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Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 1 FAMENE NETTO, Arlindo Ugulino. MICROBIOLOGIA VIROLOGIA (Professora Socorro Vieira) Virologia o estudo dos vrus de suas propriedades. Vrus so os menores agentes infecciosos que se tm registros, apresentando dimetro que varia de 20 a 300 ηm, contendo RNA ou DNA como genoma. Por no ter bateria enzimtica ou organelas prprias, replicam-se apenas em clulas vivas, parasitando-as em nvel gentico. PROPRIEDADES GERAIS DOS VRUS Os vrus no possuem uma organizao to complexa quanto a de clulas, tendo de fato uma estrutura bastante simples. Apresentam apenas um capsídeo protéico revestindo seu material gentico e, em alguns casos, de uma membrana lipoprotica, denominada envelope ou envoltório. Essa simplicidade morfolgica faz com que o vrus sejam incapazes de crescimento independente em meio artificial, podendo replicar apenas em clulas animais, vegetais ou microrganismos. Vrus so, portanto, parasitas obrigatrios do interior celular e isso significa que eles somente se reproduzem pela invaso e possesso do controle da maquinaria de auto-reproduo celular. MORFOLOGIA VIRAL Ácido nucléico: o vrus contm em geral, apenas um tipo de cido nucleico, DNA ou RNA, que o portador das informaes genticas para sua propagao. Esse material gentico pode apresentar-se de variadas formas nos vrus: DNA de fita simples (ssDNA), DNA de fita dupla (dsDNA), RNA de fita simples (ssRNA) e RNA de fita dupla (dsRNA). Capsídeo (cápside): capa protica que protege o genoma viral. O agrupamento das protenas virais d ao capsdeo sua simetria caracterstica, normalmente icosadrica ou helicoidal. O genoma em conjunto com o capsdeo constitui o nucleocapsídeo. O capsdeo viral tem que ser formado de subunidades identicas, chamadas protômeros, que se agrupam formando subunidades maiores, os capsômeros. esta capa protica que d formato aos vrus quando so observados pela microscopia eletrnica. Envelope: alm do material gentico (MG) e do capsdeo, alguns vrus possuem estruturas complexas de membrana envolvendo o nucleocapsdeo. O envelope viral consiste em uma bicamada lipdica com protenas, em geral glicoprotenas, ebebidas nesta. A membrana lipdica provm da clula hospedeira, muito embora as protenas sejam codificadas exclusivamente pelos vrus. OBS: Vírion a unidade infecciosa inteira do vrus, sendo constituido de cerne de cido nuclico (DNA ou RNA), invlucro protico (nucleocapsdeo). Nesta forma, o vrus capaz de replicar-se no interior da clula. Porm, muitas vezes, encontramos vírus defeituoso (defectivo), os quais apresentam faltas com relao s estruturas de sua capa protica (como antgenos), deixando-o, muitas vezes, sem a capacidade de infeco. CULTURA E ENSAIOS DOS VÍRUS A cultura e ensaios dos vrus so realizados de maneira completamente diferente das bactrias. Um meio ideal para o crescimento viral no se d apenas por carboidratos e protenas, mas necessitam de uma cultura de clulas que sirvam como hospedeiras. O crescimento dos vrus se d em culturas de clulas (como culturas de linfcitos). Alm disso, os vrus crescem eficazmente em ovos embrionados, sendo seu uso ideal para a confeco de vacinas anti-virais. muito comum, em laboratrios, o crescimento viral induzido em animais para o estudo das doenas virais e oncognese viral. Vale salientar que os vrus so perigosos patgenos humanos e, portanto, devem ser seguidas risca, nesses laboratrios, as condies de biossegurana para que no haja riscos de infeco. A contaminao pode ser dar por meio de aerossis, ingesto, via a pele e via ocular. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 2 DETECÇÃO DAS CÉLULAS INFECTADAS POR VÍRUS O desenvolvimento viral apresenta efeitos citopáticos, causando lise ou necrose celular. Há também a formação de corpúsculos de inclusão, localizados dentro do citoplasma celular infectado, sendo um sítio específico para o desenvolvimento intracelular de vírions. Seu principal efeito patogênico é a lesão cromossômica, agindo em nível do núcleo, realizando uma desorganização do cariótipo. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DOS VÍRUS 1. Proteínas Virais Facilitar a transferência do ácido nucléico viral de uma célula para outra. Proteção do genoma contra a inativação por nucleases. Enzimas: RNA-polimerase (responsável por sintetizar o RNA viral) / transcriptase reversa (responsável por realizar uma síntese inversa de DNA: formar DNA a partir de RNA). 2. Lipídeos Virais: responsáveis por fornecer estabilidade às proteínas virais, funcionando como um envoltório. 3. Genoma viral: os vírus contém um único tipo de ácido nucléico, DNA ou RNA. O genoma pode consistir em filamento único ou duplo, circular ou linear. A estrutura do genoma viral serve para a classificação dos vírus em famílias. CLASSIFICAO DOS VRUS CERNE DE ÁCIDO NUCLÉICO SIMETRIA DO CAPSÍDEO VÍRION: COM ENVOLTÓRIO OU DESNUDO FAMÍLIA VIRAL DNA Icosaédrico Desnudo Papovaviridae (papilomavírus) DNA Icosaédrico Com envoltório Herpesviridae (herpes) RNA Icosaédrico Desnudo Picornaviridae (febre aftosa) RNA Complexa Com envoltório Retroviridae (HIV) RNA Helicoidal Com envoltório Rhabdoviridae (raiva) Viroídes (RNA) Desnudo Doenças em vegetais REPLICAO VIRAL Embora os vírus sejam diferentes no número de genes que contêm, o genoma viral deve codificar para três tipos de funções expressas pelas proteínas que sintetizam. Estas funções são: alterar a estrutura e/ou função da célula infectada, promover a replicação do genoma viral e promover a formação de novas partículas virais. Para que ocorra a replicação dos vírus é necessária a síntese de proteínas virais pela maquinaria de síntese da célula hospedeira. Essa replicação apresenta três etapas gerais: Fixação, penetração e desnudamento: após a ligação irreversível do vírus a superfície da célula susceptível o próximo passo da infecção leva à entrada na célula de parte ou de todo vírion e na liberação do material genômico viral. Existem quatro mecanismos básicos pelos quais os vírus podem penetrar nas células: injeção do ácido nucléico; endocitose; fusão do envelope viral; translocação. Expressão de genomas e síntese dos componentes virais: esta infecção viral leva à produção de centenas ou milhares novas partículas virais por célula infectada. A essência deste tipo de multiplicação viral é dupla: replicação do ácido nucléico viral e produção de cápsides para conter esse ácido nucléico. Morfogênese e liberação: alguns vírus são liberados por lise da célula hospedeira. Os vírus envelopados adquirem o envelope durante o brotamento através da membrana celular. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 3 HISTRIA NATURAL (ECOLOGIA) & MODOS DE TRANSMISSO DOS VRUS A transmisso pode ser direta (pessoa a pessoa), sendo esta a forma mais comum. Este contato pode se d pelos seguintes meios: perdigotos ou aerossis infectados, via oral-fecal, contato sexual ou sangue contaminado. A transmisso pode se dar ainda quando o homem se comporta como hospedeiro acidental em face de uma transmisso animal a animal. O contato pode se dar por intermdio de mordidas (como a transmisso do vrus da raiva) ou por transmisso por um vetor artrpode (humano – artrpode – humano). PATOG NESE DA INFECO VIRAL A patognese representa as fases de ataque ao hospedeiro, que ser dividida nas seguintes etapas: Fases de Penetração: etapa em que o vrus ganha o organismo do hospedeiro, podendo ser utilizadas, como porta de entrada, as seguintes estruturas: pele, via respiratria, tubo digestivo, trato geniturinrio e conjuntiva. Disseminação: a distribuio do agente patognico se d pelas vias linfticas, sangneaou nervosa, se disseminando para diversos tecidos, desencadeando uma viremia. Período de incubação: este perodo varivel de acordo com a afinidade viral pela sua porta de entrada: vrus associados ao sistema respiratrio e digestivo tm um perodo de incubao que dura cerca de 3 a 10 dias, equando que a disseminao neural dura cerca de 20 dias. H tambm os chamados vírus lentos, que tm cerca de 20 anos de incubao. Ciclo infeccioso: Durante o ciclo infeccioso viral, toda a maquinaria da clula hospedeira utilizada para uma nica finalidade: fabricar novos capsdeos para englobar novos materiais genticos virais que viro a formar novos vrus, disseminando cada vez mais a infeco. Fase de manifestação dos sintomas: as manifestaes das infeces virais pode se enquadrar nas seguintes caractersticas: Infeces inaparentes: o hospedeiro sofre todo o ciclo infeccioso, mas no desenvolve nenhum sinal ou sintoma da doena. No entanto, mesmo sem desenvolver manifestaes clnicas, o indivduo infectado pode transmitir o agente infeccioso para outras pessoas. Infeces persistentes: so aquelas infeces que, mesmo tratadas, persistem e retornam com freqncia. Isso acontece devido a um mecanismo de ciclos freqentes realizados por um grupo especfico de vrus. Infeces latentes: o indivduo apresenta vrus nos tecidos, mas este patgeno no realiza seu ciclo infeccioso. Isso faz com que o indivduo no manifeste sinais ou sintomas. Infeces tumorignicas: vrus associados formao de tumores (como o vrus da hepatite B e o HPV). MECANISMOS DE DEFESA DO HOSPEDEIRO A imunidade primeiramente ativada frente a uma infeco viral se d por meio da resposta inata, sendo ela menos especfica; que logo depois seguida de uma resposta da imunidade adquirida, a qual apresenta como caractersticas gerais a especificidade, especializao e memria. Esta imunidade adquirida dividida em dois tipos de respostas: celular e humoral (nesta haver a produo de anticorpos IgA, que combate os mais diferentes agentes infecciosos virais, estando ela presente em todos os tipos de mucosa). Na imunidade inata, por intermdio da liberao de interferon-1, ocorre a ao das clulas NK (natural killers), que so tipos diferenciados de linfcitos da resposta imune inata que atacam as clulas infectadas com esses vrus. J a resposta imune adquirida mediada por Linfcitos T citotxicos (CD8) e IgA (sintetizada pelos linfcitos B diferenciados em plasmcitos). Porm, assim como nosso organismo elabora mecanismos de defesa contra as infeces virais, estes micropatgenos tambm desenvolvem seus meios de evaso aos mecanismos efetores da imunidade, causando leso tecidual produzida pela resposta do prprio hospedeiro. A replicao viral causa morte das clulas infectadas (inclusive das clulas de defesa) devido ao efeito citoptico dos vrus, realizando a chamada infeco ltica. A leso tecidual (como a que ocorre na hepatite) desencadeia a Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 4 formação de complexos antígeno-anticopos que, se não retirados imediatamente da corrente sanguínea, geram a vasculite sistêmica, que é um efeito tardio e nocivo da resposta imune do hospedeiro. MECANISMOS VIRAIS PARA EVASÃO DO SISTEMA IMUNE Variação antigênica: mecanismo pelo qual o vírus altera sua configuração antigênica e mascara a sua afinidade aos mecanismos de defesa do hospedeiro. Essa variação antigênica se dá por comandos do próprio genoma viral: tanto vírus de RNA quanto de DNA modificam o seu alvo de ação (Ex: influenza, HIV). Inibição do processamento do antígeno: inibindo o reconhecimento do mesmo por anticorpos (Ex: herpes simples). Infecção de células imunocompetentes: mecanismos pelos quais os vírus atacam e destroem as próprias células de defesa do hospedeiro, desencadeando uma imunosupressão severa (Ex: HIV). DIAGNSTICO LABORATORIAL DAS INFECES VIRAIS Para o diagnóstico laboratorial de infecções virais, visando a descoberta do tipo de vírus que acomete o hospedeiro, podem ser realizados métodos para estudo da ação dos vírus sobre culturas celulares, métodos para estudo de partículas virais purificadas ou métodos que permitem o estudo morfológico de partículas virais por meio da microscopia eletrônica. As técnicas utilizadas para tais fins são métodos sorológico como a fixação do complemento, inibição da hemaglutinação, gel-eletroforese e radioimunoensaio, sendo elas técnicas específicas para o diagnóstico de doenças virais. EPIDEMIOLOGIA E PROFILAXIA DAS INFECES VIRAIS O homem funciona como perfeito reservatório clínico (como no caso da varíola humana, em que há manifestação dos sintomas) ou mero portador (como no caso da poliomielite ou hepatites virais, em que o indivíduo geralmente não manifesta sintomas, mas podem contaminar outros indivíduos com esses agentes etiológicos). Os artrópodes, quando funcionam como vetores para a transmissão viral, podem transmitir os vírus de geração em geração, ou seja, para os seus próprios ovos. Um exemplo prático da contaminação através de ovos infectados de carrapatos é o arbovírus que produz as encefalites. PROFILAXIA A principal profilaxia para alguns tipos de infecções virais é o uso de vacinas, que podem ser do tipoinativadas (com os vírus inativados, como no caso da influenza ou da raiva), que são vacinas polivalentes (que induzem a produção de anticorpos IgG e IgM). As desvantagens dessas vacinas é a possível reversão do quadro, sendo necessária as doses vacinais múltiplas; ausência de IgA; ou a administração de doses elevadas de antígenos. Pode ser feito ainda o uso de vacinas atenuadas (como as utilizadas para a poliomielite, rubéola, sarampo, caxumba e febre amarela). A dose vacinal é única, com exceção da vacina para poliomielite. Estas vacinas induzem a produção de anticorpos IgG, IgM e IgA. Há interferência na replicação de vírus não atenuado. As desvantagens são: possibilidades da reversão a atenuação, possibilidade de disseminação natural, elevada labilidade e inativação por anticorpos específicos existentes. A quimioterapia antiviral busca inibir a penetração dos vírus (amantadina), inibição da tradução (ribavirina e metisazona) e inibição da replicação (idoxuridina, aciclovir e azidotimidina). VIROSES RUBÉOLA Seu agente etiológico pertence a familia Togaviridae, do gênero Rubivirus. A rubéola é uma doença causada pelo vírus da rubéola e transmitida por via respiratória. É uma doença geralmente benigna, mas que pode causar malformações no embrião em infecções de mulheres grávidas. A rubéola é um dos cinco exantemas (doenças com marcas vermelhas na pele) da infância. Os outros são: o sarampo, a varicela, o eritema infeccioso e a roséola. A rubéola pode se manifestar na forma pós-natal. A transmissão é por contacto direto, secreções ou pelo ar. O vírus multiplica-se na faringe e nos órgãos linfáticos e depois se dissemina pelo sangue (disseminação hematogênica) até a pele, onde causará erupções ruborosas características. O período de incubação é de duas a três semanas; transmissível até 2 meses após a infecção. A rubéola congênita também é um grave quadro médico. O vírus da rubéola só é realmente perigoso quando a infecção ocorre durante a gravidez, com invasão da placenta e infecção do embrião, especialmente durante os primeiros três meses de gestação. Nessas circunstâncias, a rubéola pode causar aborto, morte fetal, parto prematuro e malformações congênitas (cataratas, glaucoma, surdez, cardiopatia congênita, microcefalia com retardo mental, defeitos dentários ou espinha bífida). Uma infecção nos primeiros três meses da gravidez pelo vírus da rubéola é suficiente para a indicação de aborto voluntário da gravidez. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA– MEDICINA P3 – 2008.2 5 A infecção, geralmente, tem evolução benigna e em metade dos casos não produz qualquer manifestação clínica. As manifestações mais comuns são febre baixa (até 38°C), aumento dos gânglios linfáticos no pescoço, hipertrofia ganglionar retro-ocular e suboccipital, manchas (máculas) cor-de-rosa (exantemas) cutâneas, inicialmente no rosto e que evoluem rapidamente em direção aos pés e em geral desaparecem em menos de 5 dias. Outros sintomas são a vermelhidão (inflamação) dos olhos (sem perigo), dor muscular das articulações, de cabeça e dos testículos, pele seca e congestão nasal com espirros. HERPES SIMPLES Tem como agente etiológico o vírus da familia Herpesviridae, do gênero Simplexvirus, que também apresenta como ácido nucleico o DNA. A herpes é uma doença viral recorrente, geralmente benigna, causada pelos vírus Herpes simplex 1 (HSV-1) e 2 (HSV-2), que afeta principalmente a mucosa da boca ou região genital, mas pode causar graves complicações neurológicas. HSV são dois vírus da família dos Herpesvirus, com genoma de DNA bicatenar (dupla hélice) que se multiplicam no núcleo da célula-hóspede, produzindo cerca de 90 proteínas víricas em grandes quantidades. Têm nucleocapsídeo de simetria icosaédrica e envelope bilipídico. Têm a propriedade de infectar alguns tipos de células de forma lítica (destrutiva) e outras de forma latente (hibernante). Os HSV1 e 2 são líticos nas células epiteliais e nos fibroblastos, e latentes nos neurônios, onde são reativados em alturas de fragilidade do indivíduo, como stress, febre, irradiação solar excessiva, trauma ou terapia com glucocorticóides (corticosteróides). O HSV-1 tem maior afinidade pela pele e mucosas, principalmente lábios, mas podem realizar uma via hematogênica e alcançar as células nervosas. Desse modo, podem causar cegueira corneal ou uma encefalite fatal. O HSV-2 tem características de maior virulência e infecciosidade para a mucosa genital, como vulvovaginites herpética e herpes neo-natal (que é transmitido durante o momento do parto). A produção de proteínas víricas pelas células tomadas pelo vírus têm três fases: na primeira produzem-se as proteínas envolvidas na replicação do seu genoma e essa replicação ocorre. Na segunda há produção de proteínas reguladoras víricas que regulam o metabolismo da célula para maximizar o número de virions produzíveis; e na terceira há produção das proteínas do nucleocapsídeo e construção das novas unidades virais, após o qual a célula é destruída pela grande quantidade de vírus que é fabricada. Após infecção da mucosa, o vírus multiplica-se produzindo os característicos exantemas (manchas vermelhas inflamatórias) e vesículas (bolhas) dolorosas (causadas talvez mais pela resposta destrutiva necessária do sistema imunitário à invasão). As vesículas contêm líquido muito rico em virions e a sua ruptura junto à mucosa de outro indivíduo é uma forma de transmissão (contudo também existe vírus nas secreções vaginais e do pênis ou na saliva). Este fato remete o caso em que a transmissão dessa patologia não acontece em períodos de latência, porém, há relatos na literatura em que a herpes genital foi transmitida por portadores assintomáticos. Essas vesículas desaparecem e reaparecem sem deixar quaisquer marcas ou cicatrizes. É possivel que ambos os vírus e ambas as formas coexistam num só indivíduo. Os episódios agudos secundários são sempre de menor intensidade que o inicial (devido aos linfócitos memória), contudo a doença permanece para toda a vida, ainda que os episódios se tornem menos freqüentes. Muitas infecções e recorrências são assintomáticas. ENTERITE VIRAL É um quadro causado pelo Rotavirus, um vírus de RNA encapsulado que causa diarreia em lactentes. Os rotavirus invadem e destroem células epiteliais, diminuindo a absorção de sódio e água, gerando a diarreia. A profilaxia para este tipo de virose é de cunho higiênico: diminuir a exposição a resíduos sanitários e insetos, bebida potável limpa, lavagem das mãos e cozimento adequado dos alimentos. VIROSES HEPÁTICAS Hepatite A: é uma doença aguda do fígado , causada pelo vírus da Hepatite A (HAV Familia: Picornaviridae; Gênero: Hepatovírus), geralmente de curso benigno. O vírus da Hepatite A é de RNA unicatenar (simples) positivo (é usado diretamente como mRNA na síntese proteica). Tem capsídeo icosaédrico, mas não possui envelope. O vírus é muito resistente a condições externas adversas (sobrevivendo em temperaturas relativamente altas, como a 60oC por 30min). A transmissão se dá via oral-fecal, sendo mais freqüente em crianças e adolescentes. O período de incubação dura cerca de um mês. No intestino infecta os enterócitos da mucosa Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 6 onde se multiplica. Daí dissemina-se pelo sangue, e depois infecta principalmente as células para as quais mostra a preferência, os hepatócitos do fígado. Este tropismo é devido à abundância nessas células dos receptores membranares a que o vírus se liga durante a invasão. Os vírions produzidos são secretados nos canais biliares e daí migra para o duodeno, sendo expelidos nas fezes. Os sintomas são tantos devidos aos danos do vírus como à reação destrutiva para as células infectadas pelo sistema imunitário. Mais da metade dos doentes poderão ser assimtomáticos, particularmente crianças. Surgem geralmente de forma abrupta febre, dor abdominal, náuseas, alguma diarreia que se mantém durante cerca de um mês. Mais de metade dos doentes desenvolve então icterícia. Em 99% dos casos segue-se a recuperação e cura sem problemas. Hepatite B: é uma doença infecciosa frequentemente crónica causada pelo vírus da Hepatite B (HBV Família: Hepadnaviridae; Gênero: Orthohepadnavirus). É transmitida sexualmente, por agulhas infectadas, transfusão sanguíena e pode progredir para cirrose hepática ou cancro do fígado (hepatocarcinoma). O vírus da hepatite D é um vírus que só ataca células já infectadas pelo HBV piorando o prognóstico dos doentes com hepatite B crônica. Como complicação mais grave desse quadro, é a origem do carcinoma hepatocelular. O medicamento utilizado para o tratamento é a ribavirina e vidarabina. A profilaxia consiste no reconhecimento de indíviduos infectados; eliminação de sangue e plasma de doadores infectados pela pesquisa HbsAg (antígeno contra o vírus da hepatite B); vacinação a partir de antígenos do vírus da Hepatite B por meio da técnica de DNA recombinante (vacina de DNA). Hepatite C: é uma doença viral do fígado causada pelo vírus da hepatite C (HCV Família: Flaviviridae; Gênero: Hepacivirus). A hepatite C pode ser considerada a mais temida e perigosa de todas as hepatites virais, devido à inexistência de vacina e limitações do tratamento, e à sua alta tendência para a cronicidade que complica eventualmente em cirrose hepática mortal. O vírus da hepatite C é um RNA-vírus flavivirus, um dos poucos dessa família (que inclui os vírus da dengue, febre amarela e Nilo ocidental) que não é transmitido por artrópodes. A transmissão deste vírus é feita por via parentérica (por transfusão sanguínea). Ele é capaz de sobreviver em temperaturas de 100oC por 2 minutos. Em 85% dos casos, incluindo quase todas as crianças, a hepatite inicial pode ser assintomática ou leve. O sistema imunitário não responde eficazmente ao vírus, e o resultado é cronicidade em 80% dos casos. Destes, 40% progridem rapidamente para cirrose e morte; 25% progridem lentamente com cirrose e morte ao fim de 10 anos; e outros 35% após 20 anos. O cancro do fígado surge em mais 5% após 30 anos. Os restantes tornam-se portadores a longo prazo, infecciosos. A incidência de hepatite C pôde ser reduzida pelo rastreamento adequado de doadores de sangue nas últimas décadas. Hoje, apenas 5% dos novoscasos são adquiridos dessa forma. A melhor forma de prevenção reside no combate ao uso de drogas endovenosas. Há evidências de que o tratamento da hepatite C reduz o risco de surgimento do hepatocarcinoma. Hepatite E: é uma doença hepática que não se cronifica. Etiologicamente causada por um RNA-vírus. Considera-se como uma hepatite benigna e auto-limitada (quando não ligada à gravidez). A transmissão é oral- fecal: a contaminação geralmente se dá através da água contaminada. Por causa disso, os surtos se desencadeiam após longos períodos de fortes chuvas, em que há a contaminação de água de poço e de reservatórios por esgoto. A transmissão pessoa a pessoa não é tão eficiente como na hepatite A. O vírus sofre replicação no fígado, intestino e ducto biliar. Ocorre degradação das partículas virais por proteases (culminando na pequena presença dessas partículas nas fezes), mas o indivíduo continua sendo um portador. Como manifestações clínicas, apresenta formas subclínicas até infecções fulminantes. O prognostico é, na maioria, benigno, mas apresenta pior prognóstico em gestantes com quadros fulminantes, com mortalidade de aproximadamente 20%. Hepatite D (Hepatite pelo agente delta): é uma forma grave e recentemente descrita de hepatite, em que ocorre uma superinfecção de portadores crônicos de vírus da hepatite B ou co-infecção de pacientes pelo agente delta (sozinho, este não é capaz de produzir a infecção, mas deve se associar ao HBV para gerar essa superinfecção). A hepatite freqüentemente é fulminante em casos de infecção pelo VHD e é caracterizada por alta mortalidade. SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (AIDS) A síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA, normalmente em Portugal, ou AIDS, mais comum no Brasil) é o conjunto de sintomas e infecções em seres humanos resultantes do dano específico do sistema imunológico ocasionado pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH, ou HIV segundo a terminologia anglo-saxónica). O alvo principal são os linfócitos T CD4+ (Linfócitos T auxiliares), fundamentais para a coordenação das defesas do organismo. Assim que o número destes linfócitos diminui abaixo de certo nível (o centro de controle de doenças dos Estados Unidos da América define este nível como 200 por mm³), o colapso do sistema imune é possível, abrindo Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 7 caminho a doenças oportunistas e tumores que podem matar o paciente. Existem tratamentos para a SIDA/AIDS e o HIV que diminuem a progressão viral, mas não há nenhuma cura conhecida. Os aspectos clínicos da doença provem dos seguintes sinais: imunodepressão profunda, infecções oportunistas, perda de peso e degeneração do sistema nervoso central. O HIV é um retrovírus, ou seja é um vírus com genoma de RNA, que infecta as células e, através da sua enzima transcriptase reversa, produz uma cópia do seu genoma em DNA e incorpora o seu próprio genoma no genoma humano, localizado no núcleo da célula infectada. O HIV reconhece a proteína de membrana CD4, presente nos linfócitos T4 e macrófagos, e pode ter receptores para outros dois tipos de moléculas presentes na membrana celular de células humanas: o CCR5 e o CXCR4. O HIV também é classificado como um lentivírus (que podem passar anos para iniciar o desenvolvimento da infecção). Há dois subtipos de vírus HIV, o HIV-1 que causa a SIDA/AIDS típica, presente em todo o mundo, e o HIV-2, que causa uma doença em tudo semelhante, mais frequente na África Ocidental, e também existente em Portugal. O fato do HIV ser altamente mutagênico faz com que uma forma possa se converter na outra durante uma mesma infecção. A partícula infecciosa destes vírus é caracterizada por duas fitas de RNA (capaz de sintetizar proteínas virais específicas), presença de envelope de bicamada fosfolipídica e de proteínas de membrana. As sequências gênicas codificadas por este vírus fazem parte do genoma LTRs (long terminal repeats), sendo eles os genes gag e os genes env, que são genes regulatórios. O ciclo de vida do HIV inicia com a sua presença no sangue, sêmen ou fluidos corporais do indivíduo infectado. O contato sexual ou picada de agulha contaminada faz com que este vírus seja disseminado com bastante facilidade. A manifestação da doença é caracterizada quando o vírion HIV estabelece ligações ao LT CD4 e as quimiocinas, por meio de uma fusão da membrana do HIV com a membrana da célula, sendo esta fusão auxiliada por duas proteínas virais: a gp41 e a gp120. A partir do momento que o RNA viral (pró-vírus) é integrado ao genoma da célula hospedeira, temos então o início da síntese de DNA pró-víral por meio da transcriptase reversa. Este DNA gerado passa a se integrar cada vez mais ao genoma da célula. Um fato interessante é que a liberação de citocinas por células de defesa, quando o HIV está implantado, aumenta a ativação deste vírus, facilitando a sua transcrição e o transporte dos RNAs para o citoplasma. O LT CD4+ não é o principal responsável por destruir microrganismos invasores, mas é o responsável por ativar Linfócitos B (que se diferenciam em plasmócitos e produzem anticorpos) e ativar os próprios LT CD8+ (citotóxicos). Uma vez infectado e inativado, o LT CD4+ fica incapaz de realizar as suas funções básicas, desencadeando um déficit imunológico grave ao hospedeiro. A doença se manifesta nas seguintes fases: 1ª Fase: o início é caracterizado por uma infecção aguda, em que há a disseminação da infecção, desencadeando respostas humorais e celulares aos antígenos virais. 2ª Fase: o vírus é seqüestrado para órgãos linfóides como o baço e linfonodos, onde haverá a sua multiplicação, iniciando o declínio de células T CD4+, diminuindo os seus níveis circulantes no sangue. Nesta fase, que dura vários anos, o portador é soropositivo, mas não desenvolveu ainda SIDA/AIDS, pois não há sintomas, e o portador pode transmitir o vírus a outros sem saber. Os níveis de T CD4+ diminuem lentamente e ao mesmo tempo diminui a resposta imunitária contra o vírus HIV, aumentando lentamente o seu número, devido à perda da coordenação dos T CD4+ sobre os eficazes T CD8+ e linfócitos B (linfócitos produtores de anticorpo). Progressão crônica: há uma produção crônica de citocinas e a resposta a infecção microbiana gera, cada vez mais, a destruição dos tecidos linfóides. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 8 Doença do HIV (fase final): é a forma final e fatal, propriamente dita, da AIDS. Ocorre destruição completa dos tecidos linfóides, fazendo com que o nível sanguíneo de células T CD4+ caia para baixo do nível crítico de 200 células/mm³, caracterizando, então, a AIDS. Começam a surgir cansaço, tosse, perda de peso, diarreia, inflamação dos gânglios linfáticos e suores noturnos, devidos às doenças oportunistas, como a pneumonia por Pneumocystis jiroveci, os linfomas, infecção dos olhos por citomegalovírus, demência e o sarcoma de Kaposi. Ao fim de alguns meses ou anos advém inevitavelmente a morte. Estima-se que mais de 15 000 pessoas sejam infectadas por dia em todo o mundo (dados de 1999); 33 milhões estão atualmente infectadas, e 3 milhões morrem a cada ano. A esmagadora maioria dos casos ocorre na África, onde a principal forma de transmissão é o sexo heterossexual, e o uso de prostitutas. A transmissão se dá por fluidos corporais de origem sanguínea, tais como sêmen e secreções vaginais. O HIV não é transmitido por toque casual, espirros, tosse, picadas de insetos, água de piscinas, ou objetos tocados por soropositivos. O convívio social, portanto, não está associado a transmissão do vírus. Um dos problemas mais graves para a saúde pública é a trasnmissão vertical (da mãe para o filhoatravés do útero ou pelo leite materno). O diagnóstico ideal para o HIV é a técnica de PCR para detecção do vírus. O diagnóstico da infecção pelo HIV é naturalmente realizado por sorologia, ou seja detecção dos anticorpos produzidos contra o vírus com um teste ELISA. Eles são sempre os primeiros a serem efetuados, contudo dão resultados positivos falsos, por vezes. Por isso é efetuado nos casos positivos um teste, muito mais específico e caro, de Western Blot, para confirmar antes de se informar o paciente. Eles não detectam a presença do vírus nos indivíduos recentemente infectados. Quanto ao tratamento, faz-se uso de AZT (azido-desoxitimidina), que foi a primeira droga de grande eficiência no combate à infecção. Esta droga é quase sempre associada a outras drogas anti-virais, que geralmente agem como inibidores da enzima transcriptase reversa que o vírus usa para se reproduzir e que não existem nas células humanas: nevirapina, delavirdina, efavirenz, etc. A combinação de drogas é indicada para pacientes sintomáticos infectados pelo HIV e assintomáticos com contagem de linfócitos T CD4 abaixo de 200/mm3. Como não há cura ou vacina, a prevenção tem um aspecto fundamental, nomeadamente práticas de sexo seguro como o uso de preservativo (ou "camisinha") e programas de troca de seringas nos toxicodependentes.
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