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O ACOMPANHANTE ESCOLAR DE ALUNOS COM AUTISMO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA JOÍSE DE BRUM BERTAZZO1 ELIANE BIANCHIN PEREIRA2 CARLO SCHMIDT3 Resumo: Este estudo teve o objetivo de identificar como vem sendo descrito na legislação brasileira o acompanhante escolar, ou seja, o profissional que atua apoiando a escolarização de alunos com Transtorno do Espectro do Autismo, para realizar uma reflexão crítica sobre este tema. Para responder ao objetivo realizou-se uma pesquisa documental de caráter qualitativo baseada nos documentos legais que o citam, como por exemplo, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação inclusiva, Lei nº 12.764/2012, Lei 13.146/2015, entre outros. A partir de uma análise descritiva constatou-se que os documentos legais apresentam redundância quando tratam do acompanhante escolar, além de não abordá-lo com a clareza necessária no que se refere a denominações e funções. Essa realidade aponta para a demanda de uma problematização persistente referente aos documentos legais sobre esse profissional para que as limitações que estes apresentam não permaneçam recorrentes em documentos futuros, bem como uma atenção a sua formação, de forma que a compreensão do seu papel seja clara e sua atuação venha a favorecer o movimento da inclusão, em vez de ter efeito contrário. Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Profissional de apoio. Acompanhante especializado. Modalidade de apresentação: Comunicação Oral Eixo temático: Serviços de apoio à escolarização inclusiva 1Educadora Especial, Especialista em Gestão Educacional e Mestra em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora substituta do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus Panambi. E- mail: joisebertazzo@gmail.com 2Acadêmica do Curso Superior de Licenciatura Plena em Educação Especial Noturno da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: elianebianchin2@gmail.com 3Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Educação Especial. E-mail: carlopsico3@gmail.com 1 INTRODUÇÃO O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é definido como um distúrbio do neurodesenvolvimento que se manifesta desde a infância por comprometimentos nas áreas sociocomunicativa e comportamental, sem etiologia definida (SCHMIDT, 2013), e que afeta cerca de um para cada 68 indivíduos (CDC, 2014) ao longo de toda vida, sendo seus sinais indicativos percebidos ainda nos primeiros anos da infância (APA, 2013). Tendo em vista os comprometimentos relativos ao transtorno, percebe-se a necessidade de adaptações curriculares e metodológicas que viabilizem a inclusão educacional desses alunos. Estudos nacionais apontam uma preocupação no que se refere a aprendizagem de alunos com TEA. Gomes e Mendes (2010) mostram que a porcentagem de alunos com TEA matriculados nas escolas regulares de Belo Horizonte que leem, escrevem, realizam contas e acompanham as atividades pedagógicas é significativamente baixa, ficando abaixo de 10%. Uma realidade similar foi descrita por Kubaski (2014), ao identificar que a escolarização de alunos com TEA na realidade de Santa Maria/RS mostra que a maioria desses alunos desenvolve atividades paralelas à turma por não conseguir acompanhar o mesmo nível de complexidade no trabalho realizado pelos colegas. Já as professoras regentes têm dificuldades em atender a demanda de todos os alunos de sua sala, mesmo nos casos de turmas relativamente pequenas quando um deles apresenta TEA. Nesses casos, é possível pressupor que a presença de um acompanhante escolar pode favorecer o processo inclusivo, não substituindo a atuação pedagógica docente, mas amenizando a sobrecarga dos professores ao compartilhar a implementação de estratégias em conjunto. A partir da lei 7612/2012, Lei de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, os alunos com TEA que tiverem necessidade comprovada passam a ter direito a um acompanhante especializado (BRASIL, 2012). Esse mesmo profissional recebe diferentes denominações em outros documentos legais (BERTAZZO, 2014). Por isso, a denominação que será utilizada ao longo desse trabalho para referir-se do profissional que acompanha alunos com TEA, englobando todos aqueles citados na legislação, independente da denominação que lhe é atribuída, será de acompanhante escolar. Por acompanhante escolar deve-se compreender o profissional que atua dentro da escola, acompanhando o aluno nas diferentes etapas escolares e tendo funções tanto com caráter assistencialista quanto pedagógico. Considerando-se as peculiaridades que envolvem a inclusão de alunos com TEA, incluindo as demandas pedagógicas específicas desse alunado e participação do acompanhante escolar nesse contexto, faz-se necessária uma reflexão a respeito da abordagem dos documentos legais a esse profissional e as funções que deve exercer no cenário escolar que se pretende inclusivo. 2 OBJETIVO E METODOLOGIA Tem-se como objetivo nesse estudo identificar como vem sendo descrito na legislação brasileira o acompanhante escolar, ou seja, o profissional que atua apoiando o processo de escolarização de alunos com TEA, para realizar uma reflexão crítica sobre este tema. Para tanto realizou-se uma pesquisa documental de caráter qualitativo (MINAYO, 2004). A pesquisa documental é compreendida como aquela que se utiliza de documentos como fonte de dados, tais como “jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais” (SEVERINO, 2007, p.122). Realizou-se uma análise descritiva de documentos legais, publicados pelo governo brasileiro através do Ministério da Educação e Cultura, que abordam a inclusão educacional, sendo selecionados aqueles que tratam do acompanhante escolar, independente da terminologia a ele atribuída. Os documentos legais considerados nesse estudo foram acessados através do sítio do Ministério da Educação e consistem em leis, políticas, decretos, resoluções e notas técnicas. Compreende-se que tal amostra representa as diretrizes nacionais para práticas educacionais. Portanto, as informações que trazem requerem atenção, pois balizam as mais variadas práticas no que tange ao contexto da inclusão de pessoas com deficiência. 3 RESULTADOS A discussão sobre a inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular está presente na política nacional brasileira desde a década de 1980, quando a Constituição Federal cita a educação como direito de todos e assegura a garantia do atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino, dando um caráter de complementaridade à Educação Especial (BRASIL, 1988). Logo, tem-se a Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), cujo artigo 58 cita que a Educação Especial deve ser oferecida para os alunos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino, oferecendo serviços de apoio educacional especializado para atender suas necessidades. Em seguida, a Resolução CNE/CEB 02/2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, trata no seu Art. 8º inciso IV, do apoio pedagógico especializado, realizado nas classes comuns, como uma das modalidades de atendimento especializado (BRASIL, 2001). Esse mesmo documento determina formação e funções necessárias ao que chama de “professor especializado”. Indica formação específica em Educação Especial, como formação inicial em cursos de Licenciatura em Educação Especial ou em uma de suas áreas para a atuação na educaçãoinfantil e séries iniciais do ensino fundamental. Já para a atuação nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio é exigida formação em nível de pós-graduação em Educação Especial ou áreas afins. Essa formação daria subsídios para o professor especializado identificar as necessidades educacionais especiais dos alunos e para “definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didático- pedagógicos e práticas alternativas adequados aos atendimentos das mesmas [...]” (BRASIL, 2001, p. 05). Um documento importante para a educação especial brasileira no contexto da inclusão é à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (BRASIL, 2008), que orienta a oferta da Educação Especial na rede pública de ensino. Essa política define o público alvo da Educação Especial como sendo os alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) e com deficiências sensorial ou intelectual, devendo eles receber atendimento suplementar ou complementar ao ensino regular no seu contra turno, através do Atendimento Educacional Especializado (AEE). O AEE, por sua vez, tem por objetivo, entre outros, conforme o Decreto nº 7.611/2011, “prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes” (BRASIL, 2011, p. 2). Esclarecendo sobre os profissionais que realizarão o AEE, a PNEEPEI os cita aqueles que tenham conhecimentos específicos sobre: Ensino da Língua Brasileira de Sinais, da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento de processos mentais superiores, dos programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros (BRASIL, 2008, p.17) Como forma de viabilizar uma melhor qualidade na participação dos sujeitos com deficiência ou AH/SD na vida escolar, diversos recursos são sugeridos pela PNEEPEI. Tais recursos são tanto de ordem material (Ex.: adaptação do espaço, materiais didáticos e pedagógicos), quanto recursos humanos, como pode ser visto na seguinte citação que atribui aos sistemas de ensino [...]ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia intérprete, bem como de monitor ou cuidador aos alunos com necessidade de apoio nas atividades de higiene, alimentação, locomoção, entre outras que exijam auxílio constante no cotidiano escolar (BRASIL, 2008, p.17). Instituindo as diretrizes operacionais para o AEE na educação básica, a Resolução nº 04/2009 considera que, para a oferta desse atendimento, as escolas devem prever, conforme Art. 10 desse documento, entre outros aspectos, “V - professores para o exercício da docência do AEE”, além de “VI - outros profissionais da educação: tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuem no apoio, principalmente às atividades de alimentação, higiene e locomoção” (BRASIL, 2009, p. 02). A partir disso, torna-se necessário ampliar a compreensão de quem é e que papel assume o acompanhante escolar, denominado no documento de monitor ou cuidador, para os alunos público alvo da Educação Especial. A Nota Técnica 19/2010, considerando marcos legais como a PNEEPEI e a Resolução CNE/CEB nº 04/2009, entre outros, trata desses profissionais como um serviço a ser ofertado pela educação especial a alunos com deficiência e TGDs, sendo denominados de profissionais de apoio e compreendidos como: aqueles necessários para a promoção da acessibilidade e para atendimento de necessidades específicas dos estudantes no âmbito da acessibilidade e para atendimento às comunicações a da atenção aos cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção. (BRASIL, 2010, p.1) Especificando a oferta desse serviço, a mesma Nota Técnica apresenta diferentes profissionais de apoio e menciona aspectos que devem ser considerados na sua atuação. O profissional tradutor e intérprete de Libras e também do guia-intérprete, destinado a alunos surdo-cegos, devem seguir a regulamentação própria. Já os profissionais de apoio às atividades de locomoção, higiene e alimentação atuarão junto aos alunos com deficiência que não realizam de forma independente essas atividades, em situações que se justificam pelo fato das suas necessidades não serem atendidas sob as mesmas condições destinadas aos demais estudantes. O acompanhante destina-se aos casos de alunos com histórico de segregação, devendo ser avaliada a possibilidade de retirada gradativa deste ao passo que as medidas que a escola deve adotar concomitantemente para favorecer o desenvolvimento dos processos pessoais, sociais e de autonomia forem surtindo efeito. Já os demais profissionais de apoio que atuam no âmbito geral da escola seja auxiliando na educação infantil, atividades desenvolvidas no pátio, na alimentação ou segurança devem ser orientados sobre como colaborarem no atendimento as necessidades educacionais específicas dos estudantes (BRASIL, 2010). Há uma ênfase da Nota Técnica 19/2010, ainda, sobre o que não é função do profissional de apoio, ficando claro que não cabe a ele desenvolver atividades educacionais diferenciadas e nem a responsabilização pelo ensino do aluno por ele atendido. Salienta-se que esse profissional deve atuar de forma integrada com o professor da sala de aula comum, bem como com o da sala de recursos multifuncionais (SRM) e outros profissionais da instituição onde atua. Ao final do documento percebe-se a ressalva de que cabe aos estabelecimentos de ensino a responsabilidade pelo provimento dos profissionais de apoio, não podendo nenhum custo ser destinado às famílias dos estudantes atendidos (BRASIL, 2010). Configurando num documento legal próprio para pessoas com TEA, em dezembro de 2012 entrou em vigor a Lei nº 12.764 que institui a Política Nacional dos Direitos das Pessoas com TEA. A partir dessa lei a pessoa com TEA passa a ser considerada pessoa com deficiência, cabendo-lhes, portanto, todos os direitos que as leis preveem para as pessoas com deficiência. No seu Art. 3º, parágrafo único, consta que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista, incluída nas classes comuns do ensino regular [...] terá direito a acompanhante especializado” (BRASIL, 2012, p.2). A mesma lei aconselha o “incentivo a formação e a capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com TEA, bem como a pais e responsáveis” (p.1). Para orientação aos sistemas de ensino para a implementação da Lei nº 12.764, em março de 2013 é promulgada a Nota Técnica nº 24/2013. Entre as diretrizes para o alcance do objetivo daquela lei retoma-se o incentivo à formação e capacitação de profissionais especializados para atendimento à pessoa com TEA. Ao mesmo tempo em que se observa a valorização da formação, a mesma nota contradiz essa necessidade ao citar que, mediante comprovada necessidade, o acompanhamento dos alunos com TEA deve ser realizado por “profissional de apoio”. Para esse profissional não são estabelecidos critérios de formação ou capacitação, podendo ele ter qualquer formação ou mesmo não ter formação alguma, tendo em vista as diferentes interpretações quepodem ser feitas sobre as funções que lhe cabem. Para melhor compreensão disso, destacam-se os aspectos apontados na Nota Técnica nº 24 como necessários de serem observados na oferta desse serviço: Destina-se aos estudantes que não realizam as atividades de alimentação, higiene, comunicação ou locomoção com autonomia e independência, possibilitando seu desenvolvimento pessoal e social; Justifica-se quando a necessidade específica do estudante não for atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes; Não é substitutivo à escolarização ou ao atendimento educacional especializado, mas articula-se às atividades da aula comum, da sala de recursos multifuncionais e demais atividades escolares; Deve ser periodicamente avaliado pela escola, juntamente com a família, quanto a sua efetividade e necessidade de continuidade. (BRASIL, 2013, p.04) Observa-se nessas considerações o mesmo conteúdo apresentado pela Nota Técnica 19/2010. Percebe-se, nesse sentido, que apesar da luta pelo atendimento adequado as especificidades do público com TEA, entre a promulgação da Lei e a orientação para sua implementação pode ser percebida uma diferença nas funções do profissional. Já o Decreto nº 8.368, que regulamenta a Lei nº 12.764, em seu Art. 4º, parágrafo segundo, apresenta o seguinte: Caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar [...] (BRASIL, 2014, p.02) Assim, novamente o termo “acompanhante especializado” é utilizado para denominar o acompanhante escolar, o que provoca uma confusão na compreensão dos papéis e atribuições deste profissional. Mais recentemente foi implementada a Lei 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Nesse documento observa-se a definição de três profissionais ou acompanhantes diferentes, bem como especificação sobre as funções que deve desempenhar: XII - atendente pessoal: pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; XIII - profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; XIV - acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal (BRASIL, 2015, p.3) Aparentemente houve uma preocupação em estabelecer quem deve exercer quais funções, possivelmente considerando-se a pouca clareza com que outros documentos legais especificam a atuação do acompanhante escolar. Nota-se, ainda, pelo apresentado no Estatuto, que o profissional de apoio escolar tem como funções aquelas relativas a atividades de vida autônoma e também de atuação em todas as atividades escolares que for necessário. Uma vez que os serviços de responsabilidade da educação especial perpassam todas as etapas de ensino, que a atuação do profissional descrito nessa lei também devendo dar-se dessa forma, além do estabelecido pela Nota Técnica 24/2013 (que considera como serviços da Educação Especial o AEE e o profissional de apoio) e pela Resolução 04/2009 (que cita tanto o professor do AEE, quanto ‘outros profissionais da educação’), compreende-se que o acompanhante escolar seja parte integrante da educação especial, cabendo, quando possível, ser orientado pelo profissional responsável pela oferta do AEE em cada instituição de ensino. Cabe destacar, dessa forma, que o serviço do profissional de apoio não é substitutivo à escolarização ou ao AEE, conforme a Nota Técnica 24/2013 (BRASIL, 2013, p. 4), sendo, ao invés disso, parte integrante do AEE. 4 DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Na análise dos documentos que compõe a amostra desse estudo há de se considerar que ocorre uma mescla de funções ou, mesmo, um redirecionamento destas de um documento legal para outro. Alterações de denominação também são comuns, inclusive em documentos complementares, como a Lei nº 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Autismo) e a Nota Técnica nº 24/2013, que orienta os sistemas de ensino para a implementação daquela. Outro ponto que precisa receber atenção quando se analisa a documentação legal referente a inclusão diz respeito a redundância de informações em documentos diferentes. Se pela Lei 12.764/2012 pessoas com TEA são consideradas pessoas com deficiência e passam a ter os mesmos direitos assegurados que cabem a todas as pessoas com deficiência, não parece necessário num documento destinado exclusivamente a pessoas com TEA constarem as mesmas especificações que já constam num documento destinado as pessoas com deficiência. Essa redundância, convivendo com regras que as contrariam, favorecem as múltiplas interpretações legais por parte daqueles responsáveis pela implementação das normas. Apesar da literatura estar indicando que a necessidade principal dos estudantes com TEA não está centrada sobre atividades relacionadas a cuidados e sim à aprendizagem (TARTUCI, 2011; FREITAS, 2013; MOUSINHO et al., 2010; CUNHA et al., 2012), há que se considerar as especificações legais que, a partir de uma análise cuidadosa, não deixam margem para que se interprete como o mesmo profissional o acompanhante escolar e o professor de AEE. A Resolução nº 04/2009 que cita esses dois profissionais atrelados a um mesmo serviço, o AEE, consiste num documento que pode balizar a diferenciação entre ambos. Ademais, a Nota Técnica 19/2010 especifica que não cabe ao acompanhante escolar desenvolver atividades educacionais diferenciadas e nem a responsabilização pelo ensino do aluno por ele atendido. Assim estabelece sem deixar margens para dúvida que aspectos pedagógicos não cabem ao acompanhante. Apoiar o aluno com TEA em atividades escolares, mesmo que sejam aquelas desenvolvidas em sala de aula, tanto no contexto do ensino regular, quanto do AEE, não significa assumir funções pedagógicas, o que é esclarecido pela legislação como responsabilidade docente. Contudo, a legislação educacional brasileira não tem um histórico que propicie a compreensão clara sobre aspectos como formação, denominações e funções do acompanhante escolar, e, por consistirem nas normas e aconselhamentos que orientam as práticas educacionais de forma que sejam práticas inclusivas, precisam ser pensadas sob uma ótica de problematização. Embora a legislação voltada a inclusão de alunos com deficiência não dê a devida importância ao profissional em questão, pois não tece amplas discussões referentes ao desenvolvimento de seu trabalho ou formação, se faz urgente a reflexão sobre esse profissional, tendo em vista que suas ações devem favorecer a inclusão. Considerando o público a que se destina, a formação do acompanhante precisa ser devidamente considerada, pois disso depende o trabalho em relação à autonomia da criança, para que sua atuação possa ser gradativamente reduzida até o ponto em que o aluno consiga o máximo possível de atuaçãoautônoma no contexto escolar. Da mesma forma os professores regentes das salas onde há alunos com deficiência incluídos precisam de capacitação, o que já está prescrito desde 2001, pela Resolução CNE/CEB Nº 02/2001. Ainda, os professores responsáveis pela oferta do AEE requerem investimento na sua formação a respeito do TEA para que tenham condições de orientar os acompanhantes escolares. Caso contrário, um recurso que poderia facilitar o processo de inclusão pode, também, conforme a configuração que assumir, favorecer a exclusão do sujeito acompanhado, mantendo seu isolamento dentro das instituições que teoricamente são inclusivas. A atuação do acompanhante escolar não pode ser compreendida como uma medida paliativa adotada para reduzir as dificuldades das instituições de ensino que se veem obrigadas a incluir. Precisa ser compreendida como um serviço que soma em termos de estratégias para o favorecimento da permanência e aproveitamento das experiências escolares por parte do aluno incluído. O papel da escola não se desvincula da aprendizagem e construção do conhecimento por parte de seus alunos. Sendo assim, as estratégias movimentadas pela gestão educacional no âmbito macro precisam estar calcadas sobre a consideração de que incluir não significa matricular e fazer estar dentro das instituições de ensino regulares. Só assim pode se esperar que no âmbito micro da gestão, no que se compreende a organização das escolas em busca do desenvolvimento e aprendizagem de seus alunos, as ações estejam alinhadas as propostas e ideais presentes nos documentos legais. REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. DSM-5: Diagnostic and statistical manual of mental disorders. Washington: American Psychiatric Association. Porto alegre: Artmed. 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 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