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Notas de Aula de Hidrologia Profa Rutinéia Tassi Fundação Universidade Federal do Rio Grande Departamento de Física – Setor de Hidráulica e Saneamento Av. Itália km 8/SN rutineia@gmail.com Prof Walter Collischonn Universidade Federal do Rio Grande do Sul Isntituto de Pesquisas Hidráulicas Av. Bento Gonçalves, 9500 collischonn@uol.com.br Índice 1. Introdução à Hidrologia ..........................................................................................................1 1.1 Definição .........................................................................................................................1 1.2 O que é a água? ...............................................................................................................1 1.3 Domínio da hidrologia ....................................................................................................1 1.4 A hidrologia na Engenharia.............................................................................................2 2. Ciclo Hidrológico....................................................................................................................3 3. Bacia Hidrográfica ..................................................................................................................5 3.1 O que é uma bacia hidrográfica?.....................................................................................5 3.2 Características físicas de uma bacia hidrográfica ...........................................................6 3.3 Balanço hídrico em uma bacia hidrográfica..................................................................13 4. Precipitação ...........................................................................................................................15 4.1 Definição .......................................................................................................................15 4.2 Qual a importância da precipitação? .............................................................................15 4.3 Formação da precipitação..............................................................................................15 4.4 Tipos de precipitação ....................................................................................................16 4.5 Aquisição de dados de precipitação ..............................................................................17 4.5.1 Pluviômetros..........................................................................................................18 4.5.2 Pluviógrafos ..........................................................................................................19 4.5.3 Radar .....................................................................................................................19 4.5.4 Satélite...................................................................................................................20 4.6 Características gerais da precipitação ...........................................................................20 4.6.1 Variação Espacial da Precipitação ........................................................................22 4.6.2 Variabilidade Sazonal da Precipitação..................................................................22 4.6.3 Variabilidade da Precipitação com a Altitude.......................................................23 4.6.4 Variabilidade da Precipitação com a Área ............................................................24 4.7 Precipitação Média em uma Área .................................................................................24 4.7.1 Método da média aritmética..................................................................................25 4.7.2 Método dos Polígonos de Thiessen.......................................................................25 4.7.3 Método das Isoietas...............................................................................................27 4.8 Tratamento dos Dados Pluviométricos .........................................................................29 4.8.1 Identificação de erros grosseiros ...........................................................................29 4.8.2 Preenchimento de falhas........................................................................................29 4.8.3 Análise de consistência das séries pluviométricas ................................................31 4.9 Análise de Séries de Mensais e Anuais de Precipitação....................................................35 4.10 Precipitações intensas....................................................................................................43 4.11 Distribuição temporal da precipitação...........................................................................46 5. Interceptação .........................................................................................................................47 6. Evapotranspiração .................................................................................................................48 6.1 Formação da evaporação...............................................................................................49 6.2 Fatores que afetam a evaporação ..................................................................................50 6.3 Medição de evaporação.................................................................................................52 6.4 Fatores que afetam a transpiração .................................................................................53 6.5 Medição da evapotranspiração ......................................................................................53 6.6 Estimativa da evapotranspiração através de equações ..................................................54 6.6.1 Balanço hídrico .....................................................................................................54 6.6.2 Método de Thorntwaith.........................................................................................55 6.6.3 Método de Blaney-Criddle ....................................................................................56 6.6.4 Equações de Penman-Monteith.............................................................................56 7. Infiltração ..............................................................................................................................61 7.1 Movimento da água no solo ..........................................................................................61 7.2 Infiltração ......................................................................................................................63 7.2.1 Capacidade de infiltração e taxa de infiltração .....................................................64 7.3 Estimativa da Infiltração ...............................................................................................65 7.3.1 Medição direta – Infiltrômetro ..............................................................................65 7.3.2 Equação de Horton ................................................................................................66 7.3.3 Equação de Phillip.................................................................................................68 7.3.4 Método do SCS .....................................................................................................68 7.3.5 Método do Índice φ ...............................................................................................71 8. Análise do hidrograma ..........................................................................................................73 8.1 O hidrograma.................................................................................................................73 8.2 Fatores que influenciam a formade um hidrograma.....................................................74 8.3 Analisando o hidrograma ..............................................................................................77 8.4 Separação do escoamento..............................................................................................78 9. Escoamento Superficial.........................................................................................................80 9.1 Método Racional ...........................................................................................................80 9.2 O Hidrograma Unitário (HU)........................................................................................82 9.2.1 Dedução do Hidrograma Unitário .........................................................................85 9.3 Hidrograma Unitário Sintético (HUS) ..........................................................................86 9.3.1 Hidrograma Unitário Sintético do Snyder.............................................................86 9.3.2 Hidrograma Unitário Sintético do SCS.................................................................88 9.4 Aplicação dos métodos do HU e HUS..........................................................................89 10. Propagação de Vazões.......................................................................................................90 10.1 Propagação do escoamento em rios e canais - Muskingum..........................................90 10.1.1 Ajuste dos parâmetros X e K.................................................................................92 10.2 Propagação de escoamento em reservatórios ................................................................93 Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -1- 1.Introdução à Hidrologia 1.1 Definição A Hidrologia é a ciência da água. Trata da quantificação dos volumes de água que, em diversas formas, encontram-se distribuídos pela superfície terrestre e são suscetíveis de aproveitamento pelo homem. Ocupa-se, também, da movimentação dessas massas de água que, num fluxo contínuo, deslocam-se de um lugar a outro facilitando seu uso, mas causando também, às vezes, grandes dificuldades e prejuízos à atividade humana. Diversas especialidades têm surgido dentro das ciências hídricas relacionadas com os diferentes usos da água, e por isso aspectos como a hidrologia de águas subterrâneas e a qualidade das águas não estão aqui incluídas, tendo-se abordado apenas de forma preliminar a ocorrência das águas subterrâneas, constituídas hoje numa ciência especializada que poderá ser melhor consultada em textos próprios. 1.2 O que é a água? A água é uma substância com características incomuns. É a substância mais presente na superfície do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O corpo humano é composto por água mais ou menos na mesma proporção. Já um tomate é composto por mais de 90 % de água, assim como muitos outros alimentos. Todas as formas de vida necessitam da água para sobreviver. A água é a única substância na Terra naturalmente presente nas formas líquida, sólida e gasosa. A mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente como no tempo em que os dinossauros habitavam o planeta, a milhões de anos atrás. A busca de vida em outros planetas está fortemente relacionada a busca de indícios da presença de água. A estrutura molecular da água (H2O) é responsável por uma característica fundamental da água que é a sua grande inércia térmica, isto é, a temperatura da água varia de forma lenta. O sol aquece as superfícies de terra e de água do planeta com a mesma energia, entretanto as variações de temperatura são muito menores na água. Em função deste aquecimento diferenciado e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem as características que conhecemos. Comparada com outros líquidos a água também apresenta uma tensão superficial relativamente alta. Esta tensão superficial é responsável pela organização da chuva na forma de gotas e pela ascensão capilar da água nos solos. Os recursos de água têm determinado o destino de muitas civilizações ao longo da história. Povos entraram em conflito e guerras foram iniciadas em torno de problemas relacionados ao acesso à água. O crescimento da população mundial ao longo do último século tornou criticamente necessária a racionalização do uso da água. No Brasil a geração de energia elétrica é apenas um dos usos da água, mas sua importância é muito grande, chegando a influenciar fortemente as estimativas do valor associado á água. 1.3 Domínio da hidrologia Tendo como objeto o estudo da água, podem-se dar várias sub-divisões dentro da Hidrologia. Hidrometeorologia é o estudo dos problemas intermediários, ou que afetam os campos da hidrologia e meteorologia. Limnologia é o estudo dos lagos. Criologia o estudo dos assuntos relacionados com neve e gelo. Potamologia é o estudo das correntes superficiais e Geohidrologia o estudo das águas subterrâneas. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -2- A maioria dos problemas reais envolve várias dessas especialidades, porquanto muitos dos fenômenos são interdependentes. A Hidrologia, por seu caráter abrangente, utiliza como suporte outras ciências específicas como a geologia, geografia, hidromecânica, estatística, computação e outras, fora das básicas de física e matemática (Gray, 1973). Linsley et Al. (1949) reconhecem três grandes temas a serem tratados na Hidrologia: a medição, registro e publicação de informações básicas, a análise dessa informação para desenvolver e expandir as teorias fundamentais, e a aplicação dessas teorias e dados na solução de problemas reais. 1.4 A hidrologia na Engenharia Visto que o recurso água nem sempre se encontra no local oportuno e no momento oportuno, é necessária muitas vezes, a construção de obras hidráulicas. Em caso de secas, ou locais onde a água seja escassa, o objetivo das obras hidráulicas é aproximar o recurso do usuário, no mesmo momento que seja necessário, criando barragens, canais, aquedutos, redes de distribuição de água, sistema de irrigação. Nos casos de locais que sofrem com inundações, as obras hidráulicas devem proteger o homem dos efeitos devastadores das ondas de cheia, através da delimitação da planície de inundação e criando obras de defesa e drenagem, tanto urbana, como rural. De forma mais ampla, o engenheiro deve responder a questões como: Qual é a vazão máxima que se pode esperar num vertedor de barragem ou num bueiro de rodovia ou no sistema pluvial de uma cidade? Qual é o volume de água necessário para garantir o fornecimento para irrigação durante uma seca? Quais serão os efeitos dos reservatórios e diques de controle sobre as ondas de cheia de um rio? Qual a possibilidade de abastecer uma população com água subterrânea? O engenheiro também é responsável pelo fornecimento de informações (níveis, velocidade, sedimentos, etc.) para obras de melhoramento das condições de navegabilidade de um rio, dragagem de trechos, fechamento de braços e projeto de espigões. Na construção de portos fluviais, diques de proteção e aterros, os estudos estatísticos de variação de níveis podem atribuir períodos de recorrência a esses valores, introduzindo o conceito de probabilidade e risco de ocorrência de eventos. A irrigação, a proteção contra erosão de solos agrícolas, a recuperação de terras, o estudo da poluição dos cursos d’água por defensivos agrícolas, tem na hidrologia o seu elemento básico. mai Highlight mai Highlightmai Highlight Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -3- 2.Ciclo Hidrológico Ciclo hidrológico é o termo que se usa para descrever a circulação geral da água, desde o oceano até a atmosfera, até o sub-solo, e novamente até o oceano, conforme apresentado na Figura 2. 1. Figura 2. 1- Representação esquemática do ciclo hidrológico Pode-se dizer que o ciclo hidrológico não tem princípio e nem fim. A principal força motriz desse sistema é a energia solar, que provoca o aquecimento do ar, do solo e da água superficial. Como resultado desse aquecimento, temos a circulação de massas de ar e a evaporação. Esse vapor se condensa por meio de vários processos e è devolvida à terra em forma de precipitação, impulsionado pelas forças gravitacionais. Uma porção da água precipitada é retida temporariamente em depressões superficiais, vegetação e outros “objetos” (interceptação) e retorna à atmosfera por meio da evaporação e transpiração. O restante da água pode infiltrar no solo ou escoar sobre uma superfície até atingir um rio, lago ou mar, sendo que essa água também está igualmente sujeita à evaporação e transpiração durante todo o seu trajeto. A água infiltrada pode percolar até zonas mais profundas ao ser armazenada como água subterrânea, que pode mais tarde fluir como manancial ou incorporar-se a rios, lagos ou mar. Dessa maneira, o ciclo hidrológico sofre vários processos: precipitação, interceptação, transpiração, evaporação, infiltração, percolação, armazenamento e escoamento. Essa é uma descrição do ciclo hidrológico sumamente simplificada. Na realidade, todas as fases do ciclo hidrológico ocorrem simultaneamente. À escala global, a quantidade de água contida em cada uma das fases do ciclo é constante, porém, visto em termos de uma área limitada, como, por exemplo, uma bacia hidrográfica, a quantidade de água contida em cada parte do ciclo varia muito. Por exemplo, a água precipitada que está escoando em um rio pode evaporar, condensar e novamente precipitar antes de retornar ao oceano. A água também sofre alterações de qualidade ao longo das diferentes fases do ciclo hidrológico. A água salgada do mar é transformada em água doce pelo processo de evaporação. Estima-se que 1,4 km3 de água seja mundialmente disponível. Cerca de 97 % da água do mundo está nos oceanos, e dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) está armazenada na forma de geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares (). A água doce de rios, lagos e aqüíferos (reservatórios de água no subsolo) corresponde a menos de 1% do total. Em valores totais, a mai Highlight Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -4- água doce existente na Terra e a água que atinge a superfície dos continentes na forma de chuva é suficiente para atender todas as necessidades humanas. Entretanto, grandes problemas surgem com a grande variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de água. A América do Sul é, de longe, o continente com a maior disponibilidade de água, porém a precipitação que atinge nosso continente é altamente variável, apresentando na Amazônia altíssimas taxas de precipitação enquanto o deserto de Atacama é conhecido como o lugar mais seco do mundo. Tabela 2. 1 – Água disponível na terra (Gleick, 2000) Percentual água do planeta (%) Percentual da água doce (%) Oceanos/água salgada 97 Gelo permanente 1,7 69 Água subterrânea 0,76 30 Lagos 0,007 0,26 Umidade do solo 0,001 0,05 Água atmosférica 0,001 0,04 Banhados 0,0008 0,03 Rios 0,0002 0,006 Biota 0,0001 0,003 No Brasil a disponibilidade de água é grande, porém existem regiões em que há crescentes conflitos em função da quantidade de água, como na região semi-árida do Nordeste. Mesmo no Rio Grande do Sul ocorrem anos secos em que a disponibilidade de água de alguns rios não é suficiente para atender as demandas para abastecimento da população e para irrigação. Algumas alterações produzidas pelo homem sobre o ecossistema podem alterar parte do ciclo hidrológico. Em nível global, a emissão de gases para a atmosfera produz aumento do efeito estufa, alterando as condições climáticas. A nível local, as obras hidráulicas que atuam sobre os rios, lagos e oceanos, além dos desmatamentos, atuam sobre o comportamento da bacia hidrográfica, e a urbanização também produz alterações localizadas nos processos do ciclo hidrológico terrestre. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -5- 3. Bacia Hidrográfica 3.1 O que é uma bacia hidrográfica? O ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica (Figura 3. 1). Por definição, a bacia hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água, originados a partir da precipitação, que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório. Figura 3. 1 – Bacia hidrográfica A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e evapotranspiração). A bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no tempo (precipitação) em uma saída relativamente distribuída na tempo (escoamento). Para definir uma bacia hidrográfica, é necessário definir uma seção ou ponto de referência em um curso d’água selecionado, além de informações topográficas (relevo) do local. Uma bacia hidrográfica, por sua vez, pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias pode ser considerada uma bacia hidrográfica. Na são apresentadas as bacias hidrográficas brasileiras, com a rede de drenagem disponibilizada pela Agência Nacional de Águas (ANA, 2005). No site da ANA (www.ana.gov.br) podem ser encontradas informações sobre as bacias hidrográficas brasileiras (Figura 3. 2), e para as sub-bacias também. Na Figura 3. 3 é apresentada a bacia do arroio Dilúvio, e a divisão em sub-bacias. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -6- Figura 3. 2 – Bacias hidrográficas brasileiras Figura 3. 3 – Bacia hidrográfica do Arroio Dilúvio 3.2 Características físicas de uma bacia hidrográfica As principais características físicas da bacia hidrográfica são a área, comprimento do rio principal, declividade do rio e bacia e cobertura do solo. A seguir são descritas algumas características físicas das bacias hidrográficas. Área de drenagem A área de drenagem (A) é a superfície em projeção horizontal, delimitada pelo divisor de águas. O divisor de águas é uma linha imaginária, que passa pelos pontos de maior nível topográfico, e separa a bacia hidrográfica em estudo de outras bacias hidrográficas vizinhas (Figura 3. 4). Deve-se considerar que essa linha não é, em geral, o contorno real da bacia Bacia do rio Amazonas Bacia Atlântico trecho Norte/Nordeste Bacia do rio Tocantins Bacia do rio São Francisco Bacia Atlântico trecho Leste Bacia do rio Paraná Bacia do rio Uruguai Bacia Atlântico trecho Sudeste mai Highlight Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -7- hidrográfica, já que a influência da geologia pode fazer com que ocontorno de aportes de águas subterrâneas e superficiais seja diferente. Em geral, a área de uma bacia hidrográfica é estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um mapa topográfico. A área da bacia hidrográfica é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma bacia, uma vez que é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o volume de água recebido pela bacia hidrográfica. Figura 3. 4 – Determinação da área de drenagem de uma bacia hidrográfica Comprimento do rio principal Define-se o rio principal de uma bacia hidrográfica como aquele que drena a maior área no interior da bacia. O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de todo o sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais remota da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de concentração da bacia, conforme será explicado a seguir. Declividade da bacia hidrográfica e do rio A declividade média da bacia hidrográfica e do curso d’água principal também são características que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema, além de ter relação com os processos de infiltração. A declividade do curso d’água pode ser determinada, por exemplo, através do cálculo da declividade média ou média ponderada. A declividade média é a relação entre a diferença de cotas (cota máxima menos a cota mínima) e o comprimento do mesmo. Em geral, recomenda-se usar o método da média ponderada, dividindo o rio em vários sub-trechos (Figura 3. 5) e ponderar as declividades parciais com os comprimentos de cada trecho. Definir a declividade da bacia é mais complicado, já que se trata de uma superfície curva com várias inclinações. Um dos métodos mais usados sub-divide a bacia em faixas de altitude e pondera a declividade individual de cada faixa com a área da mesma, conforme se indica na Figura 3. 6. Divisor topográfico Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -8- 0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 Comprimento (m) A lti tu de (m ) Figura 3. 5 - Perfil do fundo do arroio do Moinho em Porto Alegre (IPH, 1979) Figura 3. 6 - Esquema para a determinação da declividade média na bacia hidrográfica Tipo e uso do solo O tipo predominante de solo na bacia controla a infiltração generalizada e daí sua importância nas bacias naturais; a permeabilidade dos terrenos é um fator decisivo na taxa de infiltração permitida pelo solo e a constituição geológica será a responsável pela percolação das águas e sua circulação através do subsolo, para mais tarde vir a alimentar os rios durante as épocas de estiagem. Assim como o tipo de solo, o uso do solo tem grande influência nos processos que ocorrem na bacia hidrográfica. Pode-se citar, por exemplo, o caso das bacias hidrográficas submetidas a processos de urbanização, a superfície natural da bacia é substituída por superfícies quase impermeáveis, impedindo a penetração da água no solo. Isso acarreta a ocorrência de picos de cheia muito altos e volumes de escoamento superficial grandes, concentrados em tempos curtos, condições estas as mais críticas para o comportamento hidrológico da bacia. Além dessas características principais, também são características físicas de uma bacia hidrográfica: Forma da bacia hidrográfica Duas bacias hidrográficas que tenham a mesma área poderão ter respostas hidrológicas completamente diferentes em função de sua forma, já que esta condicionará o tempo de Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -9- concentração. Entre os parâmetros utilizados para medir a forma de uma bacia hidrográfica encontram-se os índices de Greavelius ou coeficiente de compacidade (Kc) e o fator de forma (Kf). O Índice de compacidade ou de Gravelius é a relação entre o perímetro P da bacia hidrográfica e o perímetro de uma bacia circular da mesma área A. Este índice compara, portanto, a bacia com um círculo da mesma área; uma bacia compacta apresenta um índice de compacidade baixo (próximo de um). A P A PKc 28.0 /)2( == ππ (3.1) Caso não existam fatores que interfiram, os menores valores de Kc indicam maior potencialidade de produção de picos de enchentes elevados. O fator de forma é definido como a relação existente entre a área da bacia e o quadrado do comprimento axial da mesma, medido ao longo do curso principal até a cabeceira mais distante da foz, no divisor de águas: 2/ LAKf = (3.2) Esse fator dá alguma indicação sobre a tendência da bacia a produzir enchentes ou inundações, pois um fator de forma baixo (grande comprimento axial) reflete uma menor probabilidade de ocorrer na bacia uma chuva intensa que atinja toda sua extensão, comparada com outra bacia da mesma área e menor comprimento axial (maior índice de forma). Características do relevo Além da determinação das declividades médias da bacia hidrográfica e do curso d’água, podem ser obtidas outras informações sobre o relevo da bacia hidrográfica, como por exemplo, a curva hipsométrica. A curva hipsométrica é uma representação gráfica do relevo de uma bacia hidrográfica. É uma curva que indica a porcentagem da área da bacia hidrográfica que existe acima de uma determinada cota (Figura 3. 7). Uma curva hipsométrica pode dar algumas informações sobre a fisiografia da bacia hidrográfica. Por exemplo, uma curva hipsométrica com concavidade para cima indica uma bacia com vales extensos, e o contrário, indica uma bacia com vales profundos. A curva hipsométrica torna- se interessante à medida que a maior parte dos fatores hidrometeorológicos (precipitação, temperatura, ventos, etc.) apresenta variação com a altitude. 0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250 275 300 325 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 % da área A lti tu de (m ) Figura 3. 7 – Curva hipsométrica da bacia hidrográfica do arroio Moinho (IPH, 1979) Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -10- Índices de drenagem – A rede de drenagem da bacia hidrográfica joga papel importante na geração de cheias. Em uma bacia eficientemente drenada, o escoamento concentra-se rapidamente na saída, causando vazões de pico elevadas e baixos valores de vazões mínimas. Um dos índices utilizados é a densidade de drenagem (DD), definida como o comprimento total (L) dos canais que formam a rede de drenagem, por unidade de área (A) da bacia da bacia hidrográfica. Outro índice utilizado é o de ordenamento dos canais da rede de drenagem da bacia hidrográfica. Destacam-se o sistema de Horton (1945) e Strahler (1957). No sistema de Horton os canais de primeira ordem são aqueles que não possuem tributários; os canais de segunda ordem têm apenas afluentes de primeira ordem; os canais de terceira ordem recebem afluência de canais de segunda ordem, podendo também receber diretamente canais de primeira ordem; sucessivamente, um canal de ordem u pode ter tributários de ordem u-1 até 1. Isto implica atribuir a maior ordem ao rio principal, valendo esta designação em todo o seu comprimento, desde o exutório da bacia até sua nascente. No sistema de Strahler éevitada a subjetividade de classificação das nascentes. Para Strahler, todos os canais sem tributários são de primeira ordem, mesmo que sejam nascentes dos rios principais e afluentes; os canais de segunda ordem são os que se originam da confluência de dois canais de primeira ordem, podendo ter afluentes também de primeira ordem; os canais de terceira ordem originam se da confluência de dois canais de segunda ordem, podendo receber afluentes de segunda e primeira ordens; sucessivamente, um canal de ordem u é formado pela união de dois canais de ordem u-1, podendo receber afluência de canais com qualquer ordem inferior. Portanto, no sistema de Strahler, o rio principal e afluentes não mantêm o número de ordem na totalidade de suas extensões, como acontece no sistema de Horton que tem problemas práticos de numeração (Figura 3. 8). A densidade de drenagem é uma característica que pode ser profundamente alterada pela construção de estruturas de drenagem. Por exemplo, a construção de galerias de drenagem das águas pluviais em áreas urbanas representa um aumento significativo na densidade de drenagem. A determinação dos índices de drenagem está relacionada com a qualidade (escala) da informação disponível, sendo que hoje em dia esses índices não têm merecido grande destaque dentro da hidrologia. Figura 3. 8 – Sistema de ordenamento Pode-se mencionar ainda o tempo de concentração da bacia hidrográfica, que não é propriamente uma característica física da bacia hidrográfica, mas sim um parâmetro que está profundamente relacionado com as características físicas da mesma. Tempo de concentração – Conceitualmente, o tempo de concentração é o tempo que uma gota de chuva, que atinge a região mais remota da bacia hidrográfica, leva para atingir o exutório. Para entender o tempo de concentração, considere o ponto P1 da bacia hidrográfica Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -11- da Figura 3. 9. Se nesse ponto precipitar uma gota de água, e houver condições para geração de escoamento, essa gota d’água escoará por regiões de maior declividade até atingir o curso d’água principal (P2). Quando a água atinge o rio principal, o escoamento passa a se desenvolver em um canal, até o exutório da bacia hidrográfica. O procedimento para o cálculo do tempo de concentração, com base na Figura 3. 9 é calcular o comprimento dos percursos (L1 – entre P1 e P2 e L2 – entre P2 e o exutório) e estimar as velocidades da água correspondente (V1 e V2). Posteriormente se calcula o tempo de viagem T1 e T2, sendo que o tempo de concentração total da bacia hidrográfica, nesse caso, seria T1+T2. Pode-se traçar, a partir de interpolação, para toda a bacia hidrográfica, isolinhas de tempo de deslocamento ou isócronas. As isócronas representam linhas de mesmo tempo de deslocamento na bacia hidrográfica. Por exemplo, na Figura 3. 10 ao observar a isócrona de 3h, tem-se uma estimativa do tempo de viagem de uma gota de água que atinge essa região. Figura 3. 9 – Tempo de concentração em uma bacia hidrográfica Figura 3. 10 – Esquema das isócronas em uma bacia hidrográfica A maneira mais adequada de determinação do tempo de concentração é a partir de dados observados de precipitação e vazão. No entanto, são raras as bacias hidrográficas que dispõem desse tipo de informação. Para contornar esses problemas, são apresentadas na literatura algumas formulações empíricas para a determinação do tempo de concentração, como as apresentadas a seguir, na Tabela 3. 1. Recomenda-se, no entanto, muito cuidado na utilização dessas equações, visto que as mesmas foram desenvolvidas para bacias hidrográficas com determinadas características e em condições específicas. Deve-se, portanto, observar as condições para as quais as formulações foram desenvolvidas, e identificar a mais adequada para a bacia hidrográfica em questão. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -12- Tabela 3. 1 – Equações para o cálculo do tempo de concentração Equação Observações Kirpich (1940) 385,077,0989,3 −⋅⋅= SLtc Desenvolvida com dados de sete pequenas bacias rurais do Tenessee com declividades variando de 3 a 10% e áreas de, no máximo, 0,5 km2. Embora o tipo de informação que a fórmula necessite (L e S) seja uma indicação de que ela reflete o escoamento em canais, o fato de ter sido desenvolvida para bacias tão pequenas é uma indicação de que os parâmetros devem representar o escoamento em superfícies. Quando o valor de L é superior a 10 km, a fórmula parece subestimar o valor de tc. Federal Aviation Agency (1970) ( ) 33,050,01,173,22 −⋅⋅−⋅= SLCtc Desenvolvida para drenagem de aeroportos, é válida, provavelmente, para casos em que predomine o escoamento em superfícies, ou seja, em bacias muito pequenas. Onda cinemática (1963) ( ) 4,03,06,0447 −− ⋅⋅⋅⋅= ISLntc Deduzida a partir da teoria da onda cinemática, aplicada a superfícies a partir das hipóteses de escoamento turbulento e chuva de intensidade constante. O comprimento das superfícies variou de 15 a 30 metros. É adequada para bacias muito pequenas, em que o escoamento em superfícies seja predominante. SCS - "Lag formula" (1975) ( )[ ] 5,07,08,0 9/100042,3 −⋅−⋅⋅= SCNLtc A fórmula do SCS foi desenvolvida em bacias rurais com áreas de drenagem de atá 8 km2 e reflete, fundamentalmente, o escoamento em superfícies. Para a aplicação em bacias urbanas, o SCS sugere procedimentos para ajuste em função da área impermeabilizada e da parcela dos canais que sofreram modificações. Essa fórmula superestima o valor de tc em comparação com as expressões de Kirpich e Dooge. SCS - Método Cinemático (1975) ∑⋅= VLtc 601000 A fórmula diz que o tempo de concentração é a somatória dos tempos de trânsito dos diversos trechos que compõem o comprimento do talvegue. Na parte superior das bacias, em que predomina o escoamento em superfícies, ou em canais mal definidos, a velocidade pode ser determinada por meio de fórmulas como a 6.3. Em canais bem definidos e galerias deve ser usada a fórmula de Manning. Dooge (1956) 17,041,0188,21 −⋅⋅= SAtc Foi determinada com dados de dez bacias rurais da Irlanda, com áreas na faixa de 140 a 930 km2. Seus parâmetros refletem o comportamento de bacias médias e escoamento predominante em canais. Em todas as fórmulas, o significado dos termos é o seguinte: tc = tempo de concentração em minutos A = área da bacia em km2 S = declividade do talvegue em m/m H = diferença entre as cotas da seção de saída e o ponto mais a montante da bacia em m C = coeficiente de escoamento superficial do Método Racional n = rugosidade de Manning I = intensidade da chuva em mm/h CN = número da curva (método do SCS) V = velocidade média no trecho em m/s L= comprimento do curso d’água principal em km. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -13- 3.3 Balanço hídrico em uma bacia hidrográfica À relação entre as entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica, dá-se o nome de balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia hidrográfica é a precipitação, enquanto a evapotranspiração e o escoamento, constituem-se as formas de saída. De forma geral, o balanço hídrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equação: QEP t V −−=∆ ∆ (3.3) onde: ∆V é a variação do volume de águaarmazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1). Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia. QEP += (3.4) onde: P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o escoamento em mm.ano-1. As unidades de mm, ou lâmina de chuva, são mais usuais para a precipitação e para a evapotranspiração. Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído sobre uma área de 1 m2. O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado coeficiente de escoamento e é dado por: P QC = (3.5) O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os valores vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias. A Tabela 3. 2 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do Sul está contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a precipitação média é de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio Uruguai o escoamento é de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de vazão média. Na bacia do Atlântico Sul, em que está inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto a evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de escoamento nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de 40% da chuva é transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo processo de evapotranspiração. Tabela 3. 2 – Balanço hídrico para algumas bacias hidrográficas brasileiras Área Chuva Vazão Evapotr. Chuva Vazão Evapotr. Coef. Esc.Região (km2) (m3/s) (m3/s) (m3/s) (mm) (mm) (mm) (%) Amazonas - Total 6112000 493491 202000 291491 2546 1042 1504 41 Amazonas - Brasil 3884191 277000 128900 139640 2249 1047 1134 47 Tocantins 757000 42387 11300 31087 1766 471 1295 27 Atlântico Norte 242000 16388 6000 10388 2136 782 1354 37 Atlântico Nordeste 787000 27981 3130 24851 1121 125 996 11 São Francisco 634000 19829 3040 16789 986 151 835 15 Atlântico Leste (1) 242000 7784 670 7114 1014 87 927 9 Atlântico Leste (2) 303000 11791 3710 8081 1227 386 841 31 Paraná 877000 39935 11200 28735 1436 403 1033 28 Paraguai 368000 16326 1340 14986 1399 115 1284 8 Uruguai 178000 9589 4040 5549 1699 716 983 42 Atlântico Sul 224000 10519 4570 5949 1481 643 838 43 Brasil - Amazonas Total 10724000 696020 251000 445020 2047 738 1309 36 Brasil - Amazonas Parcial 8496191 479529 177900 293169 1780 660 1088 37 Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -14- A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas do Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água é menor na bacia do rio São Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as regiões mais secas da região Nordeste do Brasil. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -15- 4. Precipitação 4.1 Definição A água da atmosfera, que atinge a superfície da terra, na forma de chuva, granizo, neve, orvalho, neblina ou geada é denominada precipitação. No Brasil a chuva é a forma mais importante de precipitação, embora grandes prejuízos possam advir da ocorrência de precipitação na forma de granizo e em alguns locais possa eventualmente nevar. Em engenharia a forma de precipitação mais comum, e que tem maior interesse é a chuva. A chuva é a principal causa dos processos hidrológicos, e sua quantificação correta é um dos desafios que o hidrólogo ou o engenheiro enfrentam. 4.2 Qual a importância da precipitação? Conforme mencionado quando abordado o assunto balanço hídrico, a precipitação é a única forma de entrada de água em uma bacia hidrográfica. Assim sendo, ela fornece subsídios para a quantificação do abastecimento de água, irrigação, controle de inundações, erosão do solo, etc., e é fundamental para o adequado dimensionamento de obras hidráulicas, entre outros. 4.3 Formação da precipitação Para que ocorra uma precipitação, a condição básica é a presença de vapor de água na atmosfera. A quantidade de vapor que o ar pode conter é limitada. A quantidade máxima de vapor que pode ser contida no ar sem condensar é a concentração de saturação (o ar a 20º C pode conter uma quantidade máxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cúbico – quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando). Uma característica muito importante da concentração de saturação é que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar. Assim, o ar mais quente pode conter mais vapor do que ar frio. A Figura 4. 1 apresenta a variação da concentração de saturação de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a 10º C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0º C. O ar úmido, mais leve, eleva-se e atinge camadas mais frias da atmosfera. Ao se resfriar, pode chegar ao ponto de saturação, transformando o vapor de água em pequenas gotículas líquidas espalhadas no ar livre em forma de aerosol, constituindo nuvens. A formação das nuvens está ligada ao aumento do volume das gotículas, que flutuam graças às turbulências atmosféricas. O processo de aumento crescimento é possibilitado pela absorção de uma gotícula por outra, por choque entre elas ou pela condensação do vapor de água sobre as próprias gotículas, facilitada pela presença de núcleos de condensação (cristais de gelo, partículas de cloreto de sódio, poeira, resíduos, etc.) que normalmente flutuam no ar. Porém, em certas condições, as gotas das nuvens crescem, atingindo (entre 0,5 e 2 mm)e peso suficiente para vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condições, a água das nuvens se precipita para a superfície da Terra, na forma de chuva. Embora os volumes das gotas de chuva são de 105 a 106 vezes maiores que os das gotículas, a condensação de toda a água da nuvem geraria uma chuva imperceptível. É necessário admitir então uma constante alimentação de vapor de água de fora da nuvem por correntes de ar ascendente que conduzem ar quente e úmido e refazem constantemente a nuvem enquanto dura a precipitação. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -16- Figura 4. 1 – Relação entre a temperatura e o conteúdo de vapor de água no ar na condição de saturação 4.4 Tipos de precipitação De acordo com as características de localização, intensidade e abrangência, o ar úmido eleva-se sob diferentes condições, e dá origem a três tipos básicos de precipitação: Convectiva: quando há pouca circulação de massas de ar, o ar próximo ao solo é aquecido pela radiação emitida e refletida pela superfície terrestre. Esse ar quente, menos denso que o ar circundante, eleva-se na forma de células de conveção. Esse ar se esfria adiabaticamente, até atingir o nível de condensação, gerando nuvens de tipo cúmulos ou cúmulo-nimbus (Figura 4. 2). Esse tipo de precipitação é típico de zonas equatoriais, onde, o movimento do ar é essencialmente vertical. Nas zonas temperadas ocorrem nos períodos quentes, na forma de tormentas de verão, localizadase violentas (na região sul esse tipo de precipitação também é conhecida como “chuva de verão”). As características principais de uma chuva convectiva são a sua pequena duração, intensidade elevada, atingindo áreas reduzidas; é também esse tipo de precipitação que gera o granizo. Problemas de inundação em áreas urbanas estão, muitas vezes, relacionados às chuvas convectivas Figura 4. 2 – Esquema de formação da precipitação convectiva Orográfica: quando os ventos carregados de umidade, soprando normalmente do oceano para o continente, encontram uma barreira montanhosa (por exemplo, a serra do Mar), as massas de ar úmido elevam-se para transpor o obstáculo, resultando num resfriamento que pode alimentar a formação de nuvens e desencadear precipitações (Figura 4. 3). São localizadas nas encostas montanhosas que olham para o mar e quando os ventos conseguem ultrapassar a barreira montanhosa, do lado oposto projeta-se a sombra pluviométrica, dando lugar a zonas secas ou semi-áridas, causadas pelo ar seco, já que a umidade foi descarregada Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -17- na encosta oposta. Esse tipo de precipitação geralmente tem ocorrência localizada, podendo atingir grande intensidade. Figura 4. 3 – Esquema de formação de precipitação orográfica Frontal: quando se encontram duas grandes massas de ar, de diferente temperatura e umidade, o ar mais quente (mais leve e, normalmente, mais úmido) é empurrado para cima, onde atinge temperaturas mais baixas, resultando na condensação do vapor (Figura 4. 4). As massas de ar que formam as chuvas frontais têm centenas de quilômetros de extensão e movimentam se de forma relativamente lenta, conseqüentemente as chuvas frontais caracterizam-se pela longa duração e por atingirem grandes extensões. No Brasil as chuvas frontais são muito freqüentes na região Sul, atingindo também as regiões Sudeste, Centro Oeste e, por vezes, o Nordeste. Figura 4. 4 – Esquema de formação da precipitação frontal 4.5 Aquisição de dados de precipitação No Brasil a precipitação é convencionalmente medida por meio de aparelhos chamados de pluviômetros ou pluviógrafos. Existe ainda a possibilidade de se medir a precipitação por meio de radar (radares meteorológicos) ou imagens de satélite, mas os erros associados a esses métodos ainda são relativamente grandes. No entanto, pelo fato de apresentarem medidas em um contínuo espacial são excelentes ferramentas, que permitem a análise da distribuição espacial da chuva, ao contrário dos pluviômetros e pluviógrafos, que têm medição de caráter pontual. Cadeia montanhosa Vento úmido Vento seco Ar frio Ar quente Avanço da frente Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -18- 4.5.1 Pluviômetros O pluviômetro é um aparelho dotado de uma superfície de captação horizontal, delimitada por um anel metálico e de um reservatório para acumular a água recolhida, ligado a essa área de captação. É um aparelho que fornece o total de água acumulado durante um intervalo de tempo. Em função dos detalhes construtivos, há vários modelos de pluviômetros em uso no mundo. No Brasil é bastante difundido o tipo “Vile de Paris” (Figura 4. 5). Esse pluviômetro tem uma forma cilíndrica com uma área superior de captação da chuva de 400 cm2, de modo que um volume de 40 ml de água acumulado no pluviômetro corresponda a 1 mm de chuva. A quantidade de chuva que entra no pluviômetro depende da exposição ao vento, da altura do instrumento e da altura dos objetos vizinhos ao aparelho. O efeito do vento altera as trajetórias do ar no espaço circundante ao pluviômetro e causa turbulência nas bordas do instrumento, produzindo erros na observação da chuva. A distância mínima dos obstáculos próximos (prédios, árvores, morros, etc.) deve ser igual a quatro vezes a altura desse obstáculo, devendo o local de instalação estar protegido do impacto direto do vento. O pluviômetro deve ser instalado a uma altura padrão de 1,50 m do solo (Figura 4. 5). Figura 4. 5 – Pluviômetro “Ville de Paris” Nos pluviômetros da rede de observação mantida pela Agência Nacional da Água (ANA) a medição da chuva é realizada uma vez por dia, sempre às 7:00 da manhã, por um observador que anota o valor lido em uma caderneta. Durante o processo de monitoramento e operação do instrumento podem ocorrer alguns erros que devem ser minimizados: perdas por evaporação da água contida no coletor; contagem incorreta do número de provetas resultantes, no caso de chuvas importantes; água derramada durante a transferência do coletor para a proveta; graduação da proveta não correspondente à área da boca do pluviômetro; leitura defeituosa da escala da proveta; anotação incorreta na caderneta do observador. A ANA tem uma rede de 2473 estações pluviométricas distribuídos em todo o Brasil. Além da ANA existem outras instituições e empresas que mantém pluviômetros, como o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), empresas de geração de energia hidrelétrica e empresas de pesquisa agropecuária. No banco de dados da ANA (www.hidroweb.ana.gov.br) estão cadastradas 14189 estações pluviométricas de diversas entidades, mas apenas 8760 estão em atividade atualmente. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -19- 4.5.2 Pluviógrafos Quando é necessária informação mais detalhada da precipitação, como sua distribuição temporal ou a variação das intensidades, usa-se o pluviógrafo (Figura 4. 6). Esse tipo de instrumento permite um monitoramento contínuo, sendo que originalmente eram mecânicos, utilizavam uma balança para quantificar a água e um papel para registrar o total precipitado. Os pluviógrafos antigos com registro em papel foram substituídos, nos últimos anos, por pluviógrafos eletrônicos com memória (data-logger). O pluviógrafo mais comum atualmente é o de cubas basculantes, em que a água recolhida é dirigida para um conjunto de duas cubas articuladas por um eixo central. A água é dirigida inicialmente para uma das cubas e quando esta cuba recebe uma quantidade de água equivalente a 20 g, aproximadamente, o conjunto báscula em torno do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba vazia começa a receber água. Cada movimento das cubas basculantes equivale a uma lâmina precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o aparelho registra o número de movimentos e o tempo em que ocorre cada movimento. Figura 4. 6 – Esquema de pluviógrafo de báscula 4.5.3 Radar A chuva também pode ser estimada utilizando radares meteorológicos. A medição de chuva por radar está baseada na emissão de pulsos de radiação eletromagnética que são refletidos pelas partículas de chuva na atmosfera, e na medição do da intensidade do sinal refletido (Figura 4. 7). A relação entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada refletividade, é correlacionada à intensidade de chuva que está caindo em uma região. A principal vantagem do radar é a possibilidade de fazer estimativas de taxas de precipitação em uma grande região no entorno da antena emissora e receptora, embora existam erros consideráveis quando as estimativas são comparadas com dados de pluviógrafos. No Brasil são poucos os radares para uso meteorológico, com a exceção do Estado de São Paulo em que existem alguns em operação. Em alguns países, como os EUA, a Inglaterra e a Alemanha, já existe uma cobertura completa com sensores de radarpara estimativa de chuva. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -20- Figura 4. 7 – Estimativa de chuva utilizando radar 4.5.4 Satélite Também é possível fazer estimativas da precipitação a partir de imagens obtidas por sensores instalados em satélites (Figura 4. 8). A temperatura do topo das nuvens, que pode ser estimada a partir de satélites, tem uma boa correlação com a precipitação (quanto mais quente a nuvem, mais água ela contém). Além disso, existem experimentos de radares a bordo de satélites que permitem aprimorar a estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem. Figura 4. 8 – Estimativa de chuva através de imagem de satélite 4.6 Características gerais da precipitação Do ponto de vista da engenharia, são necessários três parâmetros para definir completamente uma precipitação: sua altura pluviométrica, sua duração e sua freqüência de ocorrência ou probabilidade. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -21- Altura Pluviométrica (P): corresponde à espessura média da lâmina da água precipitada, que recobriria a região atingida pela precipitação, admitindo-se que esta água não se infiltrasse, não evaporasse nem escoasse para fora dos limites da bacia. A unidade de medição é o mm de chuva, definido como a quantidade de precipitação correspondente a um volume de 1 litro por metro quadrado de superfície. A altura pluviométrica total multiplicada pela área da bacia fornece o volume médio. A quantidade total de chuva (lâmina de água), dividida pela duração, indica a intensidade média dessa precipitação. Conceitualmente define-se como a quantidade de chuva por unidade de tempo (mm/h), ou taxa de transferência de água da atmosfera para o solo. A intensidade varia de um instante para outro dentro da mesma precipitação. Duração: é o tempo transcorrido entre o início e o fim da chuva, expresso em horas ou minutos. Freqüência de ocorrência: é a quantidade de ocorrências de eventos iguais ou superiores ao evento de chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqüência baixa, isto é, ocorrem raramente. Chuvas pouco intensas são mais comuns. A Tabela 4. 1 apresenta a análise de freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes intensidades ao longo de um período de 23 anos em uma estação pluviométrica no interior do Paraná. Observa-se que ocorreram 5597 dias sem chuva (P = zero) no período total de 8279 dias, isto é, em 67% dos dias do período não ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do período ocorreram chuvas com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida em que aumenta a intensidade da chuva diminui a freqüência de ocorrência. Tabela 4. 1: Freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes alturas em um posto pluviométrico no interior do Paraná ao longo de um período de, aproximadamente, 23 anos Bloco Freqüência P = zero 5597 P < 10 mm 1464 10 < P < 20 mm 459 20 < P < 30 mm 289 30 < P < 40 mm 177 40 < P < 50 mm 111 50 < P < 60 mm 66 60 < P < 70 mm 38 70 < P < 80 mm 28 80 < P < 90 mm 20 90 < P < 100 mm 8 100 < P < 110 mm 7 110 < P < 120 mm 2 120 < P < 130 mm 5 130 < P < 140 mm 2 140 < P < 150 mm 1 150 < P < 160 mm 1 160 < P < 170 mm 1 170 < P < 180 mm 2 180 < P < 190 mm 1 190 < P < 200 mm 0 P > 200 mm 0 Total 8279 A variável utilizada na hidrologia para avaliar eventos extremos como chuvas muito intensas é o tempo de retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno é uma estimativa do tempo em que um evento é igualado ou superado, em média. Por exemplo, uma chuva com intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos é igualada ou superada somente uma vez Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -22- a cada dez anos, em média. Esta última ressalva “em média” implica que podem, eventualmente, ocorrer duas chuvas de TR 10 anos em dois anos subseqüentes. O tempo de retorno pode, também, ser definido como o inverso da probabilidade de ocorrência de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva de 130 mm em um dia é igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que seu Tempo de Retorno é de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com chuva igual ou superior a 130 mm em um ano qualquer é de 10%, ou seja eobabilidadPr 1TR = (4.1) A precipitação é uma variável hidrológica com grande aleatoriedade, tanto temporalmente quanto espacialmente. Podemos exemplificar a variabilidade espacial da chuva observando que, em algumas cidades é registrada a ocorrência de precipitação em uma região, enquanto em outras, a poucos quilômetros de distância, não se observa o evento chuvoso. Justamente pela dificuldade da correta definição da variabilidade temporal e espacial, a precipitação é uma das variáveis hidrológicas mais difíceis de ser avaliada. 4.6.1 Variação Espacial da Precipitação Como já foi mencionado, uma das características da precipitação é sua extrema variabilidade espacial, existindo gradientes pluviométricos tanto horizontais como verticais. Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a medições executadas em áreas muito restritas (400 cm2), quase pontuais, não conseguindo, portanto, representar a variabilidade espacial da precipitação. Assim, durante um evento de chuva um pluviômetro pode ter registrado 60 mm de chuva enquanto um outro pluviômetro, a 30 km de distância registrou apenas 40 mm para o mesmo evento. Isto ocorre porque a chuva apresenta uma grande variabilidade espacial, principalmente se é originada por um processo convectivo. Uma forma de visualizar essa variação são os mapas de isoietas, isso é, linhas que unem pontos de igual precipitação durante um certo período de tempo (dia, mês, ano). As isoietas são obtidas por interpolação dos dados de pluviômetros ou pluviógrafos, e podem ser traçadas de forma manual ou automática. A Figura 4. 9 apresenta um mapa de isoietas de chuva média anual do Estado de São Paulo, com base em dados de 1943 a 1988. Observa-se que a chuva média anual sobre a maior parte do Estado é da ordem de 1300 a 1500 mm por ano, mas há uma região próxima ao litoral com chuvas anuais de mais de 3000 mm por ano. As regiões onde as isoietas ficam muito próximas entre si é caracterizada por uma grande variabilidade espacial. 4.6.2 Variabilidade Sazonal da Precipitação Um dos aspectos mais importantes do clima e da hidrologia de uma região é a época de ocorrência das chuvas. Existem regiões com grande variabilidade sazonal da chuva, com estações do ano muito secas ou muito úmidas. Na maior parte do Brasil o verão é o período das maiores chuvas. No Rio Grande do Sul, entretanto, a chuva é relativamente bem distribuída ao longo de todo o ano (em média). Isto não impede, entretanto, que em alguns anos ocorram invernos ou verões extremamente secos ou extremamente úmidos. A variabilidade sazonal da chuva é representada por gráficos com a chuva média mensal, como o apresentado na Figura 4. 10 para Porto Alegre e Cuiabá. Observa-se que no Sul do Brasil existe uma distribuição mais homogênea das chuvas ao longo do ano, enquanto no Centro-Oeste ocorrem verões muito úmidos e invernos muito secos. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -23- Figura 4. 9 – Mapa de isoietas do Estadode São Paulo Figura 4. 10- Variabilidade sazonal da precipitação 4.6.3 Variabilidade da Precipitação com a Altitude As observações indicam que, em geral, o volume de chuva precipitado aumenta com a altitude até atingir um máximo, a partir do qual decresce; isso permite elaborar perfis pluviomêtricos de grandes bacias ou áreas extensas. No estudo de grandes bacias com relevo acidentado, essa característica não pode ser ignorada nas estimativas dos volumes precipitados; no traçado de isoietas, como consequência desse fato, as isolinhas em princípio devem ser paralelas às curvas de nível e isso deve ser levado em conta ao confeccionar os mapas referidos. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -24- 4.6.4 Variabilidade da Precipitação com a Área A chuva não é homogênea numa dada extensão de terreno, mas se apresenta na forma de células mais intensas que se movimentam de acordo com os ventos. Imaginando uma rede fixa de pluviômetros amostrando as chuvas que passam sobre eles, podem-se traçar curvas como as da Figura 4. 11 (Tucci, C.;1993), que deixam ver variações para cada região. Figura 4. 11 – Curva relacionando o abatimento da precipitação em relação à área 4.7 Precipitação Média em uma Área Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a uma área de coleta de 400 cm2, ou seja, quase pontual. Porém, o maior interesse na hidrologia é por chuvas médias que atingem uma região, como a bacia hidrográfica. A precipitação média é considerada como uma lâmina de água, de altura uniforme sobre toda a área considerada (Figura 4. 12 a), dentro de um certo período de tempo (horas, dias, meses, anos) de tal forma que o volume precipitado assim gerado seja igual ao real. Ao se fazer essa consideração, é feita uma abstração da condição real da distribuição espacial da precipitação. No entanto, a única forma de se conhecer essa distribuição real seria com a instalação de um grande número de pluviômetros na bacia hidrográfica. Como a manutenção e operação dos postos pluviométricos demandam dinheiro, normalmente contamos com um pequeno número de postos nas bacias hidrográficas, e é a partir dessa pequena amostra que devemos retirar o máximo de informações. Figura 4. 12 – Precipitação média sobre uma bacia hidrográfica Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -25- O cálculo da chuva média em uma bacia pode ser realizado utilizando o método da média aritmética; das Isoietas; dos polígonos de Thiessen ou através de interpolação em Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). 4.7.1 Método da média aritmética É a forma mais simples de estimar a precipitação média em uma bacia hidrográfica. Como o próprio nome do método sugere, a precipitação média é calculada como a média aritmética dos valores médios de precipitação. Ao fazer esse processo, todos os postos pluviométricos têm a mesma importância. Por exemplo, a precipitação média da bacia hidrográfica apresentada na Figura 4. 13 é dada por: Figura 4. 13 – Bacia hidrográfica para o cálculo da precipitação média usando média aritmética mmPm 50 4 )40445066( =+++= O método ignora as variações geográficas da precipitação e portanto é aplicável apenas em regiões onde isso possa ser feito sem incorrer em grandes erros, ou seja, em regiões planas com variação gradual e suave do gradiente pluviométrico e com cobertura de postos de medição bastante densa. 4.7.2 Método dos Polígonos de Thiessen O método dos polígonos de Thiessen, também conhecido como método do vizinho mais próximo, é um dos mais utilizados. Nesse método é definida a área de influência de cada posto pluviométrico dentro da bacia hidrográfica. Por exemplo, vamos determinar a precipitação média na bacia hidrográfica apresentada na Figura 4. 14. Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma destas linhas e, a partir desse ponto é traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia irão definir a área de influência de cada um dos postos. Área total = 100 km2 A seqüência é apresentada na Figura 4. 15. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -26- Figura 4. 14 – Bacia hidrográfica para determinação da precipitação média pelo método de Thiessen Traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si. Traçar linhas médias perpendiculares às linhas que unem os postos pluviométricos. Definir a região de influência de cada posto pluviométrico e medir a sua área. Figura 4. 15 – Determinação da precipitação média pelo método de Thiessen Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -27- Área sob influência do posto com 120 mm = 15 km2 Área sob influência do posto com 70 mm = 40 km2 Área sob influência do posto com 50 mm = 30 km2 Área sob influência do posto com 75 mm = 5 km2 Área sob influência do posto com 82 mm = 10 km2 Precipitação média na bacia: mmPm 7310,0.8205,0.7530,0.5040,0.7015,0.120 =++++= Se fosse utilizado o método da média aritmética haveria apenas dois postos no interior da bacia, com uma média de 60 mm. Se fosse calculada uma média incluindo os postos que estão fora da bacia chegaríamos a 79,5 mm. 4.7.3 Método das Isoietas Como já mencionado, as isoietas são linhas que unem pontos de igual precipitação. Depois de escrever os valores de chuva em cada posto se unem estes com linhas retas nas quais se interpolam linearmente os valores para os quais se pretende traçar as isolinhas. A título de exemplo, vamos considerar a mesma Figura 4. 15, e o procedimento apresentado na Figura 4. 16. Uma vez determinadas as isolinhas, determina-se a precipitação média na bacia hidrográfica. Calcula-se a área Ai, delimitada por duas isoietas e essa área é utilizada como ponderador, segundo a equação: ∑ ∑ = == n i n i Ai AiPi Pm 1 1 . (4.2) Na Figura 4. 17 é apresentado o procedimento para obter os elementos necessários para determinação da precipitação média. Esse método não é puramente mecânico como os anteriores e tem um certo grau de dependência do julgamento do usuário, permitindo introduzir no traçado do mapa todo o conhecimento que se tenha da região, incluída a topografia, regime dos ventos, etc. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -28- Traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si. Dividir as linhas escrevendo os valores da precipitação interpolados linearmente Proceder com o traçado das isolinhas. Figura 4. 16 – Determinação da precipitação média utilizando isoietas Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -29- Figura 4. 17 – Procedimento para determinação da precipitação média utilizando o método das isoietas4.8 Tratamento dos Dados Pluviométricos O objetivo de um posto de medição de chuvas é o de obter uma série ininterrupta de precipitações ao longo dos anos (ou o estudo da variação das intensidades de chuva ao longo das tormentas). Em qualquer caso pode ocorrer a existência de períodos sem informações ou com falhas nas observações, devido a problemas com os aparelhos de registro e/ou com o operador do posto. A seguir são descritos os processos empregados na consistência dos dados. 4.8.1 Identificação de erros grosseiros As causas mais comuns de erros grosseiros nas observações são: a) preenchimento errado do valor na caderneta de campo; b) soma errada do número de provetas, quando a precipitação é alta; c) valor estimado pelo observador, por não se encontrar no local no dia da amostragem; d) crescimento de vegetação ou outra obstrução próxima ao posto de observação; e) danificação do aparelho; f) problemas mecânicos no registrador gráfico. Após esta análise as séries poderão apresentar falhas, que devem ser preenchidas por alguns dos métodos indicados a seguir. 4.8.2 Preenchimento de falhas Conforme mencionado, quando se trabalha com precipitação deseja-se uma série ininterrupta e mais longa possível de dados. No entanto, podem ocorrer dias, ou períodos maiores em que a o dado de precipitação não foi obtido, caracterizando assim uma falha. Para o preenchimento dessas falhas podem ser utilizados alguns métodos, apresentados a seguir. Elemento de área Ai Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -30- Método de ponderação regional É um método simplificado, de fácil aplicação, e normalmente utilizado para o preenchimento de séries mensais ou anuais de precipitações. Para exemplificar o método, considere um posto Y, que apresenta as falhas a serem preenchidas. É necessário selecionar pelo menos três postos da vizinhança que possuam no mínimo dez anos de dados (X1, X2 e X3). Para preencher as falhas do posto Y, adota-se a equação 3 1.3. 3 2. 2 1. 1 ⎟⎟⎠ ⎞ ⎜⎜⎝ ⎛ ++= PX PX PYPX PX PYPX PX PYPY (4.3) onde: PY é a precipitação do posto Y a ser estimada; PX1, PX2 e PX3 são as precipitações correspondentes ao mês (ou ano) que se deseja preencher, observadas nas três estações vizinhas; PY é a precipitação média do posto Y; 1PX , 2PX e 3PX são as precipitações médias nas três estações circunvizinhas. Os postos vizinhos escolhidos devem estar numa região climatológica semelhante ao posto a ser preenchido. Por exemplo, quando um posto se encontra próximo a um divisor importante como a Serra do Mar, mesmo havendo outro posto geograficamente próximo do outro lado do divisor, este não deve ser escolhido, pois provavelmente os mesmos terão comportamentos distintos devido à precipitação orográfica. O preenchimento efetuado por esta metodologia é simples e apresenta algumas limitações, quando cada valor é visto isoladamente. Para o preenchimento de valores diários de precipitação não se deve utilizar esta metodologia, pois os resultados podem ser muito ruins. Normalmente valores diários são de difícil preenchimento devido a grande variação espacial e temporal da precipitação para os eventos de freqüências médias e pequenas. Método da regressão linear Um método mais aprimorado de preenchimento de falhas consiste em utilizar regressão linear simples ou múltipla. Na regressão linear simples, as precipitações do posto com falhas (Y) e de um posto vizinho (X) são correlacionadas. As estimativas dos dois parâmetros da equação podem ser obtidas graficamente ou através do critério de mínimos quadrados. Para o ajuste da regressão linear simples, correlaciona-se o posto com falhas (Y) com outro vizinho (X). A correlação produz uma equação analítica, cujos parâmetros podem ser estimados por métodos como o de mínimos quadrados, ou graficamente através da plotagem cartesiana dos pares de valores (X, Y), traçando-se a reta de maior aderência que passa pelos pontos médios de X e Y. Uma vez definida a equação do tipo XbaY .+= (4.4) as falhas podem ser preenchidas. Por exemplo, considerando as duas séries de precipitação dos postos P1-3252006 e P2- 3252008 (ambos localizados próximos à Estação Ecológica do Taim/RS), apresentadas na Tabela 4. 2. O preenchimento das falhas dos meses de Abril e Maio de P1 pode ser feito com base na regressão linear simples. A equação obtida é apresentada no gráfico da Figura 4. 18. Assim, as precipitações dos meses de Abril e Maio seriam 108,7 e 112,1 mm, respectivamente. Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -31- Tabela 4. 2 – Preenchimento de falhas de precipitação mensal para o ano de 2001 Precipitação mensal (mm) Mês/Ano Posto 3252006 Posto 3252008 1/2001 211.1 106.5 2/2001 58.9 75.2 3/2001 178.1 256.3 4/2001 109.6 5/2001 113.1 6/2001 183.6 161.0 7/2001 164.1 180.8 8/2001 27.6 24.8 9/2001 209.0 139.4 10/2001 144.4 161.7 11/2001 135.8 116.0 12/2001 127.9 142.6 Na regressão linear múltipla as informações pluviométricas do posto Y são correlacionadas com as correspondentes observações de vários postos vizinhos (X1, X2, X3,...) através de equações como ...4.3.2.1. +++++= XeXdXcXbaY (4.5) onde: a, b, c, d, e,... são os coeficientes a serem estimados a partir dos dados. P2xP1 P1 = 0.9706.P2 + 2.2754 0 50 100 150 200 250 0 50 100 150 200 250 P2 P 1 Figura 4. 18 – Determinação da equação de regressão para preenchimento de falhas 4.8.3 Análise de consistência das séries pluviométricas Um dos métodos mais conhecidos para a análise de consistência dos dados de precipitação é o Método da Dupla Massa, desenvolvido pelo Geological Survey (USA). A principal finalidade da aplicação do método é identificar se ocorreram mudanças no comportamento da precipitação ao longo do tempo, ou mesmo no local de observação. O Método da Dupla Massa é baseado no princípio que o gráfico de uma quantidade acumulada, plotada contra outra quantidade acumulada, durante o mesmo período, deve ser uma Falha Apostila de Hidrologia Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -32- linha reta, sempre que as quantidades sejam proporcionais. A declividade da reta ajustada nesse processo representa então, a constante de proporcionalidade. Especificamente, devem ser selecionados os postos de uma região, acumular para cada um deles os valores mensais (se for o caso), e plotar num gráfico cartesiano os valores acumulados correspondentes ao posto a consistir (nas ordenadas) e de um outro posto confiável adotado como base de comparação (nas abscissas). Pode-se também modificar o método, considerando valores médios das precipitações mensais acumuladas em vários postos da região, e plotar esses valores no eixo das abscissas. Na Figura 4. 19 é apresentada a análise de Dupla Massa para os postos 3252006 e 3252008, para um período de 37 anos de dados de precipitação mensal, onde pode-se observar que não ocorreram inconsistências. Quando não se observa o alinhamento dos dados segundo uma única reta, podem ter ocorrido as seguintes situações: 0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 0 10000 20000 30000 40000 50000 Acumulados - 3252006 Ac um ul ad os - 32 52 00 8 Figura 4. 19 – Análise de
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