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OS ECONOMISTAS E AS INTER-RELAÇÕES ENTRE O SISTEMA ECONÔMICO E O MEIO-AMBIENTE Charles C. Mueller NEPAMA Departamento de Economia – UnB (Abril de 2004) (Este volume é o resultado de um intenso esforço de pesquisa e reflexão pelo autor, tornado possível, em parte, pelos recursos do Programa Pronex, do NEPAMA, ECO-UnB). RESUMO Este volume focaliza as duas principais variantes da economia do meio-ambiente, uma disciplina que apenas recentemente se estabeleceu como ramo da economia. Antes a análise econômica implicitamente considerava a economia um sistema auto contido; a nova disciplina, entretanto, passou a focalizar a economia como um sistema inserido no meio- ambiente, com o qual se inter-relaciona ativamente. A economia do meio-ambiente se apresenta hoje basicamente em duas principais vertentes: a da economia ambiental neoclássica, e da economia ecológica. A grande diferença entre as duas está nas hipóteses ambientais de cada uma: a economia ambiental neoclássica considera o meio-ambiente essencialmente benigno e volta suas atenções aos efeitos de impactos ambientais causados pelo sistema econômico em termos de bem-estar dos indivíduos em sociedade. Não nega que tais impactos causam danos ao meio-ambiente, com repercussões negativas à sociedade humana; mas considera que esses danos podem ser revertidos sem maiores problemas, desde que se adotem medidas de estímulo de mercado para a remoção dos fatores que os causaram. A economia ecológica, entretanto, rejeita essa postura; para essa corrente, não é ilimitada a capacidade do meio-ambiente de absorver os impactos do sistema econômico. Ela trata o sistema econômico como um ser vivo, que intercambia energia e matéria com seu meio externo; e considera que, atualmente, a escala do sistema econômico, e natureza de seus impactos são tais que se sua expansão continuar nos moldes recentes, a resiliência do meio-ambiente poderá ser seriamente afetada, com conseqüências potencialmente catastróficas. O livro faz uma avaliação crítica abrangente dessas duas vertentes da economia do meio-ambiente. PARTE I. A ECONOMIA E A QUESTÃO AMBIENTAL 2 Capítulo 1 – Crescimento, desenvolvimento e meio-ambiente Conforme já se mencionou, parcela importante do presente manual está voltado ao exame das duas principais correntes de pensamento da economia ambiental, ressaltando tanto as principais contribuições como os pontos fracos de cada uma delas. Entretanto, para que se tenha uma compreensão mais precisa da essência dos fenômenos que essas correntes de pensamento tratam, este capítulo apresenta um exame das questões e controvérsias que estão na origem da economia do meio-ambiente. Em essência, as mesmas têm a ver com os impactos sobre o meio- ambiente de um crescimento contínuo da escala da economia mundial. A população humana e a produção material vêm se expandindo, levando, de um lado, a um aumento continuado da extração de recursos naturais do meio-ambiente, e produzindo, do outro lado, volumes cada vez maiores de emanações de resíduos e rejeitos para o meio-ambiente, muitos de elevado potencial nocivo. A questão que se coloca é: será que não existem limites para essa expansão? Será que a economia mundial pode continuar a se expandir indefinidamente sem provocar sérias repercussões ambientais? Associado às avaliações a respeito dessas questões está o enorme desafio de desenhar estruturas institucionais e aparatos de políticas que possam reduzir os impactos ambientais mais nocivos – tanto os que ocorrem em nível local como os impactos globais – decorrentes da expansão das atividades humanas. Para enfrentar com sucesso a esse desafio, é desejável que se forme um consenso a respeito dos problemas ambientais que mais preocupam, e sobre a natureza dos instrumentos a serem usados para resolvê-los ou amenizá-los. Entretanto, esse consenso está longe de ser alcançado. Como veremos, há formas diferentes de ver essas questões e sugestões distintas de estratégias e políticas para enfrentá-las. Esses distintos pontos de vista não se restringem à análise econômica, mas eles têm impactos importantes sobre a evolução de corrente de pensamento da economia do meio-ambiente. Para que se possa melhor avaliar a situação, bem como para estabelecer uma base factual para o estudo da economia do meio-ambiente, julgamos, pois, necessária a presente discussão introdutória. Ela forma o pano de fundo para o estudo das principais contribuições, e das maiores deficiências das principais correntes de pensamento da economia do meio-ambiente. 1. A escala da economia, o estilo de desenvolvimento e o meio-ambiente 1.1. A escala da economia e o meio-ambiente Começamos fazendo uma analogia biológica: consideramos a sociedade humana um organismo vivo, complexo e multifacetado que, como todo ser vivo, retira energia e matéria de alta qualidade de seu meio externo – o meio-ambiente –, as emprega para se manter, crescer, evoluir, e as devolve a esse meio externo degradados, na forma de energia dissipada, resíduos e dejetos – ou seja, de poluição. Desde o momento em que, nos primórdios dos tempos, o homem se organizou em sociedade, esse fluxo de matéria e energia está na base do funcionamento da economia humana – semelhantemente, aliás, ao que acontece com todo o ser vivo. Mas, por muitos milênios isso ocorreu sem maiores problemas; há registros históricos, num âmbito geográfico localizado, de esgotamento de recursos naturais básicos, com dificuldades para um determinado país ou grupo social. Também há registros de poluição e de degradação ambiental intensas, mas também em um domínio muito localizado.1 1 Isso ocorreu, por exemplo, nas cidades industriais inglesas nos séculos XVIII e XIX. 3 Depois da Segunda Guerra Mundial, entretanto, esses problemas começaram a ser sentidos com uma intensidade e uma amplitude cada vez maiores. Recentemente a economia mundial atingiu escala suficientemente elevada para fazer com que o ritmo de extração de recursos naturais e o de emanações de rejeitos, de poluição, se tornassem fonte de crescente preocupação. Na década de 1970 a preocupação mais intensa residia na possível escassez de recursos energéticos; hoje a preocupam mais os possíveis impactos de poluição global que se acumula, especialmente a que vem originando o ‘efeito-estufa’ – as mudanças climáticas geradas por acúmulo crescente de dióxido de carbono e outros gases na atmosfera. Além disso, em nível localizado, a poluição e a emanação e acúmulo de dejetos são motivos de ações defensivas em quase todos os países, envolvendo esforços e recursos econômicos e financeiros cada vez maiores. Essa evolução está associada à expansão recente do sistema econômico global. A partir da década de 1950 essa expansão se acentuou consideravelmente, exigindo quantidades crescentes de recursos naturais e gerando volumes cada vez maiores de emanações ao meio- ambiente de rejeitos nocivos. A atual preocupação com os impactos ambientais causados pela sociedade humana resulta, pois, da escala elevada da economia mundial dos nossos dias. Enquanto esta era reduzida, os impactos globais da atividade econômica eram pequenos e localizados; com sua ampliação, esses impactos aumentaram significativamente. Em termos muito gerais, a escala (o tamanho, a dimensão) da economia global tem dois componentes básicos: a magnitude da população humana; e o nível de renda per capita médio – ou melhor, o nível da produção material porhabitante. E esses dois componentes têm fortes relações com a questão ambiental. Com efeito, por mais pobre que seja uma sociedade, se a sua população cresce a uma taxa elevada, aumenta o número de pessoas que requerem alimentos e um mínimo de bens e serviços; aumentam os requerimentos de espaço para abrigar e alimentar essas pessoas; e se ampliam as emissões de resíduos, de rejeitos. Aumenta, pois, sua escala. A degradação ambiental de países pobres superpovoados e de elevado dinamismo demográfico tende a ser qualitativamente diferente da que ocorre nos países ricos, mas ela existe e é preocupante. Inclui, por exemplo, o lixo que se acumula próximo a residências e os dejetos humanos não recolhidos e tratados; a poeira nos aglomerados urbanos; a fumaça da queima de lenha e esterco dentro das residências; a destruição dos solos e das florestas associados à ocupação de terras, a erosão e a degradação das águas causadas por populações de regiões de elevada densidade demográfica e de taxas elevadas de crescimento populacional. Por sua vez, mesmo que tenha população estável (uma população que não cresce), um país cuja renda per capita se expande acentuadamente usa quantidades crescentes de recursos naturais e gera emanações de rejeitos, de poluição, cada vez maiores. Via de regra, o aumento da renda per capita está associado a uma produção material cada vez maior. E, para que esta ocorra, tornam-se necessários cada vez mais recursos naturais. Ademais, os processos de produção e de consumo em expansão, trazem consigo poluição e degradação ambiental crescentes. A ciência e a tecnologia podem amenizar a situação, mas as leis da natureza impedem com que sejam eliminados esses efeitos da expansão da produção material. Em nível global, portanto, os dois elementos da equação – a expansão da população e o crescimento da renda per capita – vêm resultando em uma escala cada vez maior do sistema econômico, com impactos ambientais negativos, que se tornaram altamente preocupantes. Algebricamente, podemos escrever: 4 Y = Y/P x P ; e, (1) DA = Ω(Y) (2), onde Y é o produto real total (o Produto Interno Bruto real) da economia em um dado período (digamos um ano), tomado como indicador da escala da sua produção material no período; P representa a população da economia naquele momento do tempo; e DA, a degradação ambiental que se observa então. A primeira equação – que, na verdade, é uma tautologia – diz que o produto real total em um dado período é igual à renda per capita da economia no período, multiplicada por sua população. Em essência, essa representação ressalta os dois grandes elementos determinantes da escala. Por sua vez, a equação (2) afirma que a degradação ambiental é uma função Ω da escala da produção material da economia. É importante ressaltar que não há uma relação fixa e estável entre Y e DA. Essa relação pode ser diferente entre países e, dentro de um mesmo país, pode variar ao longo do tempo. A configuração da função Ω(Y) depende da composição da produção e da tecnologia adotada na produção. Existem países com estruturas de demanda que requerem produtos cuja manufatura envolve mais recursos naturais, geram mais poluição e, além disso, produzem mais lixo na etapa do consumo. E, para um determinado nível de produto real, existem tecnologias de produção que são mais eficientes na conversão de materiais básicos (recursos naturais) em produtos, e que causam menos poluição que outras. Assim, para um país em um dado momento, a relação Ω(Y) vai depender da composição da produção que a sociedade demanda, e da tecnologia adotada para gerar essa produção. A figura abaixo ilustra a relação. Ali se vê que a composição da produção e o grau de “limpeza” das tecnologias usadas na produção determinam a natureza da ligação entre a escala da produção e a degradação ambiental. Dependendo desses dois elementos, uma mesma escala determina uma maior ou menor degradação ambiental. E, alterando a composição da produção e o grau de “limpeza” das tecnologias usadas, as políticas econômica e ambiental podem, até certo ponto, modificar os impactos de uma dada escala de produção. Escala da Grau de economia Composição “limpeza” Degradação da das tecnolo- ambiental (Y=Y/P . P) produção gias usadas (DA) Tomando a economia do globo terrestre como um todo, não é válido afirmar que existe uma relação linear e estável entre a degradação ambiental, DA e a escala Y da produção material. É de se esperar que a DA cresça com Y, mas é possível que essa expansão ocorra a taxas decrescentes. Em outros termos se, com o crescimento da economia global, houver transformações na estrutura da demanda no sentido de bens que usem menos recursos naturais escassos e que podem ser produzidos com menores emanações, com menos poluição; e se, ao mesmo tempo, a produção em expansão envolver o emprego crescente de tecnologias que poupam recursos naturais escassos, será possível continuar ampliando a produção (e o padrão de vida da população) com incrementos moderados na degradação ambiental. Entretanto, também pode ocorrer o contrário; a demanda em expansão pode privilegiar produtos intensivos em recursos naturais escassos e as tecnologias podem não evoluir no sentido de uma produção com 5 menor degradação ambiental por unidade de produto. Nesse caso, os impactos do crescimento da produção sobre DA poderão vir a ser dramáticos. A tentação é a de afirmar que, dos dois cenários esboçados no parágrafo anterior, o primeiro é o mais plausível. Entretanto, ao contrário do que parecem crer alguns economistas, não há nenhuma lei, natural ou da economia, que nos garanta que isso aconteça. Há mesmo quem suspeite que o contrário vem ocorrendo. Não é aleatória, entretanto, a relação entre a escala da economia e a degradação ambiental. Os diversos fatores que estabelecem essa relação são, em grande parte, determinados pelo estilo de desenvolvimento da economia. Certos estilos de desenvolvimento fazem com que uma mesma escala produza maiores impactos ambientais negativos em alguns países do que em outros. Essa questão é examinada a seguir. 1.2. Estilos de desenvolvimento e meio-ambiente O ponto que se deseja enfatizar é que o padrão de degradação ambiental de cada país é fortemente afetado por seu estilo de desenvolvimento.2 E, em larga medida, o estilo de desenvolvimento de uma sociedade resulta da forma como a renda é apropriada pelos seus diferentes segmentos. Essa apropriação afeta a estrutura da demanda e, portanto, se reflete na composição da produção levada a efeito para atender a essa demanda. Influenciando na configuração da estrutura produtiva do país, a estrutura de demanda é, pois, fator na determinação das características das tecnologias empregadas, das intensidades de uso de fatores de produção como a mão-de-obra e o capital; e também afeta a intensidade e os tipos de recursos naturais empregados na produção e a natureza e intensidade de resíduos, rejeitos e poluição que são gerados. Uma melhor compreensão de como o estilo de desenvolvimento se reflete no meio- ambiente requer, pois, que se esclareçam elementos das caixas da relação, acima, entre a escala da economia e o meio-ambiente. Isso é feito na Figura 1, abaixo; vemos ali o sistema econômico inserido em um meio externo, com o qual interage. Uma vez que a sociedade estabeleça quem demanda e o que é demandado (ou seja,que os bens e serviços os diferentes grupos sociais requerem), a economia tem como principal função a de organizar atividades e alocar recursos para a produção dos bens e serviços demandados. Estabelecem-se, assim, como se produz (com que tecnologias), a partir de que recursos básicos se produz, e onde se localiza a produção. Os elementos que influenciam a configuração de quem (quais os grupos da sociedade) tem mais ou menos força nos mercados e o que é demandado por esses grupos, são denominados fatores dinâmicos do estilo de desenvolvimento. Esses fatores incluem a renda per capita; a distribuição da riqueza, da renda e das oportunidades; a estrutura de gostos e preferências dos que tem mais renda para sustentar demandas; e os hábitos e preferências importados do exterior (importante na atual era da globalização). Como se pode ver na Figura 1, as características do sistema produtivo da economia são determinadas pela natureza dos produtos que a sociedade demanda, pelas tecnologias disponíveis, pela estrutura empresarial, por fatores de ordem espacial, e (com muito peso na era 2 Para uma discussão do conceito de "estilo de desenvolvimento" e sua relação com o meio ambiente, ver Sunkel, 1980. 6 da globalização), por influências internacionais. Todos estes configuram os fatores estruturais do estilo de desenvolvimento. FIGURA 1. INTE-RELAÇÕES ENTRE O SISTEMA ECONÔMICO E O MEIO- AMBIENTE RECURSOS ESTADO NATURAIS GERAL COMO DO MEIO INSUMOS AMBIENTE Rejeitos Rejeitos MEIO-AMBIENTE Degradação Degradação SISTEMA ECONÔMICO Produção Consumo Reciclagem • Como se produz • Quem demanda • Onde ocorre a produção • O que se demanda • A partir de que se produz FATORES ESTRUTURAIS FATORES DINÂMICOS • Tipos de produtos gerados • Renda per capita • Tecnologias • Distribuição de renda, de • Fatores espaciais riqueza e de oportunidades • Estrutura empresarial • Gostos e preferências • Fatores e influências inter- • Importação de nacionais. hábitos de consumo. POLÍTICAS Se, num primeiro momento, os elementos estruturais do estilo de desenvolvimento são determinados pelos fatores dinâmicos, estes por sua vez, acabam sendo afetados pelos elementos estruturais. Do sistema produtivo emanam não apenas os bens e serviços demandados, mas também renda, que é apropriada por diferentes segmentos da sociedade. Assim, no longo prazo, a conformação e mudanças na estrutura produtiva podem alterar a distribuição de renda e da riqueza da economia, modificando os seus fatores dinâmicos. Observa-se, ademais, que políticas públicas podem afetar, tanto os fatores dinâmicos (alterando, por exemplo, a distribuição da renda), como os fatores estruturais (por exemplo, facilitando a importação de tecnologias, ou “abrindo” a economia para o exterior). 7 A Figura 1 representa o sistema econômico em um dado momento. Como já se indicou, porém, ao longo do tempo a situação tende a se modificar. O funcionamento do sistema produtivo pode, por exemplo, alterar a distribuição de renda, afetando os montantes demandados e a composição da demanda; e essas mudanças requerem ajustes na estrutura produtiva. As políticas públicas também atuam ao longo do tempo, provocando alterações, tanto nos fatores dinâmicos como nos estruturais. Entretanto, exceto em caso de alteração radical na estrutura da sociedade (por exemplo, a provocada por uma revolução), as mudanças, tanto do lado dos fatores dinâmicos como no dos fatores estruturais tendem a ser lentas, graduais. Em suma, o sistema econômico – considerado um organismo vivo e complexo – não atua em isolamento. Ele interage com o meio-ambiente, do qual extrai recursos naturais fundamentais, e no qual despeja dejetos. Além disso, o sistema econômico funciona num espaço geográfico; e suas incursões nesse espaço tendem a alterá-lo consideravelmente. A economia afeta, pois, o estado geral do meio-ambiente. O estilo de desenvolvimento tem, assim, muito a ver com os impactos ambientais emanados do sistema econômico. Determinando as quantidades e os tipos de bens e serviços a serem produzidos e consumidos, bem como a organização da produção e as tecnologias que esta emprega, afeta, tanto a extração de recursos energéticos e naturais do meio-ambiente, como as emanações de resíduos para o meio-ambiente e as incursões sobre o espaço. É, assim, um fator importante na determinação da degradação que o sistema econômico impõe sobre o meio-ambiente. Em termos da relação (2), acima, o estilo de desenvolvimento é fundamental no estabelecimento dos impactos de um dado nível de Y (produto real) sobre o meio-ambiente. Países com um mesmo nível de Y em um dado ano, vão exibir impactos ambientais distintos, dependendo dos respectivos estilos de desenvolvimento. Diferentes estilos de desenvolvimento geram padrões de consumo e estruturas produtivas distintos e, portanto, impactos ambientais diferentes. A distribuição de renda molda a demanda, o padrão de consumo, a estrutura produtiva e natureza dos resíduos lançados no meio-ambiente. Além disso, determina, em larga medida, as carências que os segmentos mais pobres da sociedade experimentam, e que também produzem consideráveis impactos ambientais e sociais. O meio-ambiente, por sua vez, possui certa resiliência, ou seja, certa capacidade de se auto-regenerar das agressões do sistema econômico. Entretanto, essa resiliência tem limites. Uma agressão muito forte pode produzir mudanças drásticas no meio-ambiente, afetando a sua resiliência. E o comprometimento da resiliência do meio-ambiente pode provocar situações irreversíveis, com efeitos dramáticos sobre o próprio funcionamento do sistema econômico. É o que acontece, por exemplo, em nível de ecossistemas que experimentam o processo de desertificação causada pela ação humana. Os limites da resiliência do meio-ambiente são uma questão que a economia do meio- ambiente deveria priorizar; mas, como veremos, a escola de pensamento dominante – a economia ambiental neoclássica – tende a exibir forte otimismo a esse respeito, e focaliza, quase exclusivamente, aspectos do funcionamento do sistema econômico. A economia ecológica – a outra corrente de pensamento focalizada – enfatizaesses aspectos Essa questão é examinada em maior profundidade em outros capítulos deste volume. Voltando à relação entre a escala da economia e o meio-ambiente, vimos que, dado o seu estilo de desenvolvimento, a evolução da degradação ambiental gerada por uma sociedade vai depender da dinâmica dos dois componentes da escala da economia (Y): a da sua população (P), 8 e a da sua produção (material) per capita (Y/P). A seguir, esboçam-se as tendências recentes das dinâmicas desses dois componentes da escala da economia. 2. A dinâmica demográfica O número de pessoas que, em um dado momento no tempo, habitam o globo terrestre é fator fundamental na determinação dos impactos da sociedade humana sobre o meio-ambiente. Mais importante, porém, são a taxa de crescimento dessa população, e a distribuição geográfica de tal crescimento. Essas questões são examinadas na presente seção; para tal, são focalizados as estimativas e projeções demográficas da Divisão de População das Nações Unidas, resumidas na Tabela 1 adiante. Tabela 1. População Estimada e Projetada para o Mundo, para Grupos de Países em Classificados em Termos de Grau de Desenvolvimento, e de Grandes Áreas Geográficas, 1950 e 2000 (população estimada), e 2050 (população projetada). Taxas Médias Anuais de Crescimento, 1950-2000 e 2000- 2050. População Estimada (milhões de habitantes) 1950 2000 2050 Taxa Média Geométrica de Crescimento (% ao ano) 1950-2000 2000-2050 MUNDO 2.518 6.071 8.919 1,76 0,77 Países Desenvolvidos 813 1.194 1.220 0,77 0,04 Países em Desenvolvimento 1.705 4.877 7.699 2,10 0,91 Mais Pobres 200 668 1.675 2,41 1,84 Outros 1.505 4.209 6.024 2,06 0,72 Grandes Regiões África 221 796 1.803 2,56 1,64 Ásia 1.398 3.680 5.222 1,94 0,70 América Latina e Caribe 167 520 768 2,27 0,78 Europa 547 728 632 0,57 -0,28 América do Norte 172 316 448 1,22 0,70 Oceania 13 31 46 1,74 0,79 Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division, World Population Prospects: the 2002 Revision. United Nations, fevereiro, 2003 (www.unpopulation.org.) Merecem destaque os seguintes aspectos da dinâmica demográfica recente, revelados pelos dados da tabela: 1. Os dados das Nações Unidas mostram que, entre 1950 e 2000 a população do mundo aumentou cerca de 141%, de 2,5 bilhões a quase 6,1 bilhões de habitantes. A taxa média de crescimento nesses 50 anos foi de 1,76% ao ano. No período a população mundial apresentou um incremento de quase 3,6 bilhões de pessoas. 9 2. Olhando para o futuro, a expectativa é a de que, em continuação à tendência observada no período 1950-2000, na primeira metade do século XXI ocorra, em todo o mundo, acentuada e generalizada desaceleração demográfica. Considera-se que a taxa de crescimento da população mundial, que foi de 1,76% na segunda metade do século XX, em média, e que na virada do milênio já havia caído para cerca de 1,2% ao ano, continuará declinando; a média esperada para a primeira metade do século XXI é de cerca de 0,77% ao ano. Não obstante tal desaceleração, porém, no começo do século XIX o mundo ainda registrava um incremento de cerca de 77 milhões de pessoas por ano; e, segundo as Nações Unidas, a população do nosso globo deverá ultrapassar os 8,9 bilhões de pessoas em 2050. Se essa projeção se confirmar, ao término da primeira metade do século XXI a população mundial terá tido um incremento de quase três bilhões de pessoas em relação à de 2000. 3. Chama a atenção na Tabela 1 a elevada participação da população dos Países em Desenvolvimento (PEDs) na população mundial total. Em 1950 a população dos PEDs totalizava 1,7 bilhões de habitantes, com participação de 67,7% do total mundial; e em 2000 esta ultrapassou a casa dos 4,8 bilhões de pessoas, tendo a sua participação atingido os 80,3%. No mesmo período, a participação dos Países Desenvolvidos (PDs) caiu substancialmente, de 32,3% para 19,7%. O que explica a diferença na evolução demográfica desses dois grupos são as respectivas taxas de crescimento médio anual; enquanto a população dos PDs aumentou a uma taxa média de apenas 0,7% ao ano em média entre 1950 e 2000, a dos PEDs aumentou à elevada taxa média anual de 2,1 %. No grupo dos PEDs, a população dos Países em Desenvolvimento mais Pobres (PDMPs) expandiu-se a elevada taxa média anual de 2,4%, passando de 200 milhões de habitantes em 1950 a 668 milhões em 2000. A taxa de crescimento desse grupo mostrou-se bastante elevada, mas o incremento absoluto foi de apenas cerca de 448 milhões de pessoas. Mesmo assim, sua participação relativa aumentou de 7,9% da população mundial em 1950, para 11,0% em 2000. A população do grupo dos Outros Países em Desenvolvimento, OPDs teve um aumento absoluto expressivo, passando de 1,5 bilhões, para 4,2 bilhões de pessoas; a taxa de crescimento de sua população foi de 2,06% ao ano em média no período, e sua participação relativa na população mundial aumentou de 59,5% em 1950, para 69,2% em 2000. 4. As projeções para o período 2000-2050 indicam que essa concentração espacial do crescimento demográfico deverá continuar. Observando as projeções verifica-se que: ♦ A população dos Países Desenvolvidos permanecerá virtualmente constante; a taxa de crescimento médio da população dos PDs projetada para o período é de apenas 0,04% ao ano no período. ♦ A população dos Países em Desenvolvimento como um todo, por sua vez, deverá crescer à taxa média anual de 0,91%. Pode não parecer muito, mas essa taxa deve ser avaliada com base na população total desse grupo de países, que é enorme – em 2000 ela totalizava quase 4,9 bilhões de habitantes. Por isso, as projeções das Nações Unidas são de um crescimento absoluto de mais de 2,8 bilhões de pessoas no período 2000-2050, ou mais de 2,3 vezes a população total da China em 2000. 10 ♦ Merece atenção especial a projeção de crescimento do grupo de países em desenvolvimento mais pobres (PDMPs). Vimos que, na segunda metade do século passado a taxa de crescimento desse grupo de países, de 2,41% ao ano, foi a mais elevada dentre as dos três grupos de países da Tabela 1. Embora em 1950 a sua população ainda fosse diminuta (200 milhões de pessoas ou 7,9 do total mundial), esse crescimento significou a adição de quase 470 milhões de pessoas, elevando sua participação relativa para 11,0% do total mundial. Além disso, é importante ressaltar que as projeções das Nações Unidas são de um crescimento da população dos PDMPs para o período 2000-2050 a uma taxa média anual de 1,84%, quase 2,4 vezes maior do que a taxa estimada para o mundo como um todo (0,77% a.a.). Se concretizada essa previsão, em 2050 o grupo dos países mais pobres deverá ter uma população de quase 1,7 bilhões de pessoas, elevando sua participação relativa na população mundial para 18,7%. A primeira vista esta proporção pode não parecer muito elevada, masé importante considerar que esse grupo de países continuará a apresentar uma parcela substancial dos miseráveis do nosso planeta. ♦ O grupo dos outros países em desenvolvimento (OPDs) deverá, segundo as projeções, crescer a taxa moderada de 0,72% ao ano no período 2000-2050. Entretanto, é importante ter-se em vista a base extremamente elevada sobre a qual começa a incidir esse crescimento (cerca de 4,2 bilhões de pessoas em 2000). Assim, a se cumprirem as projeções das Nações Unidas, teremos um incremento absoluto de um pouco mais de 1,8 bilhões de pessoas a sua população ao longo da primeira metade do século XXI. Todavia, tratando-se de países nos quais, em média, a pressão demográfica sobre sua base de recursos é menos intensas do que a do grupo dos mais pobres, é menos grave – embora não deixe de ser preocupante – a situação esperada para os OPDs. 5. A perspectiva da dinâmica demográfica de grandes grupos populacionais, acima registrada, traduz a média do que deve acontecer em cada um desses grupos. Mas ela esconde variações bastante significativas entre os países que compões tais grupos. Seguem-se alguns exemplos: ♦ Chamam a atenção as diferenças entre os dois países mais populosos do mundo, ambos pertencentes ao grupo dos OPDs: a China e a Índia. A China, com política drástica de controle da natalidade, reduziu substancialmente sua taxa de crescimento demográfico para próximo de zero; já a Índia, cuja população recentemente ultrapassou a casa do bilhão de habitantes, vem se mostrando mais complacente em relação à expansão de sua população, que vem crescendo a taxas relativamente elevadas. Na verdade, não há um comportamento uniforme entre os países da Ásia, embora todos registrem nítida tendência de desacelerarão demográfica. Tanto é que a projeção das Nações Unidas para o período 2000-2050 é a de uma taxa de crescimento médio de 0,7% ao ano para a Ásia, bem abaixo dos 1,94% ao ano que prevaleceram na segunda metade do século XX. Entretanto, mesmo esses 0,7% ao ano preocupam, dada a imensa base de população sobre a qual incide essa taxa; em 2000 a Ásia já detinha quase 3,7 bilhões de habitantes e a projeção para 2050 é a de um total de mais de 5,2 bilhões de habitantes para a região, que também inclui enormes bolsões de pobreza e miséria. ♦ No grupo dos PDs, há um contraste entre países com expectativas de declínio demográfico no período, como o Japão e alguns países da Europa, e o Estados Unidos, que deve apresentar incremento demográfico na primeira metade do século XXI. 11 ♦ No grupo dos mais pobres (os PDMPs ) também existem contrastes; alguns países deste grupo deverão apresentar crescimento muito elevado, mas outros terão crescimento quase nulo. Isso é discutido em mais detalhe no próximo item. 6. Têm merecido atenção especial os impactos da epidemia de AIDS sobre a dinâmica demográfica dos países da África ao sul do Saara – a maioria do grupo dos “mais pobres”. Só para exemplificar, espera-se que o aumento de mortalidade provocada pela epidemia nos sete países mais afetados na região, todos localizados no sul do continente, faça as suas populações permanecerem virtualmente inalteradas no período 2000-2050 (ela deverá passar 74 milhões de pessoas em 2000, para apenas 78 milhões em 2050). A expectativa é, inclusive, que países como a África do Sul, Botswana, Lesoto e Swaziland terão declínios absolutos de suas populações. Em contraste, os países do grupo menos afetados pela epidemia da AIDS deverão apresentar crescimento demográficos expressivo, o que explica a taxa de 1,8% ao ano empregada nas projeções das Nações Unidas para a primeira metade do corrente século. São as seguintes as questões que se colocam em face a esse panorama da dinâmica demográfica mundial: 1. Terá o nosso globo a capacidade de, por volta de 2050, alimentar os seus quase 9 bilhões de habitantes? Será possível esperar uma melhora na nutrição das camadas mais pobres dessa população, particularmente nos países em desenvolvimento? 2. Poderão as cidades absorver vários bilhões de pessoas em condições adequadas de saúde, educação, habitação, emprego e segurança? A expectativa é a de que, em 2050 bem mais da metade da população mundial esteja residindo em cidades. 3. Qual o impacto dessa expansão demográfica sobre o consumo de energia e de outros recursos naturais? E sobre a poluição? Em outros termos, terá o nosso globo condições de absorver o estresse causado pelo crescimento econômico necessário para atender minimamente às aspirações dos habitantes dos países em desenvolvimento? Ou seja, será que em 2050 o sistema econômico global terá condições de oferecer padrões de vida aceitáveis a quase 9 bilhões de habitantes sem impor profunda e irreversível degradação ambiental? Essas questões são focalizadas em maior detalhe adiante. Antes examinaremos os elementos da dinâmica demográfica, com o objetivo de estabelecer uma base analítica mínima para uma avaliação desta. 2.1. Elementos da dinâmica demográfica As projeções do crescimento demográfico de grupos de países, examinadas acima, não foram feitas mediante mera extrapolação de tendências recentes. Elas se apoiaram, ao invés, em hipóteses sobre a evolução de variáveis demográficas básicas que afetam a magnitude e a evolução no tempo das taxas de crescimento demográfico. A demografia desenvolveu bases teóricas que nos permitem ter certas expectativas sobre as mudanças desses variáveis em face a estágios do desenvolvimento de sociedades de diferentes tipos. O diagrama que se segue apresenta um esboço simplificado dos principais fatores que afetam a taxa de crescimento demográfico de um dado país ou região. 12 Em um dado período, a variação líquida da população de um país, ou seja, a variação do “estoque” de pessoas que habitam o país, é determinada pelas entradas e pelas saídas desse “estoque” no período. As entradas no “estoque” se originam, de um lado, dos nascimentos; e do outro, da imigração, ou seja, das pessoas de fora do país que para ele se deslocam e lá passam a residir. Por sua vez, as saídas do “estoque” são determinadas, de um lado, pelos que morrem, e do outro, pelos que saem do país, indo residir em outros lugares. Os nascimentos – a natalidade – são determinados pela taxa de fecundidade (alguns a denominam de taxa de fertilidade), que reflete o comportamento reprodutivo do país (ver adiante). A mortalidade, por sua vez, tem muito a ver com as condições de saúde e sanitárias do país. Já a imigração e a emigração que ocorre em um dado período – que estão representados como migração líquida no diagrama, dependem de um complexo de fatores internos e externos (que não será detalhado aqui). Segue- se a conceituação dos elementos que compõem a taxa de variação demográfica de um país. A taxa de fecundidade (de fertilidade): trata-se do número de nascimentos vivos que, em média, se estima que uma mulher de um país ou região tem ao longo de sua vida reprodutiva (para fins estatísticos esta se situa entre os 15 e 49 anos de idade, em média). Refere-se a um dado momento do tempo. Se considerarmos um dado ano, veremos que a taxa de fecundidade de diversos países tende a ser muito diferente. E o mesmo tende a ocorrer para um determinado país ao longo do tempo. Em termos de grandes regiões do mundo, por exemplo, no período 1990-95 a taxa de fertilidade da Europa foi de 1,7 crianças por mulher, enquanto na África essa taxa alcançou 6,0, na Ásia 3,2 e na América do Sul, 2,9 crianças por mulher em condições de reproduzir.3 Note-se que, na Europa, a média dos nascimentos por mulher nem mesmo repõe a unidade básica responsável por sua ocorrência (o casal).Isso não obstante, a população desse continente não vem experimentando declínio – como se vê na Tabela 1, no período 1950-2000 a taxa média anual de crescimento da população européia foi de 0,57%. Isso ocorre em razão da imigração, ou seja, das pessoas que ingressaram na Europa oriundas de outros continentes. Já na África ao sul do Saara, a taxa de fertilidade (6,0 nascimentos por mulher) é muito maior que a necessária para substituir o casal; esse é um fator na alta taxa de crescimento de sua população, a despeito da também elevada (e crescente, em virtude da epidemia de AIDS) taxa de mortalidade do continente. Essa é uma das razões porque a dinâmica demográfica dessa região vem causando preocupação. 3 Dados demográficos de World Resources Institute, World Resources – 1994-95. Nova Iorque: Oxford University Press, 1994, cap. 16, Tabela 15.2. Fecundidade NATALIDADE Serviços de Saúde e de Saneamento MORTALIDADE MIGRAÇÃO LÍQUIDA (imigração – emigração) VARIAÇÃO DEMOGRÁFICA 13 Um outro aspecto a ser ressaltado é que, ao longo do tempo, a taxa de fecundidade de um determinado país ou região tende a declinar. Na Europa, por exemplo, a taxa de fertilidade caiu de 2,2 nascimentos vivos por mulher entre 1970 e 1975 para os já mencionados 1,7 entre 1990 e 1995. Na América do Sul a fertilidade declinou entre esses anos, de 4,6 a 2,9 nascimentos por mulher; na Ásia o declínio foi de 5,1 a 3,2 nascimentos. A África, entretanto, apresentou declínio de fecundidade insignificante entre esses períodos, de 6,6 a apenas 6,0 nascimentos vivos por mulher. A evolução da fecundidade no Brasil. O Brasil repete esse mesmo padrão. Os dados da Tabela 2, a seguir, mostram que, em um dado ano, a fecundidade é maior nas regiões mais pobres que nas mais desenvolvidas; e que, entre 1960 e 2000 a taxa de fertilidade declinou acentuadamente em todas as regiões, e assim, no país como um todo. Tabela 2. Brasil e Grandes Regiões – Taxa de Fecundidade, 1960-2000 Grandes Regiões 1960 1970 1980 1991 2000 Brasil 6,3 5,8 4,4 2,9 2,3 Norte 8,6 8,2 6,4 4,2 3,2 Nordeste 7,4 7,5 6,2 3,7 2,6 Sudeste 6,3 4,6 3,5 2,4 2,1 Sul 5,9 5,4 3,6 2,5 2,2 Centro-Oeste 6,7 6,4 4,5 2,7 2,2 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 – Fecundidade e mortalidade infantil: Resultados preliminares da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2002. Tomando o país como um todo, entre 1960 e 2000 a taxa de fecundidade caiu de 6,3 para 2,3 filhos por mulher. Essa redução ocorreu inicialmente de forma lenta, de 6,3 para 4,4 filhos por mulher em 1980, mas deste último ano a 1991 e queda se acentuou; nesse período a taxa de fecundidade passou de 4,4 e para 2,3 filhos. E uma evolução semelhante ocorreu em todas as grandes regiões do país, embora tenham se mantidas as diferenças nos níveis da taxa de fertilidade entre elas em cada ano. As diferenças entre as regiões têm a ver com diferenças nos seus graus de desenvolvimento. Como no resto do mundo, para um dado ano a fecundidade é maior nas regiões mais pobres que nas mais desenvolvidas. Em 1960, por exemplo, as taxas de fecundidade das regiões Norte e Nordeste foram de 8,6 e 7,4 filhos por mulher, enquanto que as das regiões Sudeste e Sul foram de 6,3 e 5,9 filhos por mulher, respectivamente. Semelhantemente, em 2000 as taxas de fecundidade das regiões Norte e Nordeste foram 3,2 e 2,6 filhos por mulher, e as das regiões Sudeste e Sul foram de 2,1 e 2,2 filhos por mulher, respectivamente. Todas as regiões experimentaram forte declínio de fecundidade, mas as diferenças se mantiveram. Terão os movimentos observados nas taxas de fecundidade, não só no Brasil como em todo o mundo, sido obras do acaso? Esta questão é discutida a seguir. Determinantes no declínio da taxa de fertilidade. As reduções ao longo do tempo da taxa de fecundidade, têm sido determinadas por fatores como: 14 • Aumentos de renda per capita, da urbanização, do acesso à contracepção e a programas de planejamento familiar ou de saúde reprodutiva, e da educação da mulher. Influíram, também, fatores religiosos, culturais e tradições. • Um fator importante está no fato de que as famílias no meio rural dos países pobres necessitam ter muitos filhos. Isso porque é alta a probabilidade de alguns morrerem; o casal quer ter a certeza de que um número suficiente de filhos sobreviverá para ajudar nos trabalhos do campo e para prover o seu sustento na velhice. Com o desenvolvimento da economia, com a urbanização, com a melhoria de padrão de vida e com o desenvolvimento da previdência social isso cessa de ocorrer. Ocorrendo essas mudanças, um casal típico passa a desejar menos filhos; ademais, nas cidades é bem maior o acesso à educação e tendem a ser disponíveis mais informações sobre como realizar controle da natalidade. O momento demográfico. Suponhamos, apenas para raciocinar, que em um país de elevada fecundidade (digamos, de 5,5 nascimentos por mulher, em média), esta subitamente caísse para um nível inferior a 2,1 nascimentos por mulher (o nível de reposição do casal). Suponhamos ainda, que não haja movimentos migratórios e que a taxa de mortalidade permaneça constante. A demografia demonstra que, apesar dessa drástica redução da taxa de fecundidade, a população do país continuaria a aumentar por algum tempo. Isto porque países de elevada fecundidade geralmente têm populações jovens; ou seja, exibem uma estrutura de idade da população com elevada proporção de mulheres em idade reprodutiva. Assim, mesmo que se reduzisse drasticamente a fecundidade, por algum tempo ainda permaneceria elevada a proporção de mulheres em condições de ter filhos. Mesmo que estas tivessem apenas por volta de 2 filhos, em média, como são numericamente expressivas, manteriam a população crescendo por um período ainda substancial. Seriam necessárias algumas décadas para que a população fosse “envelhecendo” e houvesse um declínio apreciável na proporção de mulheres em idade de procriar. Só então o país passaria a experimentar redução expressiva na taxa de crescimento demográfico. Esse fenômeno recebe a denominação de “momento demográfico”. A taxa de natalidade: a taxa de fecundidade e a participação das mulheres em idade de procriar na população determinam a taxa de natalidade de um país ou região. Trata-se da proporção do número de nascidos em um período de tempo em relação à população total. É evidente que, com a queda da taxa de fecundidade e com o “envelhecimento” da população, diminui a taxa de natalidade; a procriação humana se reduz e, portanto, os nascimentos diminuem. Mas, na melhor das circunstâncias, este tende a ser um fenômeno gradual, que se desenrola ao longo de muitos anos. Taxa de mortalidade: compreende o número de mortos anuais de um país ou região, como proporção de sua população total. Nos últimos 150 anos quase todos os países registraram um acentuado declínio de suas taxas de mortalidade. Para se ter uma idéia, na Europa de 1800 a expectativa de vida – o número de anos que, em média, uma pessoa nascida em um dado ano num país ou região, pode esperar viver – era de cerca de 35 anos apenas. Cem anos depois a esperança de vida ainda era de cerca de 50 anos – um aumento de apenas 15 anos em um século. Mas as subsequentes reduções de mortalidade fizeram a esperança de vida dos países industrializados alcançar 66 anos em 1950, e cerca de 75 anos em 1995.4 Esse forte aumento da esperança de vida tem a ver, não só com melhorias de padrão de vida, propiciados por aumentos de renda per capita, mas de forma muito especial, com melhorias da nutrição, com avanços na medicina, com o melhor acesso da população a serviços de saúde,com a descoberta de vacinas e 4 Idem, ibidem, p. 29. 15 a realização de campanhas de vacinação bem sucedidas, e com crescentes investimentos na provisão de água tratada e em saneamento básico. Na verdade, avanços da medicina e de práticas na área da saúde pública fizeram com que a mortalidade dos países em desenvolvimento também caísse rapidamente, levando suas esperanças de vida a aumentar mais que a evolução das suas rendas per capita permitiria prever cerca de meio século atrás. Para se ter uma idéia, se em 1950 a esperança de vida dos países em desenvolvimento ainda era de cerca de 40 anos, em 1995 já havia alcançado os 62 anos. A taxa de crescimento vegetativo da população. Compreende a diferença entre a taxa de natalidade de um país ou região, em um dado ano, e a sua taxa de mortalidade nesse mesmo ano. Essa taxa deve, evidentemente, ser calculada sem computar a migração líquida do país ou região no ano. Uma migração líquida positiva (imigração maior que a emigração) faz a taxa de crescimento da população ser mais elevada que a taxa de crescimento vegetativo. O contrário ocorre em país ou região com migração líquida negativa. No período 1990-1995 a taxa média de crescimento demográfico dos países desenvolvidos era de apenas 0,48%, graças a uma combinação de taxas de fecundidade e de mortalidade muito reduzidas. Vimos que nesses países, há muito tempo a taxa de crescimento vem apresentando gradual, mas contínua desaceleração, como resultado de reduções moderadas, mas persistentes, nas taxas de fecundidade e de mortalidade, sendo que a desaceleração das primeiras foi mais intensa. Nos países em desenvolvimento, porém, a taxa de fecundidade só passou a declinar mais acentuadamente nas três últimas décadas do século XX. Entretanto, a taxa de mortalidade começou a cair sensivelmente já na década de 1950, graças a ampla difusão da vacinação e de programas de saúde pública e de investimentos em saneamento básico. Como as taxas de natalidade se mantiveram elevadas, as taxas de crescimento demográfico passaram a experimentar fortes aumentos. Teve início, naqueles países, o processo de transição de elevadas para reduzidas taxas de crescimento – a transição demográfica. Esse fenômeno é examinado a seguir. A transição demográfica. A evolução no tempo das variáveis demográficas que caracterizam a transição demográfica é ilustrada na Figura 2, abaixo. Ali vemos uma trajetória típica de países em desenvolvimento mais avançados, como o Brasil. Observam-se três fases distintas: • A fase inicial (até o ano To, no gráfico) em que, tanto a taxa de natalidade como a de mortalidade são elevadas e o crescimento vegetativo da população não é muito alto. Em To começam a ser sentidos os efeitos sobre a taxa de mortalidade de programas de saúde pública, de vacinação e de saneamento básico. Além disso, ocorrem mudanças na economia: a industrialização se intensifica, se aprofunda a diversificação produtiva e se acelera a urbanização. Em conseqüência, a taxa de mortalidade passa a declinar rapidamente. Como a taxa de natalidade experimenta reduções muito mais lentas, ocorre um forte aumento na taxa de crescimento vegetativo (a diferença entre as duas taxas). Figura 2 - Transição Demográfica Taxas de natalidade e de mortalidade 16 Natalidade Mortalidade To T1 T2 Tempo (anos) • A segunda fase: esta se inicia em T1 e, ao seu final terá se completada a transição demográfica. Nesta fase, a taxa de fecundidade passa a registrar fortes reduções, levando a um contínuo declínio da taxa de natalidade. Em razão do fenômeno do momento demográfico, inicialmente esse declínio é reduzido; isso estaria ocorrendo, por exemplo, no momento T1. Com o tempo, entretanto, o declínio da taxa de natalidade se acentua, aproximando-se outra vez da taxa de mortalidade, que se reduziu rapidamente já em To. Quando isto acontece, a taxa de crescimento vegetativo passa a diminuir consideravelmente. Na Figura 2, a segunda fase chega ao fim em T2, quando as duas taxas se estabilizam, registrando quando muito, apenas reduções graduais. Observe-se que no momento T2 a taxa de natalidade será apenas um pouco maior que a da mortalidade, o que faz com que o crescimento vegetativo da população seja relativamente reduzido. No Brasil, a segunda fase teve início após a II Guerra Mundial. A taxa de mortalidade experimentou acentuada redução, fazendo a taxa de crescimento vegetativo da população alcançar níveis altíssimos (esta chegou a cerca de 3% em 1950). Vimos que, por volta do fim de meados da década de 1960 começou a ocorrer firme queda da taxa de fecundidade e, depois, da taxa de natalidade. Em conseqüência, houve contínua redução na taxa de crescimento vegetativo, que no período 1991/2000 se situou em apenas 1,63% ao ano (conforme dados dos Censos Demográficos). E a tendência dessa queda é de continuar. Na verdade, a transição demográfica no Brasil ainda não se concluiu; projeções do IBGE estimam que, por volta de 2020, a taxa de crescimento da população do país atingirá cerca de 0,7% ao ano – menos da metade da taxa para década de 1990. 2.2. População, pobreza e meio-ambiente Por que os padrões de crescimento demográfico dos países em desenvolvimento tendem a ser considerados ameaça ao meio-ambiente? Isso acontece essencialmente porque quase todos os países com taxas elevadas de crescimento demográfico são pobres. Além disso, alguns destes exibem consideráveis densidades demográficas. Nessas circunstâncias, o crescimento demográfico implica em acentuada expansão na demanda de alimentos, combustíveis e outros bens e serviços, resultando em substancial pressão sobre o meio ambiente. Junto com o avanço recente da urbanização nos países em desenvolvimento, isso também implica na aglomeração de segmentos mais pobres da população em espaços limitados, com igualmente forte comprometimento do meio-ambiente. Com efeito, em países densamente povoados o aumento na demanda por alimentos geralmente conduz à adoção de processos de ocupação, abertura e uso descontrolados de terras, com cultivos de zonas inadequadas (encostas de montanha, ecossistemas frágeis), resultando em crescente degradação de solos, perda de fertilidade, erosão e, no limite, em desertificação. Em 17 muitos desses países observa-se, também, a abertura indiscriminada de áreas virgens, com rápida eliminação da vegetação nativa e conseqüente alteração de habitas e destruição de biodiversidade. Em tese, esses processos podem ser controlados, mas, em situações de rápida expansão demográfica e de acentuada pobreza isso se torna virtualmente impossível. Como esperar que haja controle da degradação da natureza com uma população pobre que cresce rapidamente e que depende fundamentalmente de recursos naturais para sobreviver? Como se mencionou, tem se verificado nos países em desenvolvimento forte tendência a urbanização. Esse fato se torna óbvio quando se observa que quase todas as cidades de mais de 10 milhões de habitantes de nosso planeta estão em países em desenvolvimento.5 Acontece que essa crescente concentração de população vem ocorrendo em países com baixa capacidade de investimento em infra-estrutura social, o que acaba provocando formidáveis impactos ambientais. Com efeito, a pobreza, as desigualdadesdistributivas e a concentração de população nas grandes cidades de muitos dos países em desenvolvimento vêm ocasionando dois tipos de problemas ambientais: a poluição, a congestão de veículos e a degradação resultante dos padrões de consumo de um grupo relativamente pequeno de pessoas de renda média e alta, favorecidas em termos de acesso aos bens e serviços; e problemas ambientais resultantes da carência de serviços básicos para as camadas de baixa renda. A congestão e a poluição causadas por automóveis e outros veículos, e a degradação gerada pelo lixo são geralmente problemas ocasionados pelo primeiro grupo. A congestão humana, a precária situação sanitária, o acúmulo de lixo doméstico nas vizinhanças das residências, a degradação de terras marginais, juntamente com as doenças e os acidentes oriundos dessas condições constituem as conseqüências ambientais dos grandes bolsões de pobreza em áreas urbanas com serviços públicos inadequados. Nas grandes cidades brasileiras, por exemplo, – mesmo nas mais prosperas – uma proporção considerável da população enfrenta condições de vida precárias. A degradação associada à pobreza é altamente visível ali. Os problemas ambientais urbanos comuns aos países industrializados – a poluição do ar e da água – são exacerbados por um crescimento demográfico desordenado que vem gerando problemas do seguinte tipo:6 • A existência de grandes quantidades de pobres, amontoados em moradias inadequadas, situadas geralmente em terrenos ilegais ou semi-legais, tais como áreas de encostas, áreas sujeitas a enchentes ou localidades que apresentam elevados índices de poluição. Muitas vezes é apenas em tais lugares que os mais pobres têm condições de erguer ou alugar suas moradias; essa população pode se alojar em tais lugares exatamente porque os mesmos não possuem estrutura sanitária e outros serviços básicos, e porque apresentam altos riscos de saúde e de segurança, o que os tornam indesejáveis para os segmentos mais prósperos da população urbana. Nesses assentamentos os domicílios são geralmente precários, pequenos e habitados por muitas pessoas; além disso, não apresentam isolamento contra ruídos e variações de temperatura, são vulneráveis à sujeira e aos ratos e insetos e têm acesso limitado a serviços básicos. Muitas vezes a água utilizada pelos moradores é de baixa qualidade e de difícil acesso, a coleta do lixo ocorre raramente e o esgotamento sanitário é deficiente. Ademais, a elevada 5 Como, por exemplo, a Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, Shangai, Beijing, Bombaim, Calcutá, Nova Deli, Manila, Lagos, entre outras. 6 Para maiores detalhes, ver Mueller, 1997, p. 81-101. 18 concentração de população propicia o contágio de doenças, contágio esse facilitado pelos baixos níveis de resistência dos indivíduos, causados por desnutrição e por estados de saúde precários. Por último, os habitantes das aglomerações de baixa renda localizadas próximas a rodovias movimentadas e a zonas industriais também enfrentam níveis especialmente elevados de poluição atmosférica. • As aglomerações urbanas de baixa renda são frágeis do ponto de vista ambiental, e a concentração da população contribui para sua degradação. Além do mais, tendem a ser perigosas. Vez por outra ocorrem desastres e tragédias; cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo têm registrado tais calamidades com alguma freqüência com vítimas que, na sua maioria, pertencem às camadas mais pobres da população. • Sendo ilegais, ou estando em desacordo com o zoneamento urbano, não há investimento público e os assentamentos pobres apresentam consideráveis déficits de serviços básicos necessários a uma vida saudável e adequada. Sua infra-estrutura urbana é precária (faltam ruas pavimentadas, áreas verdes e sistemas de drenagem), e muitas vezes os assentamentos estão sujeitos a alagamentos e a infestados com lixo, tornando-se criadouros de ratos, insetos e outros transmissores de doenças. E, dada a grande concentração de população, é elevada a incidência de acidentes. • Tendem a se verificar problemas decorrentes de hábitos inadequados de higiene nos assentamentos pobres. Isso acontece onde é elevada a concentração de migrantes recém chegados da zona rural, portadores de doenças infecciosas e com deficiências educacionais. A higiene pessoal precária, o lixo doméstico que se acumula próximo às casas e a falta de condições sanitárias, criam condições propícias para a disseminação de doenças, algumas tipicamente rurais.7 • Finalmente os ambientes físicos e sociais inadequados das zonas de concentração de populações urbanas de baixa renda são propício a acidentes domésticos e de rua, à alienação, ao estresse e à instabilidade social. Nessas zonas tendem a ser elevados o desemprego e o subemprego, assim como os índices de criminalidade e violência. O padrão acima delineado longe está de ser exclusivo do Brasil; ele é representativo do que acontece na maioria das grandes metrópoles do Terceiro Mundo. Na verdade, em muitas as condições são mais difíceis que as do nosso país. 2.3 Perspectivas globais de redução da pobreza No final da década de 1980 a Comissão do Meio-ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas introduziu o conceito de desenvolvimento sustentável, que acabou tendo forte repercussão. Para a Comissão, o desenvolvimento sustentável requer que se cumpram, simultaneamente, as três seguintes condições básicas: 8 7 De acordo com a OMS, a intensa migração do campo para a cidade no Brasil foi um fator na transformação da esquistossomose em doença urbana (OMS, 1988, p. 25). Obviamente isso também foi causado pelas condições precárias de saneamento de assentamentos pobres, favorecendo o estabelecimento do vetor da esquistossomose nas zonas urbanas. 8 Ver United Nations, 1987. 19 • A melhoria, ou pelo menos a manutenção, do bem estar dos atuais habitantes dos países e regiões industrializados. • Vigoroso combate à pobreza, com acentuada redução nas disparidades de renda e riqueza entre os países do Norte industrializado, e os do Sul, subdesenvolvidos, bem como dentro dos países. • E, a garantia de que tudo isso ocorra sem prejudicar as oportunidades das gerações futuras. Sem entrar no mérito da viabilidade técnica e política da concretização do paradigma do desenvolvimento sustentável, parece claro que a questão ambiental está intimamente ligada a esses três elementos da sustentabilidade. E é evidente que a redução da pobreza compõe um desses elementos. Quais as perspectivas de médio e longo prazo de tal redução? Iniciamos com um breve exame do desempenho em termos de redução da pobreza no mundo nas últimas décadas. O relatório do Banco Mundial de 1992 registra a ocorrência de consideráveis progressos nesse sentido nos últimos 25 anos. “Nos países em desenvolvimento o consumo médio per capita aumentou 70% em termos reais, a esperança média de vida se elevou de 51 a 63 anos e a taxas de matrícula no ensino primário atingiu 89%.” 9 Entretanto, essa evolução não nos permite sermos otimistas. Esses ganhos longe estiveram de ser generalizados. Na verdade, o progresso se concentrou num pequeno número de países – os países mais bem sucedidos na promoção do desenvolvimento (dentre os quais alguns incluem o Brasil); e dentro de cada país, o desenvolvimento atingiu principalmente certas regiões e certas camadas da população, deixando outras nitidamente para trás. Assim é que em 1990 ainda havia cerca de 1,2 bilhões de pessoas, ou 1/5 da humanidade, vivendo em condições de miséria. Cerca de metade desse total se localizava na Ásia, e mais de um quarto desse total, na parcela subsaariana do continenteafricano. Ademais, países em estágio de desenvolvimento semelhante ao do Brasil apresentam fortes contrastes entre as regiões mais e as menos prósperas. Mas a miséria – com seus efeitos sobre o meio-ambiente – também deixa marcas nos países e regiões mais prósperos; é o que se observa, por exemplo, em certas zonas de cidades como São Paulo, com grande concentração de famílias vivendo em assentamentos irregulares, em condições muito precárias. Em suma, uma parcela significativa dos miseráveis do nosso globo se concentra nos países e regiões mais pobres. E estas são as áreas que mais vêm sentindo o impacto da degradação ambiental resultante da pobreza. O pior é que são pouco otimistas as perspectivas para o futuro. A Tabela 2 apresenta projeções aproximadas, para 2030, da renda per capita de grupos de países em estágios semelhantes de desenvolvimento. São estimativas grosseiras e que, se fossem refeitas agora, talvez apresentassem resultados até mais dramáticos, dados os problemas recentes da economia mundial. Entretanto, fornecem uma indicação das magnitudes relevantes e, de forma muito especial, das disparidades entre grupos de países e das evoluções previstas para o período. Tabela 2. Projeções Aproximadas da Renda Per Capita por Grupos de Países, 1990-2030. (Renda em US$ de 1990 por habitante/ano). Regiões (grupos de países) 1990 2030 África ao sul do Saara 480 550 Ásia e Pacífico (sem o Japão) 540 2.000 9 Ver Banco Mundial, 1992, p. 31. 20 América Latina e Caribe 1.850 5.700 Oriente Médio e Norte da África 1.750 4.300 Europa oriental e antiga URSS 4.700 8.900 Países de renda elevada (OCDE) 15.500 41.200 Fonte: Banco Mundial, 1992 Examinando os dados de 1990 – o ano-base para as comparações – chama a atenção as enormes disparidades entre os diversos grupos de países. Num extremo estão os países mais ricos (os países da OCDE), com uma renda per capita de cerca de US$ 15.500; no outro, temos a África ao sul do Saara, com menos de US$ 500 por habitante/ano e a Ásia e Pacífico com um pouco mais que isto. Aparecem em melhor situação a América Latina e o Caribe, e o Oriente Médio e Norte da África. E ainda melhor, mas ainda bem abaixo do extremo superior, é a situação dos países da Europa Oriental e antiga URSS. Focalizando as projeções para 2030, constata-se que não dá para esperar significativa redução nas disparidades. Na verdade, projetam-se ganhos muito reduzidos para a África ao sul do Saara (cuja renda per capita passaria para apenas cerca de US$ 550 por habitante/ano), mas estima-se que a renda real per capita dos países ricos aumentará mais de 2,6 vezes em relação a de 1990, ultrapassando os US$ 41.000 anuais. As projeções indicam que a região Ásia e Pacífico deverá multiplicar sua renda per capita aproximadamente 3,6 vezes, a América Latina e Caribe cerca de 3 vezes, o Oriente Médio e Norte da África quase 2,5 vezes, e o grupo composto pela Europa Oriental e antiga URSS, quase duas vezes. Se as projeções se tornarem ralidade, em 2030 alguns grupos de países em desenvolvimento apresentarão consideráveis melhorias, mas ainda haveria muita miséria, notadamente na África e em partes da Ásia e Pacífico. E, como vimos acima, os países mais pobres continuarão a ter populações em rápida expansão, multiplicando miseráveis. Tudo indica, portanto, que partes do globo terrestre continuarão a exibir acentuação da degradação ambiental associada à pobreza. No fim do período, alguns países certamente estarão em situação crítica, enfrentando processos de degradação irreversível. É um panorama preocupante para parcelas significativas do nosso globo. A se concretizarem as projeções, os países de renda média provavelmente não terão problemas tão agudos quanto os dos grupos de países mais pobres. Entretanto, mesmo nestes a desaceleração do crescimento da população decorrente da transição demográfica ainda levará algum tempo para fazer declinar para níveis bastante baixos o crescimento demográfico. E, até que isso ocorra, aumentará a degradação ambiental causada pela pressão da população sobre a capacidade de suporte do meio ambiente. Em alguns desse países, isso ocorrerá de forma preocupante. 3. O crescimento da produção material e o meio-ambiente Vimos que o outro determinante da escala da economia é o produto material por habitante. Este pode ser representado pela renda real per capita. Da relação Y = Y/P x P, se tomarmos como dada a população de um país, quanto maior for Y/P, maior o nível do produto real da economia, e maior a sua escala. A questão que se coloca nesta seção é: de que forma o crescimento do produto afeta o meio-ambiente? Ao longo da década de 1970 firmou-se a convicção de que existiria uma relação direta e rígida – quase inexorável – entre o nível de produto e a degradação ambiental. O argumento era o seguinte: uma vez que os estoques de recursos naturais básicos são dados e que a produção material necessariamente implica na emissão de dejetos e de poluição, uma expansão continuada da atividade econômica não seria sustentável. Isto porque ela iria de encontro a duas ordens de limites ambientais: 21 (1) O limite da disponibilidade fixa de recursos naturais. Quanto maior o nível do produto – quanto maior a escala da economia – maior a absorção de recursos naturais. Com isso, aumentaria a escassez destes, que tenderia a se tornar aguda; e, (2) O da capacidade do meio-ambiente de absorver emanações de resíduos e dejetos do sistema econômicos. Uma elevação muito acentuada da escala da economia ampliaria excessivamente essas emanações, levando a degradação ambiental a níveis perigosos. Hoje esse pessimismo se amainou, mas a questão ainda é objeto de controvérsia. Embora reconhecendo que, em certas circunstâncias, a ampliação da escala para níveis muito elevados pode causar graves impactos ambientais, o relatório de 1992 do Banco Mundial, por exemplo, insiste que políticas e instituições apropriadas de manejo e ordenamento ambiental – em associação ao desenvolvimento tecnológico – podem compatibilizar o crescimento com a proteção do meio-ambiente. O relatório não nega que o crescimento econômico significa usos cada vez maiores de materiais e de energia e a produção ascendente de resíduos e dejetos, mas argumenta que só seria direta a relação entre o crescimento (entre o aumento da escala) e danos ao meio-ambiente se vivêssemos em um mundo de tecnologias imutáveis e de coeficientes fixos de usos de recursos naturais e de emissão de dejetos na produção. Uma vez que o crescimento econômico pode vir acompanhado de mudanças qualitativas e de políticas de proteção do meio- ambiente, o crescimento não necessariamente significaria aumentos preocupantes de degradação ambiental. 3.1. A hipótese do U invertido O relatório de 1992 do Banco Mundial introduziu uma hipótese especial para a relação entre o desenvolvimento e a degradação ambiental. Tomando a renda per capita, Y/P, de um país como indicador de desenvolvimento, e observando a relação empírica entre esse indicador e certos índices de qualidade ambiental, desenvolveu a hipótese do U invertido. Segundo esta, só em economia com baixos níveis de renda per capita, aumentos desta seriam acompanhados de uma acentuação na deterioração ambiental. Entretanto, se uma economia dessas continuasse a crescer, após um determinado ponto aumentos de Y/P acabariam propiciando reduções na degradação do meio-ambiente. A figura abaixo descreve a relação sugerida pela “hipótese do U invertido” entre as duas variáveis; a relação descrita pela hipótese também é conhecida como a curva de Kuznets ambiental.10Figura 3. A curva de Kuznets Ambiental Índice de Degradação Ambiental 10 Na década de 1950 o economista (Prêmio Nobel) Simon Kuznets, apoiado em estudos empíricos, introduziu a hipótese de que a distribuição de renda e a renda per capita de uma economia que se desenvolve teriam, ao longo do tempo, uma relação que, representada em um gráfico, descreveria uma linha com o formato de U invertido. Ou seja, nas fases iniciais do processo de desenvolvimento, aumentos de renda per capita piorariam a distribuição de renda; mas em estágios mais avançados do desenvolvimento, aumentos de renda per capita viriam acompanhados de melhora na distribuição de renda. Por analogia, hoje se fala de uma curva de Kuznets ambiental. 22 Renda per Capita A explicação para essa relação apoia-se no argumento de que, em um país pobre, o crescimento da produção é prioritário e a preservação do meio-ambiente e o combate à poluição são luxos. Contudo, se a economia do país cresce continuamente a taxas superiores a do seu crescimento demográfico, cedo ou tarde sua renda per capita atingirá um nível tal em que o padrão de vida da população será relativamente confortável; e quando isto acontece, a qualidade do meio-ambiente acaba se tornando prioritária. Em conseqüência observa-se a introdução de legislação ambiental, o desenvolvimento de instituições apropriadas, a promoção de tecnologias e de produtos “limpos” e a implementação de políticas de proteção ambiental.11 Representando em um gráfico a relação entre a renda per capita e um indicador de degradação ambiental, teríamos, pois, a figura de um U invertido, como a da Figura 3. Ademais, o desenvolvimento tecnológico e as pressões da sociedade e de organizações internacionais, fariam essa curva se deslocar para baixo; esse deslocamento também resultaria da disseminação global de tecnologias limpas e do aprimoramento institucional, em nível nacional e mundial. Assim, ao longo do tempo um mesmo nível de renda per capita estaria associado a uma degradação ambiental cada vez menor. Se verdadeira a ‘hipótese do “U” invertido’, estaria afastado o receio da incompatibilidade entre crescimento econômico e a qualidade ambiental. Vimos que, na década de 1970 tomou corpo o ponto de vista de que a continuidade e a generalização do crescimento econômico resultariam em inexorável degradação ambiental, de conseqüências dramáticas para a humanidade. Com a teoria do U invertido, ao invés de anátema, o crescimento econômico passou a ser apontado como fator de amenização dos problemas ambientais da humanidade. Um exame mais detido do relatório de 1992 do Banco Mundial, entretanto, revela que a relação sugerida pela teoria do U invertido foi estabelecida empiricamente apenas para o caso de alguns poluentes de impacto local muito visível, como as emissões de particulados, de dióxido de enxofre e de monóxido de carbono. Estudos empíricos de seção transversal (ou seja, comparando aspectos da degradação ambiental de países com renda per capita diferentes em um mesmo ano) encontraram, por exemplo, uma relação entre a renda per capita e a concentração urbana de matéria particulada semelhante à representada na Figura 4, abaixo. 11 Vimos que a hipótese do U invertido se originou do Informe Sobre o Desenvolvimento Mundial de 1992, do Banco Mundial, enfatizando a relação entre desenvolvimento e meio-ambiente. Um exemplo de tentativa de validação da hipótese está em trabalhos do volume coordenado por Goldin e Winters, sob o patrocínio do Development Center da OCDE. Ver Goldin, Ian e L. Alan Winters (editores), The Economics of Sustainable Development. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1994, especialmente os artigos de Goldin e Winters, e de Gene Grossman. As conclusões desses trabalhos são bastante otimistas – a hipótese do U invertido é considerada essencialmente correta. Reconhece-se, entretanto, que a hipótese não é valida para todos os tipos de poluição. 23 Figura 4 - Concentração Urbana de Matéria Particulada Microgramas de partículas por metro cúbico de ar 1.800 0 100 100.000 Renda real per capita (escala logarítmica) Para a relação entre a renda per capita e a concentração urbana de dióxido de enxofre na atmosfera, os estudos encontraram relação semelhante a esboçada na Figura 5, abaixo. Figura 5 - Concentração urbana de dióxido de enxofre Microgramas por metro cúbico de ar 50 24 0 100 100.000 Renda real per capita (escala logarítmica) Observou-se, também, que a relação entre a renda per capita e a porcentagem da população urbana sem saneamento básico adequado é inversa desde o início, indicando acentuada melhoria nesse aspecto, desde as fases iniciais do processo de desenvolvimento. O padrão encontrado foi semelhante ao esboçado da Figura 6. Figura 6 - Proporção da População Urbana sem Saneamento Básico (%) 100 0 100 100.000 Renda real per capita (escala logarítmica) Não só se constataram padrões como os acima, de relação inversa entre a renda per capita e certos indicadores de degradação ambiental, como se verificou que com a passagem do tempo a curva referente a cada tipo de poluente (de degradação) tendia a se deslocar para baixo. Foram esses achados que serviram de base para o otimismo em relação aos impactos ambientais do crescimento. Os três casos acima indicam que, fazendo aumentar a renda per capita, o crescimento econômico acaba propiciando melhoras nas condições ambientais, e não aumentos de degradação como se acreditava anteriormente. Para a corrente otimista, as evoluções no tempo do Produto Real da economia mundial e de um indicador de qualidade ambiental seriam aproximadamente as seguintes: Figura 7 - Visão otimista da evolução do PIB mundial e da degradação ambiental
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