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Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 11 Caro(a) aluno(a), vamos conhecer agora um pouco sobre o percurso histórico da educação dos surdos. Os surdos, ao longo da nossa história, foram considerados deficientes e, assim como estes, fi- caram “escondidos” da sociedade. Este trabalho irá trazer alguns fatos que subsidiarão o conheci- UM POUCO DA HISTÓRIA DOS SURDOS2 mento do ponto de vista histórico dos movimen- tos dos surdos e dos intérpretes da Libras no Bra- sil e seu reconhecimento no país. Há pessoas surdas em todas as partes do Brasil, porém muitos surdos são invisíveis à socie- dade. A língua que conhecemos hoje como Libras não é a língua de sinais como sua forma mais an- tiga. Como muitas das línguas faladas, a língua de sinais, em sua forma mais antiga, não foi preserva- da. Por meio de pesquisas, foi possível estabelecer algumas circunstâncias entre as quais a educa- ção e a instrução formal de uma língua sinalizada aconteceu. Como vimos anteriormente, apesar da es- cassez de informações sobre as línguas antigas, acreditar que pessoas surdas não possuíam uma língua sinalizada para sua comunicação, seria um equivocado. Saiba maisSaiba mais “Em décadas passadas, existiam famílias ouvintes que ‘escondiam’ os filhos surdos pela ‘vergonha’ de terem concebido uma criança fora dos padrões considerados normais; e por isso os surdos quase não saíam de casa ou sempre ficavam acompa- nhados dos pais. A comunicação dos pais com os filhos surdos era muito complexa, pois esses não sabiam a Língua de Sinais e também não a aceitavam; achavam que era ‘feio’ fazer ‘gesto’ ou ‘mímica’ (não Língua de Sinais) como forma de comunicação com sua criança e, consequentemente, não aceitavam a língua de sinais como a primeira língua dos surdos. Os filhos surdos, por sua vez, sentiam-se ‘isolados’ e sem comunicação alguma. Desse modo, muitas vezes criavam ‘complexos’ e/ou ficavam ‘nervosos’. Por muitos anos, os próprios surdos não compreenderam a importância da comunicação através da Língua de Sinais para o processo de construção de sua Identidade Cultural, bem como para o desenvolvimento de sua cognição e linguagem. Consequentemente, o bloqueio no desenvolvimento da Língua de Sinais causou problemas sociais, emocionais e intelectuais na aquisição da linguagem nos surdos. Além disso, esses indivíduos também não conseguiam alcançar suas metas e seus objetivos devido ao preconceito e à mar- ginalização existentes, na sociedade, em relação à Língua de Sinais e à construção da Identidade e Cultura Surda Brasileira. A sociedade ignorava as comunidades surdas brasileiras, que eram ‘isoladas’ e ‘discriminadas’. Ultimamente, observa-se um processo de mudança significativa do olhar da sociedade em relação à questão do surdo, sua língua e cultura. Entretanto, esse é ainda um processo muito lento dentro das políticas educacionais da sociedade brasileira. Até poucos anos atrás, a Língua de Sinais Brasileira era ainda vista como ‘tabu’, pois não havia sido atribuída a língua de sinais o status de língua. Essa era apenas considerada como ‘Linguagem’ e não ‘Língua’.” (MONTEIRO, 2006, p. 279). Na história da nossa civilização e cultura, os surdos e sua comunicação aparecem pela primei- ra vez no registro de dois grandes filósofos, Platão e Aristóteles. Infelizmente, o pensamento de Aris- tóteles (século IV a.C.) reflete-se até hoje no modo como algumas pessoas encaram o surdo. A audição contribui para a maior parte do pensamento, porque a linguagem é a causa da instrução. Compõe-se, com efei- to, (a linguagem) de palavras e cada uma das palavras é um signo. É por isso, que entre os homens privados congenita- Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 12 mente de um sentido, os cegos-natos são mais inteligentes que os surdos-mudos. (COUTINHO, 2008, p. 31). Como você pode perceber, a partir desse pensamento, podemos entender que os gregos defendiam que a fala era de origem divina e que, para as pessoas surdas, deveria ser negada a ins- trução, pois não falavam, portanto não eram con- sideradas pessoas dignas. Em outro momento histórico, têm-se as leis romanas e feudais que refletem a ideia de que o surdo deveria ser excluído da sociedade e que não possuía direitos: “ao surdo não era permitido o acesso a herança e aos privilégios feudais.” (COUTI- NHO, 2008, p. 32). Nos casos mais comuns, viviam como camponeses ou eram tolerados como “idio- tas ou débeis”. Apesar da aparente exclusão dos surdos e da sua impossibilidade de participar ativamen- te da vida comunitária, existem alguns registros de que, em algumas comunidades religiosas, os surdos eram recolhidos e esses religiosos se be- neficiavam dos conhecimentos da comunicação gestual. São Jerônimo (final do século IV) obser- va que havia surdos que aprendiam o evangelho por meio de gestos. Já Santo Agostinho aponta que conhecia uma família surda muito respeita- da da burguesia milanesa, “cujos gestos formam palavras de uma língua e escreve que sua alma poderia ser enriquecida por meio dos gestos que produzem.” (COUTINHO, 2008, p. 32). No século XVI, surgem as primeiras tentati- vas de “educar” os surdos. Os primeiros educado- res de pessoas surdas; Pedro Ponce de Leon, Juan Pablo Bonet, entre outros, não reconheceram ex- plicitamente a comunicação por sinais como uma possibilidade linguística, mas defendiam a ideia de que, utilizando os seus “gestos naturais”, po- deriam ensinar nossa própria língua (oral). Além disso, Juan Pablo Bonet afirma que as crianças “surdas e mudas” não são mudas em termos de pensamento, mas sim surdas, logo “são capazes de aprender qualquer língua ou ciência”. Já Mon- taigne (século XVI) defende a seguinte ideia: Os nossos mudos disputam, argumen- tam e contam histórias por gestos. Eu próprio os vi de tão flexíveis e formados sobre aquilo que a verdade se refere que não lhes falta nada para a perfeição de se saberem fazer entender [...] necessitam para se exprimir do alfabeto dos dedos e de uma gramática de gestos. (COUTINHO, 2008, p. 34). Até o presente momento do texto, pude- mos observar que a sociedade renegou os sur- dos, porém vimos que as experiências educa- cionais promoveram uma modificação no modo de a sociedade encarar o surdo; concluiu-se que os surdos são pessoas inteligentes que podem aprender uma linguagem para exprimir seu pen- samento. Sendo assim, os professores passam a uti- lizar os gestos para ensinar seus alunos surdos, mas apenas como um modo de eles aprende- rem a língua oral e se expressarem através dela. Apesar do sucesso do trabalho de Ponce de Leon, entre outros, no século XVII e XVIII o conceito de homem educado é aquele que fala bem. Logo, se não há palavra, não há pensamento. Como estamos falando do percurso da edu- cação e do reconhecimento dos surdos na socie- dade, podemos apontar uma grande mudança na educação dos surdos que acontece em 1755, com o Abade L’Epée, que, apesar de não adotar na íntegra a língua gestual da comunidade surda parisiense, utiliza-a para criar uma língua supos- tamente universal e estruturada de acordo com a sintaxe da língua francesa (o que hoje é chamado francês sinalizado). Ele juntou sinais dos surdos franceses e outros inventados por ele mesmo para demonstrar as inflexões, os artigos e outras carac- terísticas do francês. O que muda, basicamente, é a importância da língua gestual, que passa a ser utilizada como meio de ensino. Em 1776, publica sua metodologia de ensino com seus “sinais me- tódicos”. Libras Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 13 O que se pode observar, é que em pouco tempo, passa a existir na França uma escola de surdos em cada cidade e mais, graças ao reconhe- cimento implícito da comunicação gestual, apare- ce a figura do professorsurdo para ensinar alunos surdos. Os primeiros professores surdos foram ex-alunos de L’Epée, os quais tiveram destaque tanto como professores quanto em outras áreas de atuação. É importante esclarecer um aspecto em relação à metodologia de ensino utilizada por L’Epée, o abade criou seus sinais metódicos, que se referiam à utilização dos sinais aprendidos com os surdos de Paris, porém acreditava que essa lin- guagem era desprovida de gramática, portanto precisando da gramática francesa para que tives- se sentido. O principal sucessor de L’Epée foi o Abade Sicard, que teve outros sucessores, como os Aba- des Clerc, Messieu e Bébian. Bébian percebeu que a linguagem de sinais natural era autônoma e completa, e modificou a metodologia de ensi- no, passando a utilizar o bilinguismo, ou seja, a língua natural de sinais e o ensino da língua fran- cesa escrita, cada uma com gramática e estrutura próprias. Ferdinand Berthier, aluno da escola de sur- dos, teve a oportunidade de desenvolver sua escolaridade no ensino bilíngue. Ele é considera- do um dos “sucessos” da educação tendo como metodologia de ensino o bilinguismo. Tornou-se professor, escritor e um dos mentores da primeira associação de surdos de Paris. O abade, por meio da educação ministrada, “[...] conduziu pela primeira vez na história da cultu- ra ocidental, o acesso de muitos dos seus alunos surdos à cidadania. [...] os surdos já não eram edu- cáveis pela palavra, pela oralidade: eram, reco- nhecidamente, cidadãos como todos os outros; e, pela lei promulgada em 1791 pela Assembléia Francesa, reconhecia-se os surdos o direito de beneficiarem-se plenamente dos direitos dos ho- mens.” (COUTINHO, 2008, p. 37). CuriosidadeCuriosidade Diversos fatores foram compondo e conso- lidando o ensino de surdos através do bilinguis- mo. Continuando a história, houve um fato im- portante em 1816: Thomas Hopkins Gallaudet chega a Paris e encontra-se com Clerc, Massieu e Sicard. Gallaudet estava à procura de uma me- todologia adequada de ensino de surdos nos Es- tados Unidos, que permitisse fazer com que os surdos tivessem real acesso à palavra de Deus. Os franceses o convencem de que esta é a melhor metodologia de ensino, o bilinguismo, e assim, em 1817, Laurent Clerc vai aos Estados Unidos com Gallaudet e funda em Hartford uma escola para “surdos e mudos”, o American Asylum for the Education and Instruction of the Deaf and Dumb. Como pudemos verificar, a educação dos surdos teve grande desenvolvimento ao longo dos anos, porém um fato irá modificar todo esse percurso. Em 1880, acontece o Congresso de Mi- lão, marco histórico na educação dos surdos. Nes- se congresso, a educação de surdos passa a ado- Saiba maisSaiba mais “Em 1779, um encadernador de livros surdo de Paris, Pierre Desloges, escreveu um livro ‘Observações de um surdo-mudo, parisiense’. Desloges sentiu-se com- pelido a escrever o livro, ele disse, depois de ouvir as declarações de um certo abade Deschamps, afirman- do que as línguas de sinais não poderiam ser consi- deradas línguas e que, portanto, não teriam utilidade na educação das crianças surdas. Frente a essa decla- ração, Desloges pensou ser seu dever falar em favor da língua sinalizada natural dos surdos franceses... Essa língua era passada de uma pessoa surda para outra, do mesmo modo que línguas que não sejam popu- larmente aceitas em instituições educacionais são também transmitidas para as gerações mais novas falantes. Ao descrever um jovem surdo típico da Fran- ça no século XVIII, Desloges escreveu o seguinte: Ele encontra surdos-mudos com mais conhecimento do que ele aprende a combinar e aperfeiçoar seus sinais... Ele rapidamente adquire, nas interações com seus companheiros, a tão difícil – assim eles dizem! – arte de expressar e pintar seus próprios pensamentos, até os mais abstratos, através de sinais naturais, como se ele soubesse todas as regras da gramática, tamanha a ordem e precisão...” (MOODY, 1987 apud SACKS, 1990, p. 301). Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 14 tar como metodologia de trabalho o oralismo. Esse método considera a fala, ou a oralização, o único meio de comunicação e de educação para os surdos. A modificação histórica que acabamos de verificar reflete as consequências devastadoras que o Congresso de Milão trouxe. Vários autores, entre eles Coutinho (2008), apontam que o que aconteceu no ensino de surdos foi “um autêntico desastre educacional [que] resultou do uso da lin- guagem oral, falada ou escrita, para instruir crian- ças surdas.” Desde então, foram excluídas todas as possibilidades de uso das línguas de sinais na educação desses sujeitos. Atualmente, os surdos educados por esse método falam dos horrores e das perseguições que sofreram ao usarem a lín- gua de sinais. Depois de quase um século de trabalho ora- lista, na década de 1960, nos Estados Unidos, ini- cia-se a implementação de uma nova filosofia de ensino chamada Comunicação Total e, nos anos 1980, há um retorno ao bilinguismo como me- lhor forma de ensino para pessoas surdas. O Brasil seguiu com alguns anos de atraso essas mesmas tendências e, hoje, procura o caminho do bilin- guismo. Saiba maisSaiba mais A mudança na vida dos surdos! O Congresso de Milão “O debate sobre a melhor forma de educar os surdos, se através da fala ou dos sinais, foi ganhando novos adeptos e culminou com a vitória do método oral, em 1880, no Congresso de Milão. Como conclusão do Congresso, decidiu-se que: 1- Dada a superioridade incontestável da fala sobre os sinais para reintegrar os surdos-mudos na vida social e para dar-lhes maior facilidade de linguagem, o con- gresso declara que o método de articulação deve ter preferência sobre o de sinais na instrução e educação dos surdos-mudos. 2- O método oral puro deve ser preferido, porque o uso simultâneo de sinais e fala tem a desvantagem de prejudicar a fala, a leitura oro-facial e a precisão de idéias.” (LANE, 1989 apud SACKS, 1990, p. 394). E no Brasil? Um pouco da História da Educação dos Surdos no Brasil Como você pôde observar, a história dos surdos no mundo não foi simples! Como será que se deu então a educação dos surdos aqui n Brasil? Bem, podemos iniciar nossa história em 1856, que foi quando chegou ao Brasil o professor Eduard Huet, surdo francês que trouxe o alfabe- to manual francês e alguns sinais para o Brasil. Os surdos brasileiros, que já utilizavam um sistema de sinais próprio, em contato com a Língua de Sinais Francesa (LSF), produziram a Língua de Sinais Brasileira. No ano seguinte, no dia 26 de setembro de 1857, foi fundado o Imperial Institu- to dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro e deno- Outra história que se destaca é sobre a língua de sinais de Vineyard. Esta é uma situação única que se desenvolveu nesse local específico, no final do século XVII: “Martha’s Vineyard é uma ilha a cinco milhas da costa sudeste de Massachusetts. De 1690 até a metade do século XX, uma elevada taxa de sur- dez genética aparecia entre a população da ilha. Martha’s Vineyard é um exemplo de uma comu- nidade surda... O primeiro educador surdo que lá chegou com sua esposa e família em 1692 era fluente em algum tipo de língua sinalizada. Mui- tas das famílias que habitaram a ilha provinham da área de Boston e, antes disso, muitas outras haviam imigrado de uma região da Inglaterra co- nhecida como Weald, no interior de Kent... Com o florescimento da comunidade surda, consolidou- -se também a sua língua... essa língua se expan- diu por toda a ilha, e quase todos os habitantes da ilha, surdos ou não, foram capazes de utilizar a língua de sinais... A surdez não era vista como uma incapacidade. Naquela ilha, os surdos parti- cipavam, integralmente, em todos os aspectosda vida social.” (GROCE, 1985 apud WILCOX; WILCOX, 2005, p. 36). CuriosidadeCuriosidade Libras Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 15 minado o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). É interessante ressaltar que esse Instituto era ligado ao governo central e possuía uma co- missão de alto nível, formada por juristas, minis- tros e sacerdotes, que deveriam supervisionar os trabalhos. Fica claro que essa e outras instituições para deficientes da mesma época só foram cria- das porque houve a intermediação de pessoas influentes que possuíam interesse nessas escolas. Essas pessoas importantes da época procuraram transmitir ensinamentos especializados aceitos como fundamentais e ficaram diretamente liga- das à administração pública de tais instituições. Como você sabe, antigamente, diferente- mente de agora, as pessoas estudavam em in- ternatos; e com os surdos acontecia o mesmo. Os surdos vindos de outras cidades do Brasil dor- miam na escola, que era um internato. Os surdos que viviam no INES aprendiam por meio da língua de sinais, mas nessa época não existia a Libras, en- tão eles utilizavam a Língua de Sinais Francesa e a Língua de Sinais Brasileira antiga. Esse fato foi importante, pois dessa instituição partiram os lí- deres surdos que têm divulgado, durante muitos anos, a língua de sinais em todo o país. Sabemos que grande número de crianças surdas são filhas de pais ouvintes, mas algumas famílias que possuem a surdez pela hereditarieda- de transmitem a seus filhos a Libras como forma de comunicação efetiva. Esse fato fez com que a língua de sinais, mesmo com o oralismo imperan- do durante muitos anos na educação dos surdos, não se extinguisse e criou resistências significati- vas, as quais acabaram por refletir na sociedade o crescente movimento que hoje se dá através da aprendizagem da língua de sinais por ouvintes e surdos. É importante saber que a primeira icono- grafia dos sinais realizada aqui no Brasil foi em 1873, de autoria do aluno surdo Flausino José de Gama, que estudava no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Em 1881, a história narra o fato de a língua de sinais ter sido proibida no INES e em todo o Brasil. Como consequência dessa proibição, em 1895, teve o declínio do número de professores surdos nas escolas para surdos e aumentou o nú- mero de professores ouvintes. A Importância da Convivência entre Pessoas da mesma Cultura Como você sabe, é fundamental para que possamos desenvolver uma língua o convívio com pessoas que a utilizem, certo? Quando pessoas de uma mesma cultura convivem, elas desenvolvem uma linguagem própria. Com as pessoas surdas não é diferente, elas desenvolveram uma lingua- gem própria, visual-motora, chamada língua de sinais. Muitas pessoas perguntam: a Língua de Si- nais é universal? Não! Existe, no mundo, um grande número de línguas de sinais, diferente do que muitas pessoas ouvintes pensam. Quando falamos em língua de sinais, não estamos falando de alguma forma de comunicação manual do Português ou, mesmo, de um Português sinalizado, mas de uma língua, com gramática e léxico próprios, expressiva, elo- quente e graciosa. Outra escola que é importante na história dos surdos é o Instituto Santa Terezinha, em São Pau- lo, fundado em 1925 e dedicado à educação de moças surdas. Nessa época, as surdas comunica- vam-se somente fora das salas de aulas utilizan- do sinais. Dentro das salas de aula, era utilizado principalmente o oralismo, visando ao desenvol- vimento da fala. CuriosidadeCuriosidade O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos foi criado por Dom Pedro II, em 1857. CuriosidadeCuriosidade Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 16 Podemos dizer que os seres humanos pos- suem uma capacidade inata de adquirir lingua- gem, seja a fala ou o sinal. Nenhum de nós é capaz de lembrar como adquiriu a linguagem. Santo Agostinho propõe a seguinte ideia: Também não somos como pais, chama- dos a ‘ensinar’ a linguagem a nossos fi- lhos; eles adquirem ou parecem adquirir de uma forma automática, pela virtude de serem crianças, nossas crianças, e pe- los intercâmbios comunicativos entre nós. (SACKS, 1990, p. 77). O primeiro uso da linguagem é, normal- mente, através da mãe; a linguagem acontece en- tre os dois, portanto o que podemos depreender é que ninguém aprende a língua sozinho. É im- possível aprender, adquirir linguagem sem uma capacidade inata, mas essa capacidade é ativada apenas se o sujeito estiver em um meio no qual possa ser desenvolvida, ou seja, se outra pessoa já possuir competência linguística. Segundo Vigotsky, é através da “negocia- ção” com outras pessoas que se adquire a lingua- gem. O intercâmbio social e emocional começa desde o primeiro dia de vida. Mãe, pai, professor, qualquer pessoa que fale com a criança leva o AtençãoAtenção “A aquisição do sinal, da fala ou de ambos, de- pende do intercâmbio com as pessoas à volta, do ouvir sua fala, ou do assistir seu sinal. Se aos cinco ou seis anos a criança já tiver desenvolvido a fluência em linguagem, seja o sinal ou a fala, ela pode esperar ter uma vida rica de comunica- ção e de intercâmbio comunitário, e desenvolver fluência em leitura e escrita. Mas se ela não tiver tido a oportunidade de desenvolver a linguagem a esta altura, então, ela pode esperar ter uma vida de restrições e empobrecimento cultural, e de incapacidade de ler e escrever. Naturalmente para pessoas que nascem surdas, é muito mais fácil adquirir uma linguagem visual como primei- ra língua; e, dada uma firme fundação nessa lin- guagem elas podem aprender a ler e escrever e, talvez, a falar, ou seja, tornam-se bilíngues e bicul- turais, o que é ideal para elas.” (SACKS, 1990, p. 75). bebê a níveis superiores de linguagem. Contu- do, as palavras da mãe não teriam sentido se não correspondessem a alguma coisa em sua própria experiência. É necessário lembrar, também, as re- lações de afeto que ocorrem, refletindo necessi- dades e interesses pessoais do indivíduo. As crianças aprendem a língua como apren- dem a andar. Ninguém lhes ensina a andar ou a falar. Aprender a andar ou aprender a falar é dife- rente de aprender a ler ou aprender a andar de bi- cicleta. Embora todas essas atividades envolvam habilidades cognitivas, em condições normais, as duas primeiras acontecem inexoravelmente, en- quanto as duas últimas podem não ser desenvol- vidas e permanecer desconhecidas, sem que isso represente um distúrbio. Portanto, caro(a) aluno(a), a aquisição da linguagem acontece de forma assistemática, des- contínua, com interrupções e ruídos de comuni- cação. Entretanto, o resultado é surpreendente: a criança não só aprende a língua, com todas as su- tilezas de sua articulação gramatical, semântica e pragmática, como o faz de forma completa, isto é, não existe conhecimento de língua materna pela metade ou parcial, qualquer pessoa normal sabe a língua de sua comunidade e a utiliza de forma natural. Dada a constatação de que as crianças têm o domínio do sistema complexo da língua em um curto prazo, sem esforço, com poucos desvios ou erros (em face das opções que podem ser ex- traídas dos dados a que são expostas), indepen- dentemente da natureza do ambiente (com mais ou menos reforço ou correção) e na ausência de certos tipos de evidência cruciais em situações de aprendizagem por instrução, conclui-se que o ser humano é dotado de um estado cognitivo inicial rico, complexo, uma faculdade inata de adquirir AtençãoAtenção É importante ressaltar que a linguagem é um in- trincado mundo de significados gramaticais, ver- bais e intenção comunicativa, sendo que todos esses elementos estão juntos no aprendizado e uso da linguagem. Libras Unisa| Educação a Distância | www.unisa.br 17 linguagem, porém essa capacidade é ativada ape- nas por outra pessoa que já possui competência linguística. David Wood, em seu estudo, de longo prazo, de crianças surdas, escreve: Imaginem um bebê surdo com pouca ou nenhuma consciência do som. [...] Quando olha para um objeto ou evento, não recebe nada da ‘música de clima’ que acompanha a experiência social do bebê auditivo. Vamos supor que desvie os olhos de um objeto que atrai sua atenção para um adulto que está partilhando sua experiência com ele, e o adulto fala sobre o que o bebê acabou de olhar. Será que o bebê sequer percebe que está ocorren- do uma comunicação? Para descobrir os relacionamentos entre uma palavra e seu referente, o bebê surdo precisa lembrar alguma coisa que acabou de observar e relacionar essa lembrança com outra ob- servação [...] o bebê surdo precisa fazer mais, precisa ‘descobrir’ os relacionamen- tos entre duas experiências visuais muito diferentes que estão deslocadas no tem- po. Essas e outras importantes considera- ções, eles acham, podem causar graves problemas de comunicação muito antes do desenvolvimento da linguagem. As crianças surdas filhas de pais surdos tem boas possibilidades de serem poupadas dessas dificuldades interacionais, pois os pais sabem muito bem, por sua pró- pria experiência, que toda comunicação e todos os jogos devem ser visuais e que a ‘conversa de bebê’, em particular, deve se realizar em termos visuais e gestuais. O corolário de tudo isso é que se a comuni- cação não se tornar significativa, afetará o crescimento intelectual, o intercambio social, o desenvolvimento da linguagem e as atitudes emocionais, tudo ao mesmo tempo, de forma simultânea e insepará- vel. Isso é o que normalmente acontece quando uma criança nasce surda. (SACKS, 1990, p. 79-80). Então, o que podemos depreender desse relato? É que as crianças surdas acabam por viver em um mundo diferente, muitas vezes sem que haja uma comunicação, e ela passa a tentar rea- lizar as conexões com o mundo ouvinte, mes- mo que este lhe forneça poucas pistas. Vygotsky aponta que a comunicação é a percepção de um mundo e essa percepção leva a um mundo con- ceitual. Ele fala de um “salto da sensação para o pensamento”; isso envolve não somente a fala, mas o tipo certo de fala, um diálogo rico em in- tenção comunicativa. Para que a criança possa realizar esse “salto” com sucesso, não importa essencialmente se a comu- nicação, o diálogo entre mãe e filho, é pela fala ou sinal, o que importa é a in- tenção comunicativa. Essa intenção pode estar na direção saudável de promover seu crescimento, autonomia e expansão da mente. Mas o uso de sinais torna clara- mente a comunicação mais fácil no início da vida, porque os bebês surdos espon- taneamente absorvem os sinais, mas não podem absorver a fala da mesma forma. (SACKS, 1990, p. 84). Vários estudos foram realizados nos últimos anos em relação à surdez e à aprendizagem da língua de sinais por surdos. Marcia Regina Zemella Luccas Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 18 A partir dos aspectos apontados, entende- -se que um surdo que tenha acesso à convivência com falantes de sua própria língua irá se desenvol- ver sem atrasos e dificuldades. Significa dizer que as crianças surdas possuem muito mais que um diagnóstico médico apontando uma “deficiência”, mas, na verdade, o que ocorre é um fenômeno cultural, no qual os padrões sociais, emocionais e linguísticos estão intrinsecamente ligados. Saiba maisSaiba mais McCleary (2000, p. 672-681) destaca: “Natissurdos, por não terem acesso ao som da fala, não podem adquirir a fala natural- mente, através dos processos com que toda criança adquire língua desde sua infância, na interação com falantes da língua, com o processamento cognitivo dos inputs lingüísticos auditivos. Quando aprendem a língua oral, o fazem através de um processo de ensino e treinamento mais artificial do que qualquer programa de ensino de língua estrangeira, e a língua que acabam falando carrega as marcas desse processo. O quadro ideal para o desenvolvimento lingüístico de uma criança surda é o de crescer dentro de uma família fluente em língua de sinais, para não sofrer nenhum atraso de aquisição de linguagem. Mas isso ocorre apenas com os cerca de 10% de surdos que nascem em famílias de surdos. A grande maioria de natissurdos nasce em famílias de pais ouvintes. No melhor dos cenários, os pais descobrem logo que o filho é surdo, começam a aprender língua de sinais para poderem se comunicar com o filho e colocam o filho em contato com surdos fluentes na língua. Isso raramente acontece. Na maioria dos casos, os pais não têm informações sobre a língua de sinais, ou, tendo, rejeitam-na por preconceito e por medo de o filho ser ‘diferente’ e excluído. Na pior das hipóteses, os pais rejeitam o filho e interagem mini- mamente com ele. Dessa forma, muitos surdos crescem até a idade escolar essencialmente sem língua, com apenas alguns sinais ‘caseiros’ (quan- do há), estabelecidos na comunicação com os familiares. Existem evidências de que esse atraso até o limite da ‘idade crítica’ de aquisição de linguagem (cerca de cinco anos) pode causar seqüelas lingüísticas, cognitivas e psicológicas. Por outro lado, crianças (surdas e ouvintes) expostas a uma língua de sinais nos primeiros anos de vida adquirem essa língua com tanta naturalidade, como acontece com frequência, então, que surdos começam a adquirir sua primeira língua já em idade escolar, ou até em idade mais avançada, quando começam a ter contato com outras pessoas surdas. Existem relatos de indivíduos surdos adultos que experimentam um ‘segundo nascimento’ ao descobrir o mundo surdo e sua língua totalmente acessível e expressiva.” Há dois tipos de surdos: • os Natissurdos pré-linguais: ficaram surdos antes de aprender a falar (têm muita dificul- dade em aprender a falar); • os Ensurdecidos ou pós-linguais: Ficaram surdos após terem adquirido a linguagem falada. Fonte: http://www.asgfsurdos.org.br/?page_id=17. CuriosidadeCuriosidade Libras Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br 19 2.1 Resumo do Capítulo Aprendemos neste capítulo sobre a história da língua de sinais, suas raízes e como ela se mantém até os dias atuais em nossa sociedade. Pudemos analisar o percurso realizado no Brasil, a criação da pri- meira escola para surdos e como ela era restrita em seu atendimento. Estudamos também a importância da comunicação e da interlocução na língua materna dos sur- dos, a língua de sinais (Libras), para que este sujeito possa ter um desenvolvimento cognitivo e linguístico significativo e equivalente aos das crianças ouvintes. 2.2 Atividades Propostas Responda às questões abaixo e verifique se você aprendeu. 1. Quem é a personagem histórica que modifica o percurso da educação dos surdos, passando a utilizar a linguagem gestual no ensino? 2. Complete: a) Em 1880 ocorre o _________________________ que modifica a educação dos surdos para o _______________. b) Hoje, o Brasil busca a metodologia ________________________ na educação dos surdos. 3. Os surdos, quando têm acesso na primeira infância à língua de sinais, terão um desenvolvi- mento similar aos ouvintes?
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