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RECUPERA˙ˆO DE LAGOS TROPICAISMEIO-AMBIENTE Biotecnologia no controle da eutrofizaçªo em lagos tropicais - A experiŒncia do lago ParanoÆ Marcelo Antônio Teixeira Pinto Engenheiro Químico, M.Sc, Superintendente de Operaçªo e Tratamento de Esgotos da Companhia de `gua e Esgotos de Brasília marcelo.teixeira@persocom.com.br Cristine Gobbato B.Cavalcanti Bióloga da SuperintendŒncia de Recursos Hídricos da Companhia de `gua e Esgotos de Brasília CAESB Fotos cedidas pelos autores utrofizaçªo Ø um processo natural e gradativo de ferti- lizaçªo das Æguas superfi- ciais, com conseqüente aumento da produtividade biológica, que, entretanto, pode ser forte- mente acelerado pelas atividades humanas. Esse processo pode acarretar problemas que vªo desde a estØtica atØ o comprome- timento da possível utilizaçªo dessa Ægua para recreaçªo e/ou abastecimento, devido a grande concentraçªo de algas e plantas aquÆticas O fósforo tem sido apontado como fator limitante para o controle desse processo em lagos e rios, enquanto o nitrogŒnio limitaria o fenômeno em estuÆrios e Æguas costeiras. As principais fontes de fósforo estªo relaci- onadas com produtos oriundos do desen- volvimento da sociedade moderna, como os detergentes sintØticos, os fertilizantes e os conservantes e alimentos consumidos, o que vem acelerando a ocorrŒncia desse problema em todos os países do mundo. Para o controle do processo de eutrofizaçªo, diversos países tŒm promul- gado recomendaçıes e políticas que visam à reduçªo do aporte de nutrientes nos corpos hídricos. Uma das mais importantes medidas de controle Ø a remoçªo desses nutrientes durante o tratamento dos esgo- tos. Essa operaçªo era realizada , atØ a dØcada de 70, Com a aplicaçªo de produtos químicos, o que tornava o processo bastan- te caro. Entretanto, o desenvolvimento de processos mais baratos, que possibilitassem a remoçªo de nutrientes dos esgotos pela rota biológica era uma necessidade para enfrentar o crescimento do problema de eutrofizaçªo. Essa tecnologia vem sendo utilizada na recuperaçªo do lago ParanoÆ em Brasília, em carÆter pioneiro na AmØrica Latina. O processo de eutrofizaçªo no lago ParanoÆ O lago ParanoÆ foi formado em 1959, junto com a construçªo de Brasília, para servir como moldura paisagística para a nova cidade e propiciar alternativas de lazer e recreaçªo para seus habitantes. A cidade, planejada para abrigar cerca de 500 mil habitantes, superou todas suas expectativas de crescimento. Milhares de pessoas, atraídas pela possibilidade de melhores condiçıes de vida, vieram para a regiªo nas dØcadas de 60 e 70, fazendo com que a cidade alcançasse hoje quase 2 milhıes de habitantes. Como geralmente acontece, as estrutu- ras de esgotamento sanitÆrio, concebidas na Øpoca de sua construçªo, nªo acompa- nharam esse crescimento, e fizeram com que o lago ParanoÆ se tornasse receptor de esgotos sem tratamento. Esse fato, aliado a incapacidade das duas antigas estaçıes de tratamento de esgotos, erguidas nas mar- gens do lago, em remover nutrientes como o fósforo e o nitrogŒnio e a falta de cuidado com o uso do solo na bacia, levaram o lago ParanoÆ a um acelerado processo de eutrofizaçªo, contaminaçªo de suas Æguas e assoreamento (Altafin et al., 1995). Desde 1993, duas novas estaçıes de tratamento de esgotos, utilizando pro- cesso biológico para remoçªo de nitro- gŒnio e fósforo chamado Phoredox, es- tªo em funcionamento, trazendo significante melhoria na qualidade de suas Æguas (Figura 1). O processo Phoredox para remoçªo biológica de nutrientes A remoçªo biológica de nitrogŒnio no tratamento de esgotos Ø obtida por meio de duas rotas. A primeira estÆ relacionada com a assimilaçªo para o crescimento da biomassa e corresponde a nªo mais de 30%. A segunda Ø obtida por uma sØrie de reaçıes bioquímicas que transformam o nitrogŒnio amoniacal em nitrogŒnio gasoso, que Ø liberado para a atmosfera. Essas reaçıes sªo processadas por microorganismos específicos, que colo- cados em determinadas condiçıes ambientais, sªo capazes de executar essas transformaçıes, conforme descrito abaixo. • Nitrificaçªo Conversªo de NH4 + para NO2 - efetuado pelas bactØri- as Nitrosomonas sp., e deste para NO3 - , pelas bactØrias Nitrobacter sp. • Desnitrificaçªo Na ausŒncia de oxigŒnio, as bactØrias facultativas utilizam o NO3 - como aceptor de elØ- trons, convertendo-o em N2 gasoso. Figura 1: ETE Brasília Sul D al m i 30 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento Diferentemente do nitrogŒnio, nªo existe forma gasosa de fósforo. Consequentemente, o fósforo precisa ser convertido à forma sólida para, entªo, ser removido do sistema. A assimilaçªo biológica de fósforo para o crescimento bacteriano e aumento da biomassa nªo necessita absorver mais que 2% desse elemento. Entretanto, sob deter- minadas circunstâncias, certas bactØrias, como a Acinetobacter sp., podem acumu- lar fósforo no interior de sua cØlula, atravØs do fenômeno chamado luxury uptake, chegando a cerca de quatro vezes mais que suas necessidades nutricionais. Para tanto, Ø necessÆrio que esses microorganismos passem por alternância de condiçıes ambientais com respeito a presença e ausŒncia de oxigenaçªo. Em condiçıes anaeróbias, esses microorganismos sªo capazes de transpor- tar substratos simples (Æcidos orgânicos volÆteis) para dentro de sua cØlula e estocÆ- los, usando como fonte de energia as reaçıes bioquímicas ATP-ADP, liberando fosfato para o meio. Essa capacidade lhes permite uma competitiva vantagem para seu crescimento, necessÆria para sua so- brevivŒncia, em virtude de sua baixa taxa de reproduçªo nas condiçıes normais do processo. A fase anaeróbia serve ainda para gerar os substratos simples que, junto com os existentes no esgoto afluente, per- mitirªo o desencadeamento do processo. Em condiçıes aeróbias, os substratos estocados no interior do microorganismo sªo entªo consumidos e, o fósforo, assimi- lado e estocado na forma de grânulos de polifosfato em seu interior (Figuras 2 e 3). Assim, o processo Phoredox prevŒ trŒs distintos ambientes operacionais, confor- me mostrado na Figura 4. O primeiro estÆgio Ø anaeróbio, onde entra o esgoto afluente (prØ decantado) e a recirculaçªo do lodo dos decantadores secundÆrios. Nessa fase, as P-bactØrias trans- portam e estocam o substrato sem a pre- sença de oxigŒnio. No segundo estÆgio, em ambiente anóxico (sem oxigŒnio livre, mas com oxigŒnio combinado na forma de nitrato), ocorre a desnitrificaçªo, receben- do a recirculaçªo da zona aerada, rica em nitratos, para que seja convertido em nitro- gŒnio gasoso. O œltimo estÆgio, aeróbio, ocorre a nitrificaçªo, cujo nitrato formado serÆ recirculado para a zona anóxica, alØm da assimilaçªo e estocagem do fósforo pelos microorganismos. Esse processo consegue atingir remo- çıes acima de 90% de nutrientes e vem conseguindo modificar o estado trófico do lago ParanoÆ. Os modelos de estado trófico Bernhardt (1982) propôs uma conexªo entre o uso desejado pela comunidade de um determinado reservatório e o nível de trofia mÆximo que ele poderia atingir. O lago ParanoÆ Ø principalmente usado para lazer e esportes aquÆticos, o que requer um estado mesotrófico. Existem diversos parâmetros que po- dem ser utilizados para classificar um lago no nível trófico. Um dos mais usados Ø o fósforo, pela sua facilidade de modelagem atravØs de um balanço de massa. Alguns estudos da Organizaçªo Euro- pØia para a Cooperaçªo Econômica e De- senvolvimento OECD apontaram que, para Æguas de lagos temperados, concentraçıes de fósforo na ordem de 27 mg/m3 teriam 65% de probabilidade de ser um lago mesotrófico (Bernhardt, 1982). Por outro lado, o Centro Pan-americano para Enge- nharia SanitÆria e CiŒncias do Meio Ambien- te CEPIS tem proposto paralagos tropicais, que concentraçıes de fósforo de 40 mg/m 3 teriam 70% de chance de atingir esse estado (Sallas, 1991). Isso Ø devido ao fato de que a maior temperatura da Ægua e a radiaçªo solar permitem uma maior absorçªo de nutrientes, um mais rÆpido metabolismo dos microorganismos e uma maior velocidade de sedimentaçªo, o que acarreta aumento na capacidade de retençªo do fósforo no reser- vatório. Conhecendo-se os usos que foram pro- postos para o lago e a concentraçªo de fósforo que manteria o estado trófico ade- quado àqueles usos, podemos estimar a carga mÆxima tolerÆvel que poderia ser lançada em suas Æguas. É importante salien- tar que devem ser consideradas todas as fontes pontuais e difusas, como as descargas de esgotos, as galerias de Æguas pluviais, os tributÆrios, o escoamento superficial e ou- tros que cheguem de alguma maneira àque- las Æguas. Assim, Sallas e Martino (1991) propuse- ram uma ferramenta de controle e planeja- mento da qualidade de Ægua de um lago tropical, baseada no balanço de massa mos- trado pela seguinte equaçªo: [P] = concentraçªo de fósforo (mg/m3) Pin = carga de fósforo (g/m 2.ano) Tw = tempo de retençªo (anos) Z = profundidade mØdia (m) Aplicando-se o modelo aos dados físicos do lago ParanoÆ, podemos estimar que a carga mÆxima tolerÆvel de fósforo que pode ser lançada em suas Æguas Ø de, aproxima- damente 175 kg/d. A evoluçªo da qualidade das Æguas do lago ParanoÆ O monitoramento limnológico do lago ParanoÆ Ø feito em 11 pontos, distribuídos nas cinco Æreas (braços) do lago. As amos- tras sªo coletadas quinzenalmente, a um metro de profundidade, e mensalmente com perfis verticais em 5 pontos. Os dados dos tributÆrios sªo medidos mensalmente e usa- dos para o cÆlculo das cargas afluen Figura 2: Grânulos de polifosfato esto- cado dentro dos microorganismos no final da fase aeróbia - Aumento de 1000 X Figura3: Grânulos de substrato (Polihidroxibutirato) armazenado nos microorganismos no final da fase anaeróbia - Aumento de 1000 X Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento 31 tes. O efluente das estaçıes de tratamento sªo analisados diariamente. As fontes difu- sas, ligaçıes clandestinas e descargas de Æguas pluviais sªo estimadas, de acordo com Anjos (1991). Por intermØdio de um amplo programa de esgotamento sanitÆrio da bacia do lago ParanoÆ e da construçªo das novas estaçıes de tratamento de esgotos com remoçªo biológica de nutrientes, foi possível reduzir o aporte de fósforo ao lago de 519 kg/d, em 1989, para 128 kg/d, em 1998. Consequen- temente, as concentraçıes de fósforo e clorofila mostraram significantes reduçıes, conforme mostrado nas figuras 5 e 6 seguin- tes. Pereira e Cavalcanti (1996) mostraram tambØm significativas melhorias em outros parâmetros como oxigŒnio dissolvido, ni- trogŒnio e transparŒncia da Ægua. As condiçıes de balneabilidade do lago sªo avaliadas semanalmente, atravØs de 40 pontos distribuídos por todo o lago, prefe- rencialmente nas margens de maior acesso de pœblico. A anÆlise Ø baseada na determi- naçªo das concentraçıes de coliformes fe- cais e os pontos sªo classificados de acordo com a Resoluçªo CONAMA 020/86. Em termos de balneabilidade, apenas 65% do lago era considerado próprio para contato primÆrio, em 1990. Atualmente, 95 % estÆ apropriado para lazer e recreaçªo, restando hoje as Æreas próximas às estaçıes de tratamento, que sªo interditadas por razıes de segurança. Os programas complementares O programa de balneabilidade, alØm de informar ao pœblico as condiçıes bacterio- lógicas da Ægua, serve ainda como indicaçªo de possíveis lançamentos clandestinos de esgotos. Esses dados sªo ava- liados semanalmente e, em caso de apresentarem algu- ma alteraçªo na qualidade da Ægua, entram em cena as equi- pes de pesquisa de ligaçªo clandestina. Por meio de mØtodos modernos de filma- gem e televisionamento, alØm de testes de fumaça e coran- te, identifica-se a origem do problema para que possam ser tomada as medidas neces- sÆrias para sua correçªo. Outras informaçıes rele- vantes a respeito do ecossis- tema do lago ParanoÆ vŒm sendo obtidas atravØs dos estudos sobre biomanipula- çªo. Esse projeto tem como objetivo o manejo da cadeia alimentar daquele ecossiste- ma, de maneira a auxiliar na melhoria da qualidade da Ægua. Os resultados aponta- ram a possibilidade de redu- zir a biomassa algal pela re- duçªo do aporte interno de fósforo, com o controle do estoque pesqueiro e/ou a in- troduçªo de peixes filtrado- res, como a carpa prateada (Starling, 1998). Isso tem le- vado a considerar a possibili- dade de liberar a pesca em grande escala (uso de tarrafas) no lago, como forma de reduzir o estoque pesqueiro, o qual encontra-se em fase de negociaçªo com o IBAMA. Conclusªo O uso de biotecnologia na recuperaçªo do Lago ParanoÆ tem sido fator relevante para que se alcancem os objetivos de tornar o lago mais œtil para a comunidade. As pesquisas efetuadas vªo desde o desenvolvi- mento de tecnologias de tratamento de esgo- tos, capazes de fazer com que pequenos microorganismos alterem seu padrªo meta- bólico e passem a absorver quantidades maiores de nutrientes que suas necessidades nutricionais, atØ a possível introduçªo de tØcnicas de biomanipulaçªo no reservatório. ReferŒncias 1. Altafin,I.G.;Mattos,S.P.; Cavalcanti, C.G.B.;Estuqui,V.R.(1995) Paranoa Lake - Limnology and Recovery Programm in Limnology in Brazil. 2. Anjos,E.F.; Borges,M.N.; Ferreira, V.P. (1991). Uso do solo e cargas de nutrien- tes na bacia hidrogrÆfica do lago Para- noÆ. Internat. Conf. On Eutrophication and Water Supply Brasília. 3. Bernhardt,H. (1982).Thoughts on using the results of of the OECD examination program in lake protection. IWSA Spec.Conf. in Eutrophication. 4. Pereira, C.E.B. e Cavalcanti, C.G.B. (1996) Lago ParanoÆ a caminho da recu- peraçªo. XXIII Encontro dos Serviços Municipais de `guas e Esgotos ASSE- MAE. 5. Sallas,H.J. e Martino,P.(1991). A simpli- fied phosphorus trophic state model for warm water tropical lake. Water Resear- ch, 25(3), 341-350 6. Starling,F.L.R.(1998) Development of biomanipulation strategies for the re- mediation of eutrophication problem in a urban reservoir lago ParanoÆ. Thesis of doctorate in the University of Stirling. Figura 4: Processo Phoredox. Figura 7: Lago ParanoÆ. Figura 5Concentraçªo de fósforo no lago Figura 6 Concentraçªo de clorofila no lago 32 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento
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