontece nos órgãos do sistema retículo-endotelial. Vai ter 
como característica aumento de LDH, bilirrubina indireta e reticulócitos. Pode ter 
hepatoesplenomegalia (por hiperplasia do sistema retículo-endotelial), e pode ter alterações 
na forma das hemácias. Agora, quando a hemólise for intravascular, vai ter hemoglobina livre 
no citoplasma e hemoglobinúria. Existem processos em que as duas formas de hemólise 
coexistem. 
As doenças que vão causar hemólise são as hemoglobinopatias, que podem ser estruturais ou 
por deficiência de síntese, a anemia hemolítica autoimune e os defeitos da membrana 
eritrocitária. 
HEMOGLOBINOPATIAS 
Existem 2 cromossomos que possuem 
genes que codificam as cadeias de 
globina: o cromossomo 16 e o 
cromossomo 11. Eles produzem as cadeias 
de globina, e sempre precisa de 4 cadeias 
para fazer uma hemoglobina. DE acordo 
com a faixa etária, são produzidos 
diferentes tipos de hemoglobina. A 
hemoglobina A1 é a principal 
hemoglobina do adulto. Ela possui duas 
cadeias α e duas cadeias β. A cadeia α 
vem do cromossomo 16 e a cadeia β do 
cromossomo 11. Depois tem a 
hemoglobina A2, que é a segunda 
hemoglobina mais importante do adulto. 
Ela tem duas cadeias α (cromossomo 16) e 
duas cadeias δ (cromossomo 11). A 
hemoglobina fetal tem duas cadeias α (cromossomo 16) e duas cadeias γ (cromossomo 11). 
Embora seja chamada de fetal, o bebê quando nasce ainda tem ela, e permanece até cerca de 
6 meses de vida, em situações normais (embora em algumas patologias possa haver 
permanência da hemoglobina fetal e seu aparecimento na vida adulta). Existem ainda as 
hemoglobinas embrionárias, que são menos importantes. É importante perceber que todas as 
hemoglobinas do adulto têm a cadeia α. O recém-nascido normal, na eletroforese de 
hemoglobina, vai ter o padrão AF (hemoglobina A + fetal), e no adulto vai ser AA. 
Anemia falciforme 
Na anemia falciforme acontece uma substituição de um único aminoácido em uma cadeia β, e 
essa cadeia se torna instável. Forma-se uma hemoglobina chamada S. Se fizer uma 
eletroforese de hemoglobina num adulto com doença falciforme, vai encontrar S no resultado. 
Se a alteração for em um único gene, vai ter um traço falciforme, e o paciente vai ser AS (se for 
recém-nascido, será ASF). Se ele tiver alteração em 2 genes, ele terá anemia falciforme, e será 
SS (ele não é capaz de produzir uma cadeia β normal, e por isso não se encontra hemoglobina 
21 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
A1 nesse paciente, mas ele pode ter hemoglobina A2). O paciente pode ainda ter um gene com 
o gene β alterado para anemia falciforme, e outro gene veio com outra forma de hemoglobina 
(hemoglobina C, alteração da talassemia), e esse paciente vai ter outra forma de doença 
falciforme (SC, STal). Só se chama de anemia falciforme quando o paciente é SS. Hemoglobina 
S em conjunto com outro gene alterado se chama doença falciforme (as manifestações clínicas 
são muito parecidas com as da anemia falciforme). 
A anemia falciforme é uma doença hereditária, bastante comum em alguns estados do Brasil. É 
causada por uma mutação no gene que transcreve a cadeia β da hemoglobina. Pacientes 
heterozigotos são assintomáticos (traço falciforme). A única preocupação a se ter com esse 
paciente é o aconselhamento genético. Pacientes homozigotos possuem instabilidade da 
hemoglobina, que desnatura em situações de hipóxia, desidratação, estresse, mudando a 
conformaçã da hemácia e alterando sua meia-vida. A hemácia que normalmente dura 120 dias 
passa a viver algo em torno de 15 dias, e vai sofrer hemólise intra e extravascular. 
Uma hemácia normal, quando passa por um 
capilar estreito, ela se amassa e consegue 
passar por ali. Uma hemácia falcizada 
(trepanócito) agarra nas bifurcações de 
pequenos vasos. Além da célula viver menos, 
ela agarra, provocando infartos. 
A hemácia, quando perde oxigênio ou passa 
por um estresse, a hemoglobina polimeriza, 
mudando a conformação da hemácia, até ela 
mudar de forma, perdendo a capacidade de se deformar na circulação. Esse processo das 
hemácias agarrarem dentro do vaso chama-se vaso-oclusivo. Depois esse vaso acaba sendo 
liberado, e aí tem um processo de reperfusão, que libera radicais livres e causa mais dano 
tecidual. Enquanto o vaso está ocluído, vai haver um processo de infarto, que causa dor aguda, 
pode causar uma síndrome torácica aguda, hipoesplenismo (as hemácias agarram nos 
capilares do baço, que vai infartando, e com o passar dos anos o baço vai involuindo até 
desaparecer; por volta dos 5 anos considera-se que já não há função esplênica), se for no osso 
causa osteonecrose, se for no rim, nefropatia. Além disso, quando a hemácia agarra, aumenta 
a destruição dela (hemólise intravascular), liberando hemoglobina livre no plasma, e isso 
inativa óxido nítrico e gera espécies reativas de oxigênio, aumentando o dano tecidual. O óxido 
nítrico deficiente leva a hipertensão pulmonar (a longo prazo), priaprismo, úlceras em perna e 
doença cerebrovascular. Além disso, são pacientes inflamados, com aumento de expressão de 
algumas moléculas inflamatórias e com um estado de hipercoagulabilidade. 
 A maior parte das manifestações clínicas vão advir da crise vaso-oclusiva, que pode ser 
desencadeada por hipóxia, infecção, desidratação, frio, febre, 
acidose, exaustão física. Quando tem uma crise vaso-oclusiva, 
pode ter dor em qualquer região, e pode ser desde uma dor 
leve, que passa com uma analgesia por via oral, até uma dor 
muito importante, que leve o paciente a ser internado, usar 
altas doses de morfina, e mesmo assim demorar a melhorar. 
Quando acontece da vaso-oclusão ser nos dedos da criança, 
os dedos incham, e se chama de dactilite, ou síndrome mão-pé. Isso é mais comum em criança. 
No tratamento da crise álgica vaso-oclusiva, primeiro corrigir a causa (tratar infecção, hidratar, 
22 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
esquentar). Em segundo, fazer a analgesia. Quanto mais rápido reverte o processo álgico, 
menos demorada vai ser a resolução da crise como um todo. O objetivo é tentar tirar o 
paciente da crise em até uma hora após o início do quadro. É importante não esquecer de 
hidratar (esse paciente tem uma viscosidade sanguínea maior, e se o paciente não for mantido 
bem hidratado a chance de crises oclusivas é maior; o paciente é instruído a sempre beber 
muita água). Outra coisa é aquecer o paciente. Existem ainda medidas não farmacológicas 
usadas no controle da dor (distrair o paciente, acupuntura, cromoterapia, etc). Começa a tirar 
a analgesia pelo menos 24 horas após o paciente parar de sentir dor. 
 Outra manifestação muito importante é a 
síndrome torácica aguda.Atualmente é a 
principal causa de mortalidade no paciente com 
doença falciforme. Ela tem causa multifatorial, 
pode ter um processo infeccioso, pode ter uma 
vaso-oclusão pulmonar, pode ser que a medula 
óssea necrótica tenha soltado êmbolos 
gordurosos, pode estar acontecendo um 
sequestro pulmonar. Como não se consegue 
saber exatamente o que está acontecendo, de 
uma forma geral considera-se que a infecção é 
uma causa potencial para todo paciente, então 
se trata com antibiótico. Os sintomas são dor torácica, dispneia, queda da saturação, febre e o 
aparecimento de infiltrado no raio X de tórax. Até metade dos pacientes têm um primeiro raio 
X de tórax normal. Aí quando hidrata o paciente é que o infiltrado aparece. Por isso, mesmo 
com um raio X normal não se descarta síndrome torácica aguda. O tratamento é com 
oxigenoterapia em todos os pacientes que estão hipoxêmicos. Analgesia segue o mesmo 
princípio da crise álgica. Entra com antibiótico de amplo espectro: ceftriaxona (gram negativos 
e germes capsulados de comunidade) + macrolídeo (atípicos). A hidratação faz parte, mas é 
preciso ter cuidado para não hidratar e enxarcar esse paciente. Existe o tratamento com NO 
inalatório, mas poucos serviços têm disponível. 
 O AVC pode ser isquêmico ou hemorrágico, pode ser 
recorrente e tem alta mortalidade e sequelas. O AVC 
isquêmico acontece por obstrução de vaso, com 
isquemia do tecido. O AVC hemorrágico acontece 
porque o paciente pode ter processos isquêmicos na 
microvasculatura cerebral, e aí ele vai formando 
neovasos para contornar essa isquemia (padrão de 
moyamoya). Esses neovasos são muito frágeis e 
propensos a hemorragias. Para tratar o paciente que 
já teve AVC, como geralmente acontece com os 
pacientes que têm manifestações mais graves, eles 
precisam entrar numa terapia transfusional com 
exsanguíneo parcial no quadro agudo (tira um pouco 
de sangue do paciente e transfunde), e depois um regime de transfusão crônica para manter a 
HbS menor que 30%. 
Quando o paciente tem muita crise vaso-oclusiva (mais de 3 por ano), também pode fazer essa 
terapia para reduzir a HbS e o paciente ter menos sintomas. 
23 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
As úlceras de membros inferiores costumam aparecer a partir da segunda década de vida. É 
uma úlcera maleolar. O tratamento é semelhante a outras etiologias de úlceras, em termos de 
cuidados locais. 
O priapismo é a congestão dos corpos cavernosos pelas hemácias falcizadas, e o paciente 
apresenta uma ereção dolorosa e permanente. É preciso fazer analgesia, hidratação, 
exsanguíneo parcial, punção aspirativa e, se não resolver, tratamento cirúrgico. 
Todo paciente que tem anemia hemolítica, a medula tem que trabalhar muito para produzir 
hemácias para repor. Se o paciente tem uma infecção que atrapalha a medula de trabalhar, 
como infecção pelo parvovírus B19 (que tem tropismo por células eritropoéticas), vai ter além 
do processo de hemólise uma aplasia de medula, uma crise aplásica. A crise aplásica é uma 
anemia aguda com reticulócitos baixos, sem esplenomegalia, e que pode levar o paciente ao 
choque por falta de sangue mesmo. Ela é autolimitada, dura até 10 dias. O tratamento é o 
suporte transfusional. 
Existe a crise do sequestro esplênico. Geralmente acontece em crianças mais novas. Também é 
uma anemia grave, mas aqui há esplenomegalia e reticulócitos elevados. O baço começa a 
crescer, geralmente seguido a alguma infecção viral, e ele começa a sequestrar as hemácias 
para dentro dele. A medula vai trabalhar mais para repor, e tem reticulócito alto. Pode ter 
plaquetopenia. Há risco de evolução para choque. O tratamento é com suporte transfusional 
até resolver o quadro agudo, e programar esplenectomia, se o paciente já tiver mais de 2 anos. 
Se ele tem menos de 2 anos, fazer regime transfusional crônico para diminuir HbS, porque o 
sistema imunológico ainda não está tão maduro. 
A crise hemolítica é quando, em algum momento, começa a hemolisar ainda mais. Geralmente 
está associada a algum processo infeccioso. Com isso piora a anemia, tem mais reticulocitose, 
aumenta a icterícia. O tratamento é com transfusão e suporte hemodinâmico. É comum vir a 
crise hemolítica junto com a crise vaso-oclusiva. 
Pode haver ainda crise megaloblástica, por carência de ácido fólico. Por isso é preciso fazer 
suplementação profilática. 
As complicações crônicas são litíase biliar (todo paciente com anemia hemolítica tem chance 
de ter litíase biliar, pelo aumento da bilirrubina), vasculopatia retiniana, comprometimento do 
crescimento e atraso puberal (como em toda doença crônica), dor neuropática (pacientes que 
tiveram muitas crises álgicas na vida, principalmente quando demora a tratar), necrose óssea, 
osteopenia, sobrecarga de ferro (o paciente transfunde muito), hipertensão pulmonar (vaso-
oclusão pulmonar crônica). 
No diagnóstico, atualmente o teste do pezinho faz 
o screening, e existem 3 resultados possíveis: AF 
(normal), AFS (traço falciforme), SF (anemia 
falciforme), além de outros tipos de hemoglobina. 
O ideal é repetir a eletroforese de hemoglobina a 
partir do sexto mês (quando a hemoglobina fetal 
tende a sumir). Bebês que foram transfundidos 
deve-se esperar 3 meses para repetir o exame. 
Existe um teste, o teste de solubilidade, que 
confirma a presença de HbS através da precipitação 
em um tampão fosfato (dá positivo também no 
24 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
traço falciforme). 
 O hemograma da anemia falciforme vai mostrar uma anemia normocítica e normocrômica, 
pode ter leucocitose e plaquetose (a medula trabalha muito, produzindo tudo, além do fato do 
baço parar de funcionar, fazendo com que leucócitos e plaquetas vivam mais). Ao observar o 
esfregaço, a principal característica é a presença de hemácias falcizadas (compridas e 
pontiagudas). Algumas hemácias apresentam corpúsculos de Howell-Jolly, que são restos de 
DNA na hemácia (seta). É um sinal de que o paciente tem hipoesplenismo (porque o baço é 
que retira esses fragmentos das hemácias). Pode ainda aparecer eritroblastos no sangue 
periférico (NR na imagem). 
No tratamento da anemia falciforme deve ser feito suplemento de ácido fólico. Por conta do 
hipoesplenismo, esse paciente tem maior risco de infecção (germes capsulados), e é preciso 
usar antibiótico profilático, que pode ser penicilina benzatina (a cada 21 dias) ou penicilina V 
oral (diario). Regime transfusional crônico, quando indicado. A hidroxiureia é indicada quando 
há crises álgicas de repetição, alteração no Doppler transcraniano, pacientes com sequeestro 
esplênico, priapismo de repetição. Fazer um acompanhamento rigoroso das complicações e 
seu tratamento. Existe a chance de curar o paciente através do transplante de medula óssea. 
Mas como é uma doença benigna, só se faz transplante de doador aparentado. 
Talassemias 
Talassemias são transtornos associados a defeitos nas cadeias da hemoglobina A (α e β). A 
síntese das cadeias pode estar ausente (α0 e β0) ou reduzida (α- e β-). Assim como na anemia 
falciforme, a heterozigose traz resistência à malária. Tem maior incidência no Mediterrâneo, 
Oriente Médio, Sudeste Asiático, África. Existe a alfa e a beta-Talassemia. Cada cromossomo 
16 tem dois genes α. Mas o cromossomo 11 tem apenas um gene β. 
Alfa-talassemia 
Cada cromossomo 16 tem dois genes α. Então cada pessoa tem 4 genes α. O normal é ter os 4 
genes normais. Se a pessoa tem um dos 4 genes defeituoso, ou seja, 3 cópias normais do gene, 
ela é chamada de portadora silenciosa. Ela não tem sinais de anemia, nenhuma manifestação 
clínica. Se tiver 2 genes normais e 2 defeituosos (não faz diferença se no mesmo cromossomo 
ou em cromossomos cruzados), éo chamado traço talassêmico. Os pacientes com traço 
talassêmico têm anemia leve, com uma vida praticamente normal. O que costuma acontecer é 
que ela tem uma anemia que é tratada como ferropriva mas não melhora. Mas isso tem pouco 
impacto na vida da pessoa. Quando a pessoa tem 3 genes defeituosos e apenas um gene 
normal, ela vai ter o que se chama de doença da hemoglobina H (HbH), com uma anemia de 
moderada a grave. Precisa ter duas cadeias α e duas cadeias β para fazer a hemoglobina A1. Se 
estiver faltando cadeia α vai começar a sobrar e acumular cadeia β. Começa a juntar 4 cadeias 
β, formando um tetrâmero, que é a hemoglobina H. 
Porém, lembrar que a hemoglobina fetal é formada por cadeias α e γ. Então, quem tem alfa-
talassemia com 3 genes alterados, na vida fetal faz tetrâmero de cadeia γ. Quando tem 4 
cadeias γ, se chama hemoglobina de Bart. Isso é importante, porque no teste do pezinho vai 
encontrar Hb de Bart. 
A presença de 4 genes alterados e nenhum normal é incompatível com a vida, porque todas as 
hemoglobinas depois do período embrionário precisam da hemoglobina α. 
25 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
 
O portador silencioso (um gene defeituoso) não tem anemia, no máximo tem uma microcitose. 
Ele pode formar hemoglobina de Bart quando é RN, mas numa quantidade muito pequena (1 a 
2%). A pessoa que tem 2 genes alterados tem o traço talassêmico, e tem uma anemia leve, 
com microcitose e hipocromia acentuadas. Pode ser cis (mesmo cromossomo) ou trans 
(cromossomos diferentes). A hemoglobina de Bart vai ser um pouco mais alta (3 a 8%). Se tiver 
3 genes alterados, tem a doença da HbH. São tetrâmeros de cadeias β que precipitam dentro 
da hemácia e fazem hemólise. Esse paciente vai ter pelo menos anemia moderada, além de 
microcitose com fragmentação das hemácias, e vai ter hemoglobina de Bart no bebê (25%) e 
hemoglobina H quando adulto (15%). 
Beta-talassemia 
A beta-talassemia vai ser uma alteração na globina β. De forma análoga à alfa-talassemia, se 
tiver alterações graves na β globina, vai ter acúmulo da cadeia α. O gene β pode estar 
totalmente não funcionante (β0), ou funcionando parcialmente (β-). O normal é ter dois genes 
funcionando bem, com uma eletroforese de hemoglobina normal. Quando um gene funciona 
menos e o outro funciona normal, tem uma beta-talassemia menor, com uma falha parcial no 
gene β. Esse paciente tem uma anemia discreta, leva uma vida normal na maioria das vezes, 
mas ele vai ter a hemoglobina A2 um pouco aumentada (> 4%). O paciente que tem um gene 
normal e um que não funciona, ou que tem dois genes que funcionam parcialmente, vai ter 
uma anemia de discreta a moderada, uma beta-talassemia intermédia, e também vai ter 
aumento da hemoglobina A2, além de ter a hemoglobina fetal um pouco aumentada. Quando 
o paciente tem um gene que não funciona e outro que funciona parcialmente já vai ter uma 
anemia mais grave, uma beta-talassemia maior. E se nenhum dos dois genes funcionam, ele 
vai ter uma anemia muito grave, não vai ter hemoglobina A1, e tem até 98% de hemoglobina 
fetal. 
Vai ter um excesso de cadeias α. Essas cadeias precipitam dentro da célula e causam dano à 
membrana. Na circulação periférica, nos eritrócitos, esse dano de membrana vai fazer que a 
26 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
célula sofra hemólise. Na medula óssea, isso vai levar à eritropoese ineficaz (começa a produzir 
muito, mas não consegue entregar eritrócitos funcionantes de forma eficaz, eles acabam 
sendo destruídos dentro da medula). Com tudo isso vai ter anemia. Se tem anemia, vai 
precisar de transfusão, vai ter um aumento da eritropoese, a medula vai trabalhar muito, e vai 
aumentar a absorção de ferro (como a medula óssea está trabalhando muito, o organismo 
entende que precisa de muito ferro). Por conta da transfusão e do aumento da absorção de 
ferro, há sobrecarga de ferro, podendo danificar órgãos. E por conta do aumenta da 
eritropoese, a medula se hiperplasia, e sítios que faziam hepatopoese na vida embrionária, 
voltam a fazer para ajudar a medula. Então tem hiperplasia de medula óssea, que leva a 
deformidades ósseas, e hepatoesplenomegalia. 
 
Resumindo as formas clínicas, a beta-talassemia minor tem manifestações brandas, não 
precisa de tratamento específico, mas pode ter esplenomegalia, pode ter colelitíase, úlceras de 
membros inferiores, alterações ósseas leves. A forma intermédia já vai ter uma anemia 
moderada, podendo ter necessidade transfusional. A criança vai ter alteração do crescimento, 
desenvolvimento, maturação sexual. Pode evoluir com hipertensão pulmonar, 
hiperesplenismo, alterações ósseas. A major vai ser grave. Esse paciente tem que ficar em 
terapia transfusional para manter a hemoglobina entre 9 e 10. Esse paciente vai estar em risco 
transfusional, de infecção, reações transfusionais, acúmulo de ferro. 
O tratamento vai ser principalmente com o suporte transfusional, quelação de ferro (quando 
tiver acúmulo de ferro), pode fazer esplenectomia e prevenir e tratar as complicações 
(crescimento, deformidades ósseas, alterações endócrinas, infertilidade, trombose). O 
tratamento curativo é transplante de medula óssea, mas também só é feita com doador 
aparentado. 
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE 
É uma anemia adquirida. É uma anemia hemolítica causada por autoanticorpos fixados a 
antígenos na membrana eritrocitária. Vai ter hemólise intravascular e extravascular 
combinadas. É mais comum em mulheres jovens. Existem várias causas secundárias envolvidas 
(lúpus, infecções, tumores, imunossupressão, medicamentos), mas a maior parte é idiopática. 
Vão existir sinais e sintomas de anemia e hemólise. Pode ter hepatoesplenomegalia, febre, dor 
abdominal. No laboratória, a anemia geralmente é macrocítica, com reticulocitose. Vai ter 
27 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
eritroblastos em sangue periférico. A bioquímica vai ser de hemólise, com hemoglobinúria. O 
coombs direto será positivo em 96% dos casos. Não esquecer de investigar causas secundárias. 
O paciente que tem anemia hemolítica autoimune tem autoanticorpos ligados a antígenos na 
superfície dos eritrócitos. No teste de Coombs direto é adicionado ao sangue o soro de 
Coombs, que é um anticorpo anti-anticorpo. Se existem autoanticorpos, as células começam a 
grudar uma na outra e precipitam. Isso é o Coombs direto positivo. 
 
No tratamento, se tiver causa de base, deve ser retirada essa causa. Se é uma doença 
autoimune, pode precisar imunossuprimir, com corticóide e imunoglobulina. Fazer suporte 
transfusional cuidadoso (o autoanticorpo pode se ligar na hemácia do doador também, 
acelerando o processo de hemólise). 
DEFEITOS DE MEMBRANA ERITROCITÁRIA 
É uma desordem hereditária caracterizada por hemácias osmoticamente frágeis e com 
alteração na forma devido a alterações no citoesqueleto. Geralmente é uma herança 
autossômica dominante. O citoesqueleto é importante na deformabilidade da hemácia (para 
ela conseguir passar nos vasos mais finos), no metabolismo e no envelhecimento. Em 20 a 25% 
dos casos os pais são assintomáticos (mutação de novo, penetrância variável). Pode haver 
esferocitose, eliptocitose, piropoiquilocitose. 
A gravidade é variável. Vai ter sintomas de hemólise (anemia, icterícia, reticulocitose, 
esplenomegalia leve). Poucos paciente têm uma hemólise importante ou necessidade 
transfusional. Podem ter crises hemolítica, aplásica, megaloblástica, assim como na anemia 
falciforme. Pode ter cálculo biliar, gota, úlceras em membros inferiores. Existe um teste para 
avaliar a fragilidade osmótica das hemácias. A sensibilidade é de 70%. 
O tratamento é com ácido fólico, suporte transfusional pode ser necessário nas crises, 
esplenectomia nos casos graves.28 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
COAGULAÇÃO E SÍNDROMES HEMORRÁGICAS 
 
A hemostasia se faz através de um equilíbrio entre sangramento e coagulação. Ela depende do 
endotélio, das plaquetas, da coagulação e da fibrinólise. Se alguma coisa nisso atrapalha, vai 
ter um risco de sangramento ou trombose. 
Quando se tem uma lesão vascular, a primeira coisa que ocorre é uma vasoconstrição, para 
evitar que o sangue fique jorrando. Depois disso vai ocorrer a adesão e agregação plaquetária. 
Até aqui há a hemostasia primária, com a participação de fatores locais e atividade 
plaquetária. Num momento secundário, chamado de hemostasia secundária, vai haver a 
ativação dos fatores de coagulação. E, por último, vai formar o coágulo de fibrina. Num 
terceiro momento, o organismo vai tentar desfazer daquela coágulo, e aí vai vir a fibrinólise, 
que no final vai lisar o coágulo. 
 
Com a lesão vascular vai haver uma vasoconstrição e diminuição do fluxo. Aqui já é hemostasia 
primária (qualquer defeito em vaso vai ter relação com hemostasia primária). Com a exposição 
do colágeno, vai haver uma secreção plaquetária, com liberação de serotonina, fosfolípide 
plaquetário, tromboxano A2 e ADP. Isso estimula a vasoconstrição para tentar fazer o 
sangramento parar, e vai estimular a agregação plaquetária. A partir de uma estimulação 
também vascular (o papel do endotélio é muito importante na coagulação), o fator tecidual, 
liberado pelo endotélio, vai ativar a cascata da coagulação (que também é estimulada pela 
secreção plaquetária), e isso vai gerar trombina (a partir da protrombina), que vai se 
transformar em fibrina e fazer o coágulo estável. A destruição do coágulo se chama fibrinólise. 
Os fatores da coagulação são produzidos, em sua maioria, pelo fígado. Por isso a hepatopatia 
corre do lado da coagulopatia. Além disso, o paciente hepatopata vai ter hipertensão portal, e 
com isso vai ter esplenomegalia, e com a esplenomegalia vai ter plaquetopenia. A meia-vida 
dos fatores de coagulação é extremamente variável. Por exemplo, o uso de Varfarina, que é 
um anti-coagulante que é antagonista da vitamina K. Se um paciente sangra pelo uso de 
Varfarina, para imaginar quando vai acabar o efeito dela, é preciso ver os fatores que ela 
inativa (II, VII, IX e X), e por isso seu efeito acaba em cerca de 3 dias (o fator em que ela atua 
29 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
que tem maior meia-vida tem esse tempo). Por outro lado, para ela começar seus efeitos é a 
mesma coisa. 
 
O tempo de protrombina (TP) vê a via extrínseca da coagulação (nela participam os fatores 
vitamina K dependentes). Nessa via existem 3 fatores vitamina K dependentes, e um fator que, 
embora seja produzido pelo fígado e faz parte da protrombina, não é vitamina K dependente, 
que é o fator V. Se tem um paciente em que não se sabe se ele está com falta de vitamina K ou 
não está produzindo fatores porque o fígado está ruim, e tem o TP alterado, o que se pode 
fazer é dosar o fator V. Quando se faz o TP, vêm mais duas medições que lêem a mesma coisa: 
a atividade de protrombina e o RNI. O RNI é para fazer o controle da Varfarina. A atividade de 
protrombina serve para fazer uma imaginação da situação patológica, porque em geral se sabe 
que um paciente com uma atividade de protrombina maior que 50% dificilmente vai ter 
sangramento espontâneo, e provavelmente pode ser submetido a um tratamento cirúrgico 
sem preocupação. 
Um TP prolongado pode significar deficiência dos fatores II, VII, X (vitamina K dependentes) e 
V. Ele também pode ser influenciado por um fibrinogênio baixo (< 100 mg/dL), que ocorre nas 
disfibrinogemias, e pode ser influenciado pela presença de inibidores (por exemplo, um 
paciente com tumor ou doença autoimune pode produzir inibidores). 
O tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA) tem outros fatores que o influenciam: 
calicreína, cininogênio, fatores XII, XI, IX, VIII, e a fase final, com os fatores X, V, II, fibrinogênio 
e fibrina. É a via final comum ao TTPA e ao TP. Então provavelmente, se for uma deficiência de 
fator X, V, II, pode ser que o paciente tenha alteração tanto no TP quanto no TTPA. Por 
exemplo, um paciente com hemofilia B, que é deficiência do fator IX, vai chegar com um TTPA 
alargado. Um hepatopata em fase terminal pode ter tudo alargado. O que altera o TTPA é a 
deficiência principalmente dos fatores da via intrínseca (aquelas não vitamina K dependentes). 
Pode haver ainda o tempo de trombina, que vai olhar para o fibrinogênio, avaliando a 
formação da fibrina, e pode dar uma indicação de algum problema que venha a ocorrer nessa 
etapa. Geralmente, ele estará alargado por uma redução ou aumento do fibrinogênio, 
30 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
disfibrinogenemia, e em momentos em que há uma degradação da fibrina. Por exemplo 
quando há uma embolia pulmonar, ou uma trombose, é natural que a fibrinólise esteja 
aumentada. Isso vai gerar produtos de degradação da fibrina. O principal exame que vê isso é 
o D-dímero. 
Em um paciente que está sangrando, deve-se olhar para as plaquetas (hemostasia primária, e 
secreção plaquetária que estimula a cascata da coagulação). Se elas estiverem normais não 
exclui um problema plaquetário. Existem alterações de função plaquetária, que podem ser 
tanto do ponto de vista adquirido quanto congênitas. Uma disfunção adquirida é quando se 
usa uma droga anti-agregante (AAS), por exemplo. É importante também olhar os fatores de 
coagulação, porque eles entram na hemostasia secundária. E se olha para eles através do TTPa 
e atividade de protrombina. TTPa normal não exclui de tudo, porque existem fatores que não 
levam a alteração do TTPa, como o fator XIII. Se ele está alargado, isso fala provavelmente em 
deficiência de fatores da via intrínseca. O TP alto fala de uma alteração na via extrínseca. E se 
os dois estiverem, fala a favor de uma deficiência de fatores da via final comum. 
 
 
31 
JOÃO PAULO MAULER – MED 106 
 
Quando há uma disfunção plaquetária, medicamentos são uma causa importante, mas pode 
ter quadros hereditários. Além do uso de medicações, algumas doenças hereditárias raras são 
defeitos congênitos da função plaquetária. 
O paciente que tem petéquias ou hematomas pode ter uma deficiência da hemostasia 
primária. A primeira coisa que se pensa num quadro desses é se o paciente tem alguma 
disfunção plaquetária. A função plaquetária pode ser vista furando a pele da pessoa e 
contando o tempo que ela demora para parar de sangrar. É o chamado tempo de 
sangramento, que pode dar uma noção da hemostasia primária, e indiretamente olhar a 
função plaquetária. 
Quando se tem um sangramento por um defeito funcional de plaquetas, mesmo que elas 
estejam quantitativamente normais, pode ser que tenha que se fazer uma transfusão de 
plaquetas. Se isso não for necessário, pode-se atuar aumentando o fator de Von Willebrand ou 
usando anti-fibrinolíticos, ou seja, reduzindo o sistema de fibrinólise. 
As púrpuras vasculares são várias. Uma das que se conhece são as manchas da melancolia ou 
púrpuras psicogênicas. São alterações espontâneas. 
Uma púrpura alérgica que é um defeito vascular também, muito comum em crianças, que dá 
uma púrpura palpável com plaquetas normais, chama-se púpura de Henoch-Schonlein. A 
distribuição poupa tronco. 
A telangiectasia hemorrágica hereditária é uma doença familar que dá telangiectasias em todo 
o TGI e vias aéreas (pode dar epistaxe de repetição). Não altera exame nenhum, porque é uma 
púrpura vascular. Só dá anemia ferropriva. 
No ambiente hospitalar usa-se muito heparina. A heparina é um indutor de trombocitopenia 
por uma ativação de anticorpos. A heparina não é antiagregante plaquetário, ela é um 
anticoagulante,

Continue navegando