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marketing e literatura

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©GV executivo  35
MARKETING
Marketing 
e literatura
A literatura forjou no passado a imagem do escritor como alguém solitário, capaz de comungar de outro mundo e de o trazer a leitores seletos e predispostos. O bom 
poeta, em metáfora conhecida, é o bucólico inspirado, cuja obra 
se coloca por si só. Contudo, sabe-se hoje que a obra e seu autor 
não se constroem sozinhos: dependem de um público, o qual é 
paulatinamente conquistado. Nesse percurso, o artigo propõe uma 
nova forma de literatura e marketing se relacionarem.
por Fabrício Carpinejar Escritor
A literatura é encarada como um negócio para editoras, um 
negócio para os distribuidores, um negócio para os livreiros. 
Mas difi cilmente os escritores mencionam essa palavra, 
como se a criação perdesse sua aura ao lado da palavra 
negócio. E a arte virasse mercadoria e comprometesse seu 
sentido e fruição estética. 
Escrever seria algo mais elevado, mais nobre, mais 
pessoal. Não poderia ser um negócio. Longe disso. O mais 
grave, a editora, a livraria e os livreiros deveriam fazer o 
negócio, e o escritor fecharia os olhos. Ao escritor caberia 
o trabalho limpo, o prazer de escrever, as complicações 
corresponderiam ao seu apoio. Ele vendeu a alma a Deus, 
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MARKETING: MARKETING E LITERATURA
e os demais venderiam a mesma alma ao diabo sem que 
ele soubesse. Lembro de um poema de João Cabral: “Saio 
de meu poema / como quem lava as mãos”.
O autor se ausentava da parte do processo editorial, 
para não se comprometer com os riscos. Mas era o primeiro 
a entrar nas livrarias, encarnar rigorosa blitz nas gôndolas 
e estantes e reclamar que sua obra não estava ali. Era o 
primeiro a dizer que seu livro não chegava e culpava a 
editora por possíveis fi ascos e fracassos. Era o primeiro a 
denunciar a assessoria de imprensa por não sair nenhuma 
nota do livro nos jornais. Era o primeiro a amaldiçoar os 
leitores por não entenderem sua invenção. “Estou acima 
de meu tempo”, declarava, se possível em latim, para 
nem ele entender. Qualquer desaparição tinha um motivo 
conspiratório. 
Protagonizava com gosto o papel de injustiçado. De 
genial vítima incompreendida. Não aceitava escrever 
sobre encomendas, ou sugestão externa em sua criação. 
Viver de literatura, imagina... Amor não se compra, ele 
delirava. Amor e literatura não permitem dinheiro no meio. 
Dinheiro suja. Literatura seria o equivalente a um voto de 
pobreza, um voto monástico de sofrimento e penúria. A 
vocação autêntica arruinaria relacionamentos e dispersaria 
a estabilidade.
Compreende-se a idéia romântica, a renúncia; entre-
tanto, os poetas românticos morreram precocemente de 
tuberculose e males do século. Morre-se de ilusão, não dá 
para viver disso. 
Leitor sob suspeita. Parte desses preconceitos ingê-
nuos e infantis continua em vigor. Quando um escritor 
encontra o sucesso e entra na lista dos mais vendidos, a 
crítica logo amarra o rosto. Se o autor vende e provoca 
correria é automaticamente suspeito de uma espécie de 
“falsidade ideológica”: alguma coisa está errada para ser 
aclamado. Todas as críticas positivas e edifi cantes anteriores 
entram no limbo. O que mais se comenta é que “o escritor 
se facilitou”. Entende-se facilitar como um eufemismo para 
enriquecer. 
O leitor é sempre menosprezado, como se não tivesse 
condições de discernir o que presta do engodo. Ainda 
vigora uma ditadura invisível. Uma ditadura autoral que 
tenta mandar no público. Pois, coitado, não tem sustân-
cia cultural para escolher. Seguindo esse raciocínio, Luis 
Fernando Verissimo não estaria permanentemente no topo. 
Contradições que escondem a verdade. 
O próprio Luis Fernando Verissimo já escreveu roman-
ces sob encomenda e não diminuiu em nada 
a realeza de seu humor. Enche a boca para 
falar de gula no romance O Clube dos Anjos, 
da série “Plenos Pecados”, da Objetiva. Ele 
mesmo confessa: “Minha musa é o prazo de 
entrega”. Só escreve com pressão. Não é 
um grande motivo? 
Dostoievski produziu clássicos para 
pagar dívidas no jogo. Balzac não conce-
beria as mais de 2 mil personagens e 10 mil 
páginas da “Comédia Humana”, de 1829 a 
1848, se não tentasse aplacar seu exército de credores de 
Paris. A motivação não diminui o rigor e o talento. Talvez a 
ansiedade até aumente ambos. A ameaça de despejo elimina 
desculpas retóricas. 
Ou será que escritor não tem casa para sustentar? Não 
tem fi lhos? Não tem contas como luz, telefone e aluguel no 
fi nal do mês? Desculpe-me, eu tenho. Minha posteridade 
é cuidar de meus fi lhos agora. 
Inveja. Sobre a maledicência editorial, não custa evocar 
Lya Luft. Romancista original, com mundo fi ccional pró-
prio, siderando em narrativas psicológicas, duras, híbridas 
e densas como “Quarto fechado”, passou a ser criticada 
com as crônicas de Perdas e ganhos. Criticada de modo 
tangencial, ressalta-se. 
Quando Perdas e ganhos foi lançado (2003), nenhum 
rumor negativo. Estranhamente, um ano depois, quan-
Amor não se compra, ele delirava. Amor 
e literatura não permitem dinheiro no 
meio. Dinheiro suja. Literatura seria o 
equivalente a um voto de pobreza, um 
voto monástico de sofrimento e penúria.
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MARKETING: MARKETING E LITERATURA
do virou febre, inventaram de classifi car o livro como 
“auto-ajuda”, para justifi car seu rendimento comercial, na 
casa do milhão de exemplares vendidos. A obra mudou 
repentinamente de natureza e gênero pelo seu sucesso. 
Não se poderia aceitar que as crônicas ou a fi cção pu-
dessem alcançar tão esmagadora aceitação de público. 
Não é preconceito? Será que não é inveja enrustida de 
seriedade acadêmica?
Por que não agradecer que ela está abrindo um impor-
tante espaço para a literatura brasileira? Outros terão mais 
facilidade após sua passagem. O poeta norte-americano 
Robert Frost brincava: “Nada como uma boa cerca para 
fazer ótimos vizinhos”. Na maioria das vezes, as cercas são 
morais e intelectuais. 
Na França e nos Estados Unidos, os prêmios literários 
andam junto da crítica e da aceitação popular. Receber um 
Goncourt (melhor livro de imaginação em prosa) alavanca 
imediatamente a saída de qualquer volume na França. Rece-
ber o americano Pulitzer signifi ca um adeus ao anonimato. 
Aqui, ser agraciado com um Jabuti, o mais importante no 
país e que existe desde 1959, não traz descanso, muito 
menos garante vendas ao autor. Traz reconhecimento e 
uma referência de qualidade, não alívio. 
Um subterfúgio pejorativo de criticar a nova geração 
de escritores é chamá-la de marqueteira. Faço parte dela, 
e posso responder por minha conta. “Ele é marqueteiro” 
é igual a comentar “só quer aparecer”. Não é um juízo 
estético, é um juízo extraliterário que almeja soar como 
estético. Uma fofoca, portanto. 
Para criticar reputações, usa-se o expediente da per-
sonalidade, não da obra. Uma imaturidade ainda de des-
merecer não tendo lido ou – ao menos – experimentado 
o próprio livro. É um julgamento da aparência, em vez de 
ser um exame severo da solidão de leitura. Prefi ro o elogio 
da inclusão ao elogio da exclusão. 
Se marqueteiro corresponde a ter orgulho de sua obra, 
a garantir o sustento da literatura, a não ter vergonha de 
aparecer e abrir caminho, a partilhar a responsabilidade 
com a editora e os distribuidores, eu sou marqueteiro, por 
que não?
Publicar um livro é começar. De uma maneira 
pioneira no Brasil, jovens escritoresvivem de literatura. 
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dependência de seu caráter. Mas não tem jeito de encontrar 
a liberdade sem inicialmente resolver a subsistência. 
Transpiração inspirada. O marketing é um aliado, 
em vez de ser um inimigo. O marketing talvez seja enga-
jamento, a explicar como a nova geração está acostumada 
a interpretar seus textos, a conciliar performance e debate; 
a explicar como essa turma não foge de polêmicas e das 
refl exões da mídia; a explicar o quanto informa os jornais 
de seu percurso; a explicar o quanto seus integrantes são 
mais informais, acessíveis e humanos. Podem errar, mas 
não estornam os erros. 
O espanto do leitor é ver que o autor é real. E que o 
autor lê o leitor tanto quanto ele. Não ocorre a submissão 
aos resultados, os resultados são construídos diariamente. 
Sacrifi cou-se a mística da inspiração pela transpiração 
inspirada. “Para atravessar a rua, necessitamos de inspi-
ração”, sopra em meus ouvidos o sábio 
Manuel Bandeira. 
Conversar com o público é também 
criar. É também poema. Não mais a 
imagem da timidez cadavérica, casmur-
ra, de apontar para o livro e sentenciar 
que ele se explique sozinho. Não mais 
a imagem anti-social, balbuciante, fó-
bica da multidão. Predomina o desejo 
escancarado e primitivo de ser conheci-
do, afi nal para que escrevemos? Quem 
escreve para os seus familiares e amigos, 
contente-se com um diário. Ou alguém 
abre um restaurante para funcionar 
como cozinha de sua casa?
A receita é simples e infalível: escreve-se para se ser 
lido. Mesmo que seja o hermético e desafi ador Finnegans 
Wake, de Joyce. O escritor percebeu que não existe um 
público o esperando. Ele deverá criar o público. O público 
nasce da importância e urgência de uma obra. Ao mesmo 
tempo que o autor. Diria que são gêmeos. 
Não havia público aguardando Rubem Fonseca. Ele 
formou seu público. Estabeleceu paradigmas inéditos de 
absorção da violência do cotidiano e na captação da crueza 
dos relacionamentos. Não havia tampouco para Machado 
de Assis. Senão teríamos os mil leitores do início do século 
Não somente de direitos autorais, mas do entorno, que 
envolve palestras, ofi cinas, artigos, publicação de inéditos, 
curadorias. É a extinção do amadorismo, nunca do amor 
às letras. 
Vários escritores contemporâneos abandonaram seu 
emprego estável para seguir sua vocação. Luiz Ruffato, 
em São Paulo; Cíntia Moscovich, em Porto Alegre; entre 
tantos. E não esquecer que João Gilberto Noll, ou João 
Silvério Trevisan sedimentaram caminho pela autonomia 
uma década antes. 
Há a consciência da nova geração de que ao publicar 
o livro não está encerrado o trabalho. Está começando. O 
escritor assume a posição de mediador entre a obra e o 
consumidor. Um ator de sua palavra. Ele não renuncia a sua 
parte no negócio, participa de feiras, aproxima-se de escolas 
e universidades, fomenta o boca-a-boca, cria projetos de 
antologias e identifi ca lacunas de refl exão. 
Sucesso deixou de ser fatalidade ou sorte no mundo 
literário. Sucesso é persistência, teimosia criativa. Um livro 
para ser vendido tem que ter gente dentro. O autor não 
está se prostituindo por comercializar suas idéias, defen-
der adiantamento e exigir remuneração por conferências 
e artigos. Um trabalho como outro, nem vil, nem impo-
luto. Constituiu-se a combinação de necessidade, dom e 
merecimento. Depende disso para continuar trabalhando 
mais e melhor. 
Não pretende afi rmar-se assim que o escritor escreverá 
de acordo com a expectativa do leitor, escreverá com a in-
Não mais a imagem da timidez 
cadavérica, casmurra, de apontar para 
o livro e sentenciar que ele se explique 
sozinho. Não mais a imagem anti-social, 
balbuciante, fóbica da multidão. Predomina 
o desejo escancarado e primitivo de ser 
conhecido, afi nal para que escrevemos?
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MARKETING: MARKETING E LITERATURA
passado. A literatura forma leitores. Os leitores não surgi-
ram por osmose ou geração espontânea. Eles são provoca-
dos a ler e só vão gostar se for uma opção individual. Não 
adianta procurar ocupar o público de Carlos Drummond de 
Andrade como se fosse fechado e pronto para embalagem. 
Público não se herda. Público se conquista. 
Links. Blogs e sites são laboratórios vivos de inéditos, 
fi rmam rede de afi nidades. Não existe mais a pressa de 
publicar. Os blogueiros não têm aquela ansiedade de sair 
à tona, de emergir, conhecem seu trabalho porque saíram 
da gaveta e enfrentaram a exposição pública. Todo dia po-
dem ser criticados e depreciados na caixa de comentários. 
Deseja prova de fogo mais espinhosa? Testaram estilos e 
formas. Não farão vanguarda por pose, e sim por crença. 
Se o trabalho é vulgar, vulgariza. Se o trabalho é elegante e 
inventivo, amadurece. Blogueiros podem acolher mais de 
mil visitantes por dia – há cronista de grande jornal que 
não conta com essa soma de leitores.
Até recentemente, notava-se um ranço com os escribas 
que migravam da rede para os livros, recebidos com ceticismo, 
como produtos extensivos da catarse e do marketing biográfi -
cos. Um tabu que logo mais será pulverizado com a queda da 
visão aristocrática da literatura, da trinca papel, caneta e isola-
mento. São corajosos que colocam sua reputação em jogo. 
A Internet popularizou a escrita – não existe como en-
grenar uma época sem conversar com os contemporâneos. 
A Internet proporciona um desafi o constante, sua facilidade 
de publicação impõe uma autocensura, uma noção de 
responsabilidade maior. Já que é tão fácil lançar os escri-
tos, cada um terá que se regrar, para evitar a banalização. 
Convertê-los em uma visão de mundo, numa serenidade de 
projeto. Grandes autores podem surgir da Internet (assim 
como o inverso é válido), não é qualquer um que sobrevive 
no mundo virtual por mais de dois anos. 
Identifi co que o autor não está passivo ao mercado. 
Vender, não se vender. Entende que o mercado é um re-
gulador e pode negociar de igual para igual. Publicar um 
livro não será um favor do editor. Acabou-se a caridade e 
o coitadismo. Publicar um livro é um compromisso. Não 
é para menos que vem assinado. 
O mercado não é um monstro de sete cabeças. Caso seja, 
uma das cabeças é a do escritor. E ele está pensando. 
Fabrício Carpinejar
Escritor
E-mail: carpinejar@terra.com.br
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