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Ação penal pública condicionada e incondicionada

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Ação penal pública condicionada e incondicionada
 
   
Introdução
Ação Penal é, conceitualmente, o jus persequendi, ou jus accusationis, a investidura do Estado no direito de ação, que significa a atuação correspondente ao exercício de um direito abstrato, qual seja, o direito à jurisdição.[1] Poder-se-ia dizê-la ainda, com propriedade, ser um direito conferido ao cidadão de pedir ao Estado a aplicação da lei penal ao caso concreto, a fim de garantir a tutela efetiva de sus direitos penalmente protegidos.
Em virtude de ser um direito subjetivo perante o Estado-Juiz, a princípio toda ação penal é pública, sendo contudo feita a distinção entre ação penal pública e ação penal privada, em razão da legitimidade para interpô-la, se do Ministério Público ou da vítima, respectivamente.
A ação penal pode ser classificada em virtude do elemento subjetivo, considerando-se o promovente, sua titularidade, pelo que se classifica a ação penal em: pública, se promovida pelo Ministério Público; privada, quando promovida pela vítima, e popular, quando exercida por qualquer pessoa do povo.
É a classificação do que se encontra sistematizada em nossos Códigos Penal e Processual Penal.
O art.100 do Código penal consagra esta divisão ao predizer que “a ação penal é pública, salvo quando a lei, expressamente, a declara privativa do ofendido”. O parágrafo 1o do mesmo artigo diz que “a ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça”.
Ao contrário do que se dá no âmbito do Direito Civil, a ação penal não pode ser classificada em função da pretensão, pois está será sempre uma só: tornar realidade o jus puniendi.
Ação penal pública incondicionada
1. Conceito
O art.129, I da Constituição Federal dispõe que é função institucional do Ministério Público, privativamente, promover ação penal pública, na forma da lei. Já o art.24 do Código Processual Penal, preceitua que, nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, dependendo, quando exigido por lei, de requisição do ministro da Justiça ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. Daí a distinção a ser feita entre ação penal pública Incondicionada e Condicionada: quando promovida pelo Ministério Público sem que haja necessidade de manifestação de vontade da vítima ou de outra pessoa, a ação pena; é Incondicionada; quando, entretanto, por lei o Órgão Ministerial depende da representação da vítima ou da requisição o Ministro da Justiça para a interposição da ação, esta é classificada como Ação Penal Pública Condicionada.
Caracteriza-se assim a ação penal pública incondicionada por ser a promovida pelo Ministério Público sem que esta iniciativa dependa ou se subordine a nenhuma condição, tais como as que a lei prevê para os casos de ação penal pública condicionada, tais como representação do ofendido e requisição do ministro da Justiça.
Na ação penal incondicionada, desde que provado um crime, tornando verossímil a acusação, o órgão do Ministério Público deverá promover a ação penal, sendo irrelevante a oposição por parte da vítima ou de qualquer outra pessoa. É a regra geral na moderna sistemática processual penal.
Ação penal pública condicionada
1. Conceito
Embora continue sendo do Ministério Público a iniciativa para interposição da ação penal pública, neste caso, esta fica condicionada à representação do ofendido ou requisição do ministro da Justiça. “São crimes em que o interesse público fica em segundo plano, dado que a lesão atinge primacialmente o interesse privado”.[3]
No caso da ação penal pública condicionada, o ofendido autoriza o Estado a promover processualmente a apuração infracionária. A esta autorização dá-se o nome de representação, com a qual o órgão competente, ou seja, o parquet, assume o dominus litis, sendo irrelevante, a partir daí, que venha o ofendido a mudar de idéia.
Quando a ação penal for condicionada, a lei o dirá expressamente, trazendo, em geral ao fim do artigo, o preceito de que somente proceder-se-á mediante representação.
2. Da representação
2.1.Representação do Ofendido
Consiste a representação do ofendido em uma espécie de pedido-autorização por meio do qual o ofendido ou seu representante legal expressam o desejo de instauração da ação, autorizando a persecução penal. É necessária até mesmo para abertura de inquérito policial, constituindo-se na delatio criminis postulatória.
A previsão legal da necessidade de representação decorre do fato de nos crimes de ação penal pública condicionada, conforme anteriormente dito, o crime afeta mais o interesse privado que o interesse público, que então fica em segundo plano. Em tais casos, a instauração de um processo para apurar o delito, poderia consistir em um dano ainda maior para o ofendido, a critério de quem fica, portanto, aferir o meio como quer reparar o dano sofrido, ou resguardar-se de outro, ainda maior.
1) De forma incondicionada, quando age por seus próprios impulsos, sem necessitar de representação ou requisição; e
2) De forma condicionada, quando representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça. Não há desistência após feita representação ou requisição.
A ação penal nos crimes contra a dignidade sexual após a lei 12.015/09
A lei 12.015, de 7 de agosto de 2009 (clique aqui), provocou profundas reformas no Título VI da Parte Especial do Código Penal (clique aqui), na lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos - clique aqui) e na lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - clique aqui). O presente artigo pretende analisar, de forma bastante sucinta, a atual disciplina da ação penal dos crimes previstos nos capítulos I e II do referido Título VI da Parte Especial do Código Penal após o advento da novel legislação.
Antes deste marco legislativo, os então chamados crimes contra os costumes estavam submetidos, em regra, à ação penal privada (artigo 225, caput, do Código Penal). Apenas excepcionalmente é que tais crimes seriam de ação penal pública, ora incondicionada (se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, nos termos do artigo 225, § 1º, inciso II, do Código Penal; ou se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte, com base no artigo 223 do Código Penal), ora condicionada à representação do ofendido (se a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, consoante o artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal).
A doutrina, à época, entendia que a intenção do Código em estabelecer como regra geral a ação penal privada para os crimes contra os costumes era a de evitar o que ficou conhecido como strepitus iudicci, o "[...] escândalo provocado pelo ajuizamento da ação penal [...]" (OLIVEIRA, 2008, p. 116), com a finalidade de "[...] evitar a produção de novos danos em seu patrimônio – moral, social, psicológico etc. – diante de possível repercussão negativa trazida pelo conhecimento generalizado do fato criminoso [...]" (OLIVEIRA, 2008, p. 116).
Destarte, de um modo geral, a doutrina não concordava com a regra aqui exposta. Com efeito, alegava-se que não era lógico permitir que a decisão sobre o início da persecução penal ficasse exclusivamente nas mãos do particular considerando que alguns crimes contra os costumes eram de extrema gravidade, notadamente os crimes de estupro (artigo 213) e atentado violento ao pudor (artigo 214), com pena máxima abstratamente cominada de 10 (dez) anos de reclusão. Em situações como essas, era nítido o interesse público na devida punição dos agentes delitivos, o que deveria autorizar o Estado, por meio do Ministério Público, a deflagrar a ação penal. Nesse contexto, é conveniente relembrar que esses crimes eram considerados crimes hediondos (artigo 1º, incisos V e VI, da lei 8.072/90), tanto na sua forma simples como na sua forma qualificada, conforme posicionamento doSTF (HC 81.288/SC). Aliás, o próprio STF, no julgamento do HC 81.360/RJ, chegou a afirmar que o estupro, por suas características de aberração e de desrespeito à dignidade humana, seria um problema de saúde pública.
Nesse trilhar, como assevera Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 123), se a preocupação do Estado fosse realmente com os efeitos danosos que porventura pudessem atingir a vítima desses crimes pela divulgação dos fatos, "[...] bastaria que a lei os submetesse à persecução penal pública, condicionada à autorização da vítima ou seu representante legal".
Ademais, a regra da ação penal privada para os crimes contra os costumes poderia levar a absurdos absolutamente indesejáveis, a exemplo de um estupro ou mesmo de um atentado violento ao pudor praticado contra vítima que viesse a falecer no curso da ação penal não deixando sucessores (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão – art. 31 CPP - clique aqui), ensejando a perempção desta ação (artigo 60, inciso II, do CPP), a extinção da punibilidade do querelado (artigo 107, inciso, IV, do Código Penal) e, via de consequência, a impunidade de um fato gravíssimo.
É certo que o STF, na tentativa de consertar essa distorção e por motivos exclusivamente de política criminal, editou a Súmula nº 608, segundo a qual "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".
Não obstante, o problema ainda persistia, pois, se o crime de estupro fosse praticado com violência presumida e contra vítima que viesse a falecer no curso da ação penal privada sem deixar sucessores, o agente do delito seria igualmente beneficiado pela extinção da sua punibilidade, ficando o fato mais uma vez impune.
O legislador teve uma ótima oportunidade de encerrar com essa aberração com o advento da lei 11.106, de 28 de março de 2005 (clique aqui), que provocou algumas alterações nos crimes contra os costumes – entre elas a revogação (tardia) do crime de adultério –, o que acabou não ocorrendo.
Felizmente, 4 (quatro) anos depois, eis que surge a lei 12.015/09 atendendo a todos esses reclamos da doutrina e consagrando, no artigo 225, caput, do Código Penal, como regra geral, a ação penal pública condicionada à representação do ofendido para os agora chamados crimes contra a dignidade sexual (expressão, inclusive, que afasta a carga moralista da antiga expressão "crimes contra os costumes", sendo mais consentânea com os tempos hodiernos e atenta ao verdadeiro bem jurídico tutelado, a dignidade sexual, vertente da dignidade humana insculpida no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal). Nesse ponto, portanto, andou bem o legislador.
Desse modo, a partir de agora, continua-se respeitando a vontade da vítima do crime, mas ela não precisa tomar à frente do pólo ativo da demanda, expondo-se ainda mais, já que a ação penal será oferecida pelo Ministério Público. Frise-se ainda que a persecução penal estará mais fortalecida, afinal de contas o Ministério Público possui prerrogativas públicas que não estão disponíveis para o particular.
Excepcionando a regra do caput do artigo 225 do Código Penal, o parágrafo único deste dispositivo legal dispõe ser a ação penal pública incondicionada se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
Apesar do ponto positivo alhures mencionado, não há que se olvidar que a novel legislação desperta algumas questões nebulosas, que merecem ser a seguir respondidas.
1ª Questão: O que se entende por crime praticado contra vulnerável?
Os crimes contra a dignidade sexual são aqueles crimes previstos nos capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do Código Penal. O capítulo I trata dos crimes contra a liberdade sexual, englobando os crimes de estupro (artigo 213), violência sexual mediante fraude (artigo 215) e assédio sexual (artigo 216-A). Já o capítulo II disciplina os crimes contra vulnerável, envolvendo os crimes de estupro de vulnerável (artigos 217-A e 218), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (artigo 218-A) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218-B).
Portanto, crime praticado por vulnerável, na verdade, é qualquer um dos crimes previstos nos artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal. Por conta disso, em apertada síntese, pode-se entender como vulnerável o menor de 14 (catorze) anos de idade (artigos 217-A, 218 e 218-A) ou o menor de 18 (dezoito) anos submetido, induzido ou atraído à prostituição ou aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato (artigo 218-B). Como pode se ver, as hipóteses de definição do indivíduo vulnerável são muito semelhantes às situações que caracterizavam a vítima de violência presumida, outrora definidas no hoje revogado artigo 224 do Código Penal (aliena "a", menor de 14 anos; alínea "b", pessoa alienada ou débil mental; alínea "c", pessoa que não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência).
Por fim, saliente-se que, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 62), com a tutela ao vulnerável, "[...] elimina-se a discussão sobre o estado de pobreza da pessoa ofendida [...]", antigamente requisito indispensável para possibilitar a ação penal pública condicionada à representação do ofendido, consoante o antigo artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal.
2ª Questão: Os crimes praticados contra vulnerável são de ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação do ofendido?
Quanto à ação penal dos crimes praticados contra vulnerável, a lei 12.015/09 apresenta uma aparente contradição, senão vejamos. O caput do artigo 225 do Código Penal atualmente apregoa que os crimes definidos nos capítulos I e II do Título VI são de ação penal pública condicionada à representação. Lembre-se que, como visto no item anterior, os crimes praticados contra vulnerável estão previstos justamente no capítulo II. Portanto, a princípio, eles também seriam de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. De outro lado, porém, o parágrafo único do artigo 225, com sua nova redação, determina que os crimes praticados contra vulnerável são de ação penal pública incondicionada. Nesse aparente conflito, afinal de contas, qual regra deve prevalecer?
Em uma interpretação sistemática e atenta ao espírito do legislador de punir com maior rigor obviamente as condutas mais graves, entende-se que apenas os crimes previstos no capítulo I do Título VI (crimes contra a liberdade sexual) é que serão de ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Para os crimes tipificados no capítulo II (crimes contra vulnerável), a ação penal deverá ser pública incondicionada
ASSÉDIO SEXUAL- 216 CP
1. Objetos jurídico e material
O objeto jurídico do crime de assédio sexual é a liberdade sexual, relacionada ao ambiente de trabalho, no sentido de a vítima não ser importunada por pessoas que se prevalecem da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência. Objeto material é a pessoa constrangida (homem ou mulher), sobre a qual recai a conduta criminosa do agente.
2. Sujeitos do delito
O assédio sexual é crime próprio, assim, o sujeito ativo somente pode ser a pessoa (homem ou mulher) que se encontre na posição de superior hierárquico ou de ascendência em relação à vítima, decorrente do exercício de emprego, cargo ou função. Sujeito passivo é a pessoa (homem ou mulher) que estiver ocupando o outro polo dessa relação hierárquica ou de ascendência, encontrando-se em posição de subalternidade em relação ao agente.
3. Conduta típica
O núcleo do tipo penal está representado pelo verbo constranger que possui dois significados distintos: (1) Se acompanhado de algum complemento, significa compelir, coagir, obrigar ou forçar a vítima a fazer ou não fazer algo, tal como ocorre nos crimes de constrangimento ilegal (CP, art. 146) e no estupro (CP, art. 213); (2) Se desacompanhado do complemento, como no caso do assédio sexual, o verbo constranger significa incomodar,importunar, insistir com propostas à vítima, para que com ela obtenha vantagem ou favorecimento sexual, existindo, em regra, uma ameaça (não grave) expressa ou implícita relacionada a algum prejuízo para a vítima em sua relação de trabalho. A própria palavra “assédio” tem o significado de importunar, molestar, com perguntas ou pretensões insistentes.
Para caracterizar o crime de assédio sexual, o constrangimento pode ser realizado verbalmente, por escrito ou gestos, ficando afastado o emprego de violência ou grave ameaça, pois, caso contrário, o delito seria o de estupro (CP, art. 213), em razão da finalidade sexual do agente. Assim, o verbo constranger alcança outra dimensão, resultando em uma modalidade específica de constrangimento ilegal (princípio da especialidade), ou seja, sem violência à pessoa ou grave ameaça.
O emprego de ameaça não é elementar do crime, de modo que sua existência não é requisito para a configuração do assédio sexual. É possível que o superior hierárquico cometa o crime em estudo (sem ameaça), simplesmente pelo fato de insistir em prometer uma vantagem para a vítima (“caso aceite a relacionar-se comigo, farei com que seja promovida”). Entretanto, é comum o emprego da ameaça, entendida como não grave (“caso não aceite relacionar-se comigo, farei com que seja transferida para a filial que temos em outro Estado”).
Como bem observa Rogério Greco, “essa ameaça deverá sempre estar ligada ao exercício do emprego, cargo ou função, seja rebaixando a vítima de posto, colocando-a em lugar pior de trabalho, enfim, deverá sempre estar vinculada a essa relação hierárquica ou de ascendência, como determina a redação legal”.[2] Assim, se o assédio ocorrer fora do ambiente de trabalho, desvinculado da posição de hierarquia ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, não há falar no crime em estudo de assédio sexual.
4. Elemento normativo do tipo
Nos termos do dispositivo legal em estudo, para configurar o crime de assédio sexual, é necessário o elemento normativo “condição de superior hierárquico ou ascendência” da qual o agente se prevalece diante da vítima cometendo abuso no exercício de emprego, cargo ou função. Cabe ao juiz a análise valorativa sobre a efetiva existência do abuso. Ausente esse elemento, o fato é atípico.
Superior hierárquico é o funcionário que possui, em relação a outros, maior autoridade na estrutura administrativa pública (civil ou militar). Assim, não configura o crime de assédio sexual entre funcionários do mesmo nível hierárquico, como também no caso em que o agente assedia seu superior hierárquico.
5. Elemento subjetivo
O elemento subjetivo do crime de assédio sexual é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de importunar alguém com perguntas ou pretensões insistentes. É necessário, ainda, o fim especial de agir, contido na expressão “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”.
O termo vantagem quer dizer ganho ou proveito; favorecimento significa benefício ou agrado. A vantagem ou favorecimento podem ser de diversas ordens, desde que tenham cunho sexual, podendo ser para o próprio agente ou para terceiro, ainda que sem o conhecimento deste. Estando ciente o terceiro, e agindo com dolo, caracteriza-se o concurso de pessoas. [5] O tipo penal não admite a modalidade culposa.
6. Consumação e tentativa
O assédio sexual é crime formal, que se consuma sem a produção do resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer. Consuma-se, portanto, no momento em que o agente constrange a vítima, independentemente da efetiva obtenção da vantagem ou favorecimento sexual visados.
A tentativa é possível por se tratar de crime plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), permitindo o fracionamento do iter criminis. É o que ocorre, por exemplo, quando o assédio tenha sido tentado na forma escrita, cuja correspondência, em razão de extravio, chega às mãos de terceira pessoa.
7. Causas de aumento de pena
Nos termos do § 2º, do art. 216-A, do Código Penal, a pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 anos. Entretanto, se a vítima é menor de 14 anos, o crime é de estupro de vulnerável, e não de assédio sexual com pena aumentada, em estudo. Esse dispositivo foi inserido no Código Penalpela Lei 12.015/2009, sem mencionar ou renumerar o parágrafo único vetado anteriormente, ou seja, inseriu-se um § 2º, sem notar que nunca existiu o § 1º.
Aplicam-se, ainda, ao crime de assédio sexual, bem como nos demais delitos previstos no Título dos crimes contra a dignidade sexual, as causas de aumento de pena previstas nos arts. 226 e 234-A, do Código Penal, com algumas adaptações necessárias, a saber:
(a) Aumento de quarta parte, se o crime é cometido em concurso de duas ou mais pessoas (CP, art. 226, I)– Esse aumento de pena tem fundamento na maior facilidade obtida pelo agente no emprego dos meios de execução do delito.
(b) Aumento de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador da vítima, ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela (CP, parte do art. 226, II), além de ser, também empregador ou superior hierárquico.
Quanto ao preceptor (aquele que ministra educação individualizada) não é possível aplicar a causa de aumento, pois se refere ao professor, que não é sujeito ativo do delito em estudo. Também não se aplica essa causa de aumento, na hipótese em que o agente é empregador da vítima, para não violar o princípio do non bis in idem (da não incidência duas vezes sobre a mesma coisa).
Aplicando a causa de aumento em estudo, evidentemente não pode ser aplicada a agravante genérica que se refere a crime cometido contra descendente, irmão ou cônjuge (CP, art. 61, II, e), para não incidir no bis in idem, pois o fato já é considerado como a causa especial de aumento de pena, em estudo.
(c) Aumento de metade, se o crime resultar gravidez (CP, art. 234-A, III)– Esse aumento de pena se justifica pelo fato do crime ofender a dignidade sexual e ainda resultar em uma gravidez indesejada.
(d) Aumento de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador (CP, art. 234-A, IV)– Esse aumento de pena incide quando o sujeito, agindo com dolo direto (sabe) ou eventual (deve saber), contamina a vítima por meio do contato sexual. A exasperante exige o efetivo contágio, diversamente dos crimes de perigo (CP, arts. 130 e 131) que se consumam independentemente da transmissão da moléstia.
É possível que no mesmo caso concreto incida mais de uma causa de aumento de pena. Nesse caso, pode o juiz limitar-se a uma só causa de aumento de pena, desde que opte pela maior (CP, art. 68, parágrafo único).
8. Casos especiais
(a) Superior apaixonado – é comum um chefe se apaixonar por sua secretária ou por alguém que lhe seja inferior na relação de trabalho, desencadeando uma perseguição com insistência de propostas à vítima. Tal conduta pode ou não caracterizar o crime de assédio sexual, conforme o caso concreto: (1) mesmo estando o agente apaixonado pela vítima, exigindo dela favores sexuais, valendo-se da condição de superior na relação de emprego, o crime está configurado; (2) se ficar nitidamente demonstrado que a intenção do agente não era a de obter um simples favorecimento sexual, mas uma relação estável e duradora, o fato é atípico em razão da ausência do elemento subjetivo específico “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”, algo incompatível com a busca de um relacionamento sério.
(b) Relação entre patrão e empregada doméstica – pode configurar o crime de assédio sexual, mesmo que essa relação de emprego não seja diária, como no caso das denominadas “faxineiras” ou “diaristas”, sob o argumento, por exemplo, de que serão demitidas, caso não atenda aos apelos sexuais do agente.
(c) Relação entre professores e alunos – mesmo considerando a superioridade entre professor e aluno, não se caracteriza o crime de assédio sexual entre essas pessoas, em razãoda ausência entre elas do vínculo de trabalho que, na realidade, existe somente entre o estabelecimento de ensino e o professor.
(d) Líderes religiosos e seguidores – os líderes religiosos (padres, bispos, pastores etc.) gozam do respeito irrestrito dos seus seguidores, especialmente em razão da fé religiosa, mas não há entre eles relação inerente ao exercício do emprego, cargo ou função. Conseqüentemente, o constrangimento do líder religioso dirigido a um fiel, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, não caracteriza o crime de assédio sexual, podendo caracterizar o delito de estupro (CP, art. 213), a ser avaliado diante do caso concreto, desde que na execução o agente empregue a violência à pessoa ou grave ameaça.
(e) Assédio dirigido a prostituta – a garota (ou garoto) de programa pode perfeitamente ser vítima do crime de assédio sexual, em estudo. Pode ser que a vítima, além da prostituição, exerça outra profissão, como a de secretária em determinada empresa. No exemplo de Cleber Masson, “se seu chefe descobrir esta outra atividade, e em razão disso constrangê-la para fins sexuais, sob pena de revelar seu segredo ao presidente da empresa, forçando sua demissão, estará caracterizado o crime de assédio sexual”. [6]

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