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PIC 2016 2017 AS CORES DO BRASIL NO CANCIONEIRO DE WALDEMAR HENRIQUE (final Times new roman)

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AS CORES DO BRASIL NO CANCIONEIRO DE WALDEMAR HENRIQUE 
 
 Tauana Romanelli Assumpção (PIC/Fundação Araucária) 
 Unespar/ Campus I, tauanaromanelli@gmail.com 
 
 Beatriz Helena Furlanetto (Orientadora) 
 Unespar/ Campus I, beatrizhelenafurlanetto@gmail.com 
 
 
 
Resumo 
 
O texto investiga a influência das culturas europeia, ameríndia e africana nas canções de 
Waldemar Henrique. O compositor escreveu quase duzentas obras vocais classificadas 
como canções, toadas, batuques, valsas, cantigas, marchas carnavalescas, modas, modinhas, 
lundus, chulas. A partir do contato com o cancioneiro do compositor, foram selecionadas 
quatro obras para o desenvolvimento da pesquisa. A metodologia consistiu em análise 
bibliográfica, audição de CDs e análise de partituras musicais. Considerado a “voz da 
Amazônia”, o compositor paraense utiliza, nas obras para voz e piano, constantes 
folclóricas, lendas e melodias populares, harmonizando temas do povo. Neste sentido, 
percebe-se sua proximidade ao ideário modernista de Mário de Andrade. O histórico 
pessoal e a atuação profissional de W. Henrique apontam seu interesse pelo folclore 
regional e nacional, destacando as cores de brasilidade em sua obra e direcionando seu 
caminho artístico rumo ao nacionalismo. 
 
Palavras-chave: Música brasileira. Modernismo. Waldemar Henrique. 
 
Introdução 
 
 Este trabalho investiga, no cancioneiro de Waldemar Henrique, os aspectos da 
cultura brasileira referentes às três raízes étnicas predominantes – portuguesa, indígena e 
africana – considerando sua afinidade e participação no movimento modernista, proposto 
por Mário de Andrade. 
 A investigação fundamenta-se na análise bibliográfica e documental. 
O texto apresenta os resultados do processo investigativo, desenvolvido a partir da 
leitura e análise das obras bibliográficas e partituras do compositor, bem como da audição de 
gravações. São apresentadas a vida e a obra de Waldemar Henrique, sua proximidade ao 
ideário nacionalista de Mário de Andrade e uma breve discussão sobre as preferências do 
compositor para a interpretação de suas canções. Para ilustrar os elementos das culturas 
indígena, portuguesa e africana no cancioneiro de W. Henrique, faz-se uma análise 
 2 
interpretativa dos versos de quatro canções, apontando a riqueza prosódica e a 
expressividade dos temas melódicos. 
Neste caminho foi possível constatar, no gesto composicional do compositor, as 
ferramentas utilizadas para retratar os temas folclóricos e populares do Brasil, nos quais se 
revelam as influências étnicas e suas imbricações no cancioneiro de W. Henrique. 
 
Waldemar Henrique: vida e obra 
 
 O compositor, pianista e escritor Waldemar Henrique da Costa Pereira é natural de 
Belém/PA (1905-1995), filho de pai português e mãe de origem indígena. Passou sua 
infância na cidade do Porto, em Portugal, onde despertou seu interesse pela música. Em 
entrevista concedida ao jornalista João Carlos Pereira, Waldemar Henrique declara: 
Foi nessa minha ida a Portugal que eu conheci a música verdadeiramente 
[...] Eu ficava ouvindo a música lá no camarote, com uma tristeza e ao 
mesmo tempo embevecido, a viagem toda; eu não queria dormir, eu queria 
ouvir essa música; toda noite eu queria ouvir essa música. Depois, eu fiquei 
compreendendo que desde essa época a música já tinha uma forte ação 
sobre minha sensibilidade (PEREIRA apud SILVA, 1984, p. 25). 
 
 Waldemar Henrique retornou ao Brasil em 1917, época em que iniciou seus estudos 
musicais e viajou várias vezes para o Amazonas, o Tocantins, as ilhas de Marajó e 
Mosqueiro, cujo folclore e cantigas inspiraram várias obras, como Olhos Verdes e Valsinha 
do Marajó. Estudava música – solfejo, piano, violino, harmonia, composição e canto – sem 
o apoio da família. Foi a partir de 1929, quando entrou para o Conservatório Carlos Gomes, 
que a música tornou-se a atividade central da sua vida, consagrando-o como um grande 
nome da música brasileira. 
Sua primeira composição de sucesso foi Minha Terra (1923), para canto e piano. 
Em sua produção musical constam canções, peças para piano solo, coro, orquestra, músicas 
para novela, teatro e filmes. Suas obras têm como tema o folclore amazônico, indígena, 
nordestino e as representações das crenças e dos hábitos das populações afrodescendentes 
na Amazônia e no Brasil (SILVA, 2016). 
W. Henrique fez uma breve estada na cidade do Rio de Janeiro, onde teve 
oportunidade de divulgar seu trabalho com grande aceitação, sendo reconhecido como a voz 
da Amazônia, o moço do folclore amazônico: 
 3 
 
e foi ali, segundo disse o próprio Waldemar, que se acreditando 
‘mensageiro da Amazônia’, escreveu toda uma série de lendas, danças, 
acalantos, lundus, chulas, cocos, carimbos, batuques e refez outras, como o 
“Chorinho, Senhora dona Sancha, Foi boto sinhá” (CLAVER FILHO, 
1978, p.27). 
 
Em 1930 retorna para Belém com mais prestígio, “prossegue seus estudos e 
intensifica sua produção de composições e espetáculos musicais na capital paraense, além 
de assumir, em 1931, a direção artística da Radio Clube do Pará - PRC-5, que dirigiu até 
1932” (SILVA, 2016). 
Durante sua trajetória profissional, W. Henrique também atuou politicamente em 
prol da cultura regional e, consequentemente, nacional. No início de 1930 fez parte de um 
grupo de artistas – como Gentil Puget, Jayme Ovalle e os poetas Bruno de Menezes, Antônio 
Tavernard e Abguar Basto – que buscava plasmar uma identidade para a região Amazônica, 
considerando a presença do índio e do negro na região (BRITO apud SILVA, 2016, p.22). 
Percebe-se que W. Henrique vai de encontro às ideias propostas no movimento 
modernista, à geração de compositores e artistas contemporâneos a ele. Assim, é coerente 
considerar sua postura musical consoante ao ideário nacionalista proposto por Mário de 
Andrade. 
 
Waldemar Henrique e o Nacionalismo de Mário de Andrade 
 
Em 1923, Waldemar Henrique escreveu sua primeira composição de sucesso Minha 
Terra, para canto e piano, aumentando sua visibilidade em meio à atmosfera nacionalista. 
Um ano antes havia acontecido a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, que inaugurou 
simbolicamente o modernismo no Brasil. 
 De acordo com Travassos (2000, p. 21), entre os anos de 1922 e 1945, o 
modernismo apresenta duas fases: a primeira é marcada pela atualização estética e pela luta 
contra o romantismo, na música, e o parnasianismo, na poesia; “a segunda fase enfatiza a 
preocupação com a realidade brasileira e introduz o tema da nação nos debates culturais e 
estéticos”, em busca de apropriar a arte aos novos tempos. 
 Este movimento nacionalista, liderado por Mário de Andrade, se firmou como 
corrente estética hegemônica até a década de 1940, e pode ser sintetizado em cinco 
 4 
proposições: 
1) A música expressa a alma dos povos que a criam; 2) a imitação dos 
modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, 
forçados a uma expressão não autêntica; 3) sua emancipação será uma 
desalienação mediante a retomada do contato com a música 
verdadeiramente brasileira; 4) esta música nacional está em formação no 
ambiente popular, e aí deve ser buscada; 5) elevada artisticamente pelo 
trabalho dos compositores cultos, estará pronta a figurar ao lado de outras 
no panorama internacional, levandosua contribuição singular ao patrimônio 
espiritual da humanidade (TRAVASSOS, 2000, p.33-34). 
 
 
 Em síntese “[...] a meta ambiciosa do modernismo nacionalista era fazer com que 
todos os compositores falassem a língua musical do Brasil como quem fala sua língua 
materna” (TRAVASSOS, 2000, p.38). 
 Mário de Andrade, o expoente do movimento modernista no Brasil, em seu livro 
Ensaio sobre Músca brasileira (1972), ao discutir o ideário de música nacionalista, expõe 
sua percepção sobre a música brasileira, afirma que há uma distância entre a produção 
musical e a entidade racial. Observa que os elementos culturais utilizados ainda pertenciam 
as nossas raízes étnicas, ou seja, ainda eram portugueses, africanos ou ameríndios, os quais 
apenas fundidos poderiam ser considerados brasileiros. 
 Em 1935, em São Paulo, Waldemar Henrique conheceu Mário de Andrade (1893-
1945) e vários artistas engajados no movimento modernista, como Camargo Guarnieri 
(1907-1993), Menotti Del Picchia (1892- 1988), Lasar Segall (1891-1957), Tarsila do 
Amaral (1886-1973). Assim, inteirou-se do ideário nacionalista de Andrade e sua crença 
de que a música brasileira deveria ter uma finalidade social, ser uma arte interessada, para 
servir ao bem coletivo e à nacionalização das manifestações artísticas (SILVA, 2016). 
Porém, mesmo antes de conhecer Mário de Andrade, W. Henrique já compunha de 
forma consoante ao nacionalismo. Em 1930, o compositor atuava com um grupo de artistas 
do Pará que defendia, a nível regional, uma ideia semelhante ao pensamento de Andrade, 
de expressar a cultura das raízes étnicas brasileiras. Além desse posicionamento político 
cultural, as obras de W. Henrique mostram seu lado sentimental, o apreço pelo folclore de 
sua terra, pelos costumes do povo ao qual pertence. Assim, ao valorizar e se inspirar na 
cultura regional do Pará, o compositor já se mostrava identificado com a causa nacionalista 
em seus trabalhos de criação e harmonização, que trazem referências aos temas populares. 
 5 
W. Henrique era um compositor erudito, formado em escola de música, dotado das 
técnicas clássicas e do sentimento de admiração e valorização para com a cultura do norte e 
nordeste brasileiros. Depois de conhecer Andrade, sua atenção se ampliou para as demais 
regiões do Brasil, atuando em prol da música nacionalista. 
 Tal fato confirma-se na declaração do próprio W. Henrique, citada por Claver Filho 
(1978, p. 90): “Liguei-me a uma corrente nacionalista de pesquisa de expressão do que 
seria nosso, ao folclore, ao popular com suas características formais e rítmicas, 
harmonizando temas do povo”. 
De acordo com Barros (2005), há uma influência mais direta do pensamento de 
Mário de Andrade sobre o compositor, quando ele utiliza temas folclóricos das demais 
regiões do Brasil, uma vez que foi através do contato com ele que o compositor começou a 
recolher e harmonizar tais temas. Mas não se pode ignorar o fato de que ele já possuía essa 
postura de valorizar e divulgar a cultura de sua região, essa atitude atenciosa com as 
questões culturais era instintiva, e compreender e aderir à corrente nacionalista foram 
consequências dessa natureza. 
Diferentes considerações devem ser feitas sobre a presença do “folclore 
geral”, e do “folclore amazônico” na obra de Waldemar Henrique. O 
primeiro é decorrente de pesquisas e coleta de material, o segundo está 
impregnado em seu imaginário e lhe é, naturalmente, uma grande fonte de 
inspiração. Em relação ao folclore amazônico, não podemos, simplesmente, 
entender a presença dele na obra de Waldemar Henrique, mas considerá-lo 
como fonte de inspiração, algo que movia seu espírito criador. O próprio 
compositor pode nos ajudar a entender o papel deste folclore no seu gesto 
composicional (BARROS, 2005, p.14). 
 
Canções de Waldemar Henrique 
 
 No catálogo de obras de Waldemar Henrique elaborado por Silva (2016)1, há 194 
obras vocais classificadas como canções, toadas, batuques, valsas, cantigas, marchas 
carnavalescas, modas, modinhas, lundus, chulas etc. O compositor também harmonizou 
pontos rituais, canções folclóricas e populares. 
 
 
1 Observou-se que das 255 obras catalogadas, 194 são obras vocais com diferentes classificações, entre as 
quais há 93 canções e 17 obras para teatro, onde o compositor cria o enredo, os personagens, as canções e a 
música instrumental. 
 
 6 
O trabalho de harmonizador, de adaptador e compositor realizado por 
Waldemar Henrique com o melhor critério – conclui o crítico – faz ressaltar 
as características melódicas, rítmicas e modais da música popular 
brasileira... o êxito foi enorme e unânime e deixou nos assistentes do 
círculo Medina o desejo de uma nova audição dos dois artistas brasileiros, a 
quem damos nossas boas vindas (CLAVER FILHO, 1978, p.38). 
 
 Aproximadamente 30 obras vocais possuem versos do próprio W. Henrique, e 
muitos escritores por ele musicalizados foram seus parceiros em mais de uma obra. Por ser 
escritor e compositor, é possível entender seu apreço pela palavra, as mensagens e afetos 
transmitidos através dela. 
Em algumas entrevistas, W. Henrique afirmava que, em suas obras, o cantor deveria 
se guiar em função do entendimento do texto, ou seja, mais importante que uma perfeita 
linha melódica, seria o intérprete expressar com competência a poesia musicada. Uma das 
principais intérpretes de suas canções foi a sua irmã, Mara. 
A intérprete que eu considero ideal para as minhas músicas é a intérprete 
que põe seu primeiro cuidado na interpretação do texto; seria uma 
declamadora que cantasse, porque a cantora lírica habituada a cantar 
textos para os quais ela dá pouca importância... ela se preocupa com a 
emissão vocal privilegiada, de respiração, de afinação; há mesmo cantoras 
que desenham toda a melodia belissimamente, mas não se percebe o texto 
que ela cantou... Todas as minhas canções mereceram um respeito ao 
texto; esse texto, para mim, é que tem valor... (GODINHO apud 
BARROS 2005, p.17). 
 
 
Essa forma de trabalhar a prosódia é mais uma característica que vai de encontro 
ao pensamento modernista proposto por Mário de Andrade, a preocupação com a relação 
do texto e a linha melódica vocal. 
Em suas obras vocais, W. Henrique utiliza, ainda, a tessitura melódica como 
ferramenta facilitadora para que o intérprete execute um canto declamado. Isso possibilita 
que uma mesma canção seja confortável para vozes masculinas e femininas sem alterar, 
para o ouvinte, a qualidade de entendimento da mensagem contida nos versos entoados. 
 
Cores de brasilidade em Waldemar Henrique 
 
Com o intuito de ilustrar os elementos das culturas indígena, portuguesa e africana 
presentes no cancioneiro de W. Henrique, foram selecionadas quatro obras de diferentes 
 7 
classificações: Minha terra (Canção), Cobra grande (Canção Amazônica), Abaluaiê (Ponto-
ritual) e Boi-bumbá (Batuque Amazônico). 
Minha Terra (1923) apresenta poesia e música de W. Henrique, e foi interpretada 
por sua irmã Mara, em 1934, no Rio de Janeiro e em São Paulo. A letra foi ligeiramente 
retocada por Ribeiro de Campos, em 1932 e, em 1968, o compositor fez um arranjo da 
canção para coro a cinco vozes. A obra integrou o repertório do “Coro dos Apiacás”, de 
Lucília Villa-Lobos (SILVA, 2016, p. 99). 
Em 1936, a canção foi acolhida como um hino nacional, pois a letra enaltece o 
Brasil em versos, cuja prosódia concilia a melodia das palavras e a música com 
espontaneidade. A melodia apresenta uma tessitura confortável, com intervalos que 
favorecem cada ideia e afeto entoados pelo intérprete. Composta em compasso binário, sua 
rítmicaé simples e há uma nota para cada sílaba, o que torna fluente a poesia e permite ao 
intérprete acentuar agilmente as tônicas das palavras. 
No início de seus versos percebe-se certa admiração e carinho pela pátria. “Este 
Brasil tão grande amado, é meu país idolatrado/ Terra do amor e promissão/ Toda verde, 
toda nossa/ De carinho e coração”. De acordo com Claver Filho (1978), a melodia é 
constituída de duas notas que se alternam várias vezes, numa espécie de barroquismo 
acentuado. É possível observar que notas longas e agudas são utilizadas para dar mais 
expressividade à frase, recurso musical que favorece a pronúncia cantada. 
Em seguida, a letra nos remete à paisagem bucólica e ao perfil brejeiro dos sertões 
brasileiros e seus costumes. “Na noite quente enluarada o sertanejo está sozinho/ E vai 
cantar para namorada no lamento do seu pinho”. Nesta parte, a melodia sobe para uma 
nota mais aguda através de um salto de quinta2, parecendo representar a noite enluarada e a 
namorada para qual o sertanejo canta, galanteador. “E o sol que nasce atrás da serra/ A 
tarde em festa rumoreja/ Cantando a paz da minha terra/ Na toada sertaneja”. Aqui, a 
mesma melodia apresenta outra emoção, a nota aguda e longa destaca a beleza do nascer do 
sol e o quanto é especial a perspectiva de onde se vê este acontecimento, “atrás da serra”, 
ou seja, em meio à natureza. 
 
2 O salto de quinta indica que ocorreu, na linha melódica, um intervalo musical. “Intervalo musical é uma 
diferença de altura entre dois sons; é a relação existente entre duas alturas; é o espaço que separa um som do 
outro. A classificação do intervalo é feita segundo o número de notas contidas no intervalo”, conforme 
Bohumil Med (1996, p. 60). 
 8 
A palavra rumoreja completa a descrição deste cenário com um desenho e 
tessitura melódicos que destacam o fraseado cantábile; o ritmo, constituído por sons de 
maior duração, gera uma sustentação de fonemas que reforça a expressividade da melodia e 
da letra da canção. Assim, a tarde que rumoreja parece representar o som da paz de nossa 
pátria, como uma paisagem delineada pelo cantor ao interpretar a obra. 
“Este sol, este luar / Estes rios e cachoeira/ Estas flores, este mar/ Este mundo de 
palmeiras”. Nesta parte, W. Henrique usa notas repetidas, finalizando as frases com uma 
nota longa e de diferente entonação que valoriza a tônica da última palavra; a altura dos 
sons se torna mais aguda em cada frase, acrescentando uma força dramática que parece 
complementar e engrandecer as características do cenário natural, enaltecendo a paisagem 
do Brasil. 
“Tudo isto é teu, ó meu Brasil, Deus foi quem te deu...” A melodia caminha em 
direção ao agudo e “teu” é alcançado através de um semitom, após uma sequencia de tons, 
soando como um elemento de contraste melódico; a palavra “Deus”, entoada com uma nota 
aguda alcançada através de um salto de sexta, ganha destaque e força dramática na canção. 
“Ele por certo é brasileiro” é entoada em região vocal confortável para o cantor, 
sugerindo a utilização da voz falada, sendo que “Ele” refere-se a Deus, da frase anterior. Em 
seguida, “Brasileiro como eu”, a melodia é ascendente com a sustentação do som agudo em 
fermata3 na palavra brasileiro e depois a melodia é descendente, em “como eu”, referindo-se 
ao povo brasileiro. Assim, essa frase musical parece representar uma hierarquia: Deus, Pátria 
e o ser humano. 
A poesia mostra reverenciar o encontro entre a sacralidade do universo indígena e 
do universo católico, os quais são representados, respectivamente, pela natureza e por Deus. 
Musicalmente, esse encontro sagrado é percebido na linha melódica ascendente, que coloca 
ambos, a natureza e Deus, em um pedestal. 
 Cobra grande (1934), com letra e música de W. Henrique, é a canção nº 2 da série 
Lendas Amazônicas e, segundo Silva (2016), foi dedicada ao Dr. Décio Pacheco Silveira. A 
lenda da Paranamaia4 inspirou esta obra, que narra o mito da cobra, também denominada 
boiuna de prata, que fecunda uma cunhatã (índia), cujos filhos gêmeos, Honorato e Maria 
 
3 Fermata é um sinal que indica o prolongamento de uma nota ou uma pausa além do seu valor habitual. 
4 Conhecida como demônio das profundezas das águas, a este monstro os índios dão o nome de Paranamaia 
que quer dizer Parana=rio e maia=mãe. http://www.paratur.com.br/portal/turismo-no-norte/belem. 
 9 
Caninana, são um misto de homem e cobra ou apenas cobras. Independente das variações 
regionais, eles são uma representação do bem e do mal – um protege a tribo e o outro 
aterroriza quem está a sua volta. No final, o bem vence o mal. 
Esta canção, segundo Claver Filho (1978), é considerada, dentre as lendas 
amazônicas, uma demonstração de escrita pianística mais imitativa, com saltos violentos, 
ritmos ousados, e o piano, em seu desenvolvimento, sai algumas vezes, das constantes 
folclóricas, se difere também, por haver um jogo de blocos de acordes, incomuns na escrita 
de W. Henrique. Já a linha melódica do cantor, assim como as demais canções da série, é 
construída à base de recitativo e utiliza, em geral, um ritmo binário, constantes do folclore 
nacional. 
W. Henrique utiliza esta edição da respectiva lenda para escrever os versos da 
Cobra-Grande: 
Uma vez por ano a Boiúna sai de seus domínios para escolher uma noiva 
entre as cunhatãs da Amazônia. E, diante daquele enorme vulto prateado 
de luar que atravessa vertiginosamente o Grande-Rio, os pajés rezam, as 
redes tremem, os curumins escondem-se, chorando, imenso delírio de 
horror rebenta na mata iluminada... Credo! Cruz! (CLAVER FILHO, 
p.86, 1978) 
 
Na obra, o cantor atua como um narrador, e traz para o ouvinte o medo e terror ao 
qual a Cobra-Grande é associada – “Credo! Cruz! Lá vem a Cobra Grande, lá vem a boiuna 
de prata! A danada vem rente à beira do rio... e o vento grita alto no meio da mata! Credo! 
Cruz!”. Neste trecho, a exclamação mencionando cruz deixa explícita a mistura da lenda 
ameríndia com as crenças do cristianismo trazidas pelos europeus. Apesar do enredo ser de 
uma lenda regional e de origem ameríndia, o compositor escreve um texto a partir da lenda 
utilizando apenas duas palavras próprias do falar do “cabôco” do Norte – Cunhatã e Boiúna – 
conforme observa Aliverti (2005). 
O narrador observa os dois personagens, um é a noiva cunhatã que dorme 
amedrontada, e com quem ele interage, aconselha e alerta. “Cunhatã te esconde, Lá vem a 
Cobra-Grande... á... á... Faz depressa uma oração pr’ela não te levar á... á...”. Depois 
conta para o ouvinte: “A noiva cunhatã está dormindo medrosa, agarrada com força no 
punho da rede, E o luar faz mortalha em cima dela, Pela fresta quebrada da janela...”. De 
acordo com Aliverti (2005), o medo está explícito nesta canção, “á... á...” é uma expressão 
 10 
de temor, o luar está clareando a figura da jovem cunhatã e a deixa exposta à predadora, por 
isso a expressão “faz mortalha em cima dela”. 
A parte do piano traz indicação de W. Henrique com as seguintes expressões: 
misteriosamente, com temor, brusco, assombrado. Referencia, portanto, o segundo 
personagem, a boiúna de prata, rápida e silenciosa, representada logo no início, através de 
um tema arpejado, descrevendo a chegada e o deslizar dela pela floresta. Este mesmo motivo 
finaliza a música enquanto o cantor-narrador afirma: “Êh Cobra Grande, lá vai ela...” 
(BARROS, 2005). 
A estrofe do meio da obra descreve o cenário. “A floresta tremeu quando ela saiu... 
quem estava lá perto de medo fugiu... e a Boiúna passou logo tão depressa, que somente o 
clarão foi que se viu...” É possível compreenderde duas maneiras a afirmação de que a 
floresta tremeu: o solo que se abala com a presença da gigantesca boiúna, ou a floresta como 
a mãe natureza que treme de medo. Esta última, parece demonstrar a visão de mundo do 
indígena, que concebe a mata como ser vivo. 
O texto de W. Henrique utiliza, ainda, uma representação simbólica da cobra presente 
no imaginário popular, onde se descreve que a Cobra-Grande, além de proporções 
gigantescas, possui olhos com luz própria, como faróis que servem para hipnotizar suas 
vítimas. “Seus olhos, fora da água, têm uma luz própria, forte e brilhante, que hipnotiza e paralisa 
suas vítimas e desnorteia os navegantes. Do seu rastro fundo no chão surgem os rios e igarapés” 
(ALIVERTI, p.288, 2005). 
 “Toda a estrutura da obra mantém sabiamente um profundo contato com a estrutura 
do texto. Cada seção da música corresponde a partes distintas do texto” (ALIVETI, p. 291, 
2005). Waldemar Henrique usa estratégias como fermatas para a linha do canto, facilitando 
que o suspense seja mantido, e a estrutura da harmonia reforça a atmosfera de terror e 
medo. 
 Abaluaiê5 é uma canção que W. Henrique fez em 1948, um arranjo que entrelaça a 
melodia original de um Ponto Ritual de Candomblé de Ilhéus (Bahia) a outros motivos 
folclóricos. O compositor declara: “Eu tinha necessidade de estudar o folclore baiano, 
 
5 Abalaú-aiê – Orixá da varíola no culto jeje-nagô no Rio de Janeiro e Bahia. É o mesmo Obaluaiê do Rio de 
Janeiro, Bbaiú-aiê de Cuba, Afomã, Xaponã, Saponã, Omonulu, contraído comumente em Omulu. Nos 
xangôs de Recife diz-se abalu-aiê, abalu-aê, Abaluché, identificado como São Sebastião (CÂMARA 
CASCUDO, 1999, p.19). 
 11 
aquelas coisas de xangô, de candomblés, porque conheci um senhor que me tinha alertado 
que era uma coisa maravilhosa, mas que tinha que passar um tempo lá”(SILVA, 2016, p.7). 
 A primeira audição da obra foi em 1948, no auditório da Associação Brasileira de 
Imprensa do Rio de Janeiro, e homenageou a esposa do jornalista Roberto Marinho. Foi um 
evento de grande relevância para projetar o compositor nacional e internacionalmente, 
classificado pela imprensa carioca como um dos três maiores acontecimentos artísticos 
daquele ano (CLAVER FILHO, 1978, p. 36). 
Abaluaiê ou Obaluaiê6, termos iorubás7 que significam rei e senhor da terra, 
conhecido também por Babá Igbona, pai da quentura ou Omolu, este poderoso orixá é 
representado por três cores – preto, vermelho e branco – simbolizando três tipos de sangue 
ou axés. Sua trajetória de resistência e sobrevivência o tornou símbolo de conexão entre a 
vida e a morte, estabelece um cordão energético entre o mundo espiritual e o terreno. 
Inclusive, é o orixá que une o espírito ao feto no útero materno, quando este alcança um 
desenvolvimento celular básico. É provável que este Ponto Ritual faça parte do Olubajé, o 
ritual específico para o orixá Abaluaiê, indispensável em terreiros de candomblé, atuando em 
prol da longevidade, saúde a todos os filhos e participantes do axé. Ele é cultuado e adorado 
com muito respeito, é temido por seus desígnios, sendo considerado repressor e perigoso, 
uma manifestação do divino muito severa, porém se torna um pai bondoso e amável aos 
humildes, honestos e leais (PESSOA DE BARROS, 2013). 
A canção inicia com o piano representando os instrumentos percussivos utilizados no 
terreiro e, na primeira estrofe, o cantor representa um leal filho do axé, demonstra o respeito 
e a humildade perante o orixá – Perdão, Abaluaiê, perdão! Perdão, ah! Orixalá, perdão! 
Perdão, ah! Meu Deus do Céu perdão! Abaluiaiê, perdão! W. Henrique escreve uma linha 
melódica em que a palavra perdão está sempre mais grave que a sílaba tônica do nome do 
orixá, talvez como uma maneira de ilustrar a reverência e respeito daqueles que são devotos 
a ele. A última súplica é nítida, do compasso 14 ao 17, utilizando células rítmicas e melodia 
descendente, como um gesto de se ajoelhar perante Abaluaiê: pronuncia-se o nome do orixá, 
 
6 Ele é filho de Nanã e Oxalá, fruto de um adultério, por isso nasceu com o corpo cheio de marcas e feridas 
como um castigo aos seus pais por seus atos. Oxalá na mitologia é marido de Iemanjá. No entanto, quando 
sua mãe o rejeita por causa de sua aparência, e o abandona para que a maré-cheia o leve embora, Iemanjá o 
encontra quase morto, mordido por caranguejos, e acaba se compadecendo, cuidando dele e cobrindo seu 
corpo com vestes de palha para que suas cicatrizes não fossem expostas. 
7 Iorubá, povo africano (do sudoeste da Nigéria, República do Benim e República do Togo) trazido para o 
Brasil, recebeu a denominação de nagô (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2010). 
 12 
depois um breve silêncio ilustra um suspirar, e o canto em melodia descendente implora o 
perdão. 
O filho de axé humildemente insiste em seu pedido de perdão e declara o 
reconhecimento do poder que Abaluaiê possui – “Ó Rei do Mundo, perdão – Abaluaiê! Êle 
veiu do mar – Abaluaiê! Êle é forte, êle veiu – Abaluaiê! Salvar”. Ele veio do mar, ele 
sobreviveu com a ajuda de Iemanjá, sua mãe adotiva, e veio salvar os filhos do axé. Observa-
se que a pronúncia escrita por W. Henrique é exatamente como o cantor deve executar a 
obra, um linguajar regionalista, próprio dos rituais que o inspiraram. 
A expressão “Atotô lu-Abaluaiê” é uma saudação ao Orixá. “Cambonê sala na 
muxila gôlo ê! Bença meu pai! – Cambonê”8, a segunda expressão cantada pelo filho de axé, 
é a forma de chamar o médium que está intermediando a comunicação com Abaluaiê. Neste 
momento, a saudação é direcionada a ele. Esta canção provavelmente faz parte de uma 
reverência de abertura, encerramento e/ou agradecimento pelo atendimento espiritual dado 
nos terreiros, ou centros de umbanda, por isso finaliza com o pedido de benção ao orixá. 
Boi-Bumbá é um batuque amazônico com letra e música de W. Henrique, uma das 
suas obras mais conhecidas e que foi interpretada por Bibi Ferreira no filme “O fim do rio”, 
de Arthur Hank. Existem vários arranjos desta obra para grupos vocais e, dentre eles, o que 
mais se destaca é o de Lidmer para o madrigal da Bahia (SILVA, 2016). 
O Bumba meu Boi é um folguedo9 popular ou uma dança dramática presente em 
todo país com características próprias em cada localidade, representada em festejos de São 
João e conhecido nas fronteiras do Pará, ao adentrar a Amazônia, como Boi Bumbá. Na obra 
de W. Henrique há quatro canções que fazem referência a este festejo: Boi-bumbá (1934), 
Boi Tunga (1934), Meu boi vai-se embora (1936) e Boi Canarinho (1948). 
Sua apresentação varia nas festividades do catolicismo, além de São João, no Norte, 
é encenado em festividades natalinas no Nordeste e no carnaval do Sudeste, conforme 
Câmara Cascudo (1999), três ciclos festivos de grande importância nacional. O enredo do boi 
bumbá ou bumba meu boi 
se desenvolve, basicamente, em torno de um rico fazendeiro (elemento 
branco) cujo boi de estimação é roubado por Pai Francisco, negro escravo 
 
8 Cambono ou Cambone pode ser considerado o auxiliar nas sessões de terreiro e umbandas, ou o médium que 
incorpora um espírito. 
9 Conforme Furlanetto (2013, p.14), “folguedos são festas populares de espírito lúdico que se realizam 
anualmente, em datas determinadas, em diversas regiões do Brasil”. 
 13 
(elemento africano) da fazenda, que mata o animal do seu senhor para 
satisfazer o desejo de sua esposa grávida, Mãe Catirina, que quer comer a 
língua do boi. Pajés e curandeiros (elemento ameríndio) são convocados 
para reanimar o animal e, quando o boi ressuscita urrando, todos osbrincantes cantam e dançam em uma enorme festa para comemorar o 
milagre (FURLANETTO, 2013, p.15). 
 
O Boi-Bumbá surgiu na época da escravidão, sendo um tema folclórico que une as 
três raízes étnicas predominantes na cultura brasileira. Ainda que a própria partitura 
descreva: “Boi-Bumbá – dança de origem afro-brasileira implantada nos tradicionais festejos 
joaninos de Belém do Pará”, evidenciando apenas as raízes africana e europeia, em sua 
história há o elemento ameríndio. 
A introdução pianística tem acentuação percussiva e a indicação batucando. A 
canção tem duas estrofes e refrãos, andamento rápido, caráter alegre e extensão vocal (uma 
oitava: dó3 – dó4) confortável para intérpretes de diferentes classificações vocais10 e 
estéticas de canto11, cuja rítmica simples favorece a inteligibilidade do texto. 
“Êle não sabe que seu dia é hoje/ Êle não sabe que seu dia é hoje” repete-se quatro 
vezes em linha melódica descendente, onde o cantor anuncia o dia do festejo. 
“O céu forrado de veludo azul-marinho / Veio ver devagarinho / Onde o Boi ia 
dançar... êle pediu prá não fazer muito ruído / que o Santinho distraído / Foi dormir sem se 
lembrar.” Podemos dividir essa estrofe em duas partes, a primeira constituída pelos dois 
primeiros versos, no qual é possível compreender o anoitecer pelo viés indígena, a natureza 
que interage com o humano e vem ver onde o folguedo irá ocorrer. A linha melódica é 
descendente até a palavra onde, alcançada por uma salto de sétima, e dela volta a descer, 
dando destaque justamente ao citar que o boi vai dançar e que o festejo vai ocorrer. Na 
segunda parte, os três últimos versos soam em uma linha melódica descendente com 
pequenos saltos (intervalos musicais de terças) na primeira sílaba da palavra santinho e no 
verbo foi, depois retorna-se o movimento descendente, finalizando o fraseado na mesma nota 
em que será iniciado o refrão. 
“E vem de longe o eco surdo do bumbá sambando / A noite inteira, encurralado, 
batucando... / Bumba, meu ‘Pai do Campo’ ô-ô / Bumba, meu Boi-Bumbá Bumba, meu Boi 
 
10 Vozes Femininas: Soprano, Mezzo-soprano, Contralto. Vozes Masculinas: Contraltino/Contratenor, Tenor, 
Barítono e Baixo (PACHECO, 2006). 
11 Estética da música vocal é a técnica vocal utilizada para cantar: canto lírico, belting (técnica vocal para 
musicais) e popular, que possui sonoridade híbrida, podendo caminhar pelas demais estéticas. 
 14 
Bumbá... / Bumba, meu Boi-Bumbá...” Neste refrão, W. Henrique compõe uma linha 
melódica com notas repetidas até a sílaba tônica da palavra sambando, onde há um salto de 
terça, e depois retorna às notas repetidas, dando um efeito percussivo ao canto. Em seguida, 
o executante e o ouvinte podem sentir um contraste na entoação da frase “Bumba, meu ‘Pai 
do Campo’ ô-ô / Bumba, meu Boi-Bumbá”, valorizando a sensação de empolgação dos 
festejos populares, que também é reforçada pela construção melódica, ligeiramente mais 
aguda e em movimento ascendente, da frase “Bumba meu Pai do campo ô ô”. 
“Êle não sabe que seu dia é hoje”, o segundo texto da estrofe musical ilustra o final 
do folguedo: “Estrêla-d'alva lá no céu já vem surgindo... / Acordou com quem 'stá dormindo 
/ Pra ouvir o galo cantar... / Na minha rua resta a cinza na fogueira / Que levou a noite 
inteira / Fagulhando para o ar...” Aqueles que festejam estão acordados na madrugada de 
céu limpo e podem enxergar a estrela d’alva12 e ouvir o galo cantar. A cinza da fogueira é o 
vestígio da alegre festa do Boi-Bumbá. 
E na afirmação que encerra a canção “Bumba13 meu Boi-Bumbá”, a poesia brinca de 
forma afetuosa com a palavra bumba, fazendo uma última referência à batucada e seus 
instrumentos musicais típicos, e ao ato de dançar no folguedo. A melodia do refrão, onde o 
intérprete saúda o “Bumba meu ‘Pai do Campo’ ô, ô” até o final da canção “Bumba meu 
Boi-Bumbá” caminha em movimento descendente, como as chamas da fogueira que 
diminuem gradativamente até serem brasa e, por fim, cinza. 
 
Considerações finais 
 
Pode-se afirmar que Waldemar Henrique foi considerado “A voz da Amazônia” pois 
apreciava profundamente a cultura do Pará. As lendas, mitos, rituais religiosos, festejos e 
demais elementos culturais regionais são retratados musicalmente com riqueza e 
espontaneidade, pois são conteúdos adquiridos em sua jornada pessoal. Posteriormente, 
 
12 Planeta vênus: Vésper, à tarde, estrela da tarde, boieira, papa-ceia. Matutina, estrela da manhã (CÂMARA 
CASCUDO, 1999, p. 907). O planeta Vênus foi confundido com uma estrela por gerações, o brilho que 
recebe do sol o faz visível de maneira semelhante a uma estrela no período matutino (Estrela D’Alva) e no 
vespertino (Estrela Vésper), gerando a ideia de que eram duas estrelas diferentes. Disponível em: 
http;//astronomiareal.blogspot.com.br/2012/05/porque-muitos-chamam-o-planeta-venus-de. Acesso em: 
18/06/2017. 
13 Bumba é interjeição, zás, valendo a impressão de choque, batida, pancada. Bumba-Meu-Boi será “Bate! 
Chifra, meu Boi! (...)” (CÂMARA CASCUDO, 1999, p. 192). 
 15 
através de pesquisas, o compositor ampliou sua atenção para o folclore nacional, incluindo 
de forma acessível e intimista novos temas populares em seu cancioneiro. 
Foram selecionadas obras do compositor de diferentes classificações: Minha terra 
(Canção), Cobra grande (Canção Amazônica), Abaluaiê (Ponto-ritual) e Boi-bumbá 
(Batuque Amazônico). As quatro canções possuem trechos recitativos e compasso binário, 
que é uma constante do folclore. Pode-se dizer que a influência religiosa europeia do 
catolicismo faz ponte com as crenças de origem indígena e africana. Isso está impresso em 
alguns temas folclóricos provavelmente em decorrência da colonização do Brasil. 
Ainda que se observe a predominância do universo indígena na Cobra Grande, dos 
orixás de origem africana em Abaluaiê e da presença de Deus, do catolicismo europeu, em 
Minha terra, essas influências por vezes se mostram mescladas, como em Boi-bumbá. 
No cancioneiro de W. Henrique, os temas étnicos são expostos através de gestos 
composicionais que unem uma prosódia quase perfeita ao lirismo dos versos literários, 
desenhando uma linha melódica carregada de expressividade. O canto soa espontâneo e 
transita livremente entre os universos da música vocal erudita, popular e folclórica. 
 
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