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Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete O TRATAMENTO LEGAL DISPENSADO AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO APÓS A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL Ewelline Sharon Ramos Nascimento Conselheiro Lafaiete 2016 Ewelline Sharon Ramos Nascimento O TRATAMENTO LEGAL DISPENSADO AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO APÓS A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete. Orientador: Prof. Renato Armanelli Gibson. Conselheiro Lafaiete 2016 DECLARAÇÃO Aprovação e Responsabilidades À Subcoordenação de Monografia. O Professor Renato Armanelli Gibson, Orientador da estudante Ewelline Sharon Ramos Nascimento na elaboração de Monografia intitulada “O tratamento legal dispensado aos animais de estimação após a dissolução da sociedade conjugal”, após acompanhar os trabalhos desenvolvidos pela discente e fazendo as correções necessárias, declara este Trabalho adequado para depósito definitivo e que a acadêmica está apta para defendê-la ante Banca Examinadora. Para tal, declara, também, ter pleno conhecimento das obrigações presentes no Regulamento do Trabalho de Curso vigente na FDCL. A acadêmica declara, para fins de direito, que assume toda e qualquer responsabilidade pelo aporte ideológico contido neste Trabalho, isentando, totalmente, a Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete, a Subcoordenação de Monografia, o Professor, Orientador e os membros da Banca Examinadora. Conselheiro Lafaiete, de de 201__. Renato Armanelli Gibson. __ Ewelline Sharon Ramos Nascimento AGRADECIMENTO Agradeço a minha mãe que sempre esteve ao meu lado, me apoiando, me encorajando em horas que eu pensava não ser capaz, nas horas de desespero foi ela quem segurou minha mão, não me deixando desistir, me tornando mais forte e resistente! Ela é o amor da minha vida. Agradeço ao meu pai João, que nunca desistiu de mim, e fez o papel de pai como ninguém, não deixando nunca de me colocar pra cima! A próxima a ser agradecida não tenho palavras suficientes para expressar, por ser tão compreensiva, por eu abrir mão dela inúmeras vezes em função desse trabalho e ela entender, essa pessoa é a minha princesa Isabella, minha filha, é a minha vida, sem ela eu teria desistido de tudo! Agradeço aos meus irmãos Júlio e Julliana, que sempre, sempre me estenderam a mão, sempre estiveram ao meu lado. Quero agradecer também a minha amiga Adriana por todo seu incentivo, todo apoio e carinho, pelos puxões de orelhas... rs. A minha amiga Marcela também, que não se hesita em me colocar pra frente. Aos meus tios e primos, também quero agradecer, pois estão sempre presentes, me ajudam muito, e nunca deixam de acreditar em mim, eles são peças fundamentais na minha vida. E também agradeço ao meu orientador, Renato Armanelli. RESUMO Este trabalho buscou analisar a possibilidade de alteração no tratamento jurídico inexistente a um animal de estimação quando houver dissolução da sociedade conjugal. Para tal, primeiro se observará a relação ambígua do homem com os animais que o cercam, o momento da “Virada Animal” ou “Animal Turn” e como é o tratamento atual do ordenamento jurídico brasileiro quanto a estes animais. O casamento como um todo, será apresentado em sua natureza jurídica, capacidade e habilitação; além de apontar quais são as espécies de casamento presentes em nossa sociedade atualmente. Posteriormente serão salientados os regimes de bens e suas particularidades, como: conceito, princípios, tipos de regimes encontrados pelos casais que vão se casar, e o Pacto Antenupcial. Por fim, analisa-se como se dá a partilha dos animais de estimação após a dissolução da sociedade conjugal, sua impropriedade, do mesmo modo a inovação legal para que se dê a partilha dos animais da melhor forma possível. Palavras-chave: Bens. Animais de estimação. Separação conjugal. Partilha. SUMÁRIO 1. O HOMEM E OS ANIMAIS ..................................................................................... 8 1.1 A relação ambígua do homem com os outros animais (não humanos) . 8 1.2 Virada Animal ou “Animal Turn” ................................................................ 10 1.3 A atual situação dos animais no ordenamento jurídico brasileiro ........ 11 2. DO CASAMENTO ................................................................................................. 14 2.1 Conceito e Natureza Jurídica ............................................................................. 14 2.2 Capacidade e habilitação para o casamento ............................................ 15 2.2.1 Capacidade .............................................................................................. 15 2.2.2 Habilitação ................................................................................................ 16 2.3 Causas suspensivas do casamento .......................................................... 17 2.4 Espécies de Casamento .............................................................................. 18 2.4.1 Casamento Válido ....................................................................................... 18 2.4.2 Casamento Putativo ................................................................................. 18 2.4.3 Casamento Nuncupativo e em caso de moléstia grave ......................... 18 2.4.4 Casamento Religioso Com Efeitos Civis................................................. 19 2.4.5 Casamento Consular ............................................................................... 20 2.4.6 Casamento Por Procuração .................................................................... 20 2.4.7 Conversão de união estável em casamento ........................................... 21 2.4.8 Casamento Homo afetivo ........................................................................ 21 3. REGIME DE BENS ............................................................................................... 23 3.1 Conceito ................................................................................................................ 23 3.2 Princípios básicos ........................................................................................ 24 3.3 Pacto Antenupcial ........................................................................................ 24 3.4 Tipos de Regime de Bens ............................................................................ 25 3.4.1 Comunhão parcial de bens ...................................................................... 25 3.4.2 Comunhão universal de bens .................................................................. 26 3.4.3 Participação final dos aquestos ............................................................... 27 3.4.4 Separação de bens .................................................................................. 28 4. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E A PARTILHA DE BENS DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO ......................................................................................... 30 4.1 Dissolução da Sociedade Conjugal ...............................................................30 4.2 Da partilha de bens ....................................................................................... 34 4.3 Da partilha de animais de estimação ......................................................... 36 4.4 Impropriedade da atual forma de partilha dos animais de estimação .. 37 4.5 Inovação legal para a partilha de animais de estimação ........................ 39 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 42 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 43 7 INTRODUÇÃO É fato inegável que os animais de estimação estão adquirindo cada vez mais importância na sociedade brasileira. O crescente aumento do faturamento do mercado de itens para animais de estimação, bem como a proliferação de pet shops demonstram uma conjuntura de maior cuidado, proteção e sentimento de afeto por cães, gatos, pássaros e diversos outros animais que tem a possibilidade de conviver com seres humanos. Igualmente notório é o crescente número de dissoluções de sociedades conjugais. Mudanças de cunho social, bem como alterações legais tornaram tal processo menos complicado e mais ágil, fazendo com que muitos divórcios e dissoluções de união estável tivessem menos discussões litigiosas. Contudo, há um ponto no qual nem sempre se chega facilmente a um consenso: com quem ficará o animal de estimação do casal? Parece descabido o tratamento dispensado pelo ordenamento jurídico pátrio aos aludidos seres, considerando-os como bens semoventes, sujeitos à partilha, como qualquer outro bem relacionado no patrimônio dos cônjuges, principalmente levando-se em consideração o vínculo emocional que os cônjuges adquirem pelo animal de estimação. Além disso, tem-se o fato de tais animais necessitarem de atenção e ambiente adequado, evitando-se, com isso, maus-tratos ou crueldade contra tais animais. Nesse sentido, faz-se importante analisar a viabilidade de mudança do tratamento jurídico dispensado a um animal de estimação na ocasião da partilha decorrente de dissolução da sociedade conjugal, no sentido de possibilitar que decisões pertinentes à guarda do animal possam dirimir com mais facilidade os litígios matrimoniais, bem como atender melhor aos interesses de todos os envolvidos, inclusive do animal de estimação. 8 1. O HOMEM E OS ANIMAIS 1.1 A relação ambígua do homem com os outros animais (não humanos) Não é de hoje que homem e animais compartilham suas vidas uns com os outros, seja direta ou indiretamente esse contato é facilmente notado. Às vezes considerados amigos ou até mesmo parte da família, cães e gatos, por exemplo, vivem dentro da mesma casa ou apartamento com seus donos. Recebem carinho, afeto e cuidados essenciais à sua saúde e bem estar, como alimentos de boa qualidade e veterinários excelentes. E também a possibilidade de manter contato com outros animais, seja da mesma espécie ou não. Porém, o contrário também pode existir, já que o homem trabalha e passa o dia fora de casa, ficando assim o animal, na maioria das vezes, sozinho em casa. É extremamente necessário que o homem analise se terá tempo o suficiente para estar presente na vida do animal e não somete tê-lo para suprir suas carências ou status. Quando não há essa consciência por parte do homem, acabam ocorrendo casos de maus tratos, negligência e até mesmo abandono, onde os animais são entregues em abrigos, canis, laboratórios ou são deixados nas ruas. Não são apenas os animais domésticos que precisam deste cuidado e zelo. Os tão desejados e admirados animais silvestres, como as araras, que podem ser vistas em reservas ecológicas ou até mesmo nas cidades, são retirados de ser habitat natural para serem vendidos. Algumas espécies de insetos e ratos são brutalmente mortos pelo homem, por serem considerados uma ameaça às plantações e à vida da população, respectivamente. Nas ruas, observa-se a presença de cavalos e jegues fazendo trabalhos de tração, forçadamente. Além disso, cavalos são usados em corridas e rodeios, como também os bois ou touros; e há os galos também, usados em rinhas, mesmo sendo proibida no Brasil. Alguns animais são objetos de luxo quando se fala na indústria da moda, onde as peles são frequentemente usadas para ser artefato de guarda roupa. Outros 9 como porcos, boi, galinhas são criados para serem abatidos e vendidos posteriormente. Todos estes exemplos acima citados são para demonstrar esta relação ambígua do homem com o animal. Letícia Albuquerque e Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros explanam sobre esta relação: É uma relação que nunca foi tranquila e que tem oscilado entre o medo e endeusamento, o descaso e o altar, a crueldade e a benevolência, entre ser caça e caçador, ou seja, entre atitudes que supunham um comportamento de propriedade irrestrita às atitudes de proteção. (2013, p. 1). É antiga a justificativa dada para explorar animais. Argumenta-se que sua falta de racionalidade, intelecto e inteligência são algumas das justificativas aceitáveis para que a exploração ocorra, ao considerarem grande a diferença entre o homem e o animal. Após evidências dadas pela Etologia (ciência que estuda o comportamento animal no meio em que vive) e Zoologia (ciência que estuda os animais), foi comprovado e documentado que não há mais que se argumentar que animais são ausentes de racionalidade, intelecto e inteligência. Carlos Michelon Naconecy complementa este pensamento ao dizer que “essa posição vem sendo paulatinamente derrubada desde os anos 1940” (2006, p. 138). Foi descoberto que os animais quando lidam com problemas de difícil solução, acham uma maneira de resolvê-la, montando uma estratégia e construindo uma ferramenta para chegar à solução do problema, provando que existe, mesmo que em nível básico, uma capacidade de raciocinar. Além disso, é evidente a presença de emoções e sentimentos entre os animais. Eles manifestam alegrias, tristeza, medo, dentre outros sentimentos, caracterizando-os como “seres sencientes”. A senciência é uma característica que está presente apenas em seres do reino animal. O sinal exterior mais amplamente reconhecido de senciência é a dor e, dessa forma, este conceito – ou sua ideia – tem sido usado, há tempos, como fundamento para a defesa da proteção dos animais não humanos contra o sofrimento, ou para a atribuição de direitos morais aos mesmos. (ANDA, 2009). A partir desta ideia de que os animais são seres sencientes, a relação ambígua entre homem-animal ficou mais evidente, recebendo críticas de diversas 10 formas. A maior indagação é no fato de que alguns animais, como os domésticos, são vistos como da família e outros são considerados animais comestíveis. Gary Francione chama de “esquizofrenia moral” a dificuldade de se enxergar todos os animais como seres sencientes. Ele argumenta que: Como parte dessa discussão, Francione identifica aquilo que ele chama de nossa "esquizofrenia moral", quando se trata de animais não humanos. Por um lado, dizemos que levamos os interesses dos animais a sério. Francione aponta para o fato de que muitos de nós vivemos com companheiros não humanos, os quais consideramos membros de nossas famílias, e de cuja personalidade — sua condição de pessoas ou de seres com valor moral intrínseco — nunca duvidamos. Por outro lado, devido ao fato de os animais serem propriedade, eles permanecem sendo coisas que não têm outro valor fora aquele que escolhemoslhes dar, e cujos interesses protegemos apenas quando fazer isso nos traz um benefício — geralmente econômico. De acordo com Francione, se for para os animais terem importância moral e não serem coisas, nós não podemos tratá-los como propriedade. (WIKIPEDIA, 2014). Ainda em relação a esta relação, a filósofa Christine Korsgaard, autora do artigo “Just Like All the Other Animals of the Earth” ou “Assim como todos os outros animais da Terra”, levanta a questão se nós humanos, deveríamos ver o animal como co-criatura ou apenas um recurso útil. (2008). Percebe-se que o jeito como o homem lida com o animal acaba tornando transparente a instabilidade que há entre estes dois. De um lado temos pessoas que condenam aquele que causa algum tipo de sofrimento ao animal indefeso e por outro lado, temos os que causam dor ao animal para poder dele se alimentar. Torna-se de extrema importância continuar estudando esta relação, a fim de evitar que mais animais sejam alvo de extinção. 1.2 Virada Animal ou “Animal Turn” Ainda que a relação do homem com os animais tenha sido investigada por muito filósofos e estudiosos, um novo foco surgiu nas últimas décadas, chegando a uma nova compreensão do papel do animal, no presente e no passado. Maria Esther Maciel ensina que: 11 Nas últimas décadas, mais precisamente a partir dos anos 1970, o debate sobre a questão animal e as relações entre humanos e outros viventes tem mobilizado pensadores e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, em várias partes do mundo. Esse crescente interesse pelo tema possibilitou, inclusive, o surgimento de um novo campo de investigação que, sob a denominação de estudos animais, vem se afirmando como um espaço de entrecruzamento de várias disciplinas oriundas das ciências humanas e biológicas, em torno de dois grandes eixos de discussão: o que concerne ao animal propriamente dito e à chamada animalidade, e o que se volta para as complexas e controversas relações entre homens e animais não-humanos. O que evidencia a emergência do tema como um fenômeno transversal, que corta obliquamente diferentes campos de conhecimento e propicia novas maneiras de se reconfigurar, fora dos domínios do antropocentrismo e do especismo, o próprio conceito de humano. (2011). Com este novo interesse surgiu diversos novos cursos e pesquisas, para aumentar o material científico, no Brasil e no estrangeiro. Países anglo-saxônicos usam o termo “Animal Turn” ou “Virada Animal” para definir este novo momento de interesse para estudar mais a relação homem-animal, que surge da preocupação do crescente aumento no consumo de produto animal. A causa maior desta virada é fazer com que a população mundial tenha uma mudança de pensamento, quando se trata de animais. A ideia de que o animal é um ser descartado podendo ser usado em, por exemplo, transportes, manipulação genética e abate, assusta os que defendem o animal como um ser senciente. O que se percebe que ainda se encontra e encontrarão muitas questões a serem respondidas a cerca desta relação homem-animal. Uma delas é como o atual ordenamento jurídico trata estes seres não humanos. 1.3 A atual situação dos animais no ordenamento jurídico brasileiro Muito se evoluiu até que se chegasse a tantos materiais relacionados aos animais, tanto que a Constituição de 1988 foi a primeira a falar sobre eles. Entretanto, Letícia Albuquerque e Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros explicam que: tal fato não descarta uma abordagem, mesmo que discreta e progressiva, de uma orientação protecionista das Constituições brasileiras anteriores, nem que fosse somente ligada ao fato da repartição da competência legislativa e administrativa entre os membros da Federação, circunstância 12 que possibilitou a elaboração de legislação protetiva do ambiente como foi o caso do Código Florestal, do Código da Água e Pesca, dentre outros. (2013, p.16). Constata-se que a Constituição Federal fala sobre o animal direta ou indiretamente, quando usa termos como: fauna, espécies, qualidade de vida e meio ambiente. Ao se elaborar o texto constitucional, não se preocupou em definir tais termos, ficando essa incumbência a cargo da doutrina, do aplicador do Direito e até mesmo dos legisladores infraconstitucionais. Pode-se perceber isto, ao analisar o artigo abaixo, onde ora se usa o termo “animal”, ora usa-se “fauna” para se referir aos animais que habitam ao nosso redor, como podemos perceber no art. 225, §1º, VII: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (CONTITUIÇÃO FEDERAL, 2016). Também está implícita a preocupação com os animais, no art. 187, §1º: Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: § 1º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2016). A lei nº 13.123, de 20 de Maio de 2015, também conhecida como Lei da Biodiversidade, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória n o 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. (2016). 13 Isto posto, pôde-se observar que a relação homem-animal ainda é um desafio para o direito contemporâneo, mas torna-se importante falar sobre este assunto que divide ainda algumas opiniões. 14 2. DO CASAMENTO 2.1 Conceito e Natureza Jurídica O casamento é visto como a base da família e alicerce principal da sociedade. Ele se dá quando duas pessoas resolvem seguir suas vidas em conjunto a fim de compartilhar suas ideias e ideais. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves: “casamento é a união legal entre um homem e uma mulher, com objetivo de construírem família legítima” (2012, p. 25). Porém, devido às novas transformações este conceito foi considerado ultrapassado, já que por palavras do doutrinador acima citado, somente homem e mulher poderiam se casar. Mas, no final do ano de 2011, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu ser possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou casamento homo afetivo. Quanto à natureza jurídica, esta tem diversos pontos controversos e possui três correntes em busca de sua compreensão. A concepção clássica afirma que o casamento se trata de uma relação exclusivamente contratual, já que é o resultado de um acordo de vontade entre duas partes. Já a concepção institucionalista acredita que o casamento é uma instituição. A terceira corrente é a eclética ou mista, que reconhece o casamento como uma mistura das duas primeiras correntes, já que “considera o casamento um ato complexo: um contrato especial, do direito de família, mediante o qual os nubentes aderem a uma instituiçãopré-organizada, alcançando o estado matrimonial” (GONÇALVES, 2012, p. 26). Casamento é ato complexo: na sua formação trata-se de contrato, e seu conteúdo é baseado na instituição. 15 2.2 Capacidade e habilitação para o casamento 2.2.1 Capacidade A capacidade encontra-se presente no art. 1.517 do Código Civil (CC): “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”. (2016). Os artigos 1.518 a 1.520 do Código Civil trazem mais particularidades sobre a capacidade: Art. 1.518. Até a celebração do casamento podem os pais ou tutores revogar a autorização. Art. 1.519. A denegação do consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo juiz. Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. (CÓDIGO CIVIL, 2016). Importante frisar que é diferente dizer que uma pessoa é incapacitada daquela que é impedida para casar. A incapacidade se dá àqueles que são menores de 16 anos (art. 1517, CC). A redação antiga do art. 3º do Código Civil, que trazia em seus incisos que os doentes mentais e enfermos eram incapazes de exercer atos da vida civil, foi revogada em 2015, com a Lei 13.146/2015, conhecida também como Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência. Ficando apenas os menores de 16 anos considerados como incapazes ao casamento. Já os impedimentos matrimoniais estão elencados no art. 1.521, CC: Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; 16 VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. (2016). Além do mais, qualquer pessoa capaz pode se opor a estes impedimentos, desde que faça antes da celebração, e o juiz ou o oficial de registro caso saiba de algum destes impedimentos, obrigar-se-á a declará-lo. Maria da Glória Perez Delgado Sanches nos explica que “se provada a imposição, ela impede o casamento. Se não provada, apenas adia o casamento” (2007). 2.2.2 Habilitação Após comprovada a capacidade para se casar e a inexistência de impedimentos, os noivos darão início ao processo de habilitação para o casamento. O art. 1525, CC, traz em sua redação como se inicia este processo que deverá ser instaurado no cartório de domicílio dos noivos: Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos: I - certidão de nascimento ou documento equivalente; II - autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra; III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar; IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio. (2016). Posteriormente, encontrando-se em ordem toda a documentação, extrair- se-á o edital, ficando afixado durante 15 dias no cartório de Registro Civil da comarca de ambos os nubentes. E também, se houver imprensa local, será nela publicada. Caso exista motivo de urgência, esta publicação será dispensada por autoridade competente (oficial do cartório). 17 2.3 Causas suspensivas do casamento As causas suspensivas são consideradas menos graves, geralmente se dão para evitar e impedir confusão patrimonial, justamente por isso não geram nulidade absoluta ou relativa para o casamento. Elas estão elencadas no art. 1.523, CC: Art. 1.523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. (2016). Nota-se que mesmo havendo casamento, sem a alegação de causa suspensiva, o casamento ainda será válido, “mas o regime de comunhão parcial de bens será ineficaz, tendo em vista que se aplicam as regras de separação de bens”. (TARTUCE, 2014, p. 166). Há uma divergência na doutrina quanto à suspensão. De um lado, doutrinadores, como Carlos Roberto Gonçalves, defendem que a suspensão deve ser verificada até que se veja afastada a causa suspensiva (GONÇALVES, 2005). Por outro lado, há a defesa de que a suspensão deveria ocorrer até a verificação da existência de causa suspensiva ou não. Tartuce defende que “esta segunda corrente parece ser a mais correta, eis que a suspensão só dura até a apuração da procedência ou não da causa suspensiva” (2014, p. 167). 18 2.4 Espécies de Casamento 2.4.1 Casamento Válido Conhece-se como casamento válido aquele que seguiu todos os procedimentos exigidos por lei. 2.4.2 Casamento Putativo É aquele em que um ou ambos os cônjuges desconhecem algum tipo de impedimento, podendo ser nulo ou anulável. Quando é apenas um dos cônjuges que desconhece, tendo ele boa-fé, o casamento produzirá seus efeitos normalmente, ocorrendo estes desde a celebração até a sentença anulatória. Passada a sentença, os deveres do casamento são considerados cessados. (VIA JUS, 2016). 2.4.3 Casamento Nuncupativo e em caso de moléstia grave O Código Civil abre duas exceções relacionadas às formalidades para que o casamento seja válido, que é o caso do casamento nuncupativo e em caso de moléstia grave. O primeiro ocorre quando um dos nubentes está em risco de vida, sendo prescindidas as formalidades. Dispensa-se também a autoridade competente para a celebração, podendo ser realizada com a presença de seis testemunhas, desde que não tenham nenhum parentesco com o casal. E o art. 1.541, CC, completa dizendo que: Art. 1.541. Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer perante a autoridade judicial mais próxima, dentro em dez dias, pedindo que lhes tome por termo a declaração de: I - que foram convocadas por parte do enfermo; II - que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo; III - que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente,receber-se por marido e mulher. 19 § 1 o Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às diligências necessárias para verificar se os contraentes podiam ter-se habilitado, na forma ordinária, ouvidos os interessados que o requererem, dentro em quinze dias. § 2 o Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, assim o decidirá a autoridade competente, com recurso voluntário às partes. § 3 o Se da decisão não se tiver recorrido, ou se ela passar em julgado, apesar dos recursos interpostos, o juiz mandará registrá-la no livro do Registro dos Casamentos. § 4 o O assento assim lavrado retrotrairá os efeitos do casamento, quanto ao estado dos cônjuges, à data da celebração. § 5 o Serão dispensadas as formalidades deste e do artigo antecedente, se o enfermo convalescer e puder ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro. (CÓDIGO CIVIL, 2016). Já o casamento em caso de moléstia grave, encontra-se elencado no art. 1.539, CC: Art. 1.539. No caso de moléstia grave de um dos nubentes, o presidente do ato irá celebrá-lo onde se encontrar o impedido, sendo urgente, ainda que à noite, perante duas testemunhas que saibam ler e escrever. § 1 o A falta ou impedimento da autoridade competente para presidir o casamento suprir-se-á por qualquer dos seus substitutos legais, e a do oficial do Registro Civil por outro ad hoc, nomeado pelo presidente do ato. § 2 o O termo avulso, lavrado pelo oficial ad hoc, será registrado no respectivo registro dentro em cinco dias, perante duas testemunhas, ficando arquivado. (CÓDIGO CIVIL, 2016). 2.4.4 Casamento Religioso Com Efeitos Civis O casamento religioso com efeito civil ocorrerá desde que atenda todas as exigências legais para ser validado como casamento civil e seus efeitos serão contados da data da celebração. Importante frisar sobre o casamento religioso: Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil. § 1 o O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação. § 2 o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532. 20 § 3 o Será nulo o registro civil do casamento religioso se, antes dele, qualquer dos consorciados houver contraído com outrem casamento civil. 2.4.5 Casamento Consular É aquele celebrado fora do país e por brasileiro, sendo validado desde que esteja presente o cônsul brasileiro. E ainda dispõe o art. 1.544, CC: Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1 o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir. 2.4.6 Casamento Por Procuração A lei brasileira permite aos nubentes, caso não possam estar presentes na celebração de seu matrimônio, casarem por procuração, desde que esteja o procurador munido de poderes especiais. Deverá ser feita, a procuração, com validade de 90 (noventa) dias, pelo tabelião de notas e ser por instrumento público. Devendo também haver menção incontestável por parte do outro contraente. Não importa se vai estar presente um ou ambos nubentes. A única exigência é que o procurador represente apenas um do casal. Na ausência dos dois, serão necessárias duas procurações, com mandatários distintos, um para cada qual dos consortes. A restrição se faz porque sendo o casamento um contrato bilateral, é necessária a manifestação de duas vontades, uma do varão, outra da varoa, e para tanto haveria incompatibilidade para que um somente representasse os dois polos contratuais. (LEAL, 2011). 21 2.4.7 Conversão de união estável em casamento A união estável entre homem e mulher, foi devidamente reconhecida como entidade familiar, desde que “configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (art. 1.723, CC). Além disso, essa relação deverá obedecer alguns deveres como, “lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos” (art. 1.724, CC). A união estável ocorrerá desde que não existam impedimentos (art. 1.521, CC). A única exceção quanto a este impedimento, está em relação à pessoa casada, mas que se encontra separada de fato ou judicialmente, neste caso, poderá haver união estável. Em caso de inexistência de contrato firmado entre os companheiros, acerca do tipo de regime de bens, este será o da comunhão parcial de bens, conforme redação do art. 1.725, CC. Por fim, na redação dada pelo Código Civil, o art. 1.726 versa sobre a conversão da união estável em casamento: “união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”. 2.4.8 Casamento Homo afetivo Como já observado em tópico acima, no final do ano de 2011, o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu ser possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou casamento homo afetivo, por analogia à união estável. CASAMENTO. PESSOAS. IGUALDADE. SEXO. In casu, duas mulheres alegavam que mantinham relacionamento estável há três anos e requereram habilitação para o casamento junto a dois cartórios de registro civil, mas o pedido foi negado pelos respectivos titulares. Posteriormente ajuizaram pleito de habilitação para o casamento perante a vara de registros públicos e de ações especiais sob o argumento de que não haveria, no ordenamento jurídico pátrio, óbice para o casamento de pessoas do mesmo sexo. Foi-lhes negado o pedido nas instâncias ordinárias. O Min. Relator aduziu que, nos dias de hoje, diferentemente das constituições pretéritas, a concepção constitucional do casamento deve ser plural, porque plurais são as famílias; ademais, não é o casamento o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, qual seja, a proteção da pessoa humana em sua dignidade. Assim sendo, as famílias formadas por 22 pessoas homo afetivas não são menos dignas de proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. O que se deve levar em consideração é como aquele arranjo familiar deve ser levado em conta e, evidentemente, o vínculo que mais segurança jurídica confere às famílias é o casamento civil. Assim, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela CF/1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias constituídas por pares homo afetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas e o afeto. Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ quanto pelo STF para conceder aos pares homo afetivos os direitos decorrentes da união estável deve ser utilizadopara lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º). Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para afastar o óbice relativo à igualdade de sexos e determinou o prosseguimento do processo de habilitação do casamento, salvo se, por outro motivo, as recorrentes estiverem impedidas de contrair matrimônio. Resp. 1.183.378-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 25/10/2011. (STJ, 2011). Assim como em 2013, com o surgimento da Resolução n. 175 do Conselho Nacional de Justiça: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. (2016). Após estas a decisão do STJ e a Resolução do Conselho Nacional de Justiça, o número de casamentos registrados por casais do mesmo sexo aumentou significativamente. No ano de 2015, “o Brasil registra a realização de 3,7 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo” (CNJ, 2015). 23 3. REGIME DE BENS 3.1 Conceito Trata-se de um conjunto, composto de diretrizes e princípios, que irá reger o patrimônio e os interesses dos cônjuges. O regime de bens torna-se importantíssimo na vida dos cônjuges e se faz valer a partir da celebração do matrimônio. Flávio Tartuce conceitua-o da seguinte forma: O regime matrimonial de bens pode ser conceituado como sendo o conjunto de regras relacionadas com interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da entidade familiar, sendo as suas normas, em regra, de ordem privada. (2014, p. 307). O regime de bens escolhido pelos cônjuges trará respostas para algumas perguntas, como o rol exemplificativo abaixo: a) Maria e João possuíam bens de solteiro (cada um o seu), estes bens serão partilhados entre os dois? b) Ou Maria ficará com o que é seu e João com o que é dele? E somente o que foi adquirido após o casamento será de ambos? c) Ou ainda, se o que foi adquirido antes e após o casamento não será compartilhado entre eles. d) Também há a possiblidade de todos os bens serem particulares e apenas determinado bem será usufruído em comunhão. e) Ou todos os bens serão usufruídos em comunhão, exceto aquele único que será particular de um dos dois. Convém observar que, a decisão pelo regime de bens será de grande importância a partir do momento da dissolução da sociedade conjugal. Por isso, os cônjuges tem que escolher qual será o melhor regime de bens para eles. 24 3.2 Princípios básicos Os regimes de bens são regidos por alguns princípios: autonomia privada; indivisibilidade do regime de bens; variedade de regimes de bens; mutabilidade justificada. De acordo com o princípio da Autonomia da Vontade, os nubentes poderão escolher de livre e espontânea vontade qual dos regimes de bens será aquele que melhor se adequará à sua relação. E o art. 1.639, caput, CC, reforça esta ideia: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” (2016). O princípio da Indivisibilidade do Regime de Bens trata da impossibilidade de que cada cônjuge tenha, particularmente, seu regime de bens, isto é: o regime é para o casal. Flávio Tartuce acrescenta que “como aplicação prática desse princípio, será nulo o pacto antenupcial que determinar o regime da comunhão universal de bens para o marido e o da separação de bens para a esposa” (2014, p. 311). Já o princípio da Variedade de Regime de Bens, diz que são 4 (quatro) os regimes permitidos por lei: comunhão parcial, comunhão universal, participação final dos aquestos e separação de bens, podendo escolher entre um destes. Ressalta-se que se não for escolhido regime algum, ou se o pacto antenupcial foi nulo ou ineficaz, o regime de bens imposto aos cônjuges será o da comunhão parcial. Finalmente, o princípio da Mutabilidade Justificada diz que só poderá haver mudança de regimes em casos excepcionais, e o art. 1.639, §2º completa dizendo que: Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 2 o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. 3.3 Pacto Antenupcial Trata-se de um documento que será assinado pelos cônjuges definindo a escolha do regime de bens que prevalecerá entre os dois, sendo classificado como um contrato condicional e solene. É considerado condicional por sua eficácia 25 depender da concretização do casamento e sua solenidade decorre de escritura pública devidamente registrada (art. 1.653, CC). Além do mais, a capacidade para casar também é exigida neste caso, portanto, os menores de 16 (dezesseis) anos irão precisar do consentimento de seus responsáveis que deverão estar presentes na celebração deste contrato. Como já mencionado, caso inexista este pacto, ele seja nulo ou ineficaz, prevalecerá como regime de bens escolhido, a comunhão parcial, de acordo com a redação do art. 1.640, CC. Uma importante observação é a respeito da redação do art. 1.657: “as convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges”. Nota-se que caso o regime escolhido não tenha sido registrado, para terceiros (a sociedade) o que vigorará entre aquele casal é o regime da comunhão parcial. 3.4 Tipos de Regime de Bens 3.4.1 Comunhão parcial de bens Presente no Brasil a partir de 1977, com a Lei nº 6.515, a comunhão parcial ou regime legal é o mais adotado no Brasil, e ocorre na quando não houve escolha por parte do casal ou então o pacto antenupcial selado por eles for considerado nulo. A característica marcante deste regime é que: o que era de cada cônjuge antes do casamento não será compartilhado pelos dois, e sim somente o que foi adquirido, a título oneroso, após a união em matrimônio. Conceitua-se legalmente no art. 1.658, CC: “no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes” (2016). Na definição de Carlos Roberto Gonçalves: 26 Caracteriza-se por estabelecer a separação quanto ao passado (bens que cada cônjuge possuía antes do casamento) e comunhão quanto ao futuro (adquiridos na constância do casamento), gerando três massas de bens: os do marido, os da mulher e os comuns. (2012, p. 363). Quanto aos bens que se excluem da comunhão: Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III - as obrigações anteriores ao casamento; IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. (CÓDIGO CIVIL,2016). Também se excluem os bens que “cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento” (art. 1.661). Assim, o bem que foi parte de um processo judicial e o resultado desta ação foi dado após o casamento já oficializado, não se comunicará com o outro cônjuge. Do mesmo modo que o dinheiro recebido de um bem que foi colocado a venda antes do casamento, e só foi vendido após o beneficiário ter casado. O patrimônio em comum será administrado por qualquer um dos cônjuges, e o patrimônio particular será administrado pelo proprietário do bem. Dá-se a dissolução deste regime quando: houver divórcio ou um dos cônjuges vier a óbito, ou, ainda, em caso de ser nulo ou anulado o casamento. Caso ocorra esta dissolução, em caso de morte, os bens que pertenciam ao cônjuge falecido passarão aos seus herdeiros. E em caso de divórcio ou separação judicial, a partilha será feita somente entre os bens comuns do casal. 3.4.2 Comunhão universal de bens Este era considerado o regime legal até o surgimento da Lei nº 6.515/77. Neste regime, comunicam-se todos os bens do casal independente se foram adquiridos antes ou após o casamento. 27 De acordo com redação do art. 1.668, CC: Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659. (2016). Caso seja extinta a comunhão, efetivar-se-á a partilha do passivo e do ativo, interrompendo a obrigação de um dos cônjuges com os credores do outro. 3.4.3 Participação final dos aquestos É um regime misto uma vez que durante a vigência do casamento o regime será o da separação total, e caso ocorra a dissolução da sociedade conjugal, o regime a ser adotado é o da comunhão parcial. Foi trazido pela Lei nº 10.406/2002. O art. 1.672, CC traz suas particularidades: Art. 1.672. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. (2016). Neste regime de bens, caso o casal decida pela dissolução da sociedade conjugal, os aquestos serão calculados, excluindo-se desta forma o patrimônio particular de cada cônjuge. 28 3.4.4 Separação de bens Neste regime nada se comunica: nem os bens do presente (da época de solteiro até a data do casamento) e nem os bens do futuro (o que o casal constituirá conjuntamente). Os bens do futuro ficarão a cargo de quem os adquiriu. Assim sendo: Nesse regime nada se comunica, ou seja, o que o marido e a mulher já possuíam ao casar, continuará a ser de cada um deles, com exclusividade, não se comunicando com o patrimônio do outro. Da mesma forma, tudo o que for adquirido na constância do casamento, seja por compra, doação ou herança, será exclusivo daquele que adquiriu, não integrando qualquer patrimônio comum. (DANTAS, 2013). Existem duas formas para este regime de bens ser a escolha: por pacto antenupcial ou por exigência de lei (legal ou obrigatório). Será exigido por lei quando: Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010). III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (CÓDIGO CIVIL, 2016). Em relação à dissolução da sociedade conjugal, ao final desta, cada cônjuge não teria direito a nada se este não tiver ajudado a adquirir, porém o Supremo Tribunal Federal abriu uma exceção com a Súmula 377: SÚMULA 377 No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento. Como a própria súmula diz “regime de separação legal de bens”, não valendo, portanto, quando a separação de bens foi opção do casal. Em caso de dissolução do casamento, e este for regido pela separação de bens convencional, cada um dos cônjuges retirará seu patrimônio. E caso a dissolução se dê por morte de qualquer um dos cônjuges, o cônjuge sobrevivente 29 passa aos herdeiros a parte do falecido e continuará administrando os bens em comum até chegar à partilha. O Código Civil exige que os cônjuges deverão arcar com as despesas do casal e serão encarregados de arcarem com as dividas que adquirirem. (arts. 1.642 e 1.687, CC). 30 4. DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E A PARTILHA DE BENS DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO Após conhecer a respeito de como os animais são tratados em nosso ordenamento jurídico, passando também pelos tipos de casamento e regime de bens, resta-nos analisar como se dá a partilha de bens após a dissolução da sociedade conjugal e, em foco, a partilha dos animais de estimação. 4.1 Dissolução da Sociedade Conjugal Estudar o fim do casamento e da sociedade conjugal se tornou importante para o Direito de Família, visto que com a evolução da sociedade, este precisou evoluir junto. Para se chegar ao que dita o Código Civil atual, sobre a dissolução da sociedade, muita coisa mudou. Bem antigamente a mulher era considerada um ser inferior em relação à figura do homem, não podendo, desta forma, ter voz ativa. Um fato notório desta época era que muitas vezes seus casamentos eram arranjados por sua família, fazendo com que, raramente, ela se casasse com alguém do seu interesse. Quando este casamento arranjado ocorria, a mulher rejeitava o homem, e nada poderia ser feito, já que se casavam para o resto da vida. O casamento era fortemente protegido pela Igreja Católica, a qual exercia grande influência no ordenamento jurídico brasileiro, havendo, inclusive, disposições quanto à indissolubilidade do casamento nas Constituições passadas. (PACHECO, 2014). Caso a mulher decidisse pelo fim de seu casamento, era tudo sua culpa, em razão de que era inaceitável que isto ocorresse. Passavam a tratá-la com preconceito e repúdio. Contudo, com a evolução da sociedade brasileira, em 1916 o Código Civil trouxe uma importante mudança para o casamento, que era a previsão do desquite (ou separação de corpos) em sua redação: Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos: 31 I. Adultério. II. Tentativa de morte. III. Sevicia, ou injuria grave. IV. Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos. (CÓDIGO CIVIL, 1916). Caso houvesse o desquite: novos casamentos não poderiam ser feitos, uma vez que estes ficavam ilegitimados de possuir uma nova união conjugal, ou seja, o casamento. As pessoas que se separavam eram conhecidas como “desquitadas” e muito mal vistas pela sociedade. A situação era tão constrangedora, que rumores sobre o possível término do casamento corriam por toda parte. (SOUZA, 2015). Somente a partir de 1977 é que o divórcio foi definido como legal no Brasil. Pelas palavras de Caroline Pacheco: Com o advento da Lei nº 6.515/77, surgiram duasmodalidades que colocavam termo ao vínculo matrimonial. A primeira, chamada de divórcio- conversivo, previa que o casal primeiramente devia se separar judicialmente, e após três anos estavam aptos a requerer a conversão em divórcio. Por sua vez, o chamado divórcio direto, permitia o divórcio ao casal que já estava separado de fato há cinco anos antes da publicação da emenda constitucional. (2014). Além da Lei do Divórcio e da Separação Judicial (Lei nº 6.515/77), com a Emenda Constitucional nº 9, que dava nova redação ao art. 175 da CF/69 foi possível se divorciar no Brasil. Uma das regras é que só poderia haver o divórcio uma única vez por pessoa, não sendo possível se divorciar diversas vezes se assim quisesse. Isto muda em 1989 com a revogação do art. 38 da Lei 6.515/77 pela Lei 7.841/89, que dizia: “art. 38. O pedido de divórcio, em qualquer de seus casos, somente poderá ser formulado uma vez” (LEI 6.515/77, 2016). Portanto, passa-se a ser permitido o divórcio mais de uma vez. Com o surgimento da nova Carta Magna em 1988, a dissolução da sociedade conjugal ganha mais um avanço, visto que a redação do art. 226, §6º, CF dizia que: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: 32 § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. (FERRIANI, 2016). O Código Civil de 2002 trouxe em seu art. 1.571: Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio. § 1 o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente. § 2 o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial. (2016). Avançando mais ainda, em 2010, com a Emenda Constitucional nº 66, conhecida como Emenda do Divórcio, o §6º, ganha nova e atual redação: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010). (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2016). Comparando as duas redações do art. 226, §6º, CF, resta claro que a mudança foi em relação ao prazo que foi definitivamente afastado, tanto o do divórcio-conversivo quando o do divórcio direto. Outra percepção que se pode ter da nova Emenda Constitucional, é que ela baniu totalmente do nosso ordenamento jurídico a separação judicial, já que: Esta apenas dissolvia a sociedade conjugal pondo fim a determinados deveres decorrentes do casamento como o de coabitação e o de fidelidade recíproca, facultando também a partilha patrimonial. Contudo, pessoas separadas não podiam casar novamente, em razão de o vínculo matrimonial não ter sido desfeito. (FERNANDES, 2010). Portanto, somente com o divórcio e com a morte de um dos cônjuges é que se chega à dissolução da sociedade conjugal. A morte de um dos cônjuges traz a dissolução tanto da sociedade conjugal quanto do vinculo matrimonial e é a primeira causa de dissolução do art. 33 1.571 do Código Civil. Após ocorrer a morte de um dos cônjuges, o cônjuge sobrevivente poderá se casar novamente, porém os vínculos de afinidade ainda continuam com os parentes do cônjuge falecido. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. §1º. O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. §2º. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. (CÓDIGO CIVIL, 2016). Desta forma, o Código Civil trouxe algumas particularidades a serem observadas pelo cônjuge sobrevivente, que são: Art. 1.523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; (2016). As causas acima são suspensivas e caso queiram suspendê-las, deve-se seguir o disposto no Parágrafo Único do mesmo dispositivo acima citado: Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. (CÓDIGO CIVIL, 2016). Já a dissolução pelo divórcio ocorre de duas formas: judicial litigioso e judicial consensual. O primeiro se dá quando as partes não chegam a um acordo. Às vezes a confusão acontece por uma das partes não querer o fim da relação ou até mesmo se discute, por exemplo, sobre alimentos, guarda dos filhos e partilha dos bens. No divórcio, definido atualmente na legislação brasileira, não há que se dizer que haja culpado vínculo com a culpa, pelo fim do casamento, nem mesmo qualquer responsável pelo seu fim. Caso algum outro conflito tenha sido a causa do término do casamento, no âmbito da responsabilidade civil é que devem ser discutidos tais aspectos, mas jamais dentro de um 34 processo de divórcio. Ou seja, ação de danos morais, bem como danos materiais, etc. (SOUZA, 2015). Alguns dos casos que possa se levar ao divórcio litigioso são: casos de adultério, brigas e desentendimentos constantes, a vida conjugal não mais acontece, em caso de doença grave, dentre outros. E nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves: O divórcio direto requerido por um só dos cônjuges (litigioso) seguirá o procedimento ordinário, segundo dispõe o art. 40, § 3º, da Lei do Divórcio. Não há necessidade da tentativa de reconciliação, nem se aplica a regra do art. 447 do Código de Processo Civil. (2012, p. 230). Já o divórcio consensual, como o próprio nome diz ocorre por vontade de ambas as partes e estas deverão seguir as regras do art. 40, §2º da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77): Art. 40. No caso de separação de fato, e desde que completados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado decurso do tempo da separação. (Redação dada pela Lei nº 7.841, de 1989). § 2º - No divórcio consensual, o procedimento adotado será o previsto nos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil, observadas, ainda, as seguintes normas: I - a petição conterá a indicação dos meios probatórios da separação de fato, e será instruída com a prova documental já existente; II - a petição fixará o valor da pensão do cônjuge que dela necessitar para sua manutenção, e indicará as garantias para o cumprimento da obrigação assumida; III - se houver prova testemunhal, ela será produzida na audiência de ratificação do pedido de divórcio a qual será obrigatoriamente realizada. IV - a partilha dos bens deverá ser homologada pela sentença do divórcio. (2016). Após conhecer um pouco de como se dá a dissolução da sociedade, passemos a conhecer sobre como se dá a partilha de bens. 4.2 Da partilha de bens Em caso de dissolução matrimonial, partilhar os bens significa “dividir o patrimôniodo casal”, e a forma como será feita esta divisão se dá de acordo com qual regime de bens o casal era casado. 35 Em resumo, quando o regime for comunhão parcial de bens, somente o que foi adquirido em conjunto após o casamento é que será partilhado. Em caso de comunhão universal de bens, se efetivará a partilha do passivo e do ativo, interrompendo a obrigação de um dos cônjuges com os credores do outro. Na participação final dos aquestos, faz-se um levantamento do que foi comprado pelo casal em conjunto e divide pela metade. Já na separação total de bens independe se continuam casados ou estão em partilha de bens, o patrimônio é individual de cada um, por isso, só em casos de o bem estar registrado no nome de ambos é que se fará a divisão entre eles após a dissolução do matrimônio. Anteriormente com o art. 31 da Lei 6.515/77 ou Lei do Divórcio, o momento da partilha era da seguinte forma: “não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva de separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens” (2016). Atualmente, com o art. 1.581, CC: “O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens” (2016). Portanto, a partilha de bens pode se dar durante o processo de divorcio ou depois, devendo o casal voltar ao judiciário para a devida divisão dos bens. Há casos excepcionais em que é aconselhável a partilha depois, como no caso de sociedades empresariais e atividades econômicas que dependam de levantamento pericial de valores, ou ainda, em caso do único imóvel do casal ainda com financiamento hipotecário. (ACONTECE NAS MELHORES FAMÍLIAS, 2016). Importante também, os advogados descreverem todos os bens a serem partilhados a fim de evitar perda ou desperdício do acervo conjugal. Depois de resolvido com qual bem cada parte ficará, caso um deles esteja empossado de um bem que seja do outro ou se recuse a entregá-lo, estará cometendo “esbulho possessório” e desta forma: Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa. (2016). 36 Um dos casos atuais de esbulho possessório é em relação ao animal de estimação e veremos a seguir como se dá a partilha destes. 4.3 Da partilha de animais de estimação Após apresentar como é a relação homem-animal e o como é o procedimento da partilha de bens após a dissolução do casamento, faz-se a seguinte pergunta: o animal de estimação, ser senciente, que traz uma mistura de sentimentos às família, como amor e alegria, convivendo diariamente com seus donos, merece ser tratado pelo ordenamento jurídico como mero como um objeto a ser partilhado? A priori, destaca-se que existem inúmeros tipos de animais, como aqueles que servem de força motriz (cavalo), companhia (cães, gatos, pássaros), criação em grande escala (gado, galinha, porco). Porém são os animais que podem ser domesticados que são mais viáveis de se conviver com seres humanos. Um exemplo é o cachorro que pode servir de companhia, de guarda costas, de guia para um cego, ou como o mascote da casa, nascendo assim um vínculo entre ele e seus humanos. É sabido que os animais de estimação ganharam mais e mais espaço dentro das famílias em toda parte do mundo, passando a serem tratados como “da família” em alguns casos. Ao mesmo tempo, em contrapartida, aumentou-se o número de divórcios no Brasil: Nas ultimas três décadas (de 1984 a 2014), o numero de divórcios cresceu de 30,8 mil para 341,1 mil, com taxa geral de divórcios passando de 0,44 por mil habitante na faixa de pessoas com 20 anos ou mais de idade, em 1984, para 2,41 por mil habitante em 2014. (OLIVEIRA, 2015). Desta forma, em casos de dissolução da sociedade conjugal, não são raras as vezes em que o animal da família encontra-se no meio da partilha de bens. Porém, a questão não é tão simples de ser resolvida, visto que o pedido de guarda compartilhada de um animal não é bem visto por todos do judiciário, como o caso abaixo, ocorrido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: 37 O curioso é que em tempos de assoberbamento do Poder Judiciário, lotadas as mesas e os armários dos operadores do Direito da área de família com questões de grande relevância, tais como invest igações de paternidade ou destituições de poder familiar, não estamos aqui tratando da busca e apreensão de um menor, cuja guarda se discute, mas sim de uma cachorrinha. E as petições lançadas por autor e requerida, eminentes colegas, não perdem de vista as expressões de “direito de guarda” e “direito de visita”, não sendo de estranhar que surgisse, em algum momento, alusão à defesa do “melhor interesse canino”. (JUSBRASIL, 2013). Destarte, resta-nos apresentar como se dá a partilha dos animais de estimação na esfera jurídica brasileira quando não há acordo entre as partes. 4.4 Impropriedade da atual forma de partilha dos animais de estimação O ordenamento jurídico brasileiro vê o animal como um objeto móvel ou coisa: “art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico- social” (CÓDIGO CIVIL, 2016). Outro artigo que demonstra que o Direito Civil trata os animais como objetos é pelo art. 1.232: “Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem” (CC, 2016). Desta forma, caso o animal dê cria, fica com seu proprietário também. Apesar disto, o direito de propriedade não é absoluto, a Carta Magna dispõe em seu art. 225, §1º, VII, que: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (2016). 38 O Decreto nº 24.645 de 10 de julho de 1964, trouxe em seu art. 3º, diversos exemplos do que seja maus tratos contra animais, ao todo são 31 (trinta e um incisos), logo abaixo se destacam alguns destes: Art. 3º Consideram-se maus tratos: I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem coma deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; X – utilizar, em serviço, animal cego, ferido, enfermo, fraco, extenuado ou desferrado, sendo que este último caso somente se aplica a localidade com ruas calçadas; XV – prender animais atrás dos veículos ou atados ás caudas de outros; XX – encerrar em curral ou outros lugares animais em úmero tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem Agua e alimento mais de 12 horas; XXV – engordar aves mecanicamente; XXX – arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculo e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias; (2016).Reconhece-se então que os animais não podem ser alvo de crueldade e diante desta preocupação percebe-se uma visão de que eles não são somente meros objetos para o ordenamento jurídico. Devendo ter direitos à liberdade, vida, integridade física, dentre outros. Diante desse novo quadro, as normas em vigor não apresentam solução adequada aos casos apresentados ao Poder Judiciário. Cabe ao magistrado, diante de suas convicções (especistas, antropocêntricas ou biocêntricas), dos argumentos lançados nos autos e do fundamento legal e filosófico apresentado, julgar as ações. Muitas vezes as decisões não levam em conta o interesse do animal, mas apenas e tão somente o título de propriedade, na manutenção da visão arcaica do Direito. (SILVA, 2015). Em que reflete tais pensamentos, no sentido de que se normatize tal partilha, torna-se o momento ideal para o Poder Legislativo pensar a respeito deste assunto. 39 4.5 Inovação legal para a partilha de animais de estimação Com a finalidade de se adequar as normas legais relacionadas aos animais de estimação quando houver partilha de bens em consequência do fim da sociedade conjugal, surge novas propostas do Legislativo. Em 2010, Márcio França, deputado federal do PSB-SP apresentou um Projeto de Lei à Câmara dos Deputados, nº 7.196, onde seu desejo era de que se regulasse a guarda dos animais de estimação quando houvesse a dissolução da sociedade conjugal. Porém, de acordo com o site da Câmara dos Deputados, tal Projeto de Lei encontra-se arquivado desde 2012. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016). Contudo, apesar de ter sido arquivado, em 2011, através do Projeto de Lei nº 1.058 do Deputado Marco Aurélio Ubiali, do também PSB-SP, fez-se cópia autêntica do Projeto de Lei de Márcio França, este tem o mesmo assunto: “dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências ” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016). Mas este PL também foi arquivado em 31 de janeiro de 2015. Atualmente, o Projeto de Lei que aborda a guarda dos animais de estimação e está em tramitação na Câmara dos Deputados é o do deputado, do PSDB-SP, Ricardo Trípolli, com o número de 1.365/2015. Tal projeto traz uma inovação que o de 2011 não trazia, sobre casais homo afetivos. Pelo Projeto de Lei nº 1.058/2011: Art. 2º Decretada a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável. Parágrafo único Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação. (PL 1058/2011). Pelo atual Projeto de Ricardo Trípolli, tal art. 2º, seria da seguinte forma: Art. 2º Decretada a dissolução da união estável hetero ou homo afetiva, a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será essa atribuída a 40 quem demonstrar maior vínculo afetivo com o animal e maior capacidade para o exercício da posse responsável. Parágrafo único. Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação. (PL 1365/2015). Como se pode observar, Ricardo abrange casais héteros e homo afetivos para disputarem a guarda de seus animais de estimação. Mas muito mais do que isso, tal Projeto de Lei, vem para proteger os animais diante de uma dissolução da sociedade conjugal, o que antes não estava previsto em nosso ordenamento jurídico. O projeto passará a regular, por exemplo, como se dará a guarda dos animais, se será unilateral ou compartilhada. E também o que será observado pelo judiciário quando for decidir como ficará o animal após o fim da sociedade conjugal: Pela proposta, o animal deve ficar com quem demonstrar maior vínculo afetivo com o animal e maior capacidade para exercer a posse responsável, ou seja, quem puder cumprir com os deveres e obrigações com o pet. Para conceder a guarda, o juiz observará as condições do ambiente para morada do animal, disponibilidade de tempo, zelo e sustento dele e o grau de afinidade entre o bichinho e seu tutor. Serão observadas demais condições que possam ser imprescindíveis para a sobrevivência do pet de acordo com suas características. (CIPRIANI, 2016). Além disso, com esta nova norma, Juliana Cipriani explica que: Se o juiz entender que nenhum dos dois do casal tem condições de ficar com o animal, ele pode dar a guarda para uma terceira pessoa. Entre as restrições estabelecidas está a de realizar cruzamento. Nenhuma das partes pode tomar essa decisão sem o aval da outra e, se houver filhotes, eles serão divididos em igual número. (2016). Na data de 09 de agosto deste ano, o Projeto havia sido aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. E até a data de 25 de outubro de 2016, o PL havia sido encaminhado para publicação e encontra-se na seguinte situação: “Aguardando Designação de Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016). Durante o tempo que ainda não estiver o Projeto de Lei valendo de fato, cabe ao juiz estipular critérios legais sobre a matéria, dirimindo os casos que lhe serão denotados. Como o magistrado não pode deixar de julgar casos desta 41 natureza e nem de nenhuma outra, poderá utilizar meios como analogias, princípios gerais do direito, além de costumes. Importa-se salientar que tomando tais medidas de se regular a guarda dos animais, não será um caso de se modificar a natureza judicia destes e sim passar a tratá-los de um jeito adequado, já que sua posição na sociedade tanto se modificou nos últimos anos. Cabendo-se assim ter uma norma que regule e dê garantias melhores a estes animais quando ocorrer o fim das sociedades conjugais. 42 CONCLUSÃO Indiscutível é a percepção de que cada vez mais os animais de estimação vêm tendo mais valor na sociedade brasileira. Compreende-se com isto o amplo crescimento de pet shops, fazendo com que o mercado de artigos para animais ganhe cada vez mais prestígio e arrecade muito dinheiro. Nota-se com este crescimento, portanto, que os donos de animais domésticos se preocupam gradativamente com proteção e cuidado para com estes bichinhos. Em contraparte, ampliou-se também o número das dissoluções das sociedades conjugais no Brasil, principalmente após o divórcio ficar mais rápido, mas a grande questão é sobre a partilha de bens, e em especial à partilha dos animais de estimação. Após analisar, neste trabalho, os principais aspectos sobre a relação homem-animal, percebe-se a incompatibilidade entre o não tratamento dado para os animais em nosso ordenamento jurídico e o valor a que estes vêm tendo, às vezes sendo protegidos como membros da família. Neste sentido, necessita-se de uma norma que regule melhor como se dará a partilha dos animais de estimação, visando o bem estar deste e não fazer com que aumente a briga entre aqueles que se encontram em processo de dissolução da sociedade conjugal. Tais normas não vão modificar a natureza jurídica dos animais de estimação e sim passar a tratá-los de um jeito adequado, já que sua posição na sociedade tanto se modificou nos últimos anos. Cabendo-se assim ter uma norma que regule e dê garantias melhores
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