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TEORIA GERAL DO ESTADO – Aulas para o 1º semestre LEITURA-‐BASE/OBRIGATÓRIA: Elementos de Teoria Geral do Estado (DALLARI, Dalmo de Abreu). AULA 1 – INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL do ESTADO Faz-‐se necessária a compreensão do Direito além da mera aplicação de leis. O acadêmico deve entender as instituições para que possa, também, ser ferramenta de alterações na sociedade. Conhecendo as instituições, permite-‐se que o jurista não seja apenas um autômato, sem inteligência ou vontade. Além disso, possibilita-‐se a criação de visão para que os problemas sociais sejam corrigidos, sem que seja a partir de meros transplantes de ideias prontas, mas com a devida adaptação às questões locais. E por fim, a matéria trata de vários aspectos que interferirão na própria elaboração do Direito. A TGE é vista como uma disciplina sintética ligada aos pensamentos jurídicos, históricos, filosóficos, sociológicos, políticos, antropológicos, econômicos, psicológicos, com fim no aperfeiçoamento do Estado. A disciplina em si surge somente no fim do século XIX, porém, já há indícios do estudo de seu campo na Antiguidade (Platão, Aristóteles e Cícero); há ecos na Idade Média (Santo Agostinho e São Tomás de Aquino) e se laicifica com Maquiavel, no início do século XVI. Depois, a partir da ideia de um direito natural, surgiram Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. Ao fim do século XIX, ocorreu a sistematização jurídica dos fenômenos políticos por Gerber e Jellinek. No Brasil, o ensino da TGE iniciou nos anos 1940 como Direito Constitucional I, o que possui imprecisão acadêmica, apesar da grande relação. Depois, consagrou-‐se a matéria Teoria Geral do Estado em correlação expressa com o Direito Constitucional. Em 1994, surge a obrigatoriedade da matéria no Direito como “Ciência Política (com Teoria do Estado)”. Ocorrido isto, deve-‐se observar que o desenvolvimento da Ciência Política só ocorre a partir da existência de um Estado, sendo este o interesse daquela. Inclusive, sendo o Estado pessoa jurídica com manifestação de vontade a partir de seus órgãos, poderes e pessoas, além de limitado juridicamente, é um poder jurídico de essência política. Então, aí reforça-‐se a essencialidade do estudo da Teoria do Estado nos cursos de Direito. A Ciência Política estuda a organização e os comportamentos políticos, independente dos elementos jurídicos, o que a torna insuficiente quando fora da Teoria do Estado. O objeto da Teoria Geral do Estado é o estudo do Estado sob todos seus aspectos (origem, organização, funcionamento e finalidades, por exemplo), sendo possível estuda-‐lo com diversas ideias diferentes, podendo agrupá-‐las principalmente em três: (a) a busca da justificativa do Estado (filosófico); (b) o estudo dos fatos concretos (sociológico); e (c) o Estado como realidade normativa (jurídico). Como o estudo das três linhas isoladamente não permite uma visão ampla do Estado, Miguel Reale propôs um culturalismo realista, fundindo as vertentes e considerando-‐as indissociáveis, tendo Alexandre Groppali uma ideia semelhante. Apesar de todas essas formas propostas, é impossível estudar seguindo apenas uma linha metodológica, podendo a análise do Estado ser indutiva (com fim em generalizações), dedutiva (a partir das análises de fatos particulares) ou analógica (comparativos). Ainda que utilizadas formas diferentes de se estudar o Estado, todas elas podem ser fundidas para que seja criada uma noção mais completa do objeto de estudo da Teoria Geral do Estado. AULA 2 – DA SOCIEDADE A vida em sociedade é benéfica ao humano, porém, cria uma série de limitações que chega a afetar a liberdade humana, fato este que traz perguntas visando os porquês do homem se subordinar à vida em sociedade. Existem duas grandes ideias, ambas com grandes defensores e boas teses, que podem responder a essa pergunta: o da sociedade natural e o da escolha humana. A ideia da sociedade natural Aristóteles (Grécia Antiga): “o homem é naturalmente um animal político” (in: A Política). Apenas alguém de natureza vil ou superior à do humano é que seria capaz de se isolar da sociedade. Para ele, os animais irracionais que se agrupam o fazem apenas por instinto, enquanto o homem o faz racionalmente. Cícero (Roma Antiga): é menos a insuficiência individual e mais o instinto inato de sociabilidade. Ainda que vivendo sozinho e abundantemente, sente a necessidade da vida social. Santo Tomás de Aquino: converge com Aristóteles e cria uma classificação de “tipos” que vivem sozinhos. Excellentia naturae: indivíduo notavelmente virtuoso, que vive apenas com a própria santidade; Corruptio naturae:pessoas com anomalia mental; Mala fortuna: quando o indivíduo, por acidente (náufragos etc.), passa a viver sozinho Ranelletti: desde sempre o ser humano convive com outros, ainda que sua origem seja rude ou selvagem. Aquele que vive só não se encontra na realidade da vida. Só unido que o homem consegue os meios para satisfazer suas necessidades, melhorar a si mesmo e atingir os fins de sua existência. Ainda que a ideia seja da inerência da sociedade ao homem, não se pode dispensar a vontade humana nessa dinâmica, pois o ser é consciente que necessita da vida social. A ideia contratualista Muitos são os autores que sustentam que a sociedade é tão somente a prática de um acordo de vontades. Nega-‐se que o humano socializa por impulso natural; afirma-‐se que apenas a vontade sustenta a sociedade. Platão (Grécia Antiga): teorizou, em “A República”, um modelo ideal da vida social, como Moore e Campanella. Thomas Hobbes: em Leviatã, propôs e sistematizou o contratualismo. Tratou do homem no estado de natureza, em que o ser se encontra no caos quando a paixão é superior à razão ou quanto a autoridade fracassa. O humano, graças ao descontrole do estado de natureza, vive em permanente “guerra de todos contra todos”. A despeito disso, sendo a espécie racional, ela sabe quais os princípios para entrar no estado social, com base em duas leis fundamentais: (i) cada indivíduo se esforçando pela paz e (ii) se necessário pela paz mútua, dá-‐se a renúncia ao direito a todas as coisas, com a mesma liberdade a si concedida. Ciente de tudo isso, o homem fez o contrato para possibilitar a vida em sociedade e, também, um ente visível que vincule e obrigue as pessoas a obedecê-‐lo pelo medo da punição. Criou-‐se o Estado. É necessário mantê-‐lo com fim na preservação do homem, ainda que seja mal administrado: melhor um mal governo do que o estado de natureza. O governante não pode ser contestado: o que ele diz é lei e representa o Estado (absolutismo). Disso tudo resulta o conceito de Estado como “uma pessoa de cujos atos se constitui em autora uma grande multidão, mediante pactos recíprocos de seus membros, com o fim de que essa pessoa possa empregar a força e os meios de todos, como julgar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comuns”. O Estado dessa pessoa se denomina soberano e se diz que tem poder soberano, e cada um dos que o rodeiam é seu súdito. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 32ª edição, 2ª tiragem, p. 26). Locke, no século XVII, passou a questionar fortemente o contratualismo de Hobbes, porém só um século mais tarde que os teóricos refutaram totalmente o absolutismo para conter a “guerra de todos contra todos”, ainda que com uma ideia contratualista para a origem da sociedade: Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”, acredita no homem num estado de natureza, entretanto não nos moldes hobbesianos de um subjugar o outro, mas sim, de que o indivíduo reconheceu sua hipossuficiência (o que não encorajaria o ataque a outrem) no meio natural e, assim, achou conveniente associar-‐se com os demais. Sob esta ótica, ele também estruturou leis naturais ao homem, que são quatro: (i) o desejo de paz; (ii) o sentimento das necessidades; (iii) a atração ao sexo oposto; e (iv) consciência do seu estado natural, que o leva a querer a vida em sociedade. Com o surgimento da sociedade e o sentimento de fortalecimento dos indivíduos advindo disso, aí sim, o humano entra no estado de guerra com a diferenciação e a criação de desigualdades. Não aprofundou na ideia do contrato social e apreciou, direto, a formação das leis. Rousseau voltou a estudar o contratualismo à maneira de Hobbes, porém, absorvendo a noção de bondade humana teorizada por Montesquieu, em “O Contrato Social”. Foram as ideias desse livro, no contexto da Revolução Francesa, as praticadas de fato nos novos governos que seriam implantados. A soberania dos povos, a busca incessante pela igualdade e a ideia de interesse coletivo como pertencente a cada indivíduo vieram por essa obra e até a contemporaneidade são inspirações. A sociabilidade não é um impulso natural, mas sim, racional do ser humano: o estado natural dele é bondoso e apenas interessado na autopreservação, o que encontrou limites e, para quebra-‐los, passou a associar-‐se com os iguais. Os direitos individuais passam a ser pensados pelo bem comunitário. A comunidade gera o Estado, mero executor da vontade coletiva,e é soberana quando toma um poder de decisão. A soberania é, portanto, coletiva, não de um governante, e é inalienável e indivisível, expressada pela vontade geral, uma síntese das ideias. A vontade geral sempre visa o interesse comum, enquanto a vontade de todos (uma mera soma) releva mais os anseios particulares, o que demonstra a possibilidade de diferenças entre uma e outra. A sociedade visa proteger a liberdade individual, para que ela seja bem praticada, e garantir a igualdade individual. Portanto, as bandeiras pelas quais a vontade geral, portanto, o povo soberano e o Estado, devem zelar são a liberdade e a igualdade, dois fundamentos da democracia. Feito todo esse histórico, podemos visualizar que a sociedade é a soma de um impulso natural somado ao uso da razão, e, graças a isso, jamais pode-‐se considerar o homem fora de seu contexto, individualmente, mas sim, nele encrustado no grupo formado, ou seja, o homem social. AULA 3 – DOS ELEMENTOS que CARACTERIZAM a SOCIEDADE Estudadas as duas ideias que teorizam o objeto de estudo, deve-‐se estabelecer qual agrupamento é a sociedade, afinal, dentro dela há a chamada pluralidade social, com diversas manifestações existentes internamente, o que não causa, necessariamente, a quebra da sociedade. Para tanto, três elementos devem ser estabelecidos: (i) a finalidade ou o valor social, (ii) as manifestações de conjunto ordenadas e (iii) o poder social. FINALIDADE SOCIAL Detectam-‐se objetivos comuns àquela sociedade, havendo a necessidade de estabelecer atos espontaneamente obedecidos para alcançá-‐los. Há quem negue a possibilidade de escolher a finalidade da sociedade (os deterministas) e os que creem que é possível, pela vontade (os finalistas). Os deterministas creem no homem subordinado às leis naturais, sujeitas ao princípio da causalidade, o que é arriscado, pois, não seriam visadas mudanças e melhorias na sociedade. Os finalistas são o oposto, pois creem que a sociedade pode definir suas finalidades, livremente escolhidas pelo humano, a partir da inteligência e da vontade. A finalidade social deve ser o bem comum. Este foi definido pelo Papa João XXIII como o “conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. Portanto, são as ações coletivas que tem como finalidade o favorecimento do indivíduo. ORDEM SOCIAL e ORDEM JURÍDICA Não basta, na sociedade, saber que é necessário a batalha pelo bem comum como sua finalidade. Deve-‐se definir a ação coordenada dos indivíduos para o alcance daquele fim. Para ela ocorrer, três requisitos devem ser atendidos: Reiteração: reiteradamente, os membros da sociedade devem se manifestar em conjunto, pois só assim o bem comum permanecerá como busca, cada vez mais, e de acordo com o surgimento de novos fins sociais. Ordem: nos tempos cientificistas (fim do século XVIII até o começo do século XIX), havia o entendimento de que todas as leis e fatos sociais seguiam os anseios da natureza. Durkheim, nesse tempo, desenvolveu o pensamento de que os fatos sociais devem ser estudados como coisas, compreendidas por fatores internos ao indivíduo (psicológico) e externos a ele (fatos sociais), sendo a soma delas a matéria da vida social e inconfundíveis com as leis da natureza, possuindo leis próprias. A partir disso, veio a diferenciação entre a ordem da natureza (Mundo Físico) e a ordem humana (Mundo Ético) que, estudada por Hans Kelsen na Teoria Pura do Direito, mostra que a primeira ordem é “se A, portanto, B”, enquanto na segunda, “se A, portanto, deve ser B”, sendo este caso bem ilustrado pelos fatos jurídicos, nos quais uma pessoa pode ou não passar por consequências de certas ações. Tais estudos foram devidamente aprofundados e aperfeiçoados pelo finado professor da Fadusp, Goffredo da Silva Telles Júnior. Dentro do Mundo Ético há uma segunda divisão, conforme García Máynez, que é a unilateralidade da moral e a bilateralidade do direito, sendo o caráter distintivo das regras sociais. A primeira é a não obrigação em obedecer aos preceitos morais, ainda que estes sejam de aceitação majoritária ou até coletiva. A segunda dá a possibilidade da vítima da ofensa ou de terceiro obrigar o ofensor a cumprir norma ou ser punido pelo seu descumprimento. O mesmo autor complementa dizendo que há uma terceira linha de regras, que são os convencionalismos sociais, que englobam decoro, etiqueta, moda, cortesias etc., ligadasà exterioridade dos atos do indivíduo, sem relação com a idoneidade das intenções dele. Mas o que fazer para os indivíduos obedecerem a todo ordenamento que a sociedade impõe? Adequação: devem ser levadas em conta toda realidade social para que as ações não sejam contrariadas ou pervertidas. Para início, os próprios membros da sociedade devem ser levados em conta para a construção de sua ordem. Todo ato humano, conforme Heller, é direcionado por fenômenos naturais, históricos e culturais, conforme padronização de Duverger no conjunto cultural, que são os elementos compositores da sociedade (geográficos, demográficos, técnicos, econômicos, institucionais etc), mesclado ao cotidiano. A não adequação da ordem jurídica à social causa graves problemas para a concretização do bem comum, principalmente na atualidade, em que os indivíduos se preocupam muito mais com o crescimento (quantidades) do que com o desenvolvimento (qualidades), com aquele sendo inútil ou, até mesmo, prejudicial para o alcance do bem comum. Mas como conciliar esses três fatores para alcançar o bem comum sem afetar a liberdade dos indivíduos (um dos fins desse bem)? A resposta encontra-‐se em seguida. PODER SOCIAL O poder é um fenômeno vindo pelos fenômenos sociais e é bilateral (correlação de duas ou mais vontades, sendo algumas delas as submetidas). O estudo realmente relevante do poder na Teoria Geral do Estado é o do poder social. Os definidos genericamente como anarquistas são aqueles que creem na dispensa do poder social, crendo-‐se que as pessoas devem viver na natureza, sem submissão aos artifícios que a sociedade cria. No Cristianismo são encontrados muitos elementos anarquistas, que foram refutados na própria Bíblia, porém, Santo Agostinho, em sua obra “Da Cidade de Deus”, aprofundou a ideia anarquista de sociedade natural, sem submissões, dentro de moldes cristãos e idealizados. Era finalidade, a partir disso, fazer com que a Igreja Católica dominasse o poder temporal, unificasse todos os povos do mundo sob o Cristianismo e, então, fizesse um mundo perfeito, anarquista, ou seja, sem relações de poder entre os homens. Há o anarquismo de cátedra, que crê que as relações de poder apenas são consequência das diferenciações materiais que existem na sociedade, e não de uma necessidade real dela. Léon Duguit entende que duas são as teorias que explicam as relações de poder: (i) teorias religiosas, que creem numa força muito poderosa que influa nas ações humanas (não religiosas no sentido estrito, mas também, de adoração às crenças científicas próprias) e (ii) teorias econômicas, que diferenciam materialmente a relação entre governantes e governados. Ele crê que o poder é dispensável porque os indivíduos possuem sentimentos de justiça e sociabilidade que levariam à solidariedade. Godwin, defendendo essa mesma linha de pensamento, crê na bondade fundamental do homem, sendo a autoridade política e a propriedade privada os corruptores dele, além da religião, conforme adicionava Bakunin, divergente de Marx, o qual acreditava nas agremiações políticas tomando o poder e instalando o comunismo. Ainda que exista essa linha anarquista, a maioria dos autores crê na necessidade da existência do poder, com um grande leque de justificativas para tal. Um grande argumento é a da eterna existência humana sob o jugo do poder. Creem que sempre é necessário algum tipo de poder para manter a unidade da sociedade e a possibilidade de alcançar os seus fins (resumidos no bem comum). Por um tempo, foi a força física. Depois, a crença no direito divino dos reis, reforçado pela religião cristã. Porém, ao final da Idade Média, surgem estudiosos afirmando que o povo é a grande origem de direitos e poder. Com os contratualistas, isso se reafirma com a adição da vontade geral e dos direitos sociais, basilares à organização social. Hoje, o poder utiliza a força, mas sem poder se confundir com ela. Além disso, o poder legítimo cada vez mais anda junto com o poder jurídico. Ainda que o poder esteja cada vez mais conforme o direito, diz Miguel Reale, não há direito que seja produzido sem um poder. Portanto, poder e direito são realidades concomitantes. Fazendo outra distinção, legitimidade e legalidade não podem ser confundidos. O primeiro, conforme Max Weber, pode ser sustentado pela tradição (monarcas), pelo carisma (tradução do povo no líder, ainda que sem legalidade) e pela razão (quando necessariamente coincide legalidade e legitimidade). Georges Burdeau diz que o poder legítimo é aquele que é consentido pela sociedade, quando o investido nele representa os anseios dos investidores. Se o poder político não estiver aserviço dos anseios da sociedade, ou seja, do bem comum, com permanente consentimento social, o governante se torna um autoritário. SOCIEDADES POLÍTICAS Não se pode confundir quais são as sociedades com fins particulares da com fins gerais, afinal, as primeiras tem um caráter volitivo e possuem uma finalidade limitada e de interesse àquele grupo específico de associados; as últimas, são as de fins gerais e tem um objetivo genérico, indefinido, e o pertencimento independe (na maioria das vezes) da vontade de seus integrantes, trabalhando ao coletivo em prol de finalidades individuais e associativas. Elas, em geral, são denominadas como sociedades políticas, pois não se prendem a uma finalidade específica, mas pelo elo entre todas as atividades internas a si. A política é a gestão de negócios da comunidade (Heller), afinal, ela afeta a totalidades dos fatores do homem. Pelos seus membros, as sociedades políticas ocupam-‐se da totalidade das ações humanas. Estudaremos a sociedade política mais importante: o Estado. AULA 4 – DA ORIGEM, FORMAÇÃO e EVOLUÇÃO HISTÓRICA do ESTADO PARTE I A palavra “Estado” surgiu, como definição de uma sociedade política, pela primeira vez em 1513, n’O Príncipe, de Maquiavel, sempre utilizada em relação a uma cidade italiana independente. A expressão logo se espalhou à França, Alemanha e Inglaterra. Existe quem teorize a origem do Estado apenas a partir do surgimento do nome ou próximo disso, ou desde (muito) antes dessa definição surgir. Para uns, o Estado sempre existiu na humanidade, desde quando ela se organizou socialmente, com poder e autoridades determinadoras do comportamento grupal. A outros, a sociedade humana não teve o Estado por um período. Depois ele surge para atender conveniências ou necessidades de certos grupos sociais. Esta é a linha de pensamento majoritária. Há uma terceira posição, que é o Estado como sociedade política e com características bem definidas, as quais, se houver alguma exceção, tirariam sua presença. Conforme Karl Schmidt, que segue tal linha, o Estado surge com o conceito de soberania, no século XVII. Balladore Pallieri especifica que o Estado surgiu apenas em 1648, com a assinatura da Paz de Westfália. Podemos analisar a formação do Estado por duas questões: a) ORIGINÁRIA: parte-‐se do agrupamento humano não integrado pelo Estado. i) Formação natural ou espontânea: Estado surge naturalmente, não voluntariamente; ii) Formação contratual: a vontade de alguns ou de todos os homens é que formou o Estado. As causas determinantes para o surgimento estatal podem ser: -‐ Familial ou patriarcal: famílias primitivas se ampliando e formando um Estado; -‐ Força, violência ou conquista: um grupo social mais forte submeteu outro, mais fraco, ao seu Estado, tendo como fim principal a submissão do mais fraco ao mais forte para exploração econômica; -‐ Economia e patrimônios: veio para aproveitamento dos princípios da divisão do trabalho, além de garantir que os grandes proprietários mantivessem seus domínios e finanças e as multiplicassem. Fundamenta a teoria marxista do Estado ao dizer que ele é material da burguesia para exploração do proletariado e, então, que poderá ser extinto por ter sido criação em benefício apenas a uma minoria; -‐ Desenvolvimento social interno: em qualquer sociedade o Estado tem potencial para surgir, mas somente ocorre a partir de um momento específico do desenvolvimento de sua sociedade, pelas necessidades que vem. b) DERIVADA: crê-‐se na formação do Estado a partir de outros. É o mais comum atualmente e há muito mais interesse prático em estuda-‐las. i) Fracionamento: desmembramento de uma parte de um Estado com fim na formação de outro. O separatista tem povo, território, ordem jurídica e soberania próprias, todas em detrimento do Estado anterior; ii) União: ocorreu muito quando da constituição de federações. Somam-‐se vários Estados existentes em prol de um novo, maior, mais forte, superior, formando novos povo, território, ordem jurídica e soberania. Os Estados formadores perdem esse status em prol do novo. iii) Atípicas: por consequência de guerras, negociações ou tratados surgem novos Estados, como ocorreu quando da separação da Alemanha pós-‐II GM e do surgimento dos Estados do Vaticano e de Israel. PARTE II Uma breve revisão de conceitos aprendidos durante o Ensino Básico (Fundamental e Médio). Estado Antigo: também chamado de Oriental ou Teocrático. Presente fortemente no Mediterrâneo e na Mesopotâmia. Família, religião, Estado, economia, tudo isso se confundia. Era sempreunitário, não admitindo divisões interiores. Era sempre teocrático, podendo ele ser unitário, com o líder do Estado sendo uma divindade, ou sendo ele limitado pelos sacerdotes da religião oficial. Estado Grego: nunca houve unidade, eram cidades-‐Estado. A finalidade era a autossuficiência e a autarquia. Tais características determinaram que, ainda que houvesse dominação de povos, nunca houvesse expansão territorial. Adiciona-‐se a isso que a faixa dos cidadãos que administravam o núcleo estatal grego era muito pequena, então, em caso de crescimento, seria difícil suportá-‐lo administrativamente. Estado Romano: assemelhava-‐se muito ao Estado Grego, inclusive no formato de cidade-‐Estado, de sua formação lendária até sua queda com Justiniano. Porém, era muito peculiar que todo o império fosse administrado pelas famílias fundadoras, originalmente romanas (os patrícios). O povo que participava do governo, e esse povo era uma faixa muito restrita da população. Outras camadas sociais se desenvolveram, mas os privilégios continuavam aos patrícios. A abertura progressiva da sociedade romana com a “patriação” dos plebeus (como uma grande técnica administrativa de Caracala) e a liberdade religiosa vinda com Constantino marcaram o início do fim do Império Romano. Estado Medieval: três são os itens que colaboram com o estudo sobre esse período tão instável para o Estado: o cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo. . O primeiro fator tinha como fim principal o universalismo religioso para, então, formar um Estado propriamente universal, o que justifica a centralização do poder na religião. A Igreja instituiu um Imperador, mas ele não respondia devidamente ao que a instituição gostaria, havendo constantes choques entre os anseios papais e os anseios imperiais, sem contar que estes não eram totalmente atendidos pelos súditos, graças às mais diversas descentralizações e batalhas por independência e poder. . O segundo fator foi decisivo para a descentralização das diversas regiões invadidas, afirmando unidades políticas independentes. Além disso, o enfraquecimento dos povos encorajou invasões até o século VI e, também, alianças com fins de poder e economia entre bárbaros (nórdicos ou árabes) e cristãos, principalmente na Itália e no Imp. Bizantino. . O terceiro e não menos importante fator tem relação com a dificuldade do desenvolvimento do comércio, obrigando um forte patrimonialismo dos senhores feudais e um desenvolvimento militar com fim na proteção da posse. Os próprios agentes públicos, com relações como vassalagem, benefício e imunidade, conseguiam garantir sua independência de demais autoridades graças ao exercício de suas funções na terra, tendo o feudo suas próprias relações jurídicas. Portanto, caracterizado tudo isso, o Estado Medieval se encontra mais como uma aspiração do que uma realidade, causadora de permanente instabilidade política, econômica e social, gerando intensa necessidade de ordem e autoridade, sendo, elas sim, germes do Estado Moderno. Estado Moderno: surgiu uma aspiração pela unidade semelhante ao do Império Romano. Houve uma crescente divisão dos feudos. Os senhores feudais já não suportavam as exigências dos monarcas. Cada vez mais ansiou-‐se pela centralização do poder estatal e isso se tornou marcante quando da Paz de Westfália, em 1648, que fixou a soberania dos Estados sobre os territórios que possuíam, ou seja, unidade territorial e poder soberano. Há quem diga que apenas esses dois elementos bastam para a formação do Estado. Porém, dizem que há dois elementos materiais (território e povo) e elementos formais (ou autoridade, e/ou governo, e/ou soberania). Diversos autores adicionam ou refutam elementos que caracterizem o Estado desde a Idade Moderna. Seguiremos estudando as quatro mais relevantes: a soberania, o povo, o território e a finalidade. A noção de ordem jurídica já é implícita à própria realidade. AULA 5 – SOBERANIA É um conceito que chama muita atenção dos estudiosos sobre o Estado. Com farta bibliografia, foi prejudicado graças à criação de distorções e divergências teóricas. A significação política colaborou muito para sua distorção. É muito utilizado para justificar opiniões opostas em prol da soberania, portanto, tornou-‐se um símbolo altamente emocional, principalmente por parte de tendências nacionalistas. Na Antiguidade, a noção de soberania inexistia, pois não existia oposição entre os poderes estatal e os diversos outros existentes. As intervenções econômicas eram sobretudo em tributos, e diversas outras eram pela segurança. Na Idade Média esses fatores (tributos e segurança) passaram a causar problemas e, então, surgiriam problemas relacionadosà soberania (pois não havia diferença entre Estado e outras entidades, como feudos ou comunas). Até o século XII, surgiram duas soberanias concomitantes (senhorial e real). No XIII, o monarca começou a se afirmar com poder supremo sobre todo reino, inclusive independentes do Imperador e do Papa. Ao final da Idade Média, o rei já é considerado soberano, ilimitado dentro de seus territórios. O primeiro a desenvolver um conceito de soberania foi Jean Bodin, em “Les Six Livres de la République” (provavelmente, 1576): soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República – onde lê-‐se República, pode-‐se entender, muito bem, por Estado. Por ser absoluto, não é limitado nem em poder, nem por cargo ou tempo. Sem leis, sem tempo certo e, se alguém recebe um poder absoluto, ele é apenas depositário e guarda do poder, não um soberano. Em um Estado aristocrático e popular, o titular do poder é o povo ou uma classe; nas monarquias, a soberania só existe com hereditariedade. Por mais que não tenha citado a inalienabilidade, Bodin esclarece que o soberano não concede tanto que não retenha sempre mais. Para Rousseau, o contrato social gera o corpo político, composto por Estado (passivo), Soberano (ativo) e Poder (quando comparado aos semelhantes). Demonstra que a soberania é inalienável (por ser o exercício da vontade geral) e indivisível (porque a vontade só é geral quando o todo participa). É o pacto social que dá ao corpo político um poder absoluto e ele se chama soberania. No século XIX, como consequência da Revolução Francesa, surge a noção de soberania como expressão de poder político, sustentando sua imunidade a qualquer limitação jurídica. No meio do século XIX, surge, na Alemanha, a teoria da personalidade jurídica do Estado, que é o verdadeiro titular da soberania. No século XX, a soberania se torna uma das notas características do Estado. Há quem diga que a soberania seja o poder do Estado, outros, que seja a qualidade do poder dele e, para Kelsen, ela seria a expressão da unidade de uma ordem. Em síntese, a noção de soberania é sempre ligada a uma concepção de poder, ainda mais, um poder de unificação. Em termos políticos, soberania expressava a plena eficácia do poder, um poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências, não havendo importância pela legitimidade ou juridicidade, não admitindo confrontações, o que estimulou um egoísmo entre os Estados, pelo qual somente os mais fortes conseguiam afirmar a sua soberania. Em termos jurídicos, o conceito de soberania é o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, ou seja, sobre a eficácia do direito. Portanto, a soberania é um poder jurídico utilizado para fins jurídicos. Decide-‐se qual a regra aplicável a cada caso (ou podendo negar a aplicabilidade). Nisso, não há superioridade entre os diversos Estados. Até os mais fortes podem ser questionados e agir de forma antijurídica, o que permite a reação dos demais Estados diante de uma questão jurídica de um Estado. Em termos culturais, não há admissão das noções política ou jurídica em separado, afinal, os fenômenos do Estado seriam sociais, jurídicos e políticos, simultaneamente. Para Reale, dentro dessa linha (que ele admitia como política), soberania é o poder de organizar-‐se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência. O uso do poder deve ser compreendido dentro da noção de bem comum, e a coação, para atender a tal noção, é limitada pelos fins éticos de convivência. CARACTERÍSTICAS da SOBERANIA UNA: não se admite, num mesmo Estado, a coexistência de duas soberanias; INDIVISÍVEL: além de impor sua unidade, ela se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado; INALIENÁVEL: o Estado que a detém desaparece quando fica sem ela; IMPRESCRITÍVEL: jamais seria superior se tivesse prazo certo para acabar. O autor Marco Tulio Zanzucchi, em “Istituzioni di Diritto Pubblico”, acrescenta: ORIGINÁRIO: nasce no momento que nasce o Estado, sendo um inseparável do outro; EXCLUSIVO: só o Estado o possui; INCONDICIONADO: só encontra limites no que o próprio Estado limita; COATIVO: o Estado não só ordena, como tem meios para fazer cumprir suas ordens coativamente. Léon Duguit, em “Leçons de Droit Public Général”, acrescenta, fazendo uma síntese, que é um poder de vontade comandante (superior a todas as vontades submetidasa ela) e independente (que se assemelha ao incondicionado de Zanzucchi). Essa independência é muito mais relacionada nas relações internacionais (nenhuma convenção internacional seria obrigatória a um Estado, o que inviabilizaria um direito internacional). A essa teorização de Duguit, Ihering defendeu, em primeira mão, a teoria da autolimitação do Estado, crendo que as convenções internacionais não diminuem a soberania do Estado, pois este só as aceita se achar conveniente, da mesma maneira que pode limitar a sua própria atuação com regras internas. TEORIAS JUSTIFICADORAS do PODER SOBERANO -‐ TEOCRÁTICAS: predominaram no fim da Idade Média e no período absolutista do Estado Moderno, conforme o princípio atestado por São Paulo: omnis potestas a Deo, ou seja, todo poder vem de Deus. Pode ser o direito divino sobrenatural, quando a soberania vem de Deus, ou providencial, quando ela vem de Deus, como todas as coisas, mas indiretamente vem do povo, o que justificaria imperfeições diversas. Independentemente da diferença entre essas duas definições, o titular da soberania é o monarca. -‐ DEMOCRÁTICAS: a soberania se origina do próprio povo. Possuem três fases sucessivas. i) O próprio povo, como massa amorfa, é titular da soberania; ii) A partir da Revolução Francesa a titularidade passa à nação, que é o povo numa ordem integrante; iii) Por último, a titularidade pertence ao Estado (meados século XIX). Sendo a soberania um direito, este deve pertencer apenas a uma personalidade jurídica. Como o povo não a possui mas participa do Estado e forma sua vontade, é este quem deve detê-‐la. Portanto, atende às exigências jurídicas e democráticas. Ela é denominada como legitimista, pois legitima-‐se o soberano (Estado) e se consegue consolidar, com caráter permanente, todo o ordenamento colocado diante do povo. OBJETO e SIGNIFICAÇÃO da SOBERANIA O poder soberano se exerce sobre os indivíduos, que são a unidade elementar do Estado. Os cidadãos estão sempre submetidos ao poder soberano, ainda que haja hipóteses do Estado agir fora de seu território. Quanto aos estrangeiros que se encontram num Estado, ainda que exista exceções, este também exerce poder sobre aqueles. Quando comparado com os demais Estados, a soberania de um o coloca em pé de igualdade aos demais. Admite-‐ se a existência de outros poderes iguais mas, jamais, superiores. Em conclusão, a soberania é símbolo de independência e poder jurídico máximo. Portanto, a prevalência da força de um Estado dentro de outro mais fraco é sempre um ato irregular, antijurídico e configurador de uma violação de soberania, passível de sanções jurídicas. Ainda que a sanção não ocorra, será uma lembrança para futuras reivindicações ou aquisição da solidariedade de demais Estados. AULA 6 – TERRITÓRIO A noção de território como componente necessário do Estado só apareceu com sua versão moderna. Na cidade-‐ Estado não era necessária uma clara delimitação, por exemplo. Quando surge a Idade Média e seus diversos conflitos, a demarcação territorial urgiu e surgiu junto com a noção de soberania – pois esta seria praticada dentro dos territórios demarcados. Apesar disso, tal ideia ainda é limitada, mesmo que assegurasse a eficácia do poder e a estabilidade da ordem. Para alguns, o território é elemento constitutivo do Estado, enquanto a outros é uma condição exterior necessária a ele. Conforme Georges Burdeau, conquanto necessário, o território é apenas o quadro natural dentro do qual os governantes exercem suas funções. Já para Hans Kelsen, a territorialidade é necessária para tornar possível a vigência simultânea de muitas ordens estatais. Existem duas grandes posições sobre o relacionamento dos Estados com seus territórios: a primeira, sustentada por Laband, é a de que o Estado seria o proprietário do território, podendo usar e dispor dele com poder absoluto, mas não da mesma maneira que a propriedade privada (direito real de natureza pública); a segunda, por Burdeau, e levemente discordante (crente na inexistência da propriedade estatal, pois incompatibilizaria as privadas), é o de direito real do Estado como instituição, não como proprietário (direito real institucional). Na verdade, nenhum dos dois resolveriam a essência do problema, mas surgiu uma conciliação entre domínio eminente e domínio útil, sendo o primeiro estatal e o segundo, privado. Em oposição, Jellinek crê na inexistência de domínio estatal sobre o território. Este é onde há expressão do poder de império estatal sobre o território e que ocorre sobre as pessoas, portanto, como direito reflexo, no território. Por isso, invasões territoriais são ofensas à personalidadejurídica estatal e não violação de direito real. E nos territórios desabitados? Nesses, o poder do Estado age sempre que alguém aparecer ou quando achar necessário. Ranelletti, procurando superar as deficiências dessas ideias, propôs uma terceira posição, afirmando que o território é o espaço no qual o Estado exerce seu poder de império: não só sobre as pessoas, como também sobre as coisas, que se encontrem em seu território – não havendo o problema do local desabitado, como com Jellinek, nem da concorrência de propriedades, como com Laband ou Burdeau. Paulo Bonavides, prosseguindo nos estudos sobre o território, cria uma classificação quádrupla: i) Território-‐patrimônio: característico do Estado Medieval, não diferencia-‐se imperium do dominium, ou seja, o poder do Estado sobre o território é o mesmo do proprietário sobre um imóvel; ii) Território-‐objeto: o território é um objeto de direito real de caráter público, sendo só relação de domínio; iii) Territóro-‐espaço: território é a extensão espacial da soberania do Estado, baseado no direito estatal de império. Seria parte da personalidade jurídica do Estado, portanto, também chamado de território-‐sujeito; iv) Território-‐competência: idealizado por Kelsen, é onde vale a ordem jurídica do Estado. Algumas conclusões generalistas: (a) não há Estado sem território, são duas ideias indissociáveis, e não há limitação para suas dimensões; (b) o território estabelece a delimitação da ação soberana do Estado, com sua ordem jurídica e as aceitas por si, quando provindas do exterior; e (c) o território é objeto de direitos do Estado, além de elemento constitutivo necessário, com ele, por interesse do povo, podendo alienar parte do território e usá-‐lo sem limitações. Como consequência dessas colocações, temos, i) o princípio da impenetrabilidade, no qual um Estado possui monopólio na ocupação territorial e soberana, sendo impossível duas desta coexistirem num mesmo local; ii) que o território possui uma significação jurídica negativa, pois exclui outras ordenações e torna o Estado obrigado a agir quando em seu âmbito e de acordo com determinadas circunstâncias; iii) que também possui uma significação jurídica positiva, assegurando ao Estado a ação soberana em seu território. Apesar da existência do princípio da impenetrabilidade, este passou a ser relativizado com o ganho de força do Direito Humanitário quando ocorrem violações dos direitos fundamentais dos civis, muitas vezes praticadas por governos totalitários, o que reconheceria a legitimidade de ação de um ou diversos Estados sobre o violador. Isso suscita novos debates, com aqueles Estados absolutamente contrários ou, ainda que favoráveis, criar-‐se-‐ia a discussão sobre quem seria o legitimo para interferir, com que meios e quais os limites. A Teoria Geral do Estado já se ocupou bastante com a classificação dos territórios e das fronteiras, mas hoje há pouca significação prática. Antes, diferenciavam-‐se os territórios entre metropolitano e colonial, mas com a Carta das Nações Unidas (1945), as colônias não poderiam mais existir, com elas ou sendo integradas ao Estado, ou constituindo novos, ou com alguns possuindo status de província, ou, ainda, sendo um Estado com ordem jurídica soberana mas contando com outro Estado para a proteção de sua soberania. Sobre as fronteiras, elas poderiam ser naturais (quando estabelecidas por acidentes geográficos), artificiais (quando estabelecidas por tratados) ou esboçadas (quando estabelecidas imprecisamente) que, com a tecnologia atual, não existem mais – o que não impede os conflitos fronteiriços resultantes de pretensões expansionistas. Além disso, ainda que sejam fronteiras naturais, não se dispensa a firmação de tratados. E quanto aos limites territoriais, quando tratamos do uso do mar, seu solo e subsolo, e do espaço aéreo. Considera-‐se, há muito tempo, uma prática justa e necessária a incorporação de uma faixa de mar, seu solo e subsolo, pelo Estado. O mar territorial tomou cada vez mais importância nos debates políticos quando discutida sua extensão. Antes, apenas por questões de segurança – tendo, como início de sua limitação, o alcance das armas (Terra potestas finitur ubi finitur armorum vis) como, no século XVII, o de um tiro de canhão. Com o avanço bélico do século XX, tal critério inutilizou-‐se, propondo-‐se a fixação em número de milhas (inicialmente, em três). Diversos Estados, que por fins adversos ao da segurança, recusaram essa limitação, estabelecendo, por tratados ou atos unilaterais, aumentos. Os conflitos se agravaram com o aumento da exploração do mar e territórios submersos. Os motivos desegurança tornaram-‐se, praticamente, secundários, com o fortalecimento dos motivos econômicos, como também as razões fiscais, sanitárias ou de proteção à fauna marítima. Então, o mar territorial fixou-‐se em duzentas milhas. Na atualidade, a questão do mar territorial limitado é impraticável, pois não pode-‐se uniformizar a todos os Estados, cada qual com suas necessidades e anseios. Já sobre o espaço aéreo, surge a questão no século XX com o desenvolvimento aeronáutico. Tornou-‐se indispensável assegurar a passagem inocente de aeronaves sobre o território de qualquer Estado, sendo que este deve ser previamente noticiado da passagem. Celebrou-‐se essa ideia na Convenção de Chicago, em 1944, sem limitações de altitude – porém, com o surgimento de aviões que alcançam grandes altitudes (com fins espiões) e a utilização de satélites artificiais e naves espaciais, o assunto complexou-‐se, ainda que nada possa se fazer para deter estes. Muitos critérios surgem para limitação, como o limite de altura para soberania estatal. Com o desenvolvimento das conquistas espaciais, e tendo em vistas os riscos à paz mundial e à segurança dos povos, a ONU vem prometendo entendimentos à matéria. Em 1963 e 1966 foram constituídos tratados, sendo que o último, do Espaço Exterior, negou a possibilidade de qualquer Estado se apossar do espaço ultraterrestre, inclusive a Lua ou qualquer outro satélite ou planeta. AULA 7 – POVO Mais um termo utilizado com muita conotação emocional (como soberania) e que tornou-‐se equívoco. É necessário depurá-‐lo das deformações e, só então, estabelecer uma noção jurídica. É unânime a necessidade do elemento pessoal para o Estado existir, pois não há Estado sem povo e é para este que aquele se forma. Há quem designe de população, mas esta, conforme Marcello Caetano, é mera expressão numérica, demográfica ou econômica, que apenas abrange o conjunto que vive no território do Estado. Alguém se incluir na população não significa, necessariamente, ter vínculo jurídico com o Estado. Portanto, população não tem sentido jurídico e nem pode ser utilizada como sinônimo de povo. No século XVIII, com a Revolução Francesa, surgiu o termo nação, que seria o povo em unidade homogênea. No contexto de afirmação dos Estados para um povo uno, falava-‐se em governo da nação ou soberania nacional. O termo nacionalidade indica o membro de uma nação, mas sendo esta considerada como um Estado. Passados os períodos apaixonados do uso desse termo das revoluções e unificações, já existe um termo preciso para nação e que nada tem relacionado com a área jurídica. Não perdeu a conotação de origem comum ou comunidade de nascimento, que, conforme Reale, faz-‐se quando há laços histórico-‐culturais e sobre um sistema de relações de ordem objetiva. Para diversos outros autores, nação é para uma comunidade de base histórico-‐cultural feito de tradições e costumes, geralmente expresso em língua comum, com aspirações de futuro e ideais coletivos semelhantes. Portanto, nem nação, nem nacionalidade, conotam uma situação jurídica, mas tão somente uma comunidade histórico-‐cultural. É recente a noção jurídica de povo. O cidadão, conforme a Grécia Antiga, é o membro ativo da sociedade política e, junto desses, os homens livres e os escravos compunham a cidade-‐Estado grega. Na Roma Antiga, seu povo também era limitado a certas definições. Não há, nesses casos, a conotação moderna de povo, mas já é uma conotação jurídica. Na Idade Média não existia uma definição de povo graças às dinâmicas existentes na época, mas foi um espaço útil para separar a ideia aristocrática da ideia moderna sobre povo. No século XIV, por Marsílio de Pádua, surgiu uma noção unitária e ampla de povo, sendo este a fonte da lei. Os direitos políticos vão aos cidadãos, mas eles não são necessariamente uma camada superior da população, fazendo parte, também, os membros das corporações. No período de prevalência absolutista da Idade Moderna, o significado de cidadão ampliou-‐se, como também a de povo, com esta, nas revoluções do século XVIII, sendo livre de qualquer noção de classe ou discriminação, como se vê pela consagração do sufrágio universal. Na prática não desapareceram, mas buscou-‐se a ampliação da cidadania, com Gerber fixando isso no século XIX (e depois Jellinek, em 1900), fixando a noção jurídica de povo e disciplinando sua participação na vida do Estado. Jellinek distingue o aspecto subjetivo do objetivo sobre o povo. O aspecto subjetivo de povo é o de sua participação no poder público do Estado, pois