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01 historia rev2

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golpes e
Constituintes,
Constituições
Os caminhos e descaminhos da formação constitucional do Brasil desde o período colonial
adrianO pilatti
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saga constituinte e constitucional brasileira recobre formalmente os 
dois últimos dos cinco séculos de tormentosa formação do próprio 
país, de sua gente, de seu Estado. Ao todo, foram oito codificações supre-
mas: quatro Cartas impostas pelas forças minoritárias dominantes; qua-
tro Constituições formalmente legítimas, nascidas de Constituintes 
com legitimidade variável. Ao todo, foram cinco Constituintes legíti-
mas, a primeira das quais foi a única monárquica, e também a única 
dissolvida à força antes de terminar sua obra. Seguiram-se quatro Cons-
tituintes republicanas, sendo três congressuais e uma exclusiva, de le-
gitimidade crescente no tempo – ao menos do ponto de vista quantita-
tivo, por força do progressivo alargamento do corpo eleitoral. Duas Car-
tas foram impostas pelo chefe de Governo do momento. Uma Carta foi 
outorgada sob o disfarce da homologação, por um Congresso submisso 
e ilegítimo, do projeto imposto pelo chefe de Governo. Uma controver-
sa sétima Carta foi imposta por uma junta militar no curso de um gol-
pe dentro de outro. Em 191 anos de vida independente, o bom povo bra-
sileiro teve menos de cinquenta anos de vida democrática efetiva.
Nesse quadro, a Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988 é a ben-
fazeja “anomalia”. Nasceu de uma Constituinte razoavelmente legíti-
ma, que mais legítima se tornou ao sofrer o influxo de (e ao se abrir 
para) um processo amplo e inédito de participação e pressão populares. Ela 
“rege” há 25 anos um sistema democrático que não sofreu nenhuma ameaça 
de interrupção, ao contrário de todos os anteriores (e mais breves). Ao contrá-
rio, a Constituição de 1988 estrutura juridicamente um regime político em 
que tem sido constante o alargamento dos direitos e das formas de ação de-
mocrática, como o recente ciclo de “levantes” demonstra. Sua existência é, ao 
mesmo tempo, o sinal de ingresso da participação popular organizada nos 
processos decisórios formais e o ponto de partida no processo de afirmação 
de um poder constituinte efetiva e finalmente popular entre nós. Ela rompeu 
uma triste tradição, abriu horizontes e forneceu novos instrumentos formais 
para as lutas por direitos no Brasil. Mas conserva, em seus conteúdos e na sua 
forma, as marcas do passado de que proveio. Também aqui o passado ajuda a 
 A fuga da
 família real
 para o Brasil:
 oportunidade
 para o início
 da formação
constitucional
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compreender o presente e, por isso, o “voo panorâmico” 
que se segue pode ser de alguma utilidade para a ade-
quada intelecção das virtudes e dos limites do sistema 
constitucional que hoje temos, e que nossa tormento-
sa formação constitucional nos legou.
A breve síntese aqui apresentada se estrutura a partir 
de uma perspectiva constituinte ex parte populi, do pon-
to de vista da cidadania. Procura enfocar nossos diversos 
processos constituintes e sistemas constitucionais com 
um olhar da “planície” para a “montanha”, mesmo na-
queles contextos em que um poder constituinte verda-
deiramente popular não encontrou forças nem formas de expressão. Confron-
ta, portanto, a inercial tendência autoritária e autocentrada das elites dirigen-
tes que, ao longo dos séculos, têm procurado controlar “pelo alto” os aconteci-
mentos políticos e institucionais do país. E tenta identificar, em meio aos di-
ques e às barreiras postos pelo persistente conservadorismo das elites dirigen-
tes nacionais, as brechas pelas quais os movimentos constituintes progressistas, 
originados “de baixo”, têm buscado afirmar sua capacidade de resistência e ex-
pansão, em busca da constituição de “um outro Brasil possível”.
A estruturação das instituições políticas e administra-
tivas do Reino de Portugal na colônia brasileira obedeceu 
ao sentido alienante de tal projeto. Tais instituições fo-
ram as bases do que depois se tornou o Estado brasileiro. 
Na verdade e ao contrário do que se deu em geral na Eu-
ropa, os braços coloniais do Estado português foram es-
truturados aqui antes que tivéssemos propriamente uma 
“sociedade”. A máquina colonial é que foi, aos trancos e 
barrancos, transformando as gentes aqui viventes em um 
“povo”, um povo que tem por nome uma ocupação: brasi-
leiro era quem trabalhava na extração e exportação do 
pau-brasil. Com isso, o domínio colonial impôs à nossa 
gente as formas deformantes da sujeição e da exploração 
selvagem do trabalho servil.
Aí está o primeiro dado relevante: o escravismo. A sub-
jugação violentíssima dos povos negros e indígenas deixou 
marcas indeléveis que até hoje não foram superadas, como 
se pode perceber no padrão secular de violência – “comum”, 
política e sexual – contra os “de baixo” que, a muito custo, 
ainda tentamos superar. Entre nós, a escravidão fez do tra-
balho produtivo pouco mais do que a originária tortura (a 
palavra trabalho vem do termo latino trepalium, instrumen-
to de suplício). Privou o trabalho de qualquer resquício de 
oportunidade para satisfação de necessidades dos traba-
lhadores, construção de autonomia, redenção, etc. Ao con-
trário, sobretudo o trabalho braçal foi, ao longo dos sécu-
los, sinônimo cru de danação, humilhação, cativeiro, me-
noridade. O quadro dantesco se agrava quando consideramos a dupla sujeição 
das mulheres escravizadas: além da exploração do trabalho, foram reduzidas à 
condição de “pasto” para saciar as pulsões lúbricas e perversamente violentas 
de seus amos. Daí, talvez, a enorme e recorrente dificuldade dos setores patro-
nais em compreender os trabalhadores como sujeitos de direito – como as rea-
ções hostis à proteção dos trabalhadores domésticos recentemente demonstra-
ram. Daí, talvez, o padrão selvagem de violência contra as mulheres, sobretudo 
as pobres e marginalizadas, que até hoje testemunhamos.
Dado que, em sistemas escravistas, os trabalhadores servis são classifica-
dos como “coisas” e não como cidadãos portadores de direitos, inclusive polí-
ticos, o escravismo restringiu fortemente o universo do demos reconhecido 
como partícipe nas decisões da polis. Tal exclusão produziu, para dizer o mí-
nimo, um “déficit de legitimidade” que contaminou toda a fase monárquica 
 A ordem colonial e seu
legado problemático
Brasileiro: aquele que explora o pau-brasil
Os mais de três séculos de experiência colonial condicionaram intensamente 
nossa formação constitucional. Sobretudo se tomarmos em boa conta o que Caio 
Prado Jr. chamou de “o sentido da colonização” portuguesa neste vasto territó-
rio que, aos poucos, foi se chamando e se tornando o Brasil que hoje conhece-
mos. Um projeto colonial pensado desde a metrópole portuguesa e para ela, no 
qual a terra brasileira e sua gente eram compreendidas tão somente como ob-
jeto de domínio e exploração, como parte subalterna, ainda que preciosa, de um 
empreendimento transcontinental de predação.
O Correio Braziliense, 
primeiro jornal brasileiro, 
editado em Londres por José 
Hipólito da Costa
As Cartas Chilenas, 
de Tomás Antônio 
Gonzaga: poemas 
satíricos contra a 
ordem colonial e 
marco do exercício 
da liberdade de 
expressão
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de nossa vida independente e, prosseguindo por outros meios, prolongou-se 
até pelo menos o fim da República Velha. O início efetivo do ingresso das mas-
sas trabalhadoras na arena política, impulsionado pelas lutas constituintes 
dos despossuídos e marginalizados em geral, somente veio a ocorrera partir 
da Revolução de 1930. E ainda assim aos poucos, com grandes “intervalos” de 
retrocesso, até chegar ao promissor patamar de 1988.
À subjugação das gentes correspondeu a construção do domínio patriarcal, 
articulado com as linhas de força – políticas, administrativas e clericais – da 
estrutura de dominação colonial. As concessões e as conquistas de terras trans-
formaram os senhores agrários em verdadeiros potentados locais, cujos pri-
vilégios abrangiam, sem nítida distinção, prerrogativas que hoje costumamos 
definir como direitos privados, de um lado, e atribuições públicas, de outro. 
Tudo somado, afirmaram-se ao longo dos séculos como “senhores da vida e da 
morte” nos territórios recortados por suas cercas e porteiras. Controlavam a 
produção, as armas e as gentes nos seus domínios, espalhados pela vastidão 
do território da Colônia. Mas seu poder econômico era contrastado e em gran-
de medida subordinado pelo poder da classe comercial, exclusivamente por-
tuguesa, senhora dos fluxos financeiros e de mercadorias, aí incluídos os es-
cravos. As contradições entre um bloco oligárquico e outro cresceriam de mo-
do a formar o caldo nativista que nutriu a Independência. A completar o pa-
norama, os trabalhadores “livres” e os eventuais, toda uma população urba-
na comprimida no estreito espaço entre a base servil e a 
cúpula oligárquica, constrangida a variadas formas de 
clientelismo em um horizonte em que o trabalho, desva-
lorizado pelo regime escravo, não oferecia perspectivas 
de construção e de autonomia e prosperidade, e pouco se 
distinguia da degradação.
Não é trivial entender a organização “estatal” da Colô-
nia em um horizonte espaço-temporal em que “público” e 
“privado” não encontravam nítida separação, em que a Igre-
ja era departamento do Estado e a condição de “súdito” se 
confundia com a de “crente”, em que as noções modernas 
e contemporâneas de “distinção de funções” e “separação 
de poderes” ainda estavam apenas começando a se deline-
ar em todo o mundo ocidental, tanto na teoria como na prá-
tica. Grosso modo, simplesmente transplantou-se para 
o novo território, com rara preocupação de adaptação ao 
novo contexto, a Babel de estruturas burocráticas concebi-
das – e implantadas – na metrópole portuguesa, na forma 
do célebre Almanaque de Lisboa. E tudo isso sem as preo-
cupações de racionalização, simetria, uni-
dade e coerência que caracterizariam, sé-
culos adiante, os sistemas jurídicos e as 
administrações públicas modernas e con-
temporâneas. Apenas um ponto sobressaía 
com insofismável nitidez: o status políti-
co-econômico soberano do rei de Portugal, 
“supremo dispensador e regulador”. E, abai-
xo dele, o todo-poderoso Conselho Ultra-
marino, que superintendia o “negócio do 
Brasil” e em tudo interferia.
Com efeito, a “legislação” administrati-
va colonial era um verdadeiro “cipoal de 
casuísmos”, em que se amontoavam com 
frequência, contraditoriamente, Ordena-
ções codificadas, leis extravagantes, Car-
tas régias, alvarás, contratos de concessão, 
etc. O ideal de um “direito certo”, a segu-
rança jurídica que nasce de saber qual a 
norma efetivamente aplicável ao caso, a 
lei como instrumento de contenção de po-
der e garantia de direitos – tudo isto era 
ainda desconhecido, e a parafernália normativa servia apenas para garantir 
o domínio reinol. Vem desses tempos a crônica distância entre o “legal” e o 
“real”, a norma e a prática, a vigência formal e a efetividade concreta, o des-
prezo à lei, que ainda hoje se prolonga.
Na Colônia, as capitanias eram as maiores unidades territoriais “adminis-
trativas” (administração, legislação e jurisdição se confundiam; o Direito era, 
sobretudo, Direito Administrativo). Elas se dividiam em comarcas, que, à sua 
vez, se dividiam em termos (correspondentes às cidades e vilas), estes, em fre-
guesias (correspondentes às paróquias católicas), estas, em bairros. Em cada 
capitania a autoridade “maior” – subordinada ao Reino e concorrendo com 
outros órgãos reinóis – cabia ao governador (“capitão-general” nas mais im-
portantes), chefe militar e administrativo, que presidia também as Relações, 
órgãos jurisdicionais e administrativos. Dadas a distância e a morosidade das 
instituições metropolitanas, o poder efetivo do governador era muito amplo, 
mas sempre subordinado à Metrópole, e limitado pela existência de órgãos 
especiais diretamente ligados a ela, como as Intendências do Ouro e dos Dia-
mantes. O governador era o comandante supremo das forças militares: as “tro-
pas de linha”, que eram as forças regulares; as “milícias”, forças auxiliares 
Acima, a imagem de Debret 
do Rio de Janeiro à época 
da aceitação provisória da 
Constituição de Lisboa; e o 
Largo do Rocio em 1925, por 
Jacques Arago, ao lado
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organizadas em cada freguesia e comandadas por oficiais escolhidos pelo “po-
vo”; e as “ordenanças”, organizadas em cada termo, integradas por todos os 
homens entre 18 e 60 anos e comandadas por um capitão-mor, em geral, o se-
nhor patriarcal mais poderoso do local. Isto somava, ao poderio econômico, o 
poder militar-disciplinar, o que reforçava a hierarquização e a estratificação 
sociais, estendendo o domínio e o controle do poder colonial sobre virtual-
mente toda a população.
Em cada comarca, havia um ouvidor, misto de juiz superior com fiscal da 
administração. Nomeados pelo rei, os ouvidores integravam as Relações. Na 
instância inferior, havia juízes “de fora” ou ordinários. O juiz de fora era tam-
bém nomeado pelo rei e o juiz ordinário era eleito, cabendo-lhes presidir o Se-
nado da Câmara de cada termo, vila ou cidade. Também um órgão de atribui-
ções híbridas, o Senado da Câmara, era composto pelo juiz de fora ou ordiná-
rio, vereadores e procurador eleitos. Com amplas atribuições de caráter local, 
mas sob o controle do governador e do respectivo ouvidor, ao Senado da Câ-
mara cabia a nomeação dos oficiais da administração e dos juízes vintená-
rios, com jurisdição de “pequenas causas” nas freguesias. Nos assuntos mais 
importantes, o Senado da Câmara convocava o “povo” – os “homens bons” da 
elite econômica – para discutir e deliberar em conjunto com os representantes. 
Além dessas estruturas, havia toda uma série de juntas, juízos e tribunais espe-
ciais que partilhavam a gestão 
da Colônia. A arrecadação de 
tributos era privatizada. 
Um importante braço da 
administração colonial era a 
Igreja Católica. A instituição 
do “Padroado” subordinava ao 
rei de Portugal as atividades 
eclesiásticas nas colônias, con-
ferindo-lhe até mesmo os po-
deres de criar bispados, no-
mear os bispos e decidir sobre 
a construção de igrejas, con-
ventos e mosteiros, com a contrapartida de subvencionar o clero. As autorida-
des ecle siásticas tinham jurisdição sobre questões de casamento, família e tes-
tamentos; o nascimento das pessoas se atestava pela certidão de batismo, e o 
anátema religioso equivalia ao banimento social. Sua jurisdição nesses assun-
tos e sobre “pecado” estendia o alcance do poder colonial à vida privada das 
pessoas. Todos os assuntos religiosos estavam sujeitos ao controle da Mesa de 
Cons ciência e Ordens da Metrópole. 
Não faltaram, na era colonial, manifestações de resistência dos oprimidos e 
excluídos, ensaios de afirmação de um poder constituinte “popular”, ainda que 
sempre frustrados. Os mais relevantes exemplos foram a resistência indígena, 
que tem como marco a Confederação dos Tamoios; as fugas dos escravos negros 
e a construção de autonomia por meio dos quilombos, de que a formidável ex-
periência de Palmares foi o ponto alto; os projetos revolucionários gestados por 
elites locais, como na Conjuração Mineira de 1789 e na Revolução Pernambu-
cana de 1817. Nestas últimas, vale notar, o proselitismo e o ideário liberaldos in-
surgentes já punham em causa a luta pela liberdade de expressão – e por meio 
dela. Precedendo a conspiração de Vila Rica, circularam clandestinamente sob 
o pseudônimo de Critilo as Cartas Chilenas, poemas satíricos escritos pelo incon-
fidente Tomás Antonio Gonzaga, que criticavam a ordem colonial e constituí-
ram um marco do exercício de liberdade da expressão como forma de resistên-
cia em contextos de opressão.
O esgotamento do ciclo do ouro e a crise na exportação do açúcar, a desor-
dem e a burocratização administrativas, os conflitos econômicos entre os pro-
prietários rurais brasileiros e os comerciantes portugueses, a insatisfação dos 
homens “livres” diante da falta de oportunidades, tudo isto criou o caldo de 
cultura da luta pela Independência. Os conflitos europeus, ao forçar a fuga da 
família real portuguesa para o Brasil, forneceriam a oportunidade para a rup-
tura e o início da experiência constitucional formal brasileira. 
Cena da Corte de Dom 
João VI instalada no 
Brasil: a cerimônia 
do beija-mão
Esgotamento do ouro,
crise na exportação
de açúcar, desordem
administrativa,
conflitos entre
proprietários rurais
e comerciantes:
o caldo de cultura
para a luta pela
Independência
No alto, a apresentação da 
Carta Constitucional aos 
brasileiros; e, embaixo, 
o lançamento do manifesto 
republicano por Quintino 
Bocaiuva
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A transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808 precipitou os fatos. 
Estruturou-se aqui a burocracia estatal própria de um poder central, inflada pe-
la necessidade de garantir postos aos “amigos do rei” com ele emigrados (em 
torno de 15 mil). Com a “abertura dos portos às nações amigas” – leia-se Ingla-
terra –, as relações comerciais com o Império Britânico e a presença de comer-
ciantes ingleses tornaram-se diretas, suprimindo a anterior mediação da bur-
guesia comercial da Metrópole. Isto gerou por lá descontentamentos que se afir-
mariam com a Revolução do Porto em 1820. Para além das insatisfações gera-
das entre os cariocas pela “invasão” do gigantesco séquito dos Bragança e as ex-
propriações residenciais decorrentes de sua instalação, acirraram-se as antigas 
contradições entre senhores rurais e contingentes urbanos nativos, de um la-
do, e a elite comercial, militar e burocrática portuguesa, de outro. Após a Revo-
lução do Porto, deu-se a convocação das Cortes Extraordinárias e Constituintes 
da Nação Portuguesa, às quais o Brasil enviou representantes. Sem capacidade 
efetiva de influenciar as deliberações da Constituinte metropolitana, a repre-
sentação brasileira viu afirmarem-se ali os interesses da burguesia comercial 
lusitana em restabelecer o sistema colonial, contra as pretensões autonomis-
tas das elites econômicas de cá.
Em 16 de fevereiro de 1822, atendendo a uma reinvindicação dos paulistas ar-
ticulados por José Bonifácio de Andrada e Silva, o Príncipe Regente editou de-
creto criando o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias, de caráter ba-
sicamente consultivo, primeiro passo para a estruturação de um governo repre-
sentativo. Em 23 de maio, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro enviou repre-
sentação a D. Pedro, na qual denunciava o domínio colonial e a tentativa de seu 
restabelecimento pelas Cortes de Lisboa e solicitava, afinal, a convocação de 
uma Assembleia Geral das Províncias do Reino. Em 3 de junho, antes mesmo da 
formalização da Independência a 7 de setembro, o Regente editou decreto con-
vocando uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de Deputados das 
Províncias do Brasil.
A Carta de 1824 
e a ordem imperial
O Regente convoca a primeira 
Assembleia Constituinte
A aclamação de D. Pedro 
Imperador do Brasil, no Campo de 
Santana, ao lado; e a alegoria 
do juramento do monarca à 
Constituição de 1824, acima
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Em 19 de junho, as Instruções firmadas pelo ministro 
do Império (a quem cabia a gestão da política interna), 
José Bonifácio, estabeleceram as regras para a eleição dos 
membros da primeira Constituinte brasileira. O sistema 
adotado era indireto: coube aos reconhecidos como “ci-
dadãos” escolher em cada freguesia os “eleitores” e, a es-
tes, eleger os deputados de cada província. Foram consi-
derados cidadãos os homens solteiros maiores de 20 anos 
e os casados, desde que residentes na freguesia há pelo 
menos um ano. Foram excluídos do voto os trabalhado-
res assalariados, com exceção dos “guarda-livros e pri-
meiros caixeiros das casas de comércio”, dos criados su-
periores da Casa Real, dos administradores de fazendas e 
fábricas – ou seja, os agentes de confiança dos potentados 
políticos e econômicos. Para ser eleito “eleitor” ou depu-
tado, além dos requisitos exigidos aos cidadãos, o candi-
dato precisava ter 25 anos, quatro de domicílio na provín-
cia. As cem vagas de deputados foram distribuídas pelas 
províncias em número variável de um a vinte. Oitenta 
constituintes foram efetivamente empossados: a maior 
bancada era a mineira (20 deputados) e seguiam a per-
nambucana (13), a baiana (11) e a paulista (9).
Antes mesmo de a Constituinte ser instalada em 3 de 
maio de 1823 sob a Presidência do Bispo Capelão-Mor do Rio de Janeiro, D. Jo-
sé da Silva Coutinho, o Regente tornado Imperador já pusera sob condição a 
sua aceitação da obra constitucional. Em 1º de dezembro de 1822, no discurso 
de coroação, afirmara: “Juro defender a Constituição que está para ser feita, 
se for digna do Brasil e de mim”. Durante a Fala do Trono perante a Consti-
tuinte no dia de sua instalação, Pedro I, após criticar o constitucionalismo re-
volucionário francês e sua influência sobre os constitucionalismos ibéricos, 
renovou a advertência: “Espero que a Constituição que façais mereça minha 
imperial aceitação”. 
Ao mesmo tempo órgão constituinte e legislativo, a Assembleia organizou-
-se em comissões permanentes e a elaboração do projeto de Constituição foi 
atribuída a uma Comissão de Constituição integrada por sete membros, incluí-
dos os irmãos Andrada, que então acumulavam postos ministeriais, o que era 
permitido. José Bonifácio era virtualmente um “primeiro-ministro”; coube a 
Antônio Carlos, revolucionário em 1817 e constituinte no Porto, a redação do an-
teprojeto de que resultou o Projeto da Comissão. O contraste entre os consti-
tuintes liberais, que desejavam uma monarquia com separação de poderes, e os 
conservadores articulados com o “partido português”, que apoiavam as preten-
sões autocráticas do Imperador, bem como a tensão entre este e a Assembleia 
cedo começaram a se avolumar. Com a queda do Ministério dos Andrada em ju-
lho e a permanência dos irmãos na Constituinte, a ala liberal fortaleceu-se. Em 
agosto, uma portaria ministerial que determinava a incorporação ao Exército 
brasileiro de oficiais e soldados portugueses que haviam lutado contra a Inde-
pendência na Bahia produziu novo desgaste nas relações entre Constituinte e 
Trono. Um pretexto prosaico – em que se refletia, porém, um conflito entre li-
berdade de expressão e autoritarismo – forneceu o atalho para o desenlace.
Na sessão de 6 de novembro de 1823, foi lido um requerimento do boticá-
rio David Pamplona Corte Real. Comunicava ele à Constituinte que fora agre-
dido por oficiais portugueses que suspeitavam ser ele, o boticário da Rua da 
Carioca, o “Brasileiro Resoluto”, pseudônimo com que eram “assinados” pan-
fletos contra os lusitanos. Requeria então à Constituinte que adotasse provi-
dências em defesa dos cidadãos brasileiros. Em 10 de novembro, foram discu-
tidos um projeto relativo à liberdade de imprensa e orequerimento de Pam-
plona, com a ala liberal a defender que os agressores do boticário fossem ex-
pulsos do país. Naquela noite, as tropas imperiais começaram a se movimen-
tar pela cidade.
Na sessão de 11 de novembro de 1823, quando se discutia, com a presença 
de muitos populares exaltados no recinto, um requerimento de explicações 
ao Imperador sobre as movimentações de tropas, chegou à Constituinte um 
ofício ministerial que as confirmava e dava conta das queixas que o Impera-
dor recebera de oficiais portugueses. Estes responsabilizavam “certos redato-
res de periódicos” pelas ofensas dirigidas a eles e ao próprio Imperador. A Cons-
tituinte enviou então expediente ao Imperador solicitando que identificasse 
ofensores e ofendidos e sugerisse medidas legislativas pertinentes, declaran-
do-se em sessão permanente até receber a resposta. Já era noite quando a res-
posta chegou. Ela identificava os jornais Sentinela da Praia Grande e Tamoio co-
mo veiculadores das ofensas e acusava os irmãos constituintes Andrada de 
influenciar o primeiro e de redigir o segundo. Já na madrugada de 12 de no-
vembro de 1823, a Constituinte convocou o novo ministro do Império, Villela 
Barbosa, a prestar esclarecimentos sobre os fatos em curso. No final da ma-
nhã, este compareceu, recusou-se a entrar no Plenário sem a espada e suas 
respostas aos constituintes insinuaram o desfecho: do lado de fora, as tropas 
imperiais cercavam a Constituinte para consumar o cumprimento do decre-
to imperial de dissolução da Assembleia.
Na Proclamação de 13 de novembro de 1823, em que justificava a dissolução, 
Pedro I afirmara que uma nova Constituinte seria convocada, mas não o fez. Em 
decreto do mesmo dia, criou um Conselho de Estado, formado por oito ex-cons-
Acima, em tela 
de Georgina Albuquerque, 
sessão do conselho de 
Estado presidido pela 
princesa Leopoldina; 
e, ao lado, o juramento 
de D. Pedro à Constituição, 
com a princesa Maria 
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tituintes e mais dois ex-mi-
nistros, a quem coube de fa-
to redigir o projeto de que 
resultaria a Carta imperial. 
O Conselho trabalhou a par-
tir de dois textos: um ante-
projeto encaminhado pelo 
Imperador e o Projeto An-
tônio Carlos da Constituin-
te. O principal redator foi o 
ex-constituinte e ex-minis-
tro José Joaquim Carneiro 
de Campos, futuro Marquês 
de Caravelas. No texto-base 
de Antônio Carlos, o Conse-
lho de Estado enxertou o Po-
der Moderador, inspirado no modelo concebido por Benjamin Constant, deslo-
cando o texto da órbita do constitucionalismo liberal para o absolutismo da 
Restauração Francesa.
Outorgada em 25 de março de 1824, a Constituição Política do Império do Bra-
sil foi a mais longeva lei fundamental brasileira: sua vigência estendeu-se até 
15 de novembro 1889. Foi a única a adotar a forma unitária de Estado, o Estado 
confessional, a forma monárquica de governo, a tetrapartição de poderes com 
Poder Moderador e Senado vitalício. Foi também a única de caráter semirrígi-
do no que se refere à reforma do próprio texto: os conteúdos relativos aos pode-
res políticos e aos direitos políticos e individuais eram dotados de rigidez for-
mal e somente podiam ser alterados mediante procedimento mais complexo e 
difícil; já os demais conteúdos poderiam ser alterados na forma do processo le-
gislativo ordinário, sendo portanto flexíveis.
O Império era territorialmente dividido em províncias, sob o firme controle 
do poder central. Cada província era governada por um presidente, de livre no-
meação e demissão pelo Imperador. Contava ainda com um Conselho Geral, ór-
gão representativo e consultivo eleito indiretamente, cujas resoluções deviam 
ser submetidas, como projetos, ao Imperador e à Assembleia Geral do Império 
para aprovação. Foi constitucionalizada a existência das Câmaras Municipais, 
de longa tradição.
A religião Católica Apostólica Romana foi mantida como “Religião do Impé-
rio” e permitido apenas o culto doméstico das demais, que eram proibidas de 
erigir templos. Professar a “Religião do Estado” era condição de elegibilidade 
para os cargos de membros dos conselhos provinciais, deputados e senadores. 
Com a preservação do Padroado, a Igreja manteve suas atribuições e jurisdições 
públicas e o Imperador conservou o poder de nomear bispos e homologar os 
atos da Santa Sé, para que tivessem vigência no país.
A Carta de 1824 adotava uma forma de governo que definia como “Monárqui-
co, Hereditário, Constitucional e Representativo”. Declarava imperante a dinas-
tia de Pedro I, dispunha sobre a ordem e a linha de sucessão, regulava a regên-
cia durante a menoridade e o impedimento do Imperador por impossibilidade 
“física ou moral” de governar. Atribuía ao Estado os ônus de: adquirir imóveis e 
construir palácios “para a decência e recreio do Imperador e sua família”; ga-
rantir uma dotação financeira reajustável ao casal imperial, “correspondente 
ao decoro de sua alta dignidade”; prover os alimentos dos príncipes desde o nas-
cimento, remunerar seus professores e fornecer os dotes das princesas. O Te-
souro Público devia entregar os respectivos recursos ao “mordomo” do Paço, no-
meado pelo Imperador para a gestão dos mesmos. Constitucionalizava-se a 
“mordomia” no Brasil.
Formalmente, a Carta de 1824 homenageava a “divisão e harmonia dos Po-
deres Políticos” como “princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos”. Todos 
os quatro poderes – Legislativo, Moderador, Executivo e Judicial – eram decla-
rados “delegações da nação”, e o Imperador e a Assembleia Geral eram defini-
dos como os representantes desta. Porém, sendo o Imperador titular de dois des-
ses quatro poderes – o Moderador e o Executivo –, encontrava, nas atribuições 
destes, meios suficientes para interferir no exercício das funções dos outros dois 
e tornar-se hegemônico. A “tetrapartição” imperial mostra que, às vezes, o que 
formalmente parece mais, na verdade é menos: quadro poderes, um só sobera-
no – absolutismo constitucionalizado.
Ao dispor sobre o Poder Moderador, a Carta de 1824 utilizava as palavras do teó-
rico da Restauração Francesa, Benjamin Constant, para defini-lo como “a chave 
de toda a organização política” e atribuí-lo ao Imperador na condição de “Chefe 
Supremo da Nação e seu Primeiro Representante”. Como seu titular, o Imperador 
era considerado inviolável e insuscetível de responsabilização. Eram suas prerro-
gativas: nomear os senadores a partir das listas tríplices resultantes das respec-
tivas eleições; convocar extraordinariamente, prorrogar, adiar e dissolver a Câ-
mara dos Deputados e antecipar as respectivas eleições; sancionar e vetar os pro-
jetos de lei aprovados pela Assembleia Geral, aprovar e suspender as resoluções 
dos conselhos provinciais; nomear e demitir livremente os ministros de Estado; 
suspender os juízes, reduzir penas impostas a condenados, conceder anistia e in-
dulto. Já como titular do Poder Executivo, cabia-lhe a direção da política externa 
e da administração interna, a homologação dos atos eclesiásticos e a nomeação 
de bispos, magistrados, comandantes militares, embaixadores e servidores civis. 
Eram poderes suficientes para manter os demais sob controle.
Junta em Pernambuco, 
em 1824, durante 
o movimento 
absolutista da 
Confederação do 
Equador: a liberdade 
não podia ser 
restringida
Frei Caneca, autor das Bases 
para a Formação do Pacto Social 
da Confederação do Equador
na carta de 1824, 
o poder Moderador 
era “a chave de 
toda a organização 
política” e o 
imperador, inviolável 
e insuscetível de 
responsabilização
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Além do Ministério de livre nomeação, cujos ministros podiam ser respon-
sabilizados por seus atos, o Imperadorconservou o Conselho de Estado como 
órgão consultivo, composto por até dez membros de sua escolha, desde que reu-
nissem os mesmos requisitos exigidos para tornar-se senador. Já a força mili-
tar era definida como “essencialmente obediente” ao Imperador e destinada a 
garantir a segurança e a defesa do Império.
O Poder Legislativo era exercido por uma Assembleia Geral, composta de Câ-
mara de Deputados e Senado. Suas principais atribuições eram de caráter legis-
lativo e orçamentário e de controle sobre o patrimônio e o endividamento pú-
blicos. Exercia funções de legitimação da Monarquia, como o reconhecimento 
do sucessor, a tomada do juramento do príncipe-herdeiro e do monarca, a esco-
lha dos regentes e da nova dinastia em caso de extinção da imperante, além do 
exercício do controle sobre a administração do Imperador morto ou impedido. 
A Carta de 1824 regulava detalhadamente o processo legislativo e as eleições dos 
representantes. Membros dos conselhos gerais das províncias, deputados e in-
tegrantes das listas senatoriais eram eleitos indiretamente: cidadãos escolhiam 
eleitores que elegiam os representantes provinciais e nacionais. O sufrágio era 
exclusivamente masculino, censitário e limitado por idade: para ser conside-
rado cidadão, era preciso ter renda anual igual ou superior a 100 mil réis e no 
mínimo 20 anos; para ser escolhido como eleitor, renda anual igual ou superior 
a 200 mil réis e no mínimo 25 anos. Exigências censitárias e confessionais eram 
também condições de elegibilidade: além de professar a religião católica, o can-
didato, para ser eleito deputado ou membro de conselho provincial, precisava 
ter renda anual igual ou superior a 400 mil réis; para ser eleito para a lista se-
natorial, renda anual igual ou superior a 800 mil réis. O mandato dos deputa-
dos era de quatro anos, o dos senadores era vitalício e os príncipes da Casa 
Real eram considerados senadores natos.
O Poder Judicial era integrado por juízes de Direito, reconhecida a institui-
ção do júri popular. Os primeiros, nomeados pelo Imperador, tinham a garan-
tia da vitaliciedade, mas não a da inamovibilidade; podiam ainda ser suspen-
sos pelo Imperador, se contra eles houvesse queixa, e perder o cargo por sen-
tença judicial. Em casos de corrupção, qualquer cidadão podia propor contra 
eles ação popular. As Relações foram mantidas em cada província como tri-
bunais de segundo grau e na Capital foi instituído um Supremo Tribunal de 
Justiça. Aos juízes de paz, eleitos, eram reconhecidas atribuições de concilia-
ção entre litigantes.
O texto constitucional findava com uma declaração de direitos aos moldes do 
liberalismo oligárquico da época, garantindo as liberdades individuais e a pro-
priedade, inclusive intelectual, ressalvada a desapropriação por interesse públi-
co, mediante prévia indenização. Continha algumas prescrições de conteúdo 
social, como a garantia dos “socorros públicos” (assistência social) e gratuida-
de da instrução primária. Consagrava os princípios da legalidade, da irretroati-
vidade das leis, do juiz natural, da igualdade perante a lei e da proporcionalidade 
tributária, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, as liberdades de 
ação, locomoção, trabalho e crença e o direito de petição aos poderes públicos, 
além das garantias penais fundamentais relativas à prisão e ao processo. A liber-
dade de expressão era garantida nos seguintes termos: “todos podem comunicar 
os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem de-
pendência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos que 
cometerem no exercício deste direito nos casos e pela forma que a lei determi-
nar” (artigo 179, IV). Em caso de rebelião ou agressão externa, as garantias in-
dividuais podiam ser suspensas por medidas de exceção determinadas pela 
Assembleia Geral, ou pelo Imperador com aprovação daquela.
Tendo o Imperador determinado o encaminhamento da Carta às Câmaras 
para que lhe jurassem obediência, levantaram-se, aqui e ali, as reações. A Câma-
ra de Itu, com a participação do Padre Feijó, respondeu com a sugestão de uma 
série de modificações liberalizantes. Em Recife, a dissolução da Constituinte e 
a outorga reacenderam a chama revolucionária. O libelo mais veemente foi fei-
to por Frei Caneca, grande conhecedor do constitucionalismo, encarcerado por 
quatro anos por sua participação da Revolução de 1817, autor das Bases para a 
Formação do Pacto Social da Confederação do Equador, movimento antiabsolu-
tista que integrou e por cuja participação foi condena-
do à morte. Verdadeira declaração de direitos radical-
mente liberal, as Bases incorporam vários direitos e 
enunciados das declarações francesas de 1789 e 1793, 
consagrando inclusive o direito de resistência à opres-
são e os conteúdos sociais e emancipatórios da decla-
ração jacobina. A liberdade de expressão foi assim de-
finida ali: “A todo homem é livre manifestar os seus 
sentimentos e a sua opinião sobre qualquer objeto. A 
liberdade da imprensa, ou outro qualquer meio de pu-
blicar estes sentimentos não pode ser proibido, sus-
penso nem limitado” (artigos 4º e 5º).
Inobstante o golpe, a outorga e a repressão aos re-
sistentes, a inquietação liberal persistiu, sempre ali-
mentada pelas contradições entre proprietários rurais 
e camadas populares, de um lado, e elite comercial, bu-
rocrática e cortesã, de outro – o “partido português” ao 
qual o Imperador permanecia aferrado. Para a propa-
gação do ideário liberal, muito contribuíram dois pe-
O julgamento de Frei Caneca, em 
quadro de Antonio Parreiras: 
a execução não conteria a 
inquietação liberal 
Líberdo Badaró, o editor do 
Observador Constitucional: o 
assassinato do jornalista de 
São Paulo agravou a corrosão da 
legitimidade do Primeiro Reinado
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riódicos: o carioca Aurora Fluminense, capitaneado por Evaristo da Veiga, desta-
cado líder liberal, e o paulistano O Observador Constitucional, de Líbero Badaró. O 
assassinato deste em novembro de 1830 agravou ainda mais a corrosão da legi-
timidade do Primeiro Reinado. Em 13 de março de 1831, quando os portugueses 
organizaram uma manifestação para desagravar o Imperador pela fria hostili-
dade com que fora recebido em Minas Gerais, de onde acabara de retornar, a ple-
be carioca reagiu violentamente. A Noite das Garrafadas foi o ensaio geral do le-
vante popular que, em 7 de abril de 1831, com o apoio da tropa militar, tomou o 
Campo de Santana para questionar a legitimidade do governo e viabilizou a vi-
tória liberal da Abdicação. Com o exílio do Imperador e a inauguração do ciclo 
das Regências, consumou-se politicamente a Independência, quase dez anos 
depois de sua proclamação formal.
A abertura moderadamente liberal representada pelos governos regenciais 
favoreceu as demandas descentralizadoras. Em 29 de novembro de 1832, o Códi-
go de Processo Criminal descentralizou a 
administração policial e da justiça, forta-
lecendo os chefes patriarcais locais. Em 12 
de agosto de 1834, o Ato Adicional alterou 
a Carta de 1824 para suprimir o Conselho 
de Estado e criar as Assembleias Legisla-
tivas Provinciais, em substituição aos Con-
selhos Gerais, concedendo-lhes competên-
cia legislativa autônoma. Porém, em 12 de 
maio de 1840, a Lei nº 105 restringiu as atri-
buições das mesmas. Depois do Golpe da 
Maioridade, a força policial foi subordina-
da ao Ministério da Justiça e a Lei nº 234, 
de 23 de novembro de 1841, recriou o Con-
selho de Estado. Nesse período, ocorreram 
intensas manifestações localizadas de di-
reito de resistência e potência constituin-
te, como a Balaiada, a Cabanagem, a Sabi-
nada, a Revolta dos Malês e a Revolução 
Farroupilha. Durante esta última, a Cons-
tituinte do Alegrete chegou a examinar 
um Projeto de Constituiçãoda República 
Rio-Grandense, primeiro ensaio de cons-
titucionalização republicana entre nós.
Estabilizado o Segundo Reinado, a Lei 
nº 523, de 20 de julho de 1847, criou o cargo 
de presidente do Conselho de Ministros, conferindo aparência parlamentaris-
ta aos governos que o Imperador fazia e desfazia com desenvoltura. Sob Pedro 
II, 36 gabinetes se sucederam em 49 anos, com duração média de 15 meses ca-
da um. No sistema político ultraoligarquizado pelo sufrágio censitário, o Impe-
rador era o ponto de apoio que reinava, governava e administrava, articulado 
com a enorme e poderosa burocracia estatal-clerical, os grandes proprietários 
rurais e potentados locais, os senhores do comércio exterior e negreiro. Enquan-
to a infraestrutura econômica da monocultura de exportação movida a traba-
lho escravo persistiu, persistiu a estabilidade do regime, do “pacto social” cujas 
“bases” essenciais haviam sido inadvertidamente antecipadas pelo conserva-
dor mineiro Maciel da Costa na sessão da Constituinte de 30 de setembro de 
1824: “Recebemos os escravos que pagamos, tiramos deles o trabalho que dos 
homens livres também tiramos, damos-lhes o sustento e a proteção compatí-
vel com o seu estado; está fechado o contrato.”
Sob Pedro II, 
sucederam-se 36 
gabinetes, com 
duração média de 
15 meses cada. 
O Imperador 
administrava em 
articulação com a 
poderosa burocracia 
estatal-clerical, 
os grandes 
proprietários e os 
senhores do comércio 
exterior e negreiro
A Proclamação da República
dos Farrapos: primeiro 
ensaio de Constituição
republicana na história 
do Brasil
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O desabamento do sistema imperial resultou de um processo multicausal que 
atravessou as duas últimas décadas do Segundo Reinado. Na esfera econômi-
ca, o lento processo de abolição do escravismo (lentidão, aliás, recomendada 
pelo antiescravagista José Bonifácio já no Primeiro Reinado) opôs crescente-
mente o Imperador – premido pelos interesses britânicos – ao patronato ru-
ral e aos traficantes de humanos. O ressentimento pela expropriação do “pa-
trimônio” escravo e as dificuldades de liquidez resultantes da passagem das 
fazendas ao trabalho assalariado reavivaram no patronato rural os anseios 
autonomistas contrários à centralização monárquica. Apesar do seu conser-
vadorismo, os senhores agrários aproximaram-se dos liberais e republicanos 
pela via da aspiração federativa.
Nas casernas, a progressiva abertura da carreira militar, sobretudo no Exér-
cito, às camadas médias – com o deslocamento das camadas aristocráticas pa-
ra a Guarda Nacional, órgão de cooptação e controle sucedâneo das Ordenan-
ças coloniais – foi aos poucos marginalizando as instituições militares dos cir-
cuitos efetivos de poder. A autonomização política da oficialidade pequeno bur-
guesa, seu ressentimento contra a camada privilegiada e dirigente dos “casa-
cas”, que condenava os militares a um papel subalterno no sistema efetivo de 
poder, a disseminação do ideário positivista de uma “ditadura constitucional” 
a serviço de uma “política científica”, a recusa em perseguir os 12 mil escravos 
fugidos das fazendas paulistas em 1887, a questão militar finalmente escanca-
rada – tudo isso levaria o Exército a abraçar a solução republicana em 1889.
O início da propaganda republicana, que teve na imprensa um meio funda-
mental, acompanhou a retomada das mobilizações liberais no fim da década de 
1860. Os liberais radicais se articulam em torno de propostas como a descentra-
lização político-administrativa, a liberdade de ensino, o fim do Poder Modera-
dor, do Conselho de Estado e da Guarda Nacional, o sufrágio universal e direto, 
a eletividade dos presidentes de províncias e dos senadores. Em 1866 surgiu no 
Rio de Janeiro o jornal Opinião Liberal; em 1869 apareceram o Correio Nacional, 
no Rio, e o Radical Paulistano em São Paulo; em 3 de dezembro de 1870 foi por 
meio do novo jornal A República que veio à luz o Manifesto Republicano. Era a 
expressão de um movimento inicialmente nutrido por setores médios urbanos 
e pela “mocidade acadêmica” que teria papel decisivo na Campanha da Aboli-
ção, um movimento que se ampliou a partir dos compromissos federativos com 
que angariou o apoio das elites rurais. 
Com a quebra do pacto oligárquico senhorial em 13 de maio de 1888 e o re-
crudescimento da questão militar ao longo de 1889, o campo republicano foi 
ampliado pela aproximação de importantes frações no patronato rural, inte-
ressadas, sobretudo, na descentralização; do Exército, a partir da “mocidade 
militar” positivista e republicana; Pedro II, cada vez mais isolado, enfrenta-
va também problemas crescentes com a hierarquia católica por causa do in-
tervencionismo governamental nos assuntos eclesiásticos, exercitado atra-
vés do Padroado. A questão clerical tornou-se assim outro fator de desestabi-
lização. Mas foi o Exército a de-
cretar o fim da Monarquia com a 
deposição do Gabinete Ouro Pre-
to em 15 de novembro de 1889. O 
mesmo Campo de Santana que 
vira a primeira insurreição ple-
beia na Capital do Império em 7 
de abril serviu de palco a uma “pa-
rada militar” a que, no 15 de no-
vembro, o povo do Rio se limitou 
a assistir, “bestializado” – para 
usar as palavras de Aristides Lo-
bo, líder republicano e signatário 
do Manifesto de 1870.
Proclamada a República pelo lí-
A Constituição de 1891 
e a República Velha
A economia e a caserna na mudança institucional 
D. Pedro II recebe 
a mensagem do Governo
Provisório comunicando
a queda do Gabinete Ouro
Preto e sua deposição
A Proclamação da República,
no Campo de Santana, no alto: 
o povo assiste “bestializado” 
à parada militar que celebra 
a mudança institucional
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der do Exército, Marechal Deodoro da Fonseca, formou-se um Governo Provisó-
rio chefiado por ele e composto pelo oráculo da mocidade militar, Benjamin Cons-
tant Botelho de Magalhães, pelos republicanos históricos Aristides Lobo e Quin-
tino Bocayuva, pelo monarquista liberal recém-converso Ruy Barbosa, e pelo co-
mandante da Marinha, almirante Wandenkolk Correa. Ainda em 15 de novem-
bro foi editado o Decreto nº 1, que proclamou “provisoriamente” a República Fe-
derativa, transformou as províncias imperiais em “Estados Unidos do Brasil”, 
reconhecendo-lhes soberania e poder constituinte próprios, e anunciou a con-
vocação de um Congresso Constituinte. Novos decretos com força constitucio-
nal foram a seguir editados pelo Governo Provisório. O Decreto nº 6, de 19 de no-
vembro de 1889, extinguiu o sufrágio censitário, considerando eleitores os “ci-
dadãos brasileiros” (do sexo masculino) alfabetizados e no gozo de seus direitos 
civis e políticos. O Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, aniversário do Mani-
festo Republicano, criou uma comissão para redigir um Projeto de Constituição 
a ser apresentado à Assembleia Constituinte, a “Comissão dos Cinco”. O Decreto 
nº 78-B, de 21 de dezembro de 1889, convocou as eleições para a Assembleia Cons-
tituinte, marcando-as para 15 de setembro de 1890; a posse dos eleitos e a insta-
lação da Constituinte foram marcadas 
para 15 de novembro de 1890. Outros 
decretos relevantes foram editados em 
1890: em 7 de janeiro, estabelecendo a 
separação entre Igreja e Estado; em 24 
de janeiro, instituindo o casamento ci-
vil. Em 11 de outubro, três decretos ins-
tituíram a Justiça Federal, a legislação 
de falências e o novo Código Penal, que 
aboliu a pena de morte.
Trabalhando a partir de três proje-
tos iniciais, a Comissão dos Cinco apre-
sentou seu Projeto ao Governo Provi-
sório em 24 de maio de 1890. Revisado 
por Ruy Barbosa, ele foipublicado pe-
lo Decreto nº 510, de 22 de junho de 
1890, que estabeleceu a vigência ime-
diata dos conteúdos relativos à orga-
nização e às atividades do Poder Le-
gislativo federal. Em 15 de setembro 
de 1890, foram eleitos os 205 deputa-
dos e 63 senadores constituintes. Ins-
talada em 15 de novembro de 1890, a 
Constituinte elegeu Prudente de Moraes como seu presidente e criou a “Comis-
são dos 21” – integrada por um representante de cada Estado, em homenagem ao 
compromisso federativo – para elaborar parecer sobre o Projeto do Governo Pro-
visório. Júlio de Castilhos, líder positivista gaúcho, foi o relator do parecer que 
poucas e irrelevantes modificações propôs a 16 dos 90 artigos do texto original.
No plenário da Constituinte, os maiores debates se deram em torno da ques-
tão federativa, mais especificamente a divisão de competências de governo e 
tributação entre União e Estados. Os “unionistas”, liderados por Ruy Barbosa, 
defendiam maior centralização, enquanto os “federalistas”, capitaneados por 
Júlio de Castilhos, defendiam maior descentralização. O resultado pendeu mais 
para o primeiro grupo. Ausente o impulso verdadeiramente popular com as ex-
clusões do sufrágio (numa população de cerca de 10 milhões, os alfabetizados 
não passavam de 1,5 milhão, e desse total eram ainda subtraídos as mulheres e 
os menores), a polarização das deliberações foi intraoligárquica: o objeto era a 
partilha de poder entre as elites dirigentes capazes de controlar o poder central, 
de um lado, e as oligarquias regionais, de outro. Em 24 de fevereiro de 1891, pou-
co mais de três meses após sua instalação, o Congresso Constituinte promul-
gou a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
A Constituição de 1891 tornou “perpétua e indissolúvel” a República Federati-
va “provisoriamente” proclamada 15 meses antes. Aos Estados, garantiu autono-
mia, governo, legislação e tributação próprios e isonomia federativa e especificou 
as hipóteses de intervenção federal. Os Estados deveriam assegurar a autonomia 
dos seus Municípios “em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.” O anti-
go Município Neutro, Capital do Império, foi transformado em Distrito Federal, 
mas ao mesmo tempo a Constituição previu sua futura transformação em Esta-
do e reservou à União uma área no Planalto Central para sediar “a futura Capital 
Federal”. Brasília e o Estado da Guanabara viriam a existir 69 anos depois.
O princípio republicano traduziu-se em seus atributos de igualdade formal, 
com extinção dos privilégios nobiliárquicos e hereditários, de eletividade e res-
Ao lado, o jornal 
A Platea diz que o 
governo brinca de 
cabra-cega com a 
jovem Constituição; 
e, acima, Rui Barbosa 
e Deodoro entregam a 
Carta à República
Charge da Revista Ilustrada 
sobre a Constituição de 
1891: “Enquanto papai lê 
várias notícias, descuida-
se da meninada, que 
dilacera um precioso livro 
da biblioteca nacional”
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ponsabilidade dos governantes, temporariedade de seus mandatos e periodici-
dade das eleições. O caráter laico do Estado foi assegurado pela proibição de 
qualquer relação de dependência, aliança ou financiamento entre governo e 
igrejas, pela garantia da liberdade de culto público a todas as confissões religio-
sas, pela instituição do casamento civil, pela secularização dos cemitérios e pe-
la laicidade do ensino público. 
Na organização dos poderes republicanos, o texto de 1891 seguiu o padrão da 
Constituição dos Estados Unidos de 1787, tal como se dera com a estruturação 
federativa. Adotou a tripartição, com independência e harmonia, entre Legisla-
tivo, Executivo e Judiciário, e o sistema de governo presidencialista. O Poder Le-
gislativo foi delegado ao Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Depu-
tados, Casa da representação popular, e pelo Senado Federal, Casa da represen-
tação federativa. Deputados e senadores eram eleitos pelo voto direto, com man-
datos de três e nove anos, respectivamente. A duração dos mandatos espelha a 
tendência oligarquizante, sobretudo se comparada com a do modelo norte-ame-
ricano, em que os deputados têm mandato de dois anos e os senadores, de seis 
anos. Garantiu-se um mínimo de quatro deputados por Estado e o idêntico nú-
mero de três senadores para cada Estado e o Distrito Federal. As imunidades e 
incompatibilidades parlamentares foram constitucionalizadas e as prerrogati-
vas clássicas de caráter legislativo, orçamentário, de controle e fiscalização fo-
ram garantidas ao Congresso.
O Poder Executivo foi delegado ao presidente da República, eleito para man-
dato de quatro anos pelo voto direto, exigida a maioria absoluta e proibida a re-
eleição. Não alcançado tal número, o segundo turno teria o Congresso Nacional 
como colégio eleitoral indireto. Junto com o presidente – mas não necessaria-
mente pela mesma chapa, pois os votos eram separados – era eleito um vice, 
competente para substituí-lo, sucedê-lo e presidir o Senado. Caso ocorresse va-
cância da Presidência ou da Vice nos dois primeiros anos de mandato, nova elei-
ção deveria ser realizada para completar o período. Presidente e vice estavam 
sujeitos a impeachment se condenados por crime de responsabilidade pelo Sena-
do, após autorização de instauração de processo pela Câmara. O presidente era 
chefe de Estado, de Governo e da administração federal, cabendo-lhe nomear e 
demitir livremente os ministros de Estado. Tinha poder de veto, mas não a prer-
rogativa de propor emendas à Constituição.
O Poder Judiciário foi organizado de acordo com o modelo federativo nor-
te-americano de dualidade da Justiça já adotado pelo Governo Provisório, com 
existência de órgãos judiciários organizados e mantidos tanto pela União co-
mo pelos Estados. A Justiça Federal reunia competências especializadas para 
julgar causas que envolvessem questões constitucionais, em que a União fos-
se parte, e crimes políticos, entre outras. Aos judiciários estaduais competia 
processar e julgar as causas de “direito comum”, cíveis e penais. O órgão de 
cúpula de todo o sistema judiciário passou a ser o Supremo Tribunal Federal, 
com funções de Corte constitucional federativa e de mais alta Corte de justi-
ça do país. Era composto por quinze juízes indicados pelo presidente da Re-
pública à aprovação do Senado, cabendo àquele escolher, entre os membros 
da Corte, o procurador geral da República. Aos juízes eram asseguradas a vi-
taliciedade e a irredutibilidade de vencimentos. Para o julgamento de crimes 
militares foi criada a justiça militar, composta por conselhos de primeiro grau 
e um tribunal superior.
Refletindo a forte influência do Exército naquele momento, a Constituição 
de 1891 foi a primeira a definir as Forças Armadas como instituições “perma-
nentes” e ampliar sua atuação, ao atribuir-lhes a missão de “manutenção das 
leis no interior” das fronteiras e condicionar aos “limites da lei” a obediência 
das mesmas ao poder civil. Com isso, constitucionalizou sua capacidade de in-
terferir em questões de política e ordem internas e assim arvorar-se em “intér-
prete da lei” para poder decidir se e quando obedecer ou intervir. A pretensão 
tutelar alimentada pelos militares a partir de sua autoimagem de fundadores 
da República foi reforçada e legitimada constitucionalmente, concedendo-lhes 
fundamento jurídico para ocupar o vácuo deixado pela extinção do Poder Mo-
derador. Tal pretensão tem-se estendido por toda a vida republicana, sendo o re-
gime pós-1988 – e até aqui – a notável exceção.
Acima, o projeto de 
Constituição de 1891 com 
anotações de Rui Barbosa; 
e, ao lado, a eleição do 
Marechal Deodoro e Floriano 
Peixoto A Constituição 
de 1891 foi a 
primeiraa definir 
as forças armadas 
como “instituições 
permanentes”, 
ampliando sua atuação 
para contemplar a 
“manutenção das leis 
no interior” das 
fronteiras
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Formalmente e do ponto de vista da estabilidade de seu texto, a Constituição 
de 1891 foi nossa primeira Constituição “rígida”: exigia um procedimento mais 
complexo do que o da elaboração das leis comuns para a alteração de suas nor-
mas e maioria qualificada de dois terços para a aprovação. Foi a primeira a ado-
tar as chamadas “cláusulas pétreas”: conferiu super-rigidez à forma republica-
na federativa e à igualdade da representação dos Estados no Senado, tal como o 
fizera a Constituição dos Estados Unidos, proibindo a deliberação sobre quais-
quer propostas tendentes a aboli-las.
Além da preservação dos direitos e garantias já reconhecidos em 1824, a Cons-
tituição de 1891 incorporou as garantias de liberdade e igualdade próprias do 
Estado laico que já foram mencionadas acima, consagrou expressamente a li-
berdade de reunião e a legalidade tributária, constitucionalizou o habeas corpus 
e abolição das penas de morte, banimento e galés. A liberdade de expressão foi 
garantida nos seguintes termos: “Em qualquer assunto é livre a manifestação 
do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de censura, 
respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a 
lei determinar. Não é permitido o anonimato.” (art. 72, § 12). As liberdades públi-
cas podiam ser suspensas pela decretação de Estado de Sítio.
Ao dispor sobre o direito de nacionalidade, a Constituição de 1891 promoveu 
a chamada “grande naturalização”: determinou que seriam considerados bra-
sileiros todos os estrangeiros que, achando-se no Brasil em 15 de novembro de 
1889, não declarassem intenção de conservar a nacionalidade de origem em até 
seis meses após sua promulgação. Os direitos políticos foram reconhecidos a 
todos os “cidadãos maiores de 21 anos” (até 1930 entendeu-se que eram somen-
te os do sexo masculino), excluídos os mendigos, os analfabetos, os recrutas, su-
balternos inferiores das Forças Armadas e os religiosos sujeitos a voto de obe-
diência. O povo, em sua grande maioria analfabeto, e as mulheres foram excluí-
dos da polis, estreitando-se o contingente do demos autorizado a participar das 
decisões públicas – os “cidadãos ativos” não alcançavam 2% dos “nacionais”. Não 
obstante a mudança na forma de governo, o regime político manteve, desde a 
base, seu caráter oligárquico.
Nas suas disposições gerais e transitórias, a Constituição de 1891 impôs à 
União o dever de garantir o pagamento da dívida pública interna e externa. De-
terminou ainda que a primeira eleição para presidente da República e vice (vo-
tações separadas, como vimos) seria realizada indiretamente, pelo Congresso 
Nacional, e para ela não haveria incompatibilidades. Isso assegurou a possibi-
lidade de concorrer a Deodoro, mesmo sendo chefe do Governo Provisório, a Flo-
riano Peixoto, já vice-presidente, e ao almirante Wandenkolk, ainda ministro 
da Marinha. Estavam postas as condições normativas para a primeira crise re-
publicana. O Congresso elegeu Deodoro para a Presidência, mas o candidato a 
vice de sua chapa, Wandenkolk, foi derrotado por Floriano, candidato a vice pe-
la chapa do derrotado Prudente de Moraes, presidente da Constituinte. Os con-
flitos entre a personalidade hierática de Deodoro e o Congresso em ebulição não 
tardaram e, em 3 de novembro de 1891, Deodoro dissolveu o Congresso, convo-
cando novas eleições. A Marinha, com orientação regressiva, insurgiu-se: foi a 
primeira Revolta da Armada. Deodoro renunciou vinte dias depois e Floriano 
assumiu com a disposição de cumprir todo o mandato restante, violando assim 
a norma constitucional que previa nova eleição em caso de vacância da Presi-
dência antes de decorridos dois anos da posse do eleito. Enfrentou por isso, e de-
belou, uma segunda Revolta da Armada. O mesmo se deu com Revolução Fede-
ralista, reação oligárquica sulista ao novo regime e seu representante gaúcho, 
Júlio de Castilhos, no curso da qual a degola de prisioneiros tornou-se hábito 
macabro de ambas as partes. A República se “consolidou” ao longo de quatro dé-
cadas marcadas pela violência política e social. 
Para além dos conflitos intraoligárquicos, na República Velha não falta-
ram manifestações vigorosas e violentas de resistência popular à opressão 
e à exploração, expressões de um desejo constituinte vindo “de baixo” e sem-
pre frustrado, na cidade e no campo. Entre 1886-1897 na Bahia, a Guerra de 
Canudos encerrou, com um massacre executado pelo Exército a epopeia au-
tonomista sertaneja das gentes do Conselheiro. Entre 1912-1916, a Guerra do 
Euclides da Cunha e o livro 
Os Sertões, que narra a 
epopeia autonomista no 
interior da Bahia encerrada 
pelo Exército com um banho 
de sangue
Em 3 de novembro 
de 1891, Deodoro 
dissolveu o 
Congresso. A Marinha 
promoveu a primeira 
Revolta da Armada.
Deodoro renunciou 
vinte dias depois. 
Floriano assumiu 
com a disposição 
de cumprir todo o 
mandato restante, 
violando a norma que 
previa nova eleição
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Contestado representou outro embate feroz entre Exército e camponeses, 
desta vez entre Santa Catarina e Paraná. Em ambos os casos, os populares 
foram mobilizados por meio do misticismo e, em ambos os casos, o núme-
ro de mortos passou de 20 mil.
Na Capital da República, o século XX começou sob o signo das insurreições 
populares. Em 1904, a resistência da população pobre e negra à truculência das 
políticas higienistas e racistas promovidas pelo presidente Rodrigues Alves e 
pelo prefeito Pereira Passos se traduziu na chamada Revolta da Vacina. Expul-
sas de suas moradias no centro da cidade pela onda de demolições conhecida 
como “Bota Abaixo” e desrespeitadas em seus corpos e casas pela brutal execu-
ção da lei de vacinação obrigatória, as gentes que formavam a plebe carioca to-
maram as ruas da cidade durante uma semana, num conflito que produziu de-
zenas de mortos e centenas de feridos. Em 1910, foi a vez dos marinheiros se le-
vantarem contra os crueis castigos corporais na Revolta da Chibata, liderada 
por João Cândido, o Almirante Negro. A repressão feroz que se seguiu à rendi-
ção dos revoltosos deixou um saldo de centenas de mortos e mais de dois mil 
marinheiros expulsos da corporação. Nas cidades fabris, desde o início do novo 
século, a resistência popular se expressou em ciclos de greves operárias cada 
vez mais amplas por direitos sociais e políticos. E, a partir de 1922, a mocidade 
militar pequeno-burguesa iniciou o ciclo de levantes contra o regime oligár-
quico e a farsa da representação, que culminaria em 1924 com a ocupação de 
São Paulo pelos tenentes de Miguel Costa e, em seguida, com a epopeia da Co-
luna Prestes. Ao longo da República Velha foram se multiplicando, entre Rio e 
São Paulo, jornais e revistas por meio dos quais o debate político e social se di-
fundia entre as camadas letradas. No mundo operário surgiram, já no início do 
século, os jornais anarquistas e socialistas, alguns impressos em língua italia-
na, pois boa parte dos trabalhadores alfabetizados tinha essa origem – eram os 
“carcamanos” recrutados inicialmente para substituir os escravos nas fazen-
das, mas que acorreram depois às cidades e às fábricas em busca de condições 
menos brutais de opressão e exploração laborais.
O sistema político da República Velha foi consolidado em seu caráter oli-
gárquico pelo presidente Campos Sales e sua “política de governadores”. A se-
leção do corpo eleitoral foi delegada aos grandes chefes rurais estaduais que 
controlavam as seçõeseleitorais, tornando-se de fato “grandes eleitores” em 
seus “currais eleitorais”, graças à inexistência da garantia do voto secreto que 
facilitava o chamado “voto de cabresto”. Já a seleção dos eleitos era feita pe-
las elites dirigentes, capitaneadas pelo presidente e pelos governadores, por 
meio das comissões de “verificação de poderes” dos legislativos, cabendo aos 
próprios parlamentares reconhecer ou não a validade dos eleitos. Controla-
dos o eleitorado e a representação por meio desses expedientes oligárquicos, 
a “farsa eleitoral” garantia ao presidente a possibilidade de tratar dos “altos” 
A Revolta da Vacina: na 
capa da revista O Malho, o 
enforcamento do regulamento 
sanitário; e a manchete da 
Revista da Semana
Rebeldes do movimento 
tenentista na cidade de 
São Paulo e os tenentes 
Eduardo Gomes, Siqueira 
Campos e Newton Prado, na 
Revolta dos 18 do Forte, 
com Otávio Correia
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assuntos da Administração – o que, como regra, significou a manutenção do 
modelo econômico agrário-exportador e a satisfação dos interesses do patro-
nato rural e fabril, dos rentistas e do capital externo. Era uma espécie de “alian-
ça com a vanguarda do atraso para modernizar o país” avant la lettre, pois a 
meiga formulação atribuí da a Fernando Henrique Cardoso – leitor de Cam-
pos Sales – só viria à luz no final do século.
No Rio Grande do Sul, um singular experimento político-constitucional pre-
nunciava o contraditório influxo reformista burguês que levaria à Revolução 
de 1930, ao Estado Novo, às leis sociais e à democracia de massas no Brasil. Pre-
sidente do Estado e líder do Partido Republicano Histórico do Rio Grande do Sul 
(cujo programa já defendia o voto do analfabeto, o sistema eleitoral proporcio-
nal, os direitos de resistência e de greve, a jornada de trabalho de oito horas e o 
direito a férias), o positivista Júlio de Castilhos, constituinte e relator da Comis-
são dos 21 na Constituinte, redigiu e fez aprovar pela Assembleia Constituinte 
gaúcha a Constituição Política do Estado do Rio Grande do Sul, promulgada na 
data simbólica de 14 de julho de 1891.
A Constituição positivista gaúcha estabelecia um desenho institucional que 
prenunciava aquela espécie de ascético autoritarismo republicano de caráter 
social que seria a marca da chamada Era Vargas. Ao mesmo tempo, continha 
formas inovadoras de participação direta da cidadania e dos conselhos muni-
cipais nas decisões públicas, especialmente legislativas. Com a morte de Casti-
lhos, muitos desses mecanismos deixaram de ser efetivamente utilizados, mas 
o modelo, afeiçoado à cultura cívica participativa dos gaúchos, ficou como ins-
tigante referência até hoje. O “presidencialismo gaúcho” muito se aproximava 
da ideia comtiana de “ditadura republicana”. O presidente concentrava prati-
camente toda a autoridade administrativa e normativa, reduzida a competên-
cia legislativa da Assembleia dos Representantes às matérias de caráter finan-
ceiro, orçamentário e tributário.
O presidente do Estado era eleito diretamente por maioria absoluta (segun-
do turno indireto, pela Assembleia), podendo ser reeleito se alcançasse três 
quartos dos votos – o que as “eleições a bico de pena” garantiram continua-
mente a Borges de Medeiros, sucessor de Castilhos e mentor do ingresso de 
Getúlio Vargas na política. Cabia ao próprio presidente a escolha do respecti-
vo vice, sujeita a veto pela maioria dos Conselhos Municipais. Ressalvadas as 
matérias de competência da Assembleia, era prerrogativa do presidente do 
Estado a elaboração das demais leis, devendo ele mesmo enviar o projeto às 
autoridades municipais para que recebesse emendas e observações formula-
das por qualquer cidadão, ficando a lei resultante sujeita a revogação se con-
tra ela se manifestasse a maioria dos Conselhos Municipais. Ao Conselho Mu-
nicipal cabia também a elaboração da Lei Orgânica do respectivo Município, 
que podia ser reformada por proposta de dois terços dos eleitores municipais. 
Os Conselhos também podiam, por maioria, promover a reforma da Consti-
tuição, e aprovar a reforma definida pelo presidente do Estado. Já os cidadãos 
– além dos direitos de propor individualmente emendas e observações aos 
projetos de lei estaduais e, coletivamente, reformas das leis orgânicas muni-
cipais –, tinham o direito de revogar, por maioria, as leis decretadas pelos in-
tendentes, que eram os chefes eleitos dos Executivos municipais. Podiam tam-
bém, por maioria, cassar os mandatos dos representantes na Assembleia e pro-
por a remoção dos juízes das comarcas.
A Constituição gaúcha de 1891 tinha um claro apego às chamadas “virtu-
des republicanas”, traduzido em princípios e normas que objetivavam asse-
gurar a publicidade, a moralidade e a impessoalidade dos atos da Administra-
ção Pública, incluindo a consagração do concurso público para ingresso no 
funcionalismo e das licitações para contratações públicas. Aboliu as loterias, 
“não sendo lícito ao Estado transformar o vício em fonte de renda”. Consagra-
va a mais absoluta liberdade de trabalho e declarava livre o exercício das “pro-
fissões de ordem moral, intelectual e industrial”, proibindo a exigência de di-
plomas, inclusive nos concursos públicos. Garantia a laicidade, a liberdade e 
a gratuidade do ensino público primário. Ficou preservada como um “ponto 
fora da curva” na mesmice do colonizado constitucionalismo liberal-oligár-
quico brasileiro, que naquele momento substituía a influência da Restaura-
ção Francesa pelas prescrições do liberalismo conservador dos Federalistas 
norte-americanos.
Vazada nos elegantes termos da Constituição de Filadélfia, a Constituição 
de 1891 permaneceu descolada da realidade política e social brasileira ao lon-
go dos seus quase 40 anos de vigência. Tornou-se o traje de gala de um pacto 
oligárquico restabelecido em nova forma, o disfarce normativo do coronelis-
mo e do sufocamento das mobilizações populares. Para salvá-la, tentou-se 
uma reforma em 1926, que produziu resultados pífios: novas hipóteses de de-
cretação de intervenção federal, melhor explicitação dos requisitos necessá-
rios para decretá-la e adoção do veto parcial. A adoção do veto parcial decor-
reu de uma necessidade revelada pela prática legislativa: a necessidade de eli-
minar, dos projetos que o governo tinha interesse em sancionar, os “penduri-
calhos” que os parlamentares enxertavam em causa própria, o que obrigava 
o Executivo a aceitar os embustes ou vetar totalmente um projeto que, no seu 
conteúdo original, desejava transformar em lei. A Reforma de 1926 pouco con-
tribuiu para deter a crise política, social e econômica que se tornou incontor-
nável após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929.
Manchetes do jornal 
A Voz do Trabalhador (da 
Confederação Operária 
Brasileira), do anarquista 
A Plebe e do satírico 
A Manha, criado pelo Barão 
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A Revolução de 1930 
e a Constituição de 1934
Os trabalhadores e a classe média entram em cena
Ao longo da República Velha, o Brasil viveu um processo de urbanização e in-
dustrialização crescentes, com a ampliação dos contingentes pequeno-burgue-
ses e operários. Àquela altura, boa parte do operariado era de origem estrangei-
ra, especialmente italiana, com forte presença anarquista ou socialista. Quan-
do a tormentosa e efervescente década de 1920 começou, os imigrantes repre-
sentavam mais de um terço dos operários fabris no Rio de Janeiro e mais da me-
tade em São Paulo. Não demorou para que isso se traduzisse em inquietação e 
mobilização política, social e cultural das classes médias e dos trabalhadores ur-
banos. Entre1917-1920 e 1926-1929, principalmente em São Paulo e no Rio, gran-
des ciclos de greves mobilizam milhares de trabalhadores em luta por salários 
melhores, férias de 30 dias, jornada de oito horas, repouso semanal, igualdade 
salarial entre homens e mulheres (as operárias representavam quase um terço 
do trabalho fabril e chegavam perto da metade no setor têxtil). Entre 1922 e 1927, 
foram os tenentes a agitar as classes médias, com seu ideário de verdade eleito-
ral e moralidade pública, contra a corrupção e a oligarquização da representa-
ção política. Em 1922, enquanto a Semana de Arte Moderna expressava a ten-
dência intelectual crescente de buscar a “redescoberta” e a “interpretação” do 
Brasil, deu-se a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) que, antes da dé-
cada findar, já disputava com os anarquistas e reformistas a liderança do movi-
mento sindical nas grandes cidades fabris do país.
O sindicalismo reformista encontrou especial oportunidade de florescimen-
to no Rio Grande do Sul, onde líderes trabalhistas e patronato hegemônico co-
mungavam o mesmo ideário positivista de conciliação entre capital e trabalho, 
com incorporação das massas trabalhadoras à vida política e ao mercado con-
sumidor. Em um cenário de estratificação em que a maioria das elites patronais 
padecia de uma espécie de “autismo” de classe que as impedia até de perceber 
a “alteridade” representada pela existência política e social dos trabalhadores, 
a abertura da burguesia urbana e da aristocracia rural gaúchas em relação à con-
ciliação de classes podia ser considerada, em termos comparativos, progressis-
ta. Em 1923, o “Pacto de Pedras Altas”, em que teve participação Getúlio Vargas, 
Comício do 1º de 
Maio, em 1927: 
os operários de 
origem estrangeira 
impulsionam o 
movimento sindical
Os Estatutos do Partido
Comunista, de 1922
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então líder da maioria na Assembleia gaúcha, pôs fim a uma longa era de recor-
rentes conflitos entre as oligarquias gaúchas, ao firmar a paz entre os “ximan-
gos” castilhistas de Borges de Medeiros e os “maragatos” ou “libertadores” de 
Assis Brasil. Pacificado, o patriciado político gaúcho começou a buscar maior 
participação nas decisões nacionais.
O ano de 1930 começou sob o impacto da crise econômica internacional, que 
atingiu em cheio, em um ano de superprodução nos cafezais, a economia ca-
feeira brasileira, eixo do modelo agrário-exportador e mola propulsora de am-
plos setores da economia interna. Quando o preço da saca de café caiu de qua-
tro libras para uma, as falências, moratórias, demissões e quedas de salários se 
avolumaram, elevando a insatisfação com o status quo. Com a indicação do pau-
lista Júlio Prestes para concorrer à sua sucessão, o presidente Washington Luiz 
rompeu a “política do café com leite”, que assegurava a alternância de nomes 
indicados por Minas Gerais e por São Paulo na Presidência. Preterido em sua 
candidatura, o presidente do Estado de Minas Gerais, Antonio Carlos, articula-
ra uma chapa de oposição com os aliados gaúchos e paraibanos, lançando a 
Aliança Liberal e as candidaturas de Getúlio Vargas, já deputado federal e ex-
-ministro, para a Presidência, e de João Pessoa, então presidente da Paraíba, pa-
ra a Vice. Estava desfeito o arranjo oligárquico até então dominante.
Sintonizado com as angústias produzidas pela crise econômica e pela “ques-
tão social” (um “caso de polícia”, segundo o presidente Washington Luiz), o pro-
grama da Aliança Liberal propunha: adoção de um código do trabalho que ga-
rantisse seguro social, salário mínimo e férias a todos os trabalhadores; refor-
mas eleitoral, judiciária e do ensino; anistia aos “tenentes” revoltosos; liberda-
de de pensamento; defesa do café e da pecuária. O apelo feito por Antonio Car-
los já no ano anterior – “Façamos a revolução antes que o povo a faça” – foi aten-
dido quando o modelo eleitoral desacreditado assegurou a vitória do candidato 
oficial. O assassinato de João Pessoa forneceu o elemento de comoção necessá-
rio para que, a partir de 3 de outubro de 1930, tropas do Exército sediadas no Sul 
e no Nordeste marchassem em direção à Capital da República, comandadas res-
pectivamente por Góis Monteiro, antes adversário “legalista” dos tenentes, e por 
Juarez Távora, tenente de muitas revoltas. O movimento contou com a partici-
pação da maioria dos antigos tenentes revolucionários – com exceção de Luiz 
Carlos Prestes, que, professando já o marxismo, recusou-se a participar de mais 
uma “revolução pelo alto”, a qual, a seu ver, nada revolucionaria. Um mês depois, 
Getúlio Vargas assumia o poder como chefe do Governo Provisório.
Em 11 de novembro de 1930, Getúlio editou o Decreto nº 19.398, que se tornou 
a verdadeira lei fundamental do país até a promulgação da Constituição de 1934. 
O ato manteve em vigor, com as alterações que promoveu, as Constituições fe-
deral e estaduais, bem como as leis então vigentes. Transferiu ao Governo Pro-
Com a indicação 
do paulista Júlio 
Prestes à sua 
sucessão, Washington 
Luís rompeu a 
“política do café com 
leite”. O mineiro 
Antônio Carlos cumpre 
a promessa de fazer a 
revolução antes que o 
povo a fizesse
A Revolução de 1930:
a comemoração popular 
pelo golpe, acima; e 
Washington Luís a caminho 
da prisão no Forte de 
Copacabana, ao lado
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visório o exercício das competências conferidas pela Constituição de 1891 ao 
Legislativo e ao Executivo. Dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Es-
taduais e as Câmaras Municipais, mas manteve em funcionamento o Judiciário, 
com as limitações que lhe impôs. Concedeu ao Governo Provisório o poder de 
nomear interventores para governar os Estados e, a estes, o poder de nomear 
os prefeitos dos respectivos municípios. Suspendeu as garantias constitucionais, 
com exceção do habeas corpus nos crimes comuns, excluiu da apreciação judi-
cial os atos do Governo Provisório e dos interventores e criou um tribunal espe-
cial para o julgamento de crimes políticos. Garantiu a manutenção dos contra-
tos públicos e privados, o pagamento da dívida pública e a preservação dos prin-
cípios da publicidade e da motivação dos atos administrativos. Nos casos de 
ofensa à moralidade administrativa, permitiu, porém, a revisão dos contratos e 
das concessões firmados pelo Poder Público, bem como dos benefícios pecuniá-
rios concedidos aos agentes públicos. Proibiu que qualquer interventor ou pre-
feito nomeasse parente seu, “consanguíneo ou afim, até o sexto grau”, para car-
go público, “a não ser um para cargo de confiança pessoal”. Prescreveu que a no-
va Constituição deveria manter a forma republicana federativa, as prerrogati-
vas dos municípios, os direitos dos cidadãos e as garantias individuais já con-
sagradas pela Constituição de 1891. A percorrer o texto, havia o eco do republi-
canismo austero e autoritário de Júlio de Castilhos, assimilado pelo novo 
herdeiro da liderança castilhista, agora chefe do Governo Provisório.
Com as ferramentas jurídicas do Decreto nº 19.398, o apoio do Exército e dos 
tenentes, Getúlio Vargas iniciou a substituição das velhas elites agrárias pelos 
novos quadros oriundos do campo do tenentismo e dos clubes 3 de Outubro, que 
mobilizavam os setores mais “radicais” do movimento. Aos poucos, contudo, em 
um exercício de equilibrismo entre as diversas camadas no novo condomínio 
de poder em formação, Getúlio foi se reaproximando dos setores mais tradicio-
nais e começou a alijar os tenentes e outros quadros mais exaltados. Caso em-
blemático foi o de São Paulo, em que o “tenente-interventor” João Alberto foi 
substituído em 1933 pelo oligarca Armando Sales de Oliveira. Ao mesmo tempo, 
a Revolução de 1930 levava à frente a reorganização

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