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Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA 1 www.medresumos.com.br SISTEMA LÍMBICO Alegria, tristeza, medo, prazer e raiva são exemplos do fenômeno descrito como emoção. Para seu estudo, costuma-se distinguir um componente central, subjetivo, e um componente periférico, o comportamento emocional. O componente periférico é a maneira como a emoção se expressa e envolve padrões de atividade motora, somática e visceral, que são característicos de cada tipo de emoção e de cada espécie. A distinção entre o componente interno, subjetivo, e o componente externo, expressivo da emoção, é, pois, importante para seu estudo. Sabe-se hoje que as áreas relacionadas com os processos emocionais ocupam territórios bastante grandes do encéfalo, destacando-se entre elas o hipotálamo, a área pré-frontal e o sistema límbico. Por outro lado, as áreas encefálicas ligadas ao comportamento emocional também controlam o sistema nervoso autônomo (SNA), o que é fácil de entender, tendo em vista a importância da participação desse sistema na expressão das emoções. ÁREAS ENCEFÁLICAS RELACIONADAS AO SISTEMA LÍMBICO Em resumo, o sistema límbico, através de suas diversas conexões com estruturas encefálicas (como o hipotálamo, por exemplo) e de suas conexões eferentes com o SNA é capaz de influenciar muitos aspectos do comportamento emocional, de modo particular as reações de medo, raiva e as emoções relacionadas ao comportamento emocional. Além disso, existem evidências que o hipocampo, importante estrutura desse sistema, está relacionado à conversão de memória recente em memória a longo prazo. ÁREAS DO TRONCO ENCEFÁLICO RELACIONADAS COM AS EMOÇÕES No tronco encefálico, estão localizados vários núcleos de nervos cranianos, viscerais ou somáticos, além de centros viscerais como o centro respiratório e o vasomotor. A ativação destas estruturas por impulsos nervosos ocorre nos estados emocionais, resultando nas diversas manifestações que acompanham a emoção, tais como o choro, as alterações fisionômicas, a sudorese, a salivação, o aumento do ritmo cardíaco, etc. Deste modo, o papel do tronco encefálico é principalmente efetuador, agindo basicamente na expressão das emoções. Contudo, existem dados que sugerem que a substância cinzenta central do mesencéfalo e a formação reticular podem ter, também, um papel regulador de certas formas de comportamento agressivo. No tronco encefálico, origina-se ainda a maioria das fibras nervosas monoaminérgicas do SNC, destacando aquelas que constituem as vias serotoninérgicas, noradrenérgicas e dopaminérgicas. Estas vias projetam-se para o diencéfalo e telencéfalo e exercem ação moduladora sobre os neurônios e circuitos nervosos existentes nas principais áreas encefálicas relacionadas com o comportamento emocional. É especialmente importante a via dopaminérgica mesolímbica, que se projeta especificamente para áreas altamente relevantes à regulação dos fenômenos emocionais, como o sistema límbico e a área pré-frontal. ÁREAS DO HIPOTÁLAMO RELACIONADAS COM AS EMOÇÕES A participação do hipotálamo na regulação do comportamento emocional foi verificada, pela primeira vez, por Hess. Ele observou que a lesão do núcleo ventromedial do gato torna o animal extremamente agressivo e perigoso. Em uma experiência clássica verificou-se que, quando se retiram os hemisféricos cerebrais de um gato, inclusive o diencéfalo, deixando-se apenas a parte posterior do hipotálamo, o animal desenvolve um quadro de raiva que desaparece quase completamente quando se destroi o hipotálamo. O sistema límbico, através de inúmeras conexões, exerce uma ação inibidora sobre o hipotálamo posterior que, quando liberado, funciona como agente de expressão das manifestações viscerais e somáticas que caracterizam a raiva. Ao que parece, o hipotálamo tem um papel preponderante como coordenador das manifestações periféricas das emoções (vide OBS 1 ). ÁREAS DO TÁLAMO RELACIONADAS COM AS EMOÇÕES Lesões ou estimulações do núcleo dorsomedial e dos núcleos anteriores do tálamo já foram correlacionadas com alterações da reatividade emocional no homem. A importância destes núcleos na regulação do comportamento emocional decorre de suas conexões. O núcleo dorsomedial liga-se ao córtex da área pré-frontal e ao sistema límbico. Os núcleos anteriores ligam-se ao corpo mamilar (por meio do feixe mamilo-talâmico) e ao córtex do giro do cíngulo, fazendo parte de circuitos do sistema límbico. ÁREA PRÉ-FRONTAL E SUAS RELAÇÕES COM AS EMOÇÕES A área pré-frontal corresponde à parte não motora do lobo frontal, caracterizando-se como córtex de associação supramodal, participando do controle do comportamento emocional. Estabelece conexões com o núcleo dorsomedial do tálamo. CONCEITO DE SISTEMA LÍMBICO Na face medial de cada hemisfério cerebral, observa-se um anel cortical contínuo constituído pelo giro do cíngulo, giro para- hipocampal e hipocampo. Este anel cortical contorna as formações inter-hemisféricas e foi considerado por Broca como um lobo independente, denominado lobo límbico (limbo= contorno). Este lobo apresente uma conformidade citoarquitetural específica, pois seu córtex é mais simples que o do isocórtex que o circunda. Em 1937, o neuroanatomista James Papez publicou uma teoria para explicar o mecanismo da emoção. Este mecanismo envolve as estruturas do lobo límbico, do hipotálamo e do tálamo, todas unidas por um circuito hoje conhecido como circuito de Papez. Estas estruturas compreenderiam um mecanismo harmonioso de conexões intrínsecas, que não só elaboraria o processo subjetivo central da emoção, mas também participaria de sua expressão através de suas conexões extrínsecas. Arlindo Ugulino Netto. NEUROANATOMIA 2016 Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA 2 www.medresumos.com.br Verificou-se também que estas estruturas não participam da apreciação consciente dos odores, sendo pois, incorreto incluí- las no rinencéfalo, ou seja, no encéfalo olfatório. Este termo é hoje usado em um conceito muito mais restrito para indicar apenas estruturas relacionadas diretamente com a olfação, ou seja, o nervo, o bulbo e tracto olfatórios, a estria olfatória lateral e o úncos. As demais formações anatômicas que tradicionalmente integravam o rinencéfalo são hoje estudadas como parte do chamado sistema límbico. Este pode, pois, ser conceituado como um grande sistema relacionado fundamentalmente com a regulação dos processos emocionais e do SNA constituído pelo lobo límbico e pelas estruturas subcorticais a ele relacionadas. COMPONENTES DO SISTEMA LÍMBICO O sistema límbico (do latim, limbus, que significa borda, anel, contorno) consiste, portanto, em um conjunto de estruturas encefálicas que representam o lobo límbico, estrutura anatômica relacionada com as emoções e outras funções cognitivas superiores. A seguir, apresentamos uma relação de estruturas cuja inclusão no sistema límbico é admitida pela maioria dos autores, agrupando- as em duas categorias: componentes corticais, constituídos de áreas de associação terciárias, e componentes subcorticais. COMPONENTES CORTICAIS Giro do cíngulo: contorna o corpo caloso, ligando-se póstero-inferiormente ao giro para-hipocampal pelo istmo do giro do cíngulo, sendo constituído por um tipo de córtex denominado mesocórtex. É percorrido pelo fascículo do giro do cíngulo. Giro para-hipocampal: situa-se na face inferior do lobo temporal e é constituído de um córtex muito antigo (paleocórtex), que do ponto de vista citoarquitetural se classifica como alocórtex. Hipocampo: eminência curva e alongada situada nos cornos inferiores do ventrículo lateral, logo acima do giro para- hipocampal. Projeta-se para o corpo mamilar e área septal através de um feixe compacto de fibras, o fórnix. COMPONENTES SUBCORTICAIS Corpo amigdaloide (núcleo amigdaloide): é um dos núcleos da base. Situa-se próximo ao pólo temporal e guardacerta relação com a parte mais distal da cauda do núcleo caudado. É constituído por inúmeros núcleos sobrepostos. A maioria de suas fibras eferentes agrupa-se em um feixe compacto, a estria terminal, que acompanha a curvatura do núcleo caudado (dividindo-o, externamente, do hipotálamo) e termina principalmente no hipotálamo. Área septal: situada abaixo do rostro do corpo caloso, anteriormente à lamina terminal e à comissura anterior. A área septal compreende grupos de neurônios de disposição subcortical conhecidos como núcleos septais. Apresenta diversas conexões, mas destacam-se suas projeções para o hipotálamo e para a formação reticular, através do feixe prosencefálico medial. Núcleos mamilares: pertencem ao hipotálamo e situam-se nos corpos mamilares. Recebem fibras do hipocampo que chegam pelo fórnix e se projetam principalmente para os núcleos anteriores do tálamo (pelo fascículo mamilo-talâmico ou feixe de Vicq d'Azyr) e para a formação reticular (pelo fascículo mamilo-tegmentar). Núcleos anteriores do tálamo: situam-se no tubérculo anterior do tálamo. Recebem fibras dos núcleos mamilares e projetam-se para o giro do cíngulo. Núcleos habenulares: situam-se na região compreendida pelo trígono das habênulas no epitálamo. Recebem fibras aferentes pela estria medular e projetam-se para o núcleo interpeduncular do mesencéfalo. FORMAÇÃO DO HIPOCAMPO A formação do hipocampo consiste no próprio hipocampo, no giro denteado e no giro para-hipocampal. Tal formação estabelece papel crucial no que diz respeito ao sistema límbico O hipocampo é uma elevação curva de substância cinzenta que se estende ao longo do assoalho do corno inferior (temporal) do ventrículo lateral. Recebeu este nome por se assemelhar a um cavalo-marinho em cortes coronais. Sua extremidade anterior é expandida para formar o pé do hipocampo. Sua superfície ventricular é recoberta por epêndima, abaixo do qual existe uma delgada camada de substância branca chamada álveo, composta por fibras nervosas originadas no próprio hipocampo que convergem, medialmente, para formar a fímbria do hipocampo (feixe que dará origem à perna do fórnix). O giro denteado é uma faixa estreita e indentada de substância cinzenta localizada medialmente, com relação ao hipocampo. Posteriormente, esse giro acompanha a fímbria do hipocampo, quase que até o esplênio do corpo caloso, sendo contínuo com o chamado giro fasciolar e com o indúsio gríseo (indúzio cinzento). O indúsio gríseo é uma delgada camada vestigial de substância cinzenta que recobre a superfície superior do corpo caloso. Incrustadas na superfície do indúsio gríseo, existem dois feixes finos de fibras brancas, de cada lado, chamadas estrias longitudinais medial e lateral. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA 3 www.medresumos.com.br CONEXÕES DO SISTEMA LÍMBICO CONEXÕES INTRÍNSECAS Os diversos componentes do sistema límbico mantêm entre si numerosas e complexas intercomunicações. Dentre elas, a mais conhecida é o circuito de Papez, circuito fechado que une as seguintes estruturas límbicas, enumeradas na sequência que representa a direção predominante dos impulsos nervosos: hipocampo + fórnix corpo mamilar fascículo mamilo-talâmico núcleos anteriores do tálamo cápsula interna giro do cíngulo fascículo do cíngulo giro para-hipocampal - e novamente o hipocampo, fechando e modulando o circuito. A importância desse circuito no mecanismo das emoções foi apontada inicialmente por Papez e há evidencia de que ele está envolvido também no mecanismo da memória. Obviamente, o componente subjetivo da emoção está estritamente relacionado com a memória, uma vez que cada situação específica evoca sentimentos particulares para cada pessoa: a foto de uma mãe já falecida pode promover choro para seu filho, enquanto pode ser um estímulo indiferente para um desconhecido, que não tem memória alguma da finada. O corpo amigdaloide e a área septal, que mantêm entre si conexões recíprocas, embora não façam parte do circuito de Papez, ligam-se a este circuito em vários pontos. CONEXÕES EXTRÍNSECAS As estruturas do sistema límbico têm amplas conexões com diversos setores do SNC, inclusive com o hipotálamo. Conexões aferentes: é do senso comum que as pessoas podem se emocionar pela simples recordação de episódios passados armazenados na memória. Assim como informações visuais, auditivas, somestésicas ou olfatórias que sinalizem perigo, podem despertar medo. Há evidencia de que todas essas modalidades de informações sensoriais têm acesso ao sistema límbico, embora nunca diretamente. Elas são antes processadas nas áreas corticais de associação secundárias e terciárias e penetram no sistema límbico por vias que aferem até o giro para-hipocampal (área entorrinal), onde passam ao hipocampo, ganhando assim o circuito de Papez (e em nível hipocampal, o estímulo deve ser comparado com memórias antigas para determinar o tipo de emoção a ser evocada). Fazem exceção os impulsos olfatórios, que passam diretamente da área cortical de projeção para o giro para-hipocampal e o corpo amigdaloide. Conexões eferentes: estas conexões eferentes são importantes pois, através delas, o sistema límbico participa dos mecanismos efetuadores que desencadeiam o componente periférico e expressivo dos processos emocionais e, ao mesmo tempo, controlam a atividade do SNA. Estas funções são possíveis graças às relações que o sistema límbico mantém com o hipotálamo e com a formação reticular do mesencéfalo. Com já foi relatado, o hipotálamo é o principal executor do sistema límbico. As conexões com a formação reticular do mesencéfalo se fazem basicamente através de três sistemas de fibras. o Feixe prosencefálico medial: situado entre a área septal e o tegmento do mensecéfalo, este feixe apresenta fibras que percorrem nos dois sentidos a parte lateral hipotálamo, onde muitas delas terminam. Ele constitui a principal via de ligação do sistema límbico com a formação reticular. o Fascículo mamilo-tegmentar: feixe de fibras que dos núcleos mamilares se projeta para a formação reticular do mesencéfalo. o Estria medular: feixe de fibras que se origina principalmente na área septal e termina nos núcleos habenulares do epitálamo. Estes, por sua vez, ligam-se ao núcleo interpeduncular do mesencéfalo, que se projeta para a formação reticular. OBS 1 : Consideração das complexas vias anatômicas, enumeradas anteriormente, indica que as estruturas componentes do sistema límbico não apenas são interconectadas, mas, também, enviam fibras de projeção para partes diferentes do sistema nervoso, como para o hipotálamo e a formação reticular (considerados como centros efetores do sistema límbico). Atualmente, os fisiologistas reconhecem a importância do hipotálamo como a principal via de saída do sistema límbico (muito embora a formação reticular seja responsável por conectar formações límbicas aos núcleos dos nervos cranianos, por exemplo). Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA 4 www.medresumos.com.br FUNÇÕES DO SISTEMA LÍMBICO A função mais conhecida do sistema límbico, e que deu origem ao próprio conceito deste sistema, é de regular os processos emocionais. Ao passo em que este sistema regula o mecanismo emocional, também regula as ações do SNA e os processos motivacionais essenciais à sobrevivência da espécie e do indivíduo, como fome, sede e sexo. Sabe-se ainda que alguns componentes do sistema límbico estão ligados diretamente ao mecanismo da memória e aprendizagem e participam da regulação do sistema endócrino. Em resumo, experimentos com cobaias e doenças degenerativas fizeram destacar duas funções principais do sistema límbico: regulação dos processos emocionais e motivacionais e participação nos mecanismos da memória. Especificamente, a função de cada componente do sistema límbico podeser resumida da seguinte maneira: Corpo amigdaloide: as funções do corpo amigdaloide são muito variadas. Lesões desta estrutura suprimem tanto a aquisição, como a expressão do condicionamento para o medo. Lesões ou estimulações desta área em animais resultam em alterações do comportamento alimentar (afagias e hiperfagias) ou da atividade visceral, bastante semelhante às que se obtêm com processos idênticos feitos no hipotálamo. No homem, lesões bilaterais do corpo amigdaloide resultam em considerável diminuição da excitabilidade emocional de indivíduos portadores de distúrbios de comportamento, manifestados pela agressividade. Por outro lado, a estimulação do corpo amigdaloide em animais desencadeia comportamentos de fuga ou defesa, associados à agressividade. Em resumo, dentre as principais funções do corpo amigdaloide, podemos citar: Formação e armazenamento de memórias associadas a eventos emocionais Consolidação da memória Medo: no condicionamento do medo, os estímulos ativam os complexos da amígdala onde são formadas associações com a memória do estímulo. Sensação de recompensa Funções sociais como aproximação Interpretação das expressões faciais e dos sinais sociais Comportamento social Área septal: lesões bilaterais da área septal em animais causam a chamada “raiva septal”, caracterizada por uma hiperatividade emocional, ferocidade e raiva diante de condições que normalmente não modificam o comportamento do animal. Há também um grande aumento da sede. Estimulações da área septal causam alterações da pressão arterial e do ritmo respiratório, mostrando o seu papel na regulação de atividades viscerais. Por outro lado, as experiências de auto- estimulação mostram que a área septal é um dos centros de recompensa do cérebro, estando envolvido com o prazer. Giro do cíngulo: a ablação do giro do cíngulo (cingulectomia) em carnívoros selvagens domestica completamente o animal. No homem, a cingulectomia já foi empregada no tratamento de psicóticos agressivos. A simples secção do fascículo do giro do cíngulo (cingulotomia), interrompendo o circuito de Papez, pode melhorar consideravelmente quadros graves de depressão e ansiedade. Hipocampo: o papel do hipocampo na regulação do comportamento emocional foi inicialmente apontado por Papez. A participação do hipocampo na regulação do comportamento emocional é hoje geralmente admitida. Muito embora, a função mais importante do hipocampo é representada pela sua participação no fenômeno da memória. Admite-se que o hipocampo transforma a memória recente em memória tardia, graças às suas conexões com o neocórtex. Lesões no hipocampo resultam na incapacidade de armazenar memórias em longo prazo. A memória para os eventos ocorridos no passado remoto, antes do desenvolvimento da lesão, não é afetada (condição conhecida como amnésia anterógrada). Em resumo, as principais funções do hipocampo são: Regulação do comportamento emocional Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA 5 www.medresumos.com.br Armazenamento de memória recente e concretização da memória de longa duração Orientação espacial Memória espacial NOTAS CLÍNICAS As conexões do sistema límbico são extremamente complexas; entretanto, a sua significância ainda não é inteiramente compreendida, pois boa parte dos resultados de experimentos neurofisiológicos, incluindo a estimulação e ablação de diferentes partes do sistema límbico em animais, não é conclusiva. Não obstante, foram inferidas duas funções importantes deste sistema e que já foram citadas anteriormente: (1) desenvolvimento e regulações dos mecanismos emocionais e de repostas viscerais; e (2) mecanismos de memória recente (dos quais participa o hipocampo). SÍNDROME DE KLÜVER-BUCY H. Klüver e P. Bucy fizeram uma ablação bilateral da parte anterior dos lobos temporais em macacos Rhesus, lesando algumas estruturas importantes do sistema límbico, como o hipocampo, o giro para-hipocampal e o corpo amigdaloide. Esta cirurgia resultou na maior modificação do comportamento de um animal até hoje obtida após um procedimento experimental, sendo estes sinais enquadrados na chamada Síndrome de Klüver e Bucy: Domesticação completa dos animais que usualmente são selvagens e agressivos; Perversão do apetite, passando estes animais a se alimentarem do que antes não comiam; Agnosia visual manifestada pela incapacidade de reconhecer objetos ou mesmo animais que antes o causavam medo, tais como cobras e escorpiões; Tendência oral manifestada pelo ato de levar à boca todos os objetos que encontra (inclusive os escorpiões); Tendência hipersexual, que leva os animais a tentarem continuamente o ato sexual ou a se masturbarem continuamente. Admite-se que a agnosia visual que ocorre na síndrome de Klüver e Bucy resulta de lesão das áreas visuais de associação localizadas no córtex do lobo temporal. Formas parciais desta síndrome ocorrem em pacientes com lesões do lobo temporal, mas a síndrome completa ocorre apenas raramente. Todos os demais sintomas que ocorrem nessa síndrome são consequência de lesões de estruturas do sistema límbico, em especial do corpo amigdaloide. Na prática, não há distúrbio de memória. DISTÚRBIOS DA MEMÓRIA É possível distinguir dois tipos de memória: memória recente, que permite a retenção de informações durante pouco tempo (horas ou dias), e a memória remota, ou permanente, na qual esta retenção pode permanecer por vários. A memória remota é muito estável e mantém-se inalterada mesmo após danos cerebrais graves, enquanto a memória recente é mais lábil e pode ser comprometida em várias situações patológicas. Não se sabe exatamente onde são armazenadas as informações no caso da memória remota, mas admite-se que isso ocorra em áreas de associação do neocórtex. Sabe-se, entretanto, que a memória recente depende do sistema límbico (hipocampo, mais especificamente), que está envolvido nos processos de retenção e consolidação de informações novas e possivelmente também em seu armazenamento temporário e transferência para áreas neocorticais de associação para armazenamento permanente. Pacientes que tiveram remoção bilateral de parte do lobo temporal, incluindo o hipocampo, tornam-se incapazes de memorizar eventos ou informações surgidos depois do ato cirúrgico, quadro conhecido como amnésia anterógrada. Tipicamente, há também perda de memória para fatos ocorridos pouco antes da cirurgia (amnésia retrógrada), mas, curiosamente, depois de um certo ponto no passado, todos os fatos podem ser lembrados sem problemas, ou seja, a memória antiga (remota) permanece normal. Sabe-se hoje que a síndrome amnésica observada nesses casos se deve não só à remoção do hipocampo, mas também a lesão do corpo amigdaloide, que participa dos mecanismos relacionados com a memória. Síndromes amnésicas semelhantes à cima descrita têm sido assinaladas, no homem, em consequência de processos patológicos que acometem o sistema límbico, não só em seus componentes no lobo temporal, mas também no fórnix e no corpo mamilar. É bem conhecida a síndrome de Wernicke-Korsakoff, que resulta da degeneração dos corpos mamilares em consequência do alcoolismo crônico na qual a amnésia anterógrada é o sintoma mais importante. Síndrome de Korsakoff: corresponde aos achados iniciais da doença e está relacionada com a deficiência de tiamina (vitamina B1), consequente ao alcoolismo, que prejudica a absorção desta vitamina. Pode estar relacionada ainda com traumas cranianos, encefalite herpética e intoxicação pelo monóxido de carbono. Admite-se que esta síndrome esteja relacionada, especificamente, com lesões no núcleo dorsomedial do tálamo e nos corpos mamilares, que, como vimos, são essenciais na construção da memória, o que causaria a amnésia anterógrada. O doente se torna incapaz de formar novas memórias a partir do momento em que desenvolve a doença, passando a experimentar lapsos transitórios deamnésia. Encefalopatia de Wernicke: corresponde à deficiência crônica de tiamina (observado em alcoólatras crônicos), resultando em ataxia, oftalmoplegia, confusão mental e prejuízos de memória a curto prazo. Pode levar a uma encefalopatia focal necrosante afetando o hipotálamo, o tálamo medial, e grupos nucleares do oculomotor. Pode ser precipitada pela administração de glicose para pacientes esgotados em tiamina. Outro quadro clínico em que ocorrem graves problemas de memória é a doença de Alzheimer, na qual há perda gradual da memória recente, seguida, nas fases mais avançadas, de uma completa deterioração de todas as funções psíquicas com amnésia total. Parece que os problemas de memória nesta doença se devem a dois fatores principais: (1) degeneração dos neurônios colinérgicos do núcleo basal de Meynert, o que leva a uma perda das fibras colinérgicas, que exercem ação moduladora sobre a atividade dos neurônios do sistema límbico e do neocórtex relacionados com a memória; (2) outro fator, provavelmente mais importante, é a degeneração seletiva de dois grupos de neurônios do sistema límbico (um deles localiza-se no hipocampo, nas áreas que dão origem às principais fibras eferentes deste órgão; o outro, localiza-se na chamada área entorrinal, no giro para-hipocampal, que constitui a porta de entrada das vias que, do neocórtex, se dirigem a esse giro e daí ao hipocampo). Desse modo, essas lesões gradualmente levam a um total isolamento do hipocampo, com consequências sobre a memória que equivalem às que vimos anteriormente para os casos de ablação do hipocampo. Arlindo Ugulino Netto ● MEDRESUMOS 2016 ● NEUROANATOMIA 6 www.medresumos.com.br OBS 2 : A hipótese mais tradicional da participação do sistema límbico na consolidação da memória recente é a apresentada anteriormente, ou seja: a memória recente é armazenada temporariamente no hipocampo e na amígdala, sendo depois transferida para o neocórtex para armazenamento permanente. Outra hipótese é que a memória recente já de início estaria no neocórtex, onde seria gradualmente consolidada e transformada em memória remota através de duas conexões com o neocórtex. DISFUNÇÃO DO LOBO TEMPORAL A epilepsia do lobo temporal pode ser precedida por aura (sensação “inexistente” ou alucinação) de experiência acústica ou olfatória. A aura olfatória é, em geral, um odor desagradável (cacosmia), geralmente causada pelas chamadas crises uncinadas. Com frequência, o paciente fica confuso, ansioso e dócil, podendo realizar automatismos e movimentos complicados, como o de tirar a roupa em público ou dirigir um automóvel e, após a crise, não se lembrar de nada que aconteceu. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em resumo, para um melhor entendimento das relações do sistema límbico (e suas diversas conexões) com o comportamento emocional, devemos entender a seguinte sequência: o lobo límbico corresponde a uma área de associação supra- modal do córtex e, como tal, é capaz de evocar experiências passadas armazenadas na memória (no hipocampo ou no próprio córtex associativo) e regulá-las, estabelecendo uma comparação com as modalidades sensitivas que chegam naquele momento por meio das conexões aferentes do sistema límbico (informações visuais, auditivas, somestésicas ou olfatórias). Esta comparação e modulação se fazem por meio do circuito de Papez (que se inicia no hipocampo, onde estão dados referentes às memórias relacionadas àquelas aferências). Todos estes eventos correspondem ao componente central (subjetivo) da emoção. Como sabemos, as estruturas que compõem o circuito de Papez mantêm várias conexões que, de uma forma ou de outra, acabam ou no hipotálamo ou na formação reticular (inclusive, o próprio hipotálamo faz conexão com a formação reticular). Estas conexões eferentes servem para evocar os centros efetores dos sistemas motores (somático ou visceral) presentes no tronco encefálico (os núcleos da coluna eferente visceral geral estabelece amplas conexões com a formação reticular) ou na medula (por meio do trato retículo-espinhal). As conexões eferentes agem, portanto, para expressar o componente periférico da emoção (choro, tremor, sudorese, taquicardia, etc.). Do que foi exposto, verifica-se que as áreas encefálicas relacionadas com o comportamento emocional ocupam territórios muito amplos do telencéfalo e do diencéfalo, nos quais se encontram as estruturas que integram o sistema límbico, a área pré-frontal e o hipotálamo. Verificou-se, assim, que estimulações elétricas em várias áreas do hipotálamo, da área pré- frontal ou do sistema límbico determinam manifestações viscerais diversas, tais como salivação, sudorese, dilatação da pupila, modificações do ritmo cardíaco ou respiratório. O fato de que as mesmas áreas encefálicas que regulam o comportamento emocional também regulam o sistema nervoso autônomo se torna mais significativo se considerarmos que as emoções se expressam em grande parte através de manifestações viscerais. Entre as áreas que determinam estimulações com frequência mais elevada destacam-se a área septal e as regiões percorridas pelo feixe prosencefálico medial. De um modo geral, as áreas de recompensa do cérebro correspondem às áreas relacionadas com os processos motivacionais primários, como a fome, a sede e o sexo. Pesquisas recentes indicam também que substâncias ativas presentes no sistema límbico, como algumas monoaminas e o opioide endógeno beta- endorfina, exercem uma ação moduladora sobre a memória, podendo facilitar ou inibir o processo de memorização.
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