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FENO DESABRIGO

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Do abrigo à confiança: Daseinsanalyse e terapia 
Bilê Tatit Sapienza
Dasein (Da-sein) - ser-aí, 
- designa exatamente aquele ente para o qual ‘ser’ é sempre questão;
aquele ente que é o ‘aí’ onde se ‘dá’ ‘ser’; 
aquele cujo modo de ser é ser sempre ‘aí’. 
Aí, onde? No ‘mundo’. 
Aquele cujo modo de ser é ‘existindo’. 
É à existência humana 
que nos referimos quando dizemos a palavra 
Dasein. 
Esse é um modo de pensar para o qual o essencial do homem não é ser racional, 
mas sim, ser destinado ao ‘cuidado’ (Sorge). 
É uma filosofia para a qual o homem permanece sempre devedor à existência,
 
facticamente destinado a realizar sua existência no meio das possibilidades todas que se apresentam a ele 
e, ao mesmo tempo, limitado pelo não poder tudo e pela morte. 
É isso o que encontramos na base da existência humana quando dirigimos o olhar para ela.
O psicólogo percebe, depois de algum tempo, o quanto é mais difícil trabalhar sem o respaldo de uma teoria de psicologia. 
Nem sempre é cômodo manter o
 
pensamento aberto;
 sentir-se solto pode ser vivido como desamparo. 
Aqueles temas que encantam e são tão envolventes, quando tratados em grupos de estudo, são outra coisa quando trazidos na condição do sofrimento concreto de alguém que está na sua sala e espera algo de você. Ali se rompe o encantamento; aquilo só dói.
Cada pessoa conta a sua história, conta a sua vida. Se você estiver junto a cada uma delas, com o pensamento e o coração abertos, o sofrimento poderá ser seu também. E, no entanto, você não está ali para afundar junto. Cada pessoa conta a sua história, conta a sua vida. Se você estiver junto a cada uma delas, com o pensamento e o coração abertos, o sofrimento poderá ser seu também. E, no entanto, você não está ali para afundar junto.
Mas em nossa maneira de trabalhar, nossa disponibilidade para o que chega é de tal forma que, a cada vez, sentimos como se aquilo estivesse acontecendo pela primeira vez no mundo, como se não houvesse com o que ser comparado, como se aquele paciente estivesse inaugurando aquela possibilidade de sofrer. 
Essa maneira de estar com o paciente é algo que conquistamos aos poucos, pois a tendência mais comum do psicólogo é querer fazer o diagnóstico. Ele, em geral, quer encaixar o particular do paciente no geral da teoria. Em nosso caso, procuramos fazer um caminho oposto: nós nos despreocupamos do geral da teoria e vamos em busca da diferença peculiar que identifica aquele paciente.
Em nossa abordagem, a existência humana é concebida como algo totalmente diferente da existência de todos os outros entes. 
A noção heideggeriana de ‘existência’ é tal que, rigorosamente falando, só o homem ‘existe’. 
Os outros entes são. O ente montanha é, o ente árvore é, o ente gato é. O ente humano ‘existe’. 
Este é o ente a que chamamos Dasein, ser-aí, que é ‘ser-no-mundo’.
E quando se trata desse ente, ‘existência’ significa ‘abertura’ para o ‘ser’ em geral, e é nessa ‘abertura’ que se dá ‘mundo’, ‘mundo’ que é o entrelaçamento de significados. 
Se ‘existência’ já é ‘ser-no-mundo’, já é esse ‘aberto’ prévio em que se dá ‘mundo’, onde caberia em tal contexto falarmos de interno e externo, de dentro e fora? Dentro ou fora de quê?
Se, onticamente no mundo, podemos nos referir a algo interno ou externo em relação a alguma coisa, já é porque, originariamente, do ponto de vista ontológico nossa ‘existência’ é essa ‘abertura’ compreensiva, que tem como um de seus caracteres existenciais básicos a ‘espacialidade’, o que permite ao Dasein poder dizer dentro, fora, perto, longe, aqui, ali, e conceber o espaço físico com suas dimensões. 
Existir é ser esse ‘aberto’, que não pode ser fora do ‘mundo’, porque ‘precisa’ de ‘mundo’ para ser, e não pode ser dentro do ‘mundo’ porque fora dele não ‘há’ ‘mundo’ em relação ao qual ele pudesse ser dentro. 
A ‘existência’, sendo a própria ‘abertura’ em que ‘há’ ‘mundo’, já é, de modo originário, ‘compreensão’ do mundo, e não apenas uma compreensão no sentido intelectual, mas compreensão no sentido, de abarcar o que se apresenta, e mais, é uma compreensão já sempre colorida por uma disposição ou ‘afinação’ relativa ao que é compreendido. 
O fato de a ‘existência’, considerada ontologicamente, ser essa prévia ‘abertura’ compreensiva e afinada é o que permite que, onticamente, haja todas as formas de conhecimento e todas as formas de emoção.
 
Noções teóricas  atrapalham justamente porque parecem ser tão boas, e assim se instalam no pensamento do terapeuta e bloqueiam a procura por outros significados.
Essas noções a que me refiro são algumas idéias que fazem parte do repertório do psicólogo, e algumas, freqüentemente, já são familiares também a muitos pacientes, pois elas estão na mídia. 
Quem não ouviu falar, por exemplo, da famosa “auto-estima”, que, segundo dizem, é um perigo quando está baixa? Fala-se disso como se tratasse de uma baixa taxa de plaquetas ou de glóbulos vermelhos no sangue. 
E do quanto é ruim não saber impor limites aos outros? Dizem que todo mundo invade quando alguém não sabe pôr limites. 
E das chamadas vantagens secundárias? Desconfie de quem é capaz de algum sacrifício, sempre há algo suspeito por trás, é o que dizem. 
E da clássica insegurança? Aprendemos que ela está por trás daquele que parece tímido, mas mostrar que é muito seguro também pode ser insegurança. 
E da tão moderna somatização? “Engolir” as coisas de que não se gosta pode dar gastrite ou outros problemas de aparelho digestivo. Atualmente, todo mundo “sabe” disso.
Sofrer de gastrite, por exemplo, é uma possibilidade daquela pessoa que existe diante de nós, visto que a ‘existência’ tem como um de seus caracteres fundamentais a ‘corporeidade’ (um existencial), e ser corpo supõe ter um aparelho digestivo que pode ser atingido. 
Mas o que significa o fato de aquela pessoa em especial manifestar sua gastrite ou piorar dela em certas situações? 
Que situações são essas? 
Como é essa forma de ser no mundo que tão nitidamente mostra a vulnerabilidade daquele corpo sob essa forma de mal-estar?
E, quanto àquela outra pessoa que se queixa de uma auto-estima baixa, por que ela se vê tão sem valor? 
Essa maneira como ela se compreende e a tristeza que sente por isso são modos possíveis de realizações ônticas de caracteres ontológicos básicos do Dasein (existenciais), no caso, ‘compreensão’ e ‘afinação’. 
São maneiras concretas de compreender e de sentir si-mesmo e mundo. 
Concretamente, como aquela pessoa acha que ela precisaria ser para então valer alguma coisa? Por que isso que ela acha que precisaria ser é tão importante para ela? 
Por que em sua vida ela está tão presa nesses parâmetros, quem vale mais e quem vale menos?
É importante que o terapeuta se lembre de que as queixas e questões trazidas por alguém devem ser consideradas e compreendidas junto àquela história pessoal.
No enfoque da fenomenologia, dito aqui numa linguagem bem, simples e coloquial, a primeira recomendação para a compreensão de questões que se colocam diante de nós é:
 livre-se da sedução da facilidade das idéias já prontas que, à força de serem repetidas, acabam por se impor a você e fique atento ao fenômeno.
Era com aquela existência que a terapeuta tinha entrado em contato. Aquele era o fenômeno que se manifestava na juventude, nas cicatrizes, nas lágrimas, nos gestos, nas palavras da moça. 
Uma existência num momento de abalo, de corte, de interrupção do rumo planejado para a vida, de esvaziamento de sentido, uma existência literalmente ferida. 
Ainda haveria muito para aparecer. 
Deixar que aparecesse, no meio de todos os encobrimentos que também viriam, poder pensar e pôr em linguagem o que aparecesse; logos penetrando a manifestação: elas estariam fazendo uma fenomenologia. (p. 40) 
Num certo momento a paciente havia dito algumas coisas que chamaram a atenção da terapeuta: estava adiando a vinda; queria poder sair daquilo sozinha.
	A terapeuta poderia ter se detido no porquê do adiamentoda vinda, ou no sentido do querer sair daquilo sozinha, ou seja, sem ajuda. 
Mas escolheu outro caminho. Deteve-se no sair “disto”, dando ênfase para o que seria este “isto” do qual a paciente queria sair. 
Obviamente, ela sabia que essa palavra se referia à situação sofrida que estava sendo vivida. Mas queria ouvir da moça, ainda que ligeiramente num primeiro momento, como ela, particularmente, estava vivendo a sua dor. (p.41)
Foi assim que surgiram aqueles: minha vida não é mais a mesma; não me conheço mais; confusão; depressão; medo. 
Apareceram também o seu querer sair daquele estado e a sua capacidade de confiar em alguém, isto quando ela se referiu à outra terapeuta. 
Uma pequena pergunta – o que é esse “disto” – tinha contribuído para uma aproximação daquele modo de existir, para abrir um caminho de pensamento.
...Estava falando do meu namorado. Ele simplesmente sumiu. Eu queria muito ter notícia dele. Eu gostava mesmo dele. Mas não quero que ele saiba de mim. Deus me livre de ele me ver agora. Mas você não acha estranho ele nunca mais procurar saber de mim? Ele poderia perguntar por mim a algum conhecido. Ele sabe onde trabalho. Ele tinha meu telefone. Acho que ele não quer mesmo saber.
A terapeuta ouvia. Percebia na paciente o seu querer saber qual era o modo certo de fazer terapia, mas o que aparecia principalmente eram o peso que o acidente tinha em sua vida e o incômodo com a indiferença do namorado. 
A terapeuta também pensou: “Estranho isso de ele não querer saber o que aconteceu com a namorada.” Mas não falou nada sobre isso, pois não vinha ao caso esclarecer uma possível maneira estranha de ser de outra pessoa que não a sua paciente. 
O importante era que a moça pudesse falar do quanto ela achava isso estranho. (p.42)
... Falei pra você há pouco que acho estranho ele não ter querido saber de mim. Não é nada estranho. Ele não pode mesmo querer mais nada comigo. Nenhum homem vai se interessar por mim.
A terapeuta permanecia atenta e tocada pelo que via, pelo que escutava. E o pior era se sentir como quem nada tem a dizer. Bem que se lembrou de alguma coisa referente a questões, por exemplo, de auto-estima, de identidade: ela sente que não vai mais ser querida, valorizada; com a mudança de seu rosto ela não está mais podendo se reconhecer como sendo ela. Mas pensou: “Nossa, como isso é pouco! Tenho até vergonha de dizer pra ela alguma coisa desse tipo. Como aquilo tudo pelo que ela está passando vai caber em conceitos?” Então disse apenas:
	- Você pode falar todo o tempo que quiser sobre o seu sofrimento, que estou vendo que é muito grande. 
A moça, depois que saiu, pensou: “Falei mais do imaginava. Ela parece legal, é tranqüila. Do jeito que estou, acho que é duro pra alguém me agüentar. Nem eu estou me agüentando. Mas uma coisa ficou bem clara pra mim: não esqueci ainda o fulano e não engulo isso de ele não ter se preocupado em saber de mim. Tinha a impressão de que já era caso encerrado, mas o assunto foi ele. Fazia tempo que não falava dele. Nem gosto de contar essa mágoa pra ninguém. Remoer coisas sem solução me dá raiva. Ninguém pode me dar de volta o que eu tinha, o que eu era. O que é que vai adiantar ficar falando pra ela? Pode ser que eu acabe pior de tanto remexer. Dá vontade de entregar os pontos, deixar como está.” 
... A existência dela caiu sob o foco do nosso olhar. E, quando a existência entra em foco, abre-se o mundo humano, o mundo dos significados. O que é um acidente assim para essa pessoa? Como fica o mundo dela? Como tem sido a sua história? Como vai ser de agora em diante? Por que acontecem coisas assim? Como isso repercutiu nas pessoas que a conhecem? 
Sabe que de uns tempos pra cá tenho um sonho que se repete muito? Não sei bem como é a história do sonho, mas sempre há um pedaço em que escurece o céu e, de repente, é noite..., e me dá muito medo aquele escuro..., muito medo. Não vejo nada. Acordo sempre nessa hora, e é difícil dormir de novo. No dia seguinte, me levanto cansada. Quando acontece isso, fica complicado trabalhar. Acho que esse sonho tem tudo a ver comigo. Sabe que é assim mesmo que me sinto? Eu estou no escuro. É assim: nunca mais vai amanhecer o dia... Nunca mais. Ontem mesmo tive esse sonho. Você não concorda comigo? 
Você quer saber se concordo com a sua compreensão do sonho ou pergunta se acho que nunca mais vai amanhecer o dia?
Tinha perguntado sobre o sentido do sonho, porque acho que o sonho da gente sempre quer dizer alguma coisa, não é? Eu li sobre isso nas revistas. Agora, quanto à outra coisa que você falou, sei que nunca mais vai amanhecer o dia. Você entende o que quero dizer?
Entendo o que você está dizendo. Parece que o seu sonho mostra mesmo o momento que você vive agora: momento de uma mudança repentina, a impossibilidade de enxergar qualquer coisa, por que falta luz. O escuro assusta. E você acorda de tanto medo. O medo é de quê? Medo daquilo que já aconteceu? Medo do que está por vir? Ou será medo porque não há nada por vir? Medo porque não há futuro? 
É medo de tudo. Mesmo quando não tenho sonho nenhum, muitas vezes acordo assustada. Faz muito tempo que não durmo direito. Você falou de futuro. Eu não tenho mais futuro. Quando a gente não tem o que esperar, mesmo que se ache que vai continuar vivendo, não importa por quanto tempo, isso não é a mesma coisa que ter futuro. Como é que a gente vive sem futuro?
Será que não há futuro ou será que você não vê futuro porque está escuro agora?
A moça foi para casa, conversou um pouco com a mãe, e depois folheou uma revista que estava por ali. Fazia muito tempo que não lia nada. Ainda com a revista nas mãos pensou: “Ela disse que acredita no que digo. Ainda bem. Parece que acredita mesmo. Será que disse isso só para eu me sentir melhor? Mas se fosse só isso, acho que ela iria falar só a primeira parte, quando disse que não tinha motivo para não acreditar; mas acrescentou “acredito em você”. Também acho que uma psicóloga não fala coisas só para agradar. Aquela que me atendeu lá no hospital me disse algumas vezes coisas duras de ouvir, mas que eu precisa ouvir.” 
Foi pensando coisas assim que ela dormiu nessa noite um pouco menos infeliz. 
- A gente tem de fazer o que pode ser feito pra conseguir o que acha importante. Mas isso não dá garantia de que aquilo se realize. O que acontece resulta da ação da gente e também de uma porção de outras coisas que a gente não controla.

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