Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Texto elaborado por part icipante do Curso Ant ropom úsica. Baixado do site www.ouvirat ivo.com .br 1 O processo de cr iação Mônica Leoni Esta exposição não tem a pretensão de ser a conclusão de algo, m as sim a de explorar um tem a. O tem a a ser explorado é o processo criat ivo, em dois m om entos diferentes, dent ro da com posição em si e dent ro da im provisação. Heiner Ruland, em seu livro “Die Neugeburt der Musik aus dem Wesen des Menschen” , no capítulo “O processo art íst ico com o fundam ento da terapia” analisa a descrição dos sete processos v itais inconscientes, feit a por Rudolf Steiner e os relaciona com o processo de criação de Mozart . Ele ut iliza para isso o t recho de um a carta escrita por Mozart à um Barão, que havia lhe pedido que escrevesse sobre o seu processo de criação. O t recho da carta descrito pelo próprio Mozart diz assim : “Quando estou sozinho, em paz e de bom hum or, por exem plo, viajando num a carruagem , passeando após um a boa refeição ou à noite quando não consigo dorm ir: chegam a m im os pensam entos fluindo da m elhor m aneira. Da onde e com o vêm , isso eu não sei. E tam bém não posso influenciá- los. Aqueles que m e agradam eu guardo na cabeça e parece que os cantarolo para m im , pelo m enos é o que a out ras pessoas m e dizem . Seguro-os firm em ente e então logo vêm , um depois do out ro, com o se fossem pedaços dest inados a fazer um em padão: cont rapontos, os sons de diversos inst rum entos, etc. etc. etc. I sso esquenta m inha alm a, principalm ente quando não sou perturbado; depois torna-se cada vez m aior; e eu o am plio e ilum ino cada vez m ais. A coisa fica quase pronta na cabeça, m esm o sendo longa. De form a que, depois, eu possa, com um a olhadela, vislum bra- la no espír ito, com o se fosse um belo quadro ou um a pessoa bonita. Assim na m inha im aginação eu não ouço um a coisa seguida da out ra, da form a em que será realizada depois, m as ouço tudo junto de um a vez. I sso então é um a regalia! Todo esse “encont rar” e “ fazer” , acontece em m im com o num belo intensivo sonho: m as o sobre-ouvir, assim tudo de um a vez, é de fato o m elhor.” - (W.A. Mozart , cartas e anotações, vol. I V, Kassel 1963, pág.527. Carta para o Barão... Praga 1970) Os processos vitais que ocorrem de form a inconsciente, no processo da criação art íst ica, tornam -se m ais conscientes. Assim com o Rudolf Steiner relata (G.A.170, 12/ 8/ 1916), as áreas dos sent idos e os processos v itais, interagem reciprocam ente de um m odo em que am bos se t ranform am um com o out ro...As áreas dos sent idos, severam ente separados ent re si, encont ram -se na periferia do m undo exterior percebido supraconscientem ente. Durante a vivência art íst ica os sent idos são levados m ais para dent ro e perm eados por um a dinâm ica viva, que perm ite de certo m odo que se m isturem ent re si. Pela atuação dos processos vitais dorm entes, totalm ente inconscientes, os sent idos são levados da vigília para o sonhar. Ao cont rário, os processos vitais que ocorrem no interior, são elevados para um sent ir aním ico durante a criação e a vivência art íst icas; por m eio da atuação das qualidades sensórias, que por sua natureza são despertas, eles adquirem m ais consciência, ainda que esta seja som ente um a consciência de sonho. (H.R.,pg.11) Colocando o processo de criação art íst ica de Mozart na descrição dos sete processos vitais, com o Heiner Ruland fez, teríam os o seguinte quadro: Texto elaborado por part icipante do Curso Ant ropomúsica. Baixado do site www.ouvirat ivo.com.br 2 2V�VHWH�SURFHVVRV�YLWDLV &ULDomR�DUWtVWLFD�GH�0R]DUW� Respiração Pura assim ilação, absorção do mundo exterior sem t ranformação “Chegam a m im os pensamentos fluindo da melhor maneira” Aquecimento Assim ilação reat iva do mundo exterior; o calor não penet ra diretamente em m im , eu reajo ao calor exterior com o calor próprio “Aqueles que me agradam eu guardo” , as idéias que tem alguma relação interior reagem com a percepção inconsciente que ele j á tem da obra Alimentação Assim ilação t ransformadora do mundo exterior; eu dest ruo completamente a substância exterior de meu alimento, para t ransforma- la e adapta- la a m im “Seguro-os firmemente e então logo vem , um depois do out ro...” ; Apropriação das idéias que inicialmente aparecem por si mesmas vindas de fora, t ransformação e adaptação às idéias que já existem dent ro. Segregação/ Secreção Para possibilitar a assim ilação, algo precisa ser levado de dent ro ao encont ro do que vem de fora, precisa ser secretado, sej a calor próprio etc. Por out ro lado o que vem de fora deve ser agregado ao organismo, para dar cont inuidade ao processo “ I sso esquenta a m inha alma” Agora tudo se t ransforma em algo volit ivo, estamos perto do ponto cent ral do acontecimento, da inspiração aquecida que aflora do subconsciente e impulsiona o processo criador. A part ir deste ponto, o material de idéias t ransformado e adaptado à inspiração musical interior será int roduzido nos próximos passos da criação. Manutenção Constante reconst rução interior para repor aquilo que é ret irado “Quando não sou perturbado” Não pode vir mais nada de fora. Por exemplo, idéias que ainda não foram digeridas, que perturbariam o delicado processo do via-a-ser. Para que aquilo que já foi captado como força interior da inspiração possa permanecer puro e possa atuar de forma pura até a sua finalização. Crescimento Const rução além da mera manutenção do já existente “ torna-se cada vez maior, e eu o amplio e ilum ino cada vez mais” A inspiração encont rou seu cam inho certo, a obra se desdobra com uma certa facilidade e naturalidade, aperfeiçoa-se cada vez mais. Reprodução/ Produção A reconst rução completa de um organismo na concepção de um novo “ser” “a coisa fica realmente quase pronta na cabeça, mesmo sendo longa. De forma que, depois, eu possa, com uma olhadela, vislumbra- la no espír ito, como se fosse um belo quadro ou uma pessoa bonita” . A obra foi reproduzida pela força espir itual da inspiração. Texto elaborado por part icipante do Curso Ant ropom úsica. Baixado do site www.ouvirat ivo.com .br 3 O processo de criação é algo vital? Ele se torna vital para as pessoas que t razem este dom dent ro de si? Qual a necessidade que estas pessoas sentem de colocar esta inspiração recebida para fora e dividir com os out ros seres? Se hoje escutam os um a das obras com plexas de Mozart , com o por exem plo, o Réquiem , e se im aginam os que ele a ouviu inteir inha dent ro de sua cabeça antes de passá- la para o papel e de torná- la audível para os out ros, podem os talvez ter um a idéia da “ loucura” que se passava dent ro dele, seria im possível ouvir isto dent ro de si e não torna- lo externo. Por que os alguns com positores sentem a necessidade de com por obras com pletam ente “a frente” do seu próprio tem po, m esm o que isto lhes t raga a total incom preensão do público e de todos que o cercam ? De onde vem esta força e esta necessidade? Com o será que realm ente se passa este processo, de onde vem esta m úsica, que t raz idéias “ futuras” , coisas que a m aioria das pessoas, só virão com preender depois de, talvez, dois ou t rês séculos? Por que hoje ouvim os algum as m úsicas, que com preendem os e acham os m aravilhosas, e que na sua época não eram aceitas nem entendidas pelas pessoas, e m esm o assim , indo cont ra os conceitos da época, os com positores precisavam escrever e t razer à vida estas m úsicas? Os com positores m odernos de hoje, ou m esm o do séculopassado não são ouvidos, m uito m enos com preendidos pela m aioria das pessoas que vivem atualm ente, eles t razem m ensagens que vem de onde? Do futuro? Estas pessoas são ext rem am ente im portantes, elas t razem um im pulso e um a força necessárias para que o todo cam inhe em frente, elas, m e parece, vão puxando o barco, pois os out ros ainda não conseguem ver o que elas j á enxergam tão claram ente. E elas, de algum a form a, t razem isto tão forte dent ro de si, que levam as suas com posições à frente, apesar de não serem bem com preendidas. Gostaria a seguir de fazer um a com paração dos 7 processos vitais com o m eu processo de criação: 1- Respiração: Surge um a idéia, as vezes um m ot ivo, as vezes um a frase ou alguns com passos... 2- Aquecim ento: sento-m e ao piano, toco esta idéia, m e sinto bem , sinto a necessidade de faze- lo, não m e sinto em paz enquanto não torno esta idéia em algo palpável. 3- Alim entação: depois de tê- la anotado toco-a, t ransform o-a, torno-a m ais coerente, encaixo-a num a form a. 4- Segregação/ Secreção: As partes que não m e agradam m ais, deixo-as de lado. 5- Manutenção: volto a toca- la várias vezes, vou lapidando-a, m elhorando o que pode ser m elhorado. 6- Crescim ento: Vou acrescentando variações, pequenos t rechos novos, coloco harm onia, inst rum entação 7- Reprodução: Quando sinto que está pronta, m ost ro a out ras pessoas este novo “ser” . Com o será que ocorre o processo criat ivo dent ro da im provisação? Será que acontecem os m esm os passos citados anteriorm ente? Quando im provisam os, todas as etapas têm de acontecer de form a sim ultânea? Seria assim que Mozart se sent ia e t raduziu com a seguinte frase? “Assim na m inha im aginação eu não ouço um a coisa seguida da out ra, da form a em que será realizada depois, m as ouço tudo j unto de um a vez. I sso então é um a regalia! Todo esse “encont rar” e “ fazer” , acontece em m im com o num belo, intensivo sonho: m as o sobre-ouvir, assim tudo de um a vez, é de fato o m elhor” . Texto elaborado por part icipante do Curso Ant ropom úsica. Baixado do site www.ouvirat ivo.com .br 4 Num processo de com posição, o que ele ouviu “de um a vez, tudo j unto” passa depois pelo processo de interiorização, escolha, am adurecim ento, reprodução, etc, e no processo da im provisação? Pegam os sim plesm ente as idéias, que estão no “ar” , no plano espir itual? E as t ransform am os em som , em m úsica? Ou será que estas idéias m usicais passam , nestas frações de segundos por aquele processo tam bém ? Tem os na verdade diversos t ipos de im provisação: podem os im provisar livrem ente, sim plesm ente deixando fluir o que “surge” na nossa “m ente” , sem nada pré- estabelecido; podem os ter algum as regras, com o definir algum a escala ou m odo para im provisar em cim a; podem os im provisar em cim a de um a harm onia pré-definida; em cim a de um a rítm ica ou ter definidos apenas os t im bres, etc. etc. etc. Enfim existem m uitas possibilidades. Será que para cada um a destas im provisações vivenciarem os processos diferentes de criação? Talvez na im provisação sem algo pré-estabelecido ocorra um processo m ais direto, onde o que é “captado” é t ransform ado em som diretam ente sem um a análise, escolha, etc. com o num a espécie de t ranse. Num a im provisação com um a escala pré-definida, tem os que ter esta escala o tem po todo presente em nós e brincar som ente com estas notas, o que j á m uda com pletam ente o processo de criação, pois tem os que “descartar” m uitas out ras possibilidades e deixar fluir som ente dent ro da escala “escolhida” . Aqui j á existe um alto grau de “escolha instantâneo” . Até aqui tem os bem claro dois passos: o da respiração (as idéias surgem ) e secreção, quando tem os que descartar várias notas tocando som ente as que, de certa form a, com binam . Já num a im provisação feita sobre um a harm onia pré-estabelecida, com o no Jazz, por exem plo, é necessário que haja toda um a preparação e um alto conhecim ento das regras. Então no m om ento da im provisação acontece de um a form a m uito rápida, um processo de escuta, de escolha, um a junção do que existe dent ro, com o que vem de fora, tanto do que está sendo tocado no m om ento pelos out ros m úsicos, quanto do que vem da inspiração. Tudo num a fração de segundos. Num m om ento de inspiração, tanto de com posição quanto de im provisação, a pessoa é t ransportada deste m undo para um out ro m undo. Seria este o m undo espir itual, o m undo das idéias, da inspiração? Na verdade qual será a diferença do ato da criação dent ro da im provisação e dent ro da com posição? Na com posição passam os por várias etapas, cada um a separadam ente, com tem po de am adurecim ento das idéias e com tem po para analisá- las, escolhê- las, tem os a possibilidade de lapidar as idéias até chegarm os a um resultado sat isfatório. Na im provisação não existe este tem po, a criação e o resultado acontecem no m esm o m om ento, não existe a possibilidade de lapidação, todas as etapas do processo acontecem sim ultaneam ente. Para im provisar é necessário conseguir passar por todos os passos na fração de segundo ent re o ouvir e o tocar e esta lapidação tem que estar presente tam bém dent ro deste m om ento. O im provisador, no m om ento do im proviso, precisa estar com pletam ente presente, totalm ente consciente do som , da m úsica, precisa estar totalm ente presente no “m undo da inspiração” . Texto elaborado por part icipante do Curso Ant ropom úsica. Baixado do site www.ouvirat ivo.com .br 5 5HIHUrQFLDV�� Heinar Ruland; O processo art íst ico com o fundam ento da terapia; t ítulo original do capítulo: Der kuenst lerische Prozess als Grundlage der Terapie. Ext raído do livro “die Neugeburt der Musik aus dem Wesen des Menschen” . Edição em português: Ouvirat ivo - Música para o desenvolvim ento hum ano. Tradução Karin Stasch
Compartilhar