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O que é a filosofia da ciência

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04/03/2017 O que é a filosofia da ciência?
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19 de Setembro de 2004   Filosofia da ciência
O que é a filosofia da ciência?
David Papineau
Tradução de Pedro Santos
A filosofia da ciência pode ser dividida em duas grandes áreas: a
epistemologia da ciência e a metafísica da ciência. A epistemologia da
ciência discute a justificação e a objectividade do conhecimento científico. A
metafísica da ciência discute aspectos filosoficamente problemáticos da
realidade desvendada pela ciência.
1.
As questões acerca da epistemologia da ciência são em parte as mesmas
que as questões acerca do conhecimento em geral. Um tema central é o
problema da indução. A indução é o processo que nos leva da observação
de casos particulares a conclusões universais como “Todos os corpos caem
com uma aceleração constante”. O problema é que estes argumentos não
são logicamente válidos. A verdade das premissas particulares não garante
a verdade da conclusão universal. Que todos os corpos observados até
agora tenham caído com uma aceleração constante não garante que todos
os corpos observados no futuro o façam também.
Uma solução popular para o problema da indução deve­se a Karl Popper.
Do ponto de vista de Popper, a ciência, para começar, não se baseia na
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indução. Em vez disso, formula hipóteses, numa atitude conjectural, e
depois esforça­se por refutá­las. Popper argumenta que, enquanto tais
hipóteses forem falsificáveis (no sentido de haver observações possíveis
que as infirmariam), a objectividade da ciência está assegurada.
Os críticos do “falsficacionismo” de Popper queixam­se de que ele não
oferece qualquer explicação para a legitimidade das nossas crenças na
veracidade das teorias científicas (embora o faça para as crenças na sua
falsidade) e, logo, de que ele não consegue resolver o problema da
indução. A teoria bayesiana da confirmação proporciona uma solução
alternativa para esse problema. Os bayesianos argumentam que as nossas
crenças se organizam por graus, e que esses graus de crença obedecem,
se se tratar de crenças racionais, ao cálculo de probabilidades.
Argumentam então que o teorema de Bayes implica uma estratégia racional
para actualizar os nossos graus de crença como resposta a dados novos.
Em relação ao problema da indução, esta estratégia implica que o nosso
grau de crença numa teoria científica seja aumentado por observações que
são prováveis dada a teoria, mas improváveis de outro modo.
Outro problema central na epistemologia da ciência é a possibilidade do
conhecimento de inobserváveis como os vírus e os electrões. Os
instrumentalistas negam que as teorias científicas sobre inobserváveis
possam ser aceites como descrições verdadeiras de um mundo
inobservável. Em vez disso, defendem que tais teorias são, no máximo,
instrumentos úteis para gerar previsões observáveis. A eles opõem­se
aqueles que adoptam o ponto de vista realista de que a ciência pode
descobrir, e de facto descobre, verdades sobre inobserváveis.
Alguns instrumentalistas defendem o seu ponto de vista apelando para a
subdeterminação das teorias pelos dados. De acordo com esta tese,
qualquer conjunto de dados observacionais será sempre compatível com
várias teorias mutuamente incompatíveis acerca de inobserváveis, e
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portanto não pode justificar a escolha de nenhuma delas em particular. Esta
ideia pode, por sua vez, ser defendida apelando para a “tese Duhem­
Quine”, que diz que, em face de dados aparentemente recalcitrantes, se
pode sempre manter uma proposição teórica por meio de ajustamentos em
hipóteses auxiliares que sejam parte integrante de toda a teoria. Uma via
alternativa para a subdeterminação das teorias pelos dados consiste em
observar que, dada qualquer teoria que consiga acomodar os dados
observacionais, podemos sempre “cozinhar” uma teoria alternativa que
explica os mesmos factos observacionais.
A doutrina do instrumentalismo assenta na distinção entre o que é
observável e o que não é. Esta distinção não está isenta de problemas.
Alguns filósofos da ciência, os mais notórios dos quais são T.S. Kuhn e Paul
Feyerabend, argumentam que a observação está “contaminada pela teoria”,
com o que pretendem dizer que as nossas teorias anteriores influenciam as
observações que fazemos e a importância que lhes atribuímos. Daqui
inferem que muitas vezes teorias científicas diferentes são
“incomensuráveis”, no sentido em que não há nenhum conjunto de
proposições observacionais teoricamente neutras que possa fazer decidir
entre elas. Um corolário disto, para Kuhn e Feyerabend, é que a verdade
científica objectiva não é alcançável mesmo ao nível dos observáveis,
quanto mais ao nível dos inobserváveis. Kuhn argumenta que a história da
ciência apresenta uma sucessão de “paradigmas”, conjuntos de
pressupostos e exemplos representativos que condicionam o modo como
os cientistas resolvem problemas e compreendem os dados, e que apenas
são substituídos, em “revoluções científicas” ocasionais, quando os
cientistas mudam de uma crença teórica para outra.
Nem todos os epistemólogos da ciência aceitam o relativismo
epistemológico de Kuhn e Feyerabend. Muitos deles diriam que mesmo que
a fronteira entre os observáveis e os inobserváveis não seja nítida nem
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imutável, as proposições observacionais básicas podem ainda proporcionar
um teste imparcial para as previsões de uma teoria. E outros diriam que,
mesmo que as teorias sejam sempre subdeterminadas — no sentido em
que qualquer conjunto de dados será sempre compatível com várias teorias
diferentes — daí não se segue que não possamos escolher racionalmente
entre essas teorias, visto que algumas dessas teorias podem estar mais
bem sustentadas por esses dados do que outras.
Há, porém, outro argumento poderoso contra o ponto de vista realista de
que as teorias científicas são descrições verdadeiras de uma realidade
independente. Reside na versão do passado e obsoleta de tais teorias.
Muitas teorias científicas do passado, desde a astronomia ptolemaica até à
teoria flogística da combustão, revelaram­se falsas. Assim, parece que
deveríamos inferir, por meio de uma “meta­indução pessimista”, que, uma
vez que as teorias científicas do passado se revelaram normalmente falsas,
as do presente e as do futuro serão também provavelmente falsas.
Em resposta a isto, pode­se argumentar que até mesmo as teorias do
passado falsas contêm uma grande componente de verdade, e que
portanto se pode esperar que as teorias do presente e do futuro se
aproximem da verdade. Além disso, alguns filósofos detectam um padrão
de convergência, argumentando que as teorias científicas que se sucedem
a outras aproximam­se cada vez mais da verdade. Estas teses
pressupõem, contudo, uma noção de “aproximação à verdade”, ou
verosimilhança. Veio a revelar­se surpreendentemente difícil atribuir um
conteúdo bem determinado a esta noção. As primeiras tentativas para a
definir, por parte de Popper e outros, revelaram­se incoerentes, e não é
óbvio que uma elucidação satisfatória dessa noção seja possível.
Nos anos 80, alguns filósofos adoptaram uma abordagem naturalista em
epistemologia da ciência. Em vez de tentarem identificar regras a priori do
método científico, inspiraram­se na história da ciência e noutras disciplinas
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a posteriori para mostrar que estratégias metodológicas constituem de facto
meios eficazes para se atingirem objectivos científicos. É possível combinar
esta abordagem naturalista com o ponto de vista realista deque o objectivo
da formulação de teorias científicas é a descoberta da verdade. Todavia, à
luz dos argumentos mencionados acima, muitos filósofos da ciência
naturalistas rejeitam a ideia de que a verdade seja um objectivo sensato
para a ciência, investigando em vez disso estratégias para se atingirem
objectivos teóricos como a simplicidade, o sucesso das previsões e a
proficuidade heurística.
2.
Voltando­nos agora para a metafísica da ciência, uma questão central é a
análise da causalidade. Segundo David Hume, a causalidade, enquanto
relação objectiva, é apenas uma questão de associação constante: um
acontecimento causa outro se, e só se, os acontecimentos do primeiro tipo
estiverem constantemente associados aos acontecimentos do segundo
tipo. Esta análise gera, contudo, alguns problemas. Primeiro, há a questão
da distinção entre genuínas leis causais da natureza e associações
acidentalmente verdadeiras: ser um parafuso da minha mesa pode muito
bem estar constantemente associado ao facto de ser feito de cobre, sem
que seja verdade que esses parafusos sejam feitos de cobre porque fazem
parte minha mesa. Em segundo lugar, há um problema quanto à direcção
da causalidade: como distinguimos nós as causas dos efeitos, dado que
uma associação constante de acontecimentos do tipo A com
acontecimentos do tipo B implica imediatamente a associação constante de
acontecimentos do tipo B com acontecimentos do tipo A? E, em terceiro
lugar, há a questão da causalidade probabilística: será que as causas têm
de determinar os seus efeitos, ou é suficiente que elas estejam
probabilisticamente (e não “constantemente”) associadas a eles?
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Muitos filósofos da ciência deste século preferiram falar acerca de
explicação em vez de causalidade. De acordo com o modelo da cobertura
por leis desenvolvido por Hempel, um acontecimento particular é explicado
se a sua ocorrência puder ser deduzida da ocorrência de outros
acontecimentos particulares com a ajuda de uma ou mais leis naturais. Mas
isto não é muito diferente da análise humiana da causalidade, e como é de
esperar enfrenta essencialmente os mesmos problemas. Como
distinguimos leis de acidentes? Será que às vezes não somos capazes de
deduzir “para trás” — como quando deduzimos a altura do mastro a partir
do comprimento da sua sombra — apesar de não querermos dizer que o
comprimento da sombra explica a altura do mastro? E não haverá casos em
que somos capazes de explicar um acontecimento — o sr. X ter
desenvolvido um cancro, por exemplo — por meio de outro — o facto de ele
fumar sessenta cigarros por dia — apesar de não sermos capazes de
deduzir o primeiro do segundo, uma vez que a relação entre eles é apenas
probabilística?
Sobre a questão de distinguir leis de acidentes, há duas estratégias
possíveis. A primeira permanece fiel ao ponto de vista humiano de que as
proposições legiformes não afirmam nada mais do que a associação
constante e tenta então explicar por que razão algumas asserções que
exprimem associações constantes — as (legiformes) — são mais
importantes do que as outras — as acidentais. A versão mais conhecida
desta estratégia humiana, proposta originalmente por F. P. Ramsey e depois
reavivada por David Lewis, argumenta que as leis são aquelas
generalizações verdadeiras que podem ser encaixadas numa
sistematização ideal do conhecimento; ou, na formulação de Ramsey, as
leis são “uma consequência daquelas proposições que tomaríamos como
axiomas se soubéssemos tudo e o organizássemos do modo mais simples
possível num sistema dedutivo”. A estratégia não humiana alternativa, cujo
defensor mais proeminente é D. M. Armstrong, rejeita o pressuposto de que
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as leis não implicam mais do que associações constantes, postulando em
vez disso uma relação de “necessitação” que se verifica entre os tipos de
acontecimentos que estão relacionados de modo legiforme, mas não entre
aqueles que apenas estão associados acidentalmente.
Quanto à questão da direcção da causalidade, o próprio Hume apenas
disse que, de entre dois acontecimentos constantemente associados, o
acontecimento anterior era a causa e o posterior o efeito. Mas há algumas
objecções a este uso da assimetria anterior­posterior para analisar a
assimetria causa­efeito. Para começar, é pelo menos concebível que haja
causas que sejam simultâneas com os seus efeitos, ou mesmo causas que
sejam posteriores aos seus efeitos. Além disso, parece haver boas razões
para querer fazer a análise em sentido contrário, usando a direcção da
causalidade para analisar a direcção do tempo. Se fizermos isto,
quereremos uma explicação da direcção da causalidade que seja
temporalmente independente? Têm sido propostas algumas explicações
desse tipo. David Lewis argumenta que a assimetria da causalidade deriva
da “assimetria da sobredeterminação”: ao passo que a sobredeterminação
dos efeitos pelas causas é muito rara, é perfeitamente normal as causas
serem “sobredeterminadas” por um grande número de encadeamentos de
efeitos independentes, cada um dos quais é condição suficiente para a
causa anterior. Outros autores apelaram para uma assimetria probabilística
relacionada para explicar a assimetria causal, fazendo notar que as
diferentes causas de um dado efeito comum são normalmente
probabilisticamente independentes umas das outras, mas que os diferentes
efeitos de uma causa comum estão normalmente correlacionados
probabilisticamente.
O advento da mecânica quântica (e em particular a infirmação empírica da
desigualdade de Bell) persuadiu a maioria dos filósofos da ciência da
falsidade do determinismo. De acordo com isto, procuraram desenvolver
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modelos de explicação causal segundo os quais as causas se limitam a
tornar prováveis o seus efeitos, em vez de os determinar. O primeiro destes
modelos, influenciado pela análise de Carl Hempel da explicação “indutivo­
estatística” exigia que as causas conferissem aos seus efeitos uma
probabilidade alta. Contudo, embora fumar inequivocamente cause o
cancro, nunca o torna altamente provável. De modo que os modelos mais
recentes apenas exigem que as causas aumentem a probabilidade dos
seus efeitos, mesmo que apenas seja de um valor baixo para um valor
ligeiramente menos baixo. Os modelos de causalidade probabilística
precisam de se precaver contra a possibilidade de as associações
probabilísticas entre acontecimentos poderem ser espúrias em vez de
genuinamente causais, como a associação entre o ponteiro de um
barómetro baixar e a chuva subsequente. É uma questão em aberto a de
saber se tais associações espúrias podem ser rejeitadas por meios
puramente probabilísticos, ou se é necessário introduzir­se critérios não
probabilísticos.
A noção de probabilidade tem interesse filosófico independentemente da
sua relação com a causalidade. Há várias maneiras diferentes de interpretar
o cálculo matemático das probabilidades. As teorias subjectivas da
probabilidade, que se desenvolveram a partir da teoria lógica da
probabilidade de J. M. Keynes, encaram as probabilidades como graus
subjectivos de crença. Esta é a interpretação adoptada pelos bayesianos
partidários da teoria da confirmação. Contudo, a maior parte dos filósofos
da probabilidade argumentam que precisamos de uma interpretação
objectiva da probabilidade para além desta análise subjectiva. Segundo a
teoria da frequência de Richard von Mises, a probabilidade de um dado tipo
de resultado é o limite da frequência relativa com que ele ocorre em
sequências cada vez mais longas extraídas de uma qualquer “classe de
referência” infinita. Uma dificuldade que se põe à teoria da frequência é a
de que ela atribuirá uma probabilidadediferente a um dado resultado
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isolado quando esse resultado for considerado como membro de diferentes
classes de referência. Para cancelar esta consequência, Karl Popper
propôs que as probabilidades fossem encaradas como propensões de
cenários experimentais específicos, no sentido em que só as frequências
de classes de referência geradas por repetições do mesmo cenário
experimental deveriam contar como probabilidades genuínas. As versões
posteriores desta teoria das propensões abandonam o apelo a classes de
referência infinitas, tomando simplesmente a probabilidade como uma
característica quantitativa de cenários específicos, que é exibida pelas
frequências nas repetições desses cenários, mas que não pode ser definida
em termos de frequências.
A interpretação filosófica da probabilidade objectiva está intimamente
relacionada com a nossa compreensão da mecânica quântica moderna. A
interpretação da mecânica quântica, porém, é ainda um problema em
aberto na filosofia da física. Tomada à letra, a mecânica quântica diz que,
quando os sistemas físicos são medidos, adquirem subitamente, para
parâmetros observáveis, valores definidos que não tinham antes. A teoria
especifica as probabilidades de diferentes desses valores, mas não pode
prever sem margem para dúvida quais serão observados. A reacção de
Albert Einstein foi a de que a mecânica quântica tinha de ser incompleta, e
que uma teoria futura acabaria por encontrar as “variáveis ocultas” que
efectivamente determinam os resultados observados. Contudo, a
possibilidade de uma teoria comprometida com tais variáveis ocultas foi
entretanto concludentemente desacreditada: John Bell mostrou que
qualquer teoria desse género conteria previsões diferentes das da
mecânica quântica, e há resultados experimentais que infirmam essas
previsões. Permanece, então, o problema de explicar as medições
quânticas. Medições são, afinal de contas, processos físicos. Contudo, a
mecânica quântica não explica a razão por que as medições determinam
valores definidos observáveis; apenas o dá de barato. É provável que uma
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compreensão satisfatória das medições quânticas tenha de aguardar uma
interpretação radicalmente nova da teoria.
Um outro aspecto metafísico da filosofia da ciência é a questão da
explicação teleológica. Esta é basicamente uma questão de filosofia da
biologia, visto que é no domínio da biologia que encontramos os exemplos
paradigmáticos da explicação teleológica, como quando dizemos que a
clorofila está presente nas plantas com o fim de facilitar a fotossíntese.
Explicações como esta são filosoficamente interessantes porque explicam
as causas pelos efeitos, e parecem assim ir contra o modelo habitual que
consiste em explicar os efeitos pelas causas. Carl Hempel argumentou que
tais explicações são apenas uma variante de explicação pelo modelo de
cobertura por leis em que o facto usado para explicar — a fotossíntese —
calha ocorrer num momento posterior ao do facto explicado — a clorofila.
Há, porém, contra­exemplos a esta proposta e as tentativas de a restringir
impondo a condição de que os elementos envolvidos façam parte de um
sistema auto­regulador revelaram­se problemáticas. A maioria dos filósofos
da ciência favoreceria agora uma abordagem diferente, de acordo com a
qual as explicações teleológicas da biologia são uma forma de explicação
causal disfarçada, nas quais é feita referência implícita a uma hipotética
história da selecção natural durante a qual o elemento em questão — a
clorofila — foi favorecido porque produziu o efeito relevante — a
fotossíntese. Alguns filósofos interrogar­se­iam se estas explicações “para
trás” merecem de facto ser chamadas “teleológicas”, visto que não explicam
de facto o presente por meio do futuro, mas antes por meio de histórias
anteriores de selecção; esta questão, no entanto, é essencialmente
terminológica.
“Ciências especiais” como a biologia, a química, a geologia, a meteorologia
e assim por diante levantam a questão do reducionismo. Diz­se que uma
ciência pode ser “reduzida” a outra se as suas categorias puderem ser
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definidas em termos das categorias da segunda, e as suas leis explicadas
também em termos das leis da segunda. Os reducionistas argumentam que
as ciências formam uma hierarquia na qual as que estão num nível mais
alto podem ser reduzidas às que estão num nível mais baixo: assim, a
biologia pode ser reduzida à fisiologia, a fisiologia à química, e por fim a
química à física.
A questão do reducionismo tanto pode ser vista histórica como
metafisicamente. A questão histórica é a de saber se a ciência progride
tipicamente pela redução das teorias anteriores às que se lhes seguem. A
questão metafísica é a de saber se as diferentes áreas da ciência
descrevem realidades diferentes, ou antes uma mesma realidade física
descrita com diferentes níveis de pormenor. Embora muitas vezes sejam
discutidas simultaneamente, trata­se de duas questões diferentes. Tomado
como uma tese geral, o reducionismo histórico é falso, por razões
relacionadas com a “meta­indução pessimista” discutida acima: embora
haja alguns episódios históricos em que velhas teorias científicas foram
reduzidas a novas, há outros tantos em que as novas mostraram que as
velhas eram falsas, e em que portanto as segundas foram eliminadas e não
reduzidas. Isto não significa, todavia, que o reducionismo metafísico seja
falso. Mesmo que a ciência proceda em direcção à verdade total de modo
errático, pode haver razões gerais para se esperar que esta verdade total,
quando finalmente for alcançada, se reduza à verdade física.
Um argumento possível desse género advém da interacção causal entre os
fenómenos discutidos nas ciências especiais e os fenómenos físicos.
Assim, os fenómenos biológicos, geológicos e meteorológicos têm todos
efeitos físicos; e isto implicaria aparentemente que eles fossem compostos
por elementos físicos. É questionável, porém, que isto seja suficiente para
estabelecer o reducionismo de larga escala, em vez da tese da identidade­
espécime segundo a qual cada acontecimento específico de tipo especial é
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idêntico a algum acontecimento físico específico. Podemos aceitar a
identidade­espécime, e mesmo assim rejeitar a identificação entre tipos
especiais e tipos físicos. Se o fizermos, rejeitamos também a tese
reducionista de que todas as leis especiais podem ser explicadas pelas leis
físicas. Em vez disso, defenderemos que há leis especiais sui generis,
padrões que abrangem tipos especiais que variam na sua constituição
física, e que portanto não podem ser explicados apenas por leis físicas.
David Papineau
Texto extraído de Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich (OUP,
1995, pp. 809­812).
Bibliografia
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K. Popper, The Logic of Scientific Discovery (Londres, 1950)
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