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1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL III Prof. Marco Aurélio Peixoto Ponto 6 PRECEDENTES JUDICIAIS Força normativa dos precedentes judiciais no Direito Processual Brasileiro. Fundamentos determinantes (ratio decidendi e obter dicta). Critério de distinção na aplicação dos precedentes. Substituição do precedente (overruling). Modulação temporal dos precedentes judiciais. 1. Força normativa dos precedentes judiciais no Direito Processual Brasileiro O art. 926 do CPC determina que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, bem como que devem editar enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. Por sua vez, o art. 927 prevê que os juízes e tribunais observarão: I – as decisões I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Sendo assim, pode-se dizer que os precedentes do: a) Plenário do STF, sobre matéria constitucional, vinculam todos os tribunais e juízes brasileiros; b) Plenário e órgão especial do STJ, em matéria de direito federal infraconstitucional, vinculam STJ, TRFs, TJs, e juízes a ele vinculados; c) Plenário e órgão especial do TRF vinculam TRF e juízes federais; d) Plenário e órgão especial do TJ vinculam TJ e juízes estaduais. Quando houver o descumprimento de um precedente, cabem os recursos naturais, com possibilidade de decisão monocrática do relator para negar ou dar provimento. Cabe ainda reclamação, pela parte ou Ministério Público, desde que para garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos 2 ou em incidente de assunção de competência; ou para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. 2. Fundamentos determinantes (ratio decidendi e obter dicta) As decisões judiciais podem ou não formar precedentes, ou seja, conclusões generalizáveis que poderão ser aplicadas a casos futuros similares. Quando se consegue extrair do julgado uma conclusão generalizável, ter-se-á um precedente, mas ainda em potencial, pois um precedente somente pode ser aplicado aos casos futuros se houver similitude fático-jurídica entre o julgado antecedente e o superveniente. E para saber se há essa semelhança, é preciso extrair do julgado anterior a denominada ratio decidendi, ou seja, suas razões de decidir, identificando-se os fundamentos que tenham sido determinantes para a conclusão do julgamento. Também é necessário delimitar a matéria fática, constatando-se os fatos que foram objeto da decisão. Diante de um caso posterior, aparentemente similar ao primeiro, deve o órgão jurisdicional competente realizar a chamada distinção (ou distinguishing), isto é, a comparação entre os elementos fático-jurídicos do julgado anterior e do caso a ser julgado. Havendo similitude, fica caracterizada a aplicabilidade do precedente. Assim é que, a rigor, a ratio decidendi somente pode ser extraída quando da aplicação do precedente ao caso posterior. Explicando em termos simples: na decisão em que formado o precedente não há, ainda, a preocupação em identificar e delimitar a ratio decidendi. O juiz, diante de um caso concreto, busca interpretar o texto normativo para encontrar a norma aplicável, solucionando a questão. A ratio decidendi está contida na fundamentação da decisão anterior, mas a tarefa de encontrá-la será do órgão julgador responsável pelo julgamento do caso subsequente, similar ao primeiro. Quando surge um caso posterior, é preciso saber se houve decisões anteriores a respeito da mesma questão. Em caso afirmativo, é preciso fazer referência a elas. O próximo passo, então, é identificar a ratio decidendi do precedente, para saber se ela é aplicável ao caso posterior. 3 A identificação da ratio decidendi permite não apenas a verificação da aplicabilidade ou não do precedente ao caso posterior como também fornece às partes os fundamentos determinantes da decisão, possibilitando o exercício pleno de seu direito à ampla defesa e ao contraditório. A ratio decidendi pode não ser de fácil extração, dependendo da complexidade do julgado que se pretende utilizar como precedente. Não será incomum, nesses casos, confundir as razões de decidir com os chamados ditos de passagem (ou obter dictum) – aqueles argumentos que, apesar de constarem na fundamentação, não são determinantes para a conclusão do julgado. Outro problema, bastante comum no direito brasileiro, é a impossibilidade de identificação da ratio decidendi, porque ela não é referida a contento em parcela considerável das decisões judiciais que se baseiam em precedentes. Isso decorre do uso excessivo de ementas e súmulas como fundamento das decisões. As ementas e súmulas – notadamente estas últimas – retratam, via de regra, tão somente as conclusões do julgado e não a ratio decidendi dos precedentes que lhes deram origem. Ainda quando constem da ementa fundamentos que parecem constituir a ratio decidendi do precedente, não é possível extrair essa conclusão apenas a partir da leitura da ementa, posto que os fundamentos que nela constam podem configurar meros ditos de passagem. Em suma, não é possível identificar a ratio decidendi de um precedente apenas pela leitura de súmulas e de ementas. Para cumprir esse mister, é preciso acessar o inteiro teor das decisões que embasaram a edição das súmulas, a fim de investigar a ratio decidendi dos precedentes que lhes deram origem. Também não é possível fundamentar decisões judiciais por meio da reprodução mecânica de súmulas e ementas. Da mesma forma, deve-se acessar o inteiro teor dos julgados que lhes deram origem para identificar as similitudes fáticas entre eles e o caso a ser julgado e, bem assim, proceder com a delimitação das razões de decidir dos precedentes, verificando se são efetivamente aplicáveis ao caso posterior. 3. Critério de distinção na aplicação dos precedentes 4 Ocorre quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente. 4. Substituição do precedente (overruling) É a técnica através do qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente. O próprio tribunal, que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro. O art. 927, §2° do CPC, prevê a técnica de overruling (precedida de debate público). Há que se fazer menção ainda a duas outras expressões, quais sejam, o signaling e o overriding. O primeiro é a técnica preparatória para a revogaçãode precedente. O tribunal, percebendo a desatualização de um precedente, anuncia que poderá modificá-lo, fazendo com que ele se torne incapaz de servir como base de confiança dos jurisdicionados. Já o overriding é quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. No overriding, portanto, não há superação total do precedente, mas apenas uma superação parcial. Não substitui a norma contida no precedente (ratio), entretanto, um novo posicionamento (questão de direito) restringe a sua incidência. 5. Modulação temporal dos precedentes judiciais Se há revogação de um precedente e a construção de uma nova tese jurídica, esta passará a reger as relações ocorridas antes da decisão revogadora, mas que ainda estejam sujeitas ao crivo judicial, ou seja, que ainda não tenham sido acobertadas pela coisa julgada. É o que se denomina de retroatividade plena. Um precedente revogado não deverá retroagir para atingir situações jurídicas definitivamente decididas. Para os processos em andamento vale a regra da retroatividade. Para os que já estejam resguardados pela imutabilidade da coisa julgada vale a regra da irretroatividade. 5 Não se pode ignorar que a impossibilidade de se conferir efeitos prospectivos (não retroativos) é capaz de, em alguns casos, gerar mais insegurança do que segurança jurídica. Na doutrina, alguns consideram que a superação do precedente pode admitir, excepcionalmente, a adoção de efeitos prospectivos, não abrangendo as relações jurídicas entabuladas antes da prolação da decisão revogadora. Tal proposição evitaria situações nas quais o autor, vencedor nas instâncias inferiores justamente em virtude destas estarem seguindo o entendimento das cortes superiores, fosse surpreendido com a mudança brusca desse mesmo entendimento. A eficácia prospectiva (prospective overruling) pode ser verificada no controle de constitucionalidade. É que o art. 27 da Lei nº. 9.868/99 possibilita que a Corte, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restrinja os efeitos daquela declaração ou decida que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Trata-se de medida excepcional e que deve ser utilizada levando em consideração o fim almejado pela nova norma, o tipo de aplicação que se mostra mais correta e o grau de confiança que os jurisdicionados depositaram no precedente que irá ser superado.
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