Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Teoria da História II Teoria da História II Rodrigo Simões Sumário 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX ...................1 2 Marxismo Posterior .............................................................17 3 Annales I E II Gerações .......................................................33 4 Annales III Geração ............................................................49 5 Annales IV Geração – História Cultural ...............................65 6 Neomarxismo Inglês ...........................................................81 7 Micro-história .....................................................................97 8 Nova História Política e História do Tempo Presente ..........113 9 Do Pós-estruturalismo à História Desconstrucionista ..........129 10 Do “Fim da História” à Historiografia Alemã Contemporânea .....................................................147 Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 2 Teoria da História II Historicismo e o positivismo O alvorecer do século XX apontava a permanência de um fa- zer histórico seguindo os preceitos dos modelos historicista e empírico-positivista, concepções que dominaram a historio- grafia da segunda metade do século XIX. Praticava-se uma história dos acontecimentos políticos, dedicada ao Estado, às guerras, aos grandes homens. De acordo com Glénisson (1977, p. 209), a história de en- tão pode ser qualificada como “positivista”, pois o positivismo aliado ao seu método experimental influenciou o pensamento daqueles historiadores. Mergulhados em documentos oficiais, ocupados em determinar os fatos históricos, os historiadores negavam a importância das questões econômicas e sociais. A história empírica rotulava-se científica. Seus seguidores defendiam que o historiador, limitado em seu campo de ação, deveria adquirir uma postura imparcial e de submissão aos documentos, pois assim seriam encontrados os fatos e desco- bertas as verdades. A intuição e os dados orais eram deixados de lado pelo historiador, assim, como afirma Tétart (2000, p. 100), ele, o historiador “[...] evita confrontar-se com as inde- terminações da história”. No início do século XX, o historiador científico se ocupará de outra face de sua disciplina: a história como pedagogia social. Figura importante nesse empreendimento foi Ernest La- visse (1842-1922), nascido na França, estudou na Alemanha. Sua meta sempre foi estreitar as relações entre ciência e pa- triotismo. Desenvolvendo uma história clássica, nacionalista e Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 3 positivista, Ernest Lavisse, atuou como “cidadão-pedagogo”, sempre procurando exaltar o civismo patriótico e o sentimento nacional. Tétart (2000, p. 102) observa o quanto fazer história em 1900 não é um ato neutro, pois “Formar bons cidadãos, bons eleitores e bons soldados que ‘amam seu fuzil’, é a divisa do trabalho emblemático de Lavisse”. Destaca-se a participação de Lavisse na Revue Historique: Ernest Lavisse faz parte da geração mais jovem de histo- riadores que aderiu ao movimento iniciado em 1876 por Gabriel Monod na Revue Historique. Nessa revista foram lançadas as bases da escola metódica francesa, também conhecida como escola positivista, sob cuja influência desenvolveu-se a maior parte da produção historiográfica do país entre 1880 e 1920. (KIRSCHNER, 2010, p. 355). Lavisse contribuiu para o progresso dos estudos históricos na França e também na formação e na profissionalização do historiador: “O professor orientava seus alunos nos princípios do rigor metodológico, das técnicas, da erudição e da objeti- vidade, ou seja, nos princípios da história-ciência”. (KIRSCH- NER, 2010, p. 359). Mas, nem tudo era historicismo e positivismo Não se pode concluir que os historiadores profissionais do início do século XX dedicavam-se integralmente à pesquisa e narrativa de acontecimentos políticos. As transformações eco- 4 Teoria da História II nômicas e sociais do século XIX permitiram que uma nova leva de historiadores se dedicasse a discutir os modos de condu- zir a história. A narrativa histórica voltada aos acontecimentos políticos fora contestada pela primeira vez na Europa durante o Iluminismo quando intelectuais de diversos países preocu- param-se com uma “história da sociedade”. (BURKE, 1992, p. 17). No entanto, o historicismo, movimento liderado por Ranke, com seu destaque nas fontes dos arquivos, marginali- zou a história sociocultural do século XVIII. No final do século XIX a supremacia da história política co- meçou a ser contestada com maior frequência, e já no início do século XX as críticas, principalmente à sua inflexibilidade, se tornaram tão fortes que a sua derrocada se tornou iminente. As primeiras décadas do novo século foram uma fase transitória, de passagem de uma história centrada no historicismo e no positivismo para uma história com um olhar voltado tanto para as questões econômicas quanto para as questões políticas. Assim, as censuras ao método positivista conduzem, aos poucos, ao surgimento de estudos voltados para a interdisci- plinaridade, proposta pelo contato da história com os temas e métodos utilizados pelas demais ciências humanas, que propi- ciaram um processo de alargamento de objetos e aperfeiçoa- mento metodológico. Esboçava-se assim, outro modo de fazer história. Na primeira década do século XX, o filósofo francês Émile Auguste Chartier (1868 – 1951), pseudônimo literário Alain, foi um incansável crítico da tradição historiográfica da escola metódica por esta limitar-se exclusivamente aos fatos. Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 5 Também foi nesse período que ocorreu a chamada “con- trovérsia de Lamprechet”, quando Karl Lamprechet, professor alemão, publica seu audacioso livro “Deutsche Geschichte” (História Alemã), compreendendo 13 volumes (1891-1908), por meio do qual opôs à história política a história cultural e a história econômica. Charles Péguy, intelectual da virada do século, imbuído de novas perspectivas, alerta para o fato de a história positivista não se ocupar do mais importante da história: “a diversidade das massas”. A propagação do movimento operário e socialista do final do século XIX na Europa aumentou a influência do marxismo sobre as ciências humanas, como aponta Moradiellos (1999, p. 43): En no poca medida, el atractivo y reto intelectual del marxismo provenía de su capacidade para dar cuenta global y racional del curso efectivo de los processos his- tóricos: las causas de las transformaciones en la estruc- tura económica, la modalidade de su conexión com los conflitos sociales y políticos coetâneos y la manera como ello se reflejaba y condicionaba el universo intelectual y cultural correspondiente. Aparecía así como un verda- dero modelo interpretativo para iniciar la investigación en la ciencias humanas, superando el agotamiento del modelo descriptivo empírico-positivista. Ainda segundo Moradiellos (1999), uma das mais claras influências do marxismo na historiografia pode ser verificada na cristalização de duas disciplinas históricas: história econô- 6 Teoria da História II mica e história social. A maior oposição que a história política vivenciou foi a história econômica. Sendo a história econômi- ca um corretivo ao modelo historiográfico rankeano (principal- mente a tese da compreensão hermenêutica de fatos singula- res, únicos e irrepetíveis). Após a I Guerra Mundial, a história sofrerá fortes críticas, em parte por estimular a exacerbação do nacionalismo. Pro- curando desviar da história concentrada na nação, historia- dores voltam suas pesquisas para uma história comparativa das civilizações. Nessa fuga da história política e nacional,a reconstrução da Europa no pós-guerra somada a Grande Depressão de 1929, emergem também as relações existentes entre política e economia. É nesse contexto que surge na França uma escola de historiadores da economia dedicados a pesquisas ino- vadoras a partir de 1906 com Paul Mantoux. Sua Ré- volution industrielle au XVIII siecle lança os fundamentos teóricos da história econômica. Nos anos 30, François Simiand (Recherches anciennes et nouvelles sur le mouve- ment general des prix du XVI au XIX siecle, 1932) e Henri Hauser (Recherches et documents sur l’historie des prix em France de 1500 à 1800, 1936), retomam a questão e educam gerações de estudantes na Sorbonne confor- me as categorias do pensamento econômico. Em 1927, cria-se para H. Hauser, que é sucedido por Marc Bloch em 1936, a primeira cadeira de história econômica na Sorbonne. (JABINET; PAULE, 2003, p. 116). Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 7 Henri Berr Henri Berr (1863-1954), filósofo francês que foi uma espécie de ancestral da Escola dos Annales, apesar de não ser historia- dor. Fundou em 1900 uma nova revista histórica com o título de Revista de Síntese Histórica (Revue de Synthése Historique). Provocando os preconceitos positivistas da época, a revista de Berr pretendia “[...] favorecer trocas fecundas que permitam ao historiador aproximar-se de uma problematização epistemoló- gica e prática da história, e desse modo ampliar se campo de pesquisa, diversificar seus instrumentos de análises”. (TÉTART, 2000, p. 107). Contrário a um discurso restrito à narração, ao lançar a Revista Síntese, Berr tinha o propósito de desafiar os excessos do historicismo e do positivismo reinantes na historiografia da época. A iniciativa de Berr desperta o interesse em participar da revista de colaboradores das mais variadas tendências, desde membros do stablishment universitário a jovens e pro- missores marginais: “[...] geógrafos cerram fileiras em torno de Paul Vidal de la Blache, sociólogos com Émile Durkheim, psi- cólogos com Henri Wallon, economistas, historiadores, enfim, e em particular Lucien Febvre e Marc Bloch”. (JABINET; PAULE, 2003, p. 116). Em 1911, Berr lança sua obra A Síntese em História, na qual revela seu conceito de “síntese”, tornando-o um expoente intelectual das primeiras décadas do século XX. A coleção “L’Évolution de l’humanité”, com a participação de autores das diferentes ciências humanas, é publicada em 8 Teoria da História II 1920 por iniciativa de Henri Berr. Cada obra da coleção con- tava com um extenso prefácio-síntese, situando cada livro no conjunto. O Centro internacional de Síntese – Fundação para a Ciência é criado em 1925. Através dessa empresa intelec- tual, Berr confere à história o papel de reunir e coordenar os trabalhos das demais ciências sociais, sua pretensão era tornar a história a “ciência das ciências”. No Centro Internacional de Síntese ocorriam as Semanas de Síntese, encontros voltados para a busca da razão crítica, que reuniam matemáticos, físi- cos, filósofos, sociólogos, biólogos e historiadores. Berr influenciou em larga escala os fundadores da Annales: Henri Berr comunicou-lhes o seu “estilo de pensamento” e a sua maneira de suscitar na inteligência universitária a necessidade de se reunir em torno da mesma concepção de trabalho científico. [...] Berr mobilizou a sua energia organizadora para re- novar as ciências humanas e foi um modelo para os inú- meros empreendimentos editoriais e as formas coletivas de vida científica que os Annales criaram. ( REIS, 2010, p. 414). Assim, muitos autores admitem Henri Berr como o “pai in- telectual dos Annales”, o que de certo modo faz sentido se pensarmos que ele foi o precursor em contrariar a “história historicizante” e em formular a necessidade de uma história total. Berr também foi pioneiro em destacar a importância da história explicativa e da “interdisciplinaridade”, defendendo a aproximação da história das ciências sociais. Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 9 Henri Pirenne O historiador belga Henri Pirenne (1862-1935) exerceu gran- de influência na historiografia contemporânea, sendo consi- derado um dos grandes historiadores do século XX. Utilizando o método comparativo, pensava a história como uma nar- rativa explicativa da evolução das sociedades humanas no passado. Renovando o método histórico, Pirenne desenvol- veu a reconstituição histórica das perspectivas das ciências humanas. Foi responsável por desenvolver a história social e econômica, sendo um dos primeiros a trabalhar com história das mentalidades. Voltando seus estudos para a Idade Média, Pirenne sobres- sai-se, principalmente, por três grandes contribuições para a história da Europa: sua conhecida Tese (Tese de Pirenne), que diz respeito às origens da Idade Média; por apresentar uma visão particular sobre a história medieval da Bélgica; e, por ter desenvolvido seu modelo de desenvolvimento da cidade medieval. A Tese de Pirenne – A tese está presente na obra Maomé e Carlos Magno, uma reinterpretação a respeito do início e da duração da Idade Média. Pirenne recusa o entendimento co- mum de que a Idade Média teria se iniciado com a queda do Império Romano, já que os bárbaros que o dominaram ao in- vés de destrui-lo romanizaram-se se aproveitando de sua eco- nomia e cultura. O historiador aceita o ano de 711, a invasão muçulmana da Península Ibérica, como o mais conveniente para o início da Idade Média. 10 Teoria da História II Suas obras foram consideradas por Marc Bloch como clás- sicos da historiografia, as mais importantes foram: Histoire de Belgique (1902); Les villes du Moyen-Age, essai d’histoire économique et sociale (1927); e, Mahomet et Charlemagne (1935). Johan Huizinga O historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945) dedicou- -se à pesquisa sobre a Baixa Idade Média, o Renascimento e a Reforma. Desenvolvendo uma profunda análise dos acon- tecimentos que somada à excelência literária fazem o autor figurar entre os grandes nomes da historiografia do início do século XX. Huizinga é visto como um historiador da cultura que se de- dicou a combater os regimes totalitários, o amesquinhamen- to da cultura contemporânea, a brutalidade, o racismo: “No caso de Huizinga, isso significou pensar os problemas da cul- tura como indissoluvelmente ligados aos problemas da política [...]”. (PAULA, 2005, p. 143). O Johan Huizinga também se dedicou a pesquisar sobre a história econômica, produziu importante estudo em sua mono- grafia publicada em 1905, A Origem da Cidade de Haarlem. O outono da Idade Média, publicado em 1919, é reco- nhecido como seu principal estudo, tal obra colocou-o entre os precursores da história das mentalidades. Introduzindo um novo modo de usar as fontes e dando espaço para a interdis- Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 11 ciplinaridade, O outono da Idade Média é um grande clás- sico da historiografia ocidental. O autor traz a Idade Média de forma viva e colorida, apresentada na plenitude de seus contrastes. Huizinga foi um dos primeiros a tratar uma questão central da historiografia, a interdição do anacronismo, em um texto do ano de 1929, dizia ele: “La historia se distingue de estas otras formas do espiritu en que se proyeta sobre el pasado y solamente sobre el pasado. Pretende comprender el mundo en el pasado y a través de él”. (HUIZINGA, 1980, p. 92). Ficou preso pelo exército nazista de 1942 até sua morte em 1945. Entre suas obras mais conhecidas estão também: Homem e massa na América (1918); Erasmo de Roterdã (1924); A tarefa da História Cultura (1929); Nas sombras do amanhã (1935); Homo Ludens (1938); Um mundo em ruínas: considerações sobre as possibilidades de reconstruir nossacivilização. Referências BURKE, Peter. A Revolução francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989. 2ª. ed. São Paulo: Editora Uni- versidade Estadual Paulista, 1992. GLÉNISSON, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1977. 12 Teoria da História II HUIZINGA, Johan. El concepto de la historia. 3ª ed. Tradução espanhola. México: F.C.E., 1980. JABINET, Caire; PAULE, Marie. Introdução à historiografia. São Paulo: Edusc, 2003. KIRSCHNER, Tereza Cristina. Lavisse, Do determinismo histó- rico e geográfico. In: Lições de História. O caminho da ciência no longo século XIX. Rio de Janeiro: FGV, 2010. p. 353-374. MORADIELLOS, Enrique. El oficio de historiador. 3ª. ed. Ma- drid: Siglo XXI, 1999. PAULA, João Antônio de. Lembrar Huizinga: 1872-1945. Nova Economia. Belo Horizonte. V.15, n.1. jan.-abr. 2005. p. 141-148. REIS, José Carlos. Berr, Erudição, filosofia da história e síntese. In: Lições de História. O caminho da ciência no longo sé- culo XIX. Rio de Janeiro: FGV, 2010. p. 413-432. TÉTART, Philippe. Pequena história dos historiadores. São Pau- lo: Edusc, 2000. Atividades 1. Marque V (verdadeiro) ou F (falso) para as afirmações abaixo: ( ) O início do século XX foi marcado por uma ruptura no fazer histórico, na qual os preceitos dos modelos histori- Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 13 cista e empírico-positivista passaram a ser condenados no meio historiográfico. ( ) O início do século XX vivenciou uma prática de fazer a história dos acontecimentos políticos, dedicada ao Estado, às guerras, aos grandes homens. ( ) A história positivista do início do século XX permitia que os historiadores trabalhassem mergulhados em documen- tos oficiais, ocupados em determinar os fatos históricos, não descuidando da importância das questões econômi- cas e sociais. ( ) Na história positivista, a intuição e os dados orais têm papel fundamental no trabalho do historiador. ( ) O estudioso Ernest Lavisse censurava inteiramente as relações entre ciência e patriotismo. A alternativa que contém a sequencia correta de V-F é: a) V – F – F – V – F. b) F – V – V – F – V. c) F – V – F – F – F. d) V – F – F – V – F. e) F – F – V – F – V. 14 Teoria da História II 2. Assinale a alternativa que apresenta informações in- corretas a respeito do historicismo e positivismo. a) s transformações econômicas e sociais do século XIX permitiram que uma nova leva de historiadores se de- dicassem a discutir os modos de conduzir a história. b) A narrativa histórica voltada aos acontecimentos políticos fora contestada pela primeira vez na Europa durante a Reforma Protestante, quando intelectuais de diversos paí- ses preocuparam-se com uma “história da sociedade”. c) O historicismo, movimento liderado por Ranke, com seu destaque nas fontes dos arquivos, marginalizou a história sociocultural do século XVIII. d) No final do século XIX a supremacia da história política começou a ser contestada com maior frequência, e já no início do século XX as críticas, principalmente à sua inflexibilidade, se tornaram tão fortes que a sua derro- cada se tornou iminente. e) A maior oposição que a história política vivenciou foi a história econômica. 3. Leia as afirmações abaixo. I Henri Berr fundou em 1900 uma nova revista histórica com o título de Revista de Síntese Histórica (Revue de Synthése Historique). II Henri Berr tinha o propósito de desafiar os excessos do historicismo e do positivismo reinantes na historiogra- fia do início do século XX. Capítulo 1 Panorama Historiográfico no Início do Século XX 15 III Em 1911, Berr lança sua obra A Síntese em História, na qual revela seu conceito de “síntese”, tornando-o um expoente intelectual das primeiras décadas do sé- culo XX. Estão corretas as afirmações: a) Apenas as afirmações I e II. b) Apenas as afirmações I e III. c) Apenas as afirmações II e III. d) Todas as afirmações. e) Nenhuma das afirmações. 4. Sobre o historiador belga Henri Pirenne podemos afirmar corretamente que: a) Henri Pirenne exerceu grande influência na historio- grafia moderna, sendo considerado um dos grandes historiadores do século XVIII. b) Pirenne provocou uma estagnação no método históri- co, freando a reconstituição histórica das perspectivas das ciências humanas. c) Henri Pirenne destaca-se, principalmente, por três grandes contribuições para a história da Europa: sua conhecida Tese (Tese de Pirenne), que diz respeito às origens da Idade Moderna; por apresentar uma visão particular sobre a história medieval da França; e, por ter desenvolvido seu modelo de desenvolvimento da cidade moderna. 16 Teoria da História II d Pirenne aceita o entendimento comum de que a Idade Média teria se iniciado com a queda do Império Ro- mano, já que os bárbaros que o dominaram ao invés de destrui-lo romanizaram-se se aproveitando de sua economia e cultura. e) O historiador aceita o ano de 711, a invasão muçul- mana da Península Ibérica, como o mais conveniente para o início da Idade Média. 5. A respeito do historiador holandês Johan Huizinga podemos afirmar que: a) Dedicou-se à pesquisa sobre a Alta Idade Média, o Renascimento e o Iluminismo. b) Dedicou-se à pesquisa sobre a Baixa Idade Média, o Renascimento e a Reforma. c) Huizinga é visto como um historiador da economia que se dedicou a combater os regimes totalitários, o amesquinhamento da cultura contemporânea, a bru- talidade, e a favor racismo. d) Huizinga é visto como um historiador da política que se dedicou a apoiar os regimes totalitários, o amesqui- nhamento da cultura contemporânea, a brutalidade, o racismo. e) Huizinga é visto como um historiador da cultura que se dedicou a apoiar os regimes totalitários, o amesqui- nhamento da cultura contemporânea, a brutalidade, o racismo. Rodrigo Simões Capítulo 2 Marxismo Posterior 18 Teoria da História II Tendências do Marxismo no século XX As primeiras décadas do século XX compõem um período de grandes transformações políticas, sociais e econômicas em toda a Europa. Como principais fatos deste início de século têm-se a primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a Cri- se de 1929, o Período Entreguerras, a ascensão dos regimes totalitários e a deflagração da segunda Guerra Mundial. Não alheios a isso os escritores marxistas são influenciados direta- mente por tais acontecimentos. Após a revolução socialista na Rússia, a união de várias repúblicas soviéticas em 1922 originou um estado socialista, a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), comanda- do pelo Partido Comunista. A URSS configurou-se, na primei- ra metade do século, como uma grande potência europeia: “Enormemente fortalecida em poder e prestígio internacionais, a URSS se tornara senhora do destino da Europa Oriental [...]. Um ‘campo socialista’ integrado agora cobria metade do con- tinente”. (ANDERSON, p. 43, 1999). Surge, em meio a esse contexto, uma metamorfose na te- oria revolucionária marxista. A partir de então, o materialismo histórico passa a ter uma configuração totalmente nova. No entanto, essa transformação não acontece de forma rápida, muito menos de um modo simples. Entre os teóricos que se dedicaram a esse trabalho, desta- cam-se: Lukács, Gramsci, Benjamin, Lefebvre, Adorno e Althus- ser. Com exceção de Lukács, todos esses autores provinham do oeste europeu. Com isso não surpreende saber que, da Capítulo 2 Marxismo Posterior 19 década de vinte em diante, o marxismo europeu condensou-se na Alemanha, França e Itália. Esses países apresentavam um partido comunista de massas, apoiado pelos trabalhadores, e uma classe intelectual abundante e radical. Anderson (1999)aponta como a primeira e principal carac- terística desse “marxismo ocidental” a sua separação estrutural com a prática política. Porém, não se pode esquecer que dois eminentes teóricos dessa geração atuaram como importantes líderes políticos em seus partidos: Lukács e Gramsci. Na Alemanha, nos anos vinte, o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. apontava as profundas mudanças que estavam para acontecer, pois: Embora sua concepção como um centro acadêmico de pesquisa marxista dentro de um Estado capitalista fosse um novo ponto de partida na história do marxismo – im- plicando um desvinculamento institucional da política, que Rosa Luxemburgo, por exemplo, jamais teria aceito antes da guerra -, o Instituto dedicou-se ao longo da década de vinte a problemas tradicionais do movimento operário, unindo trabalho empírico sólido e análise teó- rica séria. (ANDERSON, 1999, p. 51). Com a chegada ao poder dos nazistas em 1933 o Instituto Frankfurt entrou em um período de isolamento, até sua transfe- rência em 1934 para os Estados Unidos, quando foi integrado pela Columbia University, de Nova York, a partir de então, ini- ciou-se um processo de afastamento da política. Regressando à Alemanha em 1949-50 o Instituto não conseguiu recuperar sua função social de antes da mudança para a América. 20 Teoria da História II Até a vitória do nazismo a Alemanha foi a única nação europeia, além da Rússia, a possuir um partido comunista de massas. Atrás da Alemanha chegou a França, apresentando um movimento comunista durante o período da Frente Popu- lar1. Foi apenas em 1928 que o Partido Comunista Francês abrigou um grupo de jovens intelectuais interessados no mar- xismo. Nesse grupo estavam, entre outros, Lefebvre, Politizer e Friedmann. Nesse momento, os partidos atuavam em um es- paço reduzido, com restrições políticas em seus trabalhos teó- ricos, já que “[...] todas as questões centrais referentes a análi- se do desenvolvimento capitalista e ao comportamento da luta de classes era atribuição exclusiva do Comintern, na Rússia [...]”. (ANDERSON, 1999, p. 56). Com a ocupação nazista de 1940-44 o marxismo encontrou as condições necessárias para sua generalização como corrente teórica na França. Após a guerra o Partido Comunista Francês se fortaleceu e conquistou a supremacia no interior da classe trabalhadora francesa. Lukács Gyorgy Lukács (1885-1971) foi um filósofo húngaro que pri- meiramente sofreu influências teóricas de Kant, seguido por Hegel até aderir ao marxismo. Entre os anos de 1919 e 1929, 1 A Frente Popular da França: coligação política de socialistas, comunistas e radicais. Formada em Dezembro de 1935, ganhou as eleições parlamen- tares de Maio de 1936 sendo eleito primeiro ministro Léon Blum. Manteve- -se no poder até 1938. Capítulo 2 Marxismo Posterior 21 Lukács atuou como um dos líderes do movimento comunista húngaro chegando ao cargo de Secretário Geral. A importância de Lukács para o meio intelectual deve-se, sobretudo por este ser representante do marxismo ocidental e pela sua defesa à Frente Popular. Bottomore (2001) divide o período marxista de Lukács em cinco fases de atividade política e teórica, são elas: 1ª) 1919-1929: participação intensa de Lukács na luta política. Escreve as Teses de Blum (1928). 2ª) 1930-1945: com a rejeição das Teses de Blum, Lukács abandona a militância política ativa. 3ª) 1945-1949: participação intensa em atividades cul- turais e políticas. Atacado por ideólogos do partido, Lukács retira-se para dedicar-se a estudos filosóficos. 4ª) 1950-1956: inicia trabalhos de síntese, entre os quais: A destruição da razão e A particularidade como cate- goria estética. 5ª) 1957-1971: dedica-se a escrever duas sínteses maci- ças: A natureza específica da estética e Para uma onto- logia do ser social. Gramsci Antônio Gramsci (1891-1937) foi um filósofo e político italia- no. Considerado um dos mais importantes pensadores comu- 22 Teoria da História II nistas da Europa, principalmente por propor uma renovação dos conceitos do marxismo. Em vida, foi frequentador assíduo e ativo de círculos comunistas, inclusive foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano em 1921. Vítima do regime fas- cista de Mussolini foi preso pela polícia italiana, em Roma, em 1926. Permaneceu na prisão por nove anos, vindo a falecer logo após ter sido libertado em 1937. Na obra de Gramsci é clara a sua rejeição a um entendi- mento mecanicista do marxismo. No entanto, o autor persiste em fazer uso da categoria de necessidade. De acordo com Badaloni (1978, p. 28) “A sua tese fundamental é a de que ‘é preciso fazer liberdade do que é ‘necessário’’ e que exatamen- te por isto ‘deve-se reconhecer uma necessidade ‘objetiva’’, e acrescenta que esta objetividade é tal ‘precisamente para o grupo de que se fala’”. Ainda segundo Badaloni (1978, p. 30) “A crítica gramsciana da política tende assim a desenvolver como ciência e como iniciativa tudo o que a realidade estrutu- ral revela como necessidade”. Gramsci figura entre os poucos estudiosos marxistas a se dedicarem ao estudo da cultura e da participação dos intelec- tuais na sociedade. Um exemplo é Os intelectuais e a orga- nização da cultura. Na obra o autor propõe uma análise da formação dos intelectuais e também sobre a organização da escola e da cultura. Gramsci entende a escola como instru- mento para preparar os intelectuais de diversos níveis: A complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das es- Capítulo 2 Marxismo Posterior 23 colas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a “área” escolar e quanto mais nume- rosos forem os “graus verticais” da escola, tanto mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado. (GRAMSCI, p. 12). Manacorda observa que para Gramsci é preciso educar com a finalidade de construção de uma vida (individual e co- letiva) de modo sóbrio, com o mínimo de esforço e o máximo de rendimento: Assim, Gramsci coordena ética com produtividade (não a nível dos homens como indivíduos, mas dos homens como um complexo social!), sobriedade e disciplina com economia e rendimento, formação do homem e traba- lho (aquele trabalho que é a relação do homem com a natureza, que insere a ordem social na ordem natural). (MANACORDA, 1990, p. 207). Em Concepção dialética da história, Gramsci aponta para o fato de que a experiência científica é a primeira célula do novo modo de união ativa entre o homem e a natureza: “O cientista-experimentador é também um operário, não um puro pensador: o seu pensar é continuamente controlado pela prá- tica e vice-versa, até que se forma a unidade perfeita da teoria e da prática”. (GRAMSCI, 1978, p. 171). Em sua obra, destacam-se: Escritos Políticos, Cartas do Cárcere, Cadernos do Cárcere, Maquiavel, a política e o Es- tado moderno, Literatura e vida nacional, Concepção dialética da história e Os intelectuais e a organização da cultura. 24 Teoria da História II Walter Benjamin O alemão de família judaica Walter Benjamin (1982-1940) foi associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica. Seus textos permearam os mais diferentes estilos: desde história, ao drama trágico e romantismo. Sua obra, uma vastidão de ideias sobre a modernidade, é uma importante contribuição especialmente para a teoria estética. Seu pensamento sofreu forte influên- cia do místico judaico Gershom Scholem e de marxistas como Brecht e Lukács, e foi fundamentado na concepção kantiana de crítica como um modo de reflexão estética e política. Em Benjamin, há uma tentativa de conciliar marxismo com uma versão da teologia judaica, sendo assim: [...] o elemento marxista fornecendo uma análise clínica da realidade do capitalismo e ateologia judaica forne- cendo uma explicação de como uma tradição foi incor- porada na mais desencarnada das formações culturais. (LECHTE, 2002, p. 230). Seu ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade mecânica apresenta uma análise de uma mudança fundamen- tal na qualidade estética da obra de arte, embora também seja uma análise política da reprodução da obra de arte. O texto permite percebermos que “[...] a aura de autenticidade da obra de arte feneceu por sua característica de ser reprodu- zível, a percepção dos sentidos altera-se juntamente com todo o modo de existência da humanidade”. (LECHTE, 2002, p. 228). Para Bejamin é o próprio processo de reprodução que é revolucionário. Capítulo 2 Marxismo Posterior 25 Seus principais escritos foram: A obra de arte na era da sua reprodutibilidade mecânica; Teses sobre o conceito de História; Paris, capital do século XIX. Lefebvre O francês George Lefebvre (1874-1959) foi um historiador de esquerda especialista em Revolução Francesa. Aderiu ao so- cialismo, com especial atenção ao Partido Operário Francês. Sem adotar todos os pontos de vista de Marx, frisou na fecun- didade do pensamento marxista como método de pesquisa. Não se contentava em ver nele uma interpretação econômica da história; insistia cada vez mais no aspecto dialético da evo- lução das sociedades, vendo na análise das contradições do movimento histórico um dos elementos essenciais da pesquisa. Em sua obra, a luta de classes não encobre a ação dos ho- mens, chamando atenção para os nomes de destaque durante o processo revolucionário, contudo, nenhum deles se impõe ao ponto de simbolizar a Revolução. Essa continua sendo obra coletiva do terceiro Estado. Lefebvre foi um dos grandes descobridores das novas fontes a que aprendemos a recorrer, fiscais, cadastrais, tal como ve- mos surgir em seus estudos de história agrária, quantificadas. Soube unir magistralmente dois extremos: voltar-se para uma história-problema, ao mesmo tempo em que apresentou no livro 1789 – O surgimento da revolução francesa um exem- plo de síntese bem sucedida. Essa obra reflete uma tríplice 26 Teoria da História II influência: do marxismo, da ideologia republicana e do méto- do positivista. Nela, o autor deu uma demonstração insuperá- vel daquilo que a Escola dos Annales chamaria mais tarde de “história problema”, apresentando também uma das primeiras grandes obras da história das mentalidades. Ao longo do tempo o interesse pela Revolução Francesa o arrebatou, Lefebvre via nessa vocação o fruto da educação republicana e “moderna” que havia recebido no ensino médio da escola pública. Acreditava que a história da Revolução e dos seus grandes homens deveria ser uma escola de democra- cia, a luta por um mundo melhor. Principais obras do autor: 1789 – O surgimento da Revo- lução Francesa; O nascimento da moderna historiografia; O grande medo de 1789: os camponeses e a Revolução Francesa. Adorno O filósofo e sociólogo alemão Theodor Adorno (1903-1969) foi um dos expoentes da Escola de Frankfurt. Sua obra foi in- fluenciada por Lukács e por Benjamin. Antecipando aspectos do pós-modernismo e do pós-estruturalismo, Adorno desen- volveu uma das filosofias mais complexas do século XX, basea- da na perspectiva da dialética. Entendendo a ciência moderna como positivista ao extremo, Adorno pretendia desenvolver um pensamento dialético rejeitando a mesma. O autor se dedicou a estudar o mundo das aparências como um mundo de rela- tivismo e ilusões: Capítulo 2 Marxismo Posterior 27 Adorno conserva – embora mais em suas obras de crí- tica cultural do que em sua filosofia – a distinção entre “essência” e “aparência” (uma distinção rejeitada pelo pensamento francês contemporâneo de inspiração pós- -estruturalista) para rejeitar a natureza superficial da aparência na sociedade capitalista moderna. (LECHTE, 2002, p. 200). Adorno era um entusiasta da arte de vanguarda, ambicio- nava ver estas obras romperem com os efeitos homogeneizan- tes da comercialização: “Existe, pois, um desejo em Adorno de preservar a santidade, como se fosse, da subjetividade in- corporada no objeto de arte contra o massacre do mercado, onde valor é equiparado a preço”. (LECHTE, 2000, p. 202). Suas principais obras foram: Kierkegaard: a construção do estético; A ideia de historia natural; Dialética do esclarecimen- to; Dialética negativa; Teoria estética. Althuser Nascido na Argélia, o filósofo Louis Althusser (1918-1990) foi responsável por uma transformação intelectual no Partido Comunista Francês. Foi prisioneiro dos alemães durante a Se- gunda Guerra. Seus trabalhos ganharam projeção entre 1960 e 1965, com a publicação dos artigos em A Favor de Marx, destacando-se como um grande teórico marxista de inclinação estruturalista. Sua notoriedade deve-se, em grande parte, ao seu “anti-humanismo”: 28 Teoria da História II Argumentando contra a ideia de que indivíduos eram, em qualquer sentido, anteriores às condições sociais e conceitualizando a sociedade como um todo estruturado consistindo em níveis relativamente autônomos (o legal, o cultural, o político etc.) cujo modo de articulação, ou “efetividade”, é determinado “em última instância” pela economia, Althusser chocou muitos dentro e fora do mar- xismo. [...] foi-se o tempo do autor individual produzindo conscientemente a relação social imposta pela estrutura: em vez disso cada sujeito se torna um agente do sistema. (LECHTE, 2002, p. 51). Na obra Ler o Capital, desenvolve uma leitura aprofundada do texto de Marx apontando o modo através do qual Marx es- tabeleceu uma revolução teórica fundamentada em um objeto totalmente novo: o modo de produção. Para Althusser, “[...] isso se torna a estrutura invisível da articulação dos elemen- tos do todo social; ela não mais pertence à problemática que forma a filosofia e Hegel e a economia política clássica”. (LE- CHTE, 2002, p. 52). Referências ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ociden- tal. São Paulo: Brasiliense, 1999. BADALONI, Nicola. Liberdade individual e homem coletivo em Antonio Gramsci. In: Política e historia em Gramsci. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1978. Capítulo 2 Marxismo Posterior 29 BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 2ª ed. Rio e Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultu- ra. São Paulo: Círculo do livro. LECHTE, John. Cinquenta pensadores contemporâneos essen- ciais: do estruturalismo à pós-modernidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002. MANACORDA, Mario A. O Princípio educativo em Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. Atividades 1. Marque V (verdadeiro) ou F (falso) para as afirmações abaixo: ( )As primeiras décadas do século XX compõem um pe- ríodo de grandes transformações políticas, sociais e eco- nômicas em toda a Europa. Os escritores marxistas foram influenciados diretamente por tais transformações. ( ) Em meio ao surgimento da URSS ocorre uma metamor- fose na teoria revolucionária marxista. ( ) A partir da década de 1950, o marxismo europeu con- densou-se na Alemanha, França e Espanha. 30 Teoria da História II ( ) Com a ocupação nazista de 1940-44 o marxismo en- controu as condições necessárias para sua generalização como corrente teórica na URSS. a) V – F – F – F. b) F – V – F – F. c) V – V – V – F. d) V – V – F – F. e) V – V – F – V. 2. A respeito do filósofo húngaro Gyorgy Lukács pode- mos afirmar que: a) Lukács foi influenciado teoricamente por Althusser se- guido por Comte até aderir ao marxismo. b) O período marxista de Lukács pode ser divido em três fases de atividade econômicae teórica. c) No período de 1950-1956, Lukács inicia trabalhos de síntese, entre os quais: A natureza específica da estéti- ca e Para uma ontologia do ser social. d) A importância de Lukács para o meio intelectual deve- -se sobretudo por este ser representante do marxismo ocidental e pela sua defesa à Frente Popular. e) No período de 1957-1971, Lukács dedica-se a escre- ver duas sínteses maciças: A destruição da razão e A particularidade como categoria estética. Capítulo 2 Marxismo Posterior 31 3. Sobre Antônio Gramsci, filósofo e político italiano, é incorreto afirmar que: a) Em vida, foi frequentador assíduo e ativo de círculos comunistas, inclusive foi um dos fundadores do Partido Comunista Alemão em 1921. b) Na obra de Gramsci é clara a sua rejeição a um en- tendimento mecanicista do marxismo. c) Gramsci figura entre os poucos estudiosos marxistas a se dedicarem ao estudo da cultura e da participação dos intelectuais na sociedade. d) Em Concepção dialética da história, Gramsci aponta para o fato de que a experiência científica é a primeira célula do novo modo de união ativa entre o homem e a natureza. e) Gramsci é considerado um dos mais importantes pen- sadores comunistas da Europa, principalmente por propor uma renovação dos conceitos do marxismo. 4. George Lefebvre foi um historiador francês. A respei- to de sua atividade política e intelectual é correto afir- mar que: a) Lefebvre foi um historiador de direita especialista em Revolução Francesa. b) Lefebvre aderiu ao socialismo, com especial atenção ao Partido Republicano Francês. 32 Teoria da História II c Lefebvre não adotou todos os pontos de vista de Marx, frisou na fecundidade do pensamento marxista como método de pesquisa. d) Na obra de Lefebvre, a luta de classes encobre a ação dos homens. e) Lefebvre acreditava que acreditava que a história da Revolução Inglesa e dos seus grandes homens deveria ser uma escola de democracia, a luta por um mundo melhor. 5. A respeito da filosofia desenvolvida por Adorno é cor- reto afirmar que: a) Adorno desenvolveu uma das filosofias mais comple- xas do século XX, baseada na perspectiva capitalista. b) Adorno desenvolveu uma das filosofias mais comple- xas do século XX, baseada na perspectiva positivista. c) Adorno desenvolveu uma das filosofias mais comple- xas do século XX, baseada na perspectiva nacionalista. d) Adorno desenvolveu uma das filosofias mais comple- xas do século XX, baseada na perspectiva liberal. e) Adorno desenvolveu uma das filosofias mais comple- xas do século XX, baseada na perspectiva da dialética. Rodrigo Simões Capítulo 3 Annales I E II Gerações 34 Teoria da História II Lucien Febvre e Marc Bloch A primeira geração dos Annales foi liderada por Lucien Febvre e por Marc Bloch, Febvre era especializado em estudos do século XVI, enquanto Bloch foi um pesquisador dedicado à Idade Média. Mesmo pesquisado temas bem diferenciados, os dois historiadores concordavam em muitos aspectos, como, por exemplo, no entendimento de que o conhecimento do pre- sente é de fundamental importância para a história. Lucien Febvre foi estudar na Escola Normal Superior em 1897. Admirador de Michelet e Jean Jaurès, Febvre também se destacou pela sua característica de introdução geográfica: “O interesse de Febvre pela geografia histórica era suficien- temente grande para publicar, sob o incentivo de Henri Berr, um estudo geral sobre o assunto com o título de La terre et l’évolution humaine”. (BURKE, 1992, p. 25). Marc Bloch também foi aluno da Escola Normal. Dedicou seus estudos à história medieval, tendo sua obra sofrido gran- de influência da sociologia de Émile Durkheim. Tanto Febvre quanto Bloch desenvolviam estudos de uma forma interdisciplinar. Quando os dois foram nomeados para a Universidade de Estrasburgo, tornaram-se amigos e parcei- ros de trabalho com salas contíguas, os encontros deles foram diários de 1920 a 1933. Nesse momento, merece destaque a obra de Bloch, Les Rois Thaumaturges, editada em 1924. Nela, ao desenvolver uma análise da ideia de monarquia, o autor abordou a história das mentalidades, a sociologia histó- rica, a sociologia do conhecimento e a história comparativa. Capítulo 3 Annales I E II Gerações 35 Após finalizar seu projeto de geografia histórica, Febvre voltou-se para estudos de atitudes coletivas, ou “psicologia histórica”. Dedicando-se até sua morte à história do Renasci- mento e da Reforma. Febvre e Bloch, ambos encantados pelos fenômenos espi- rituais na história e pela psicologia coletiva, foram os respon- sáveis pela abertura dos caminhos para um novo domínio da historia, a história das mentalidades. Com Febvre se dedican- do a dois enfoques principais: a noção de sensibilidade e a de aparelhagem mental. Outros historiadores, tais como Georges Duby, Roger Chartier, Robert Mandrou e Jacques Le Goff, fo- ram sucessores de Febvre em desenvolver pesquisas voltadas à historia das mentalidades. O próprio Le Goff salienta a im- portância desse domínio historiográfico. Para o autor a história das mentalidades “[...] é uma das que mais agitaram, nestes últimos anos, o campo da história e trouxeram, especialmente para a história econômica, um contrapeso desejado. As men- talidades deram oxigênio à história.” (LE GOFF, 1995, p. 49). A criação dos Annales Os resultados da Primeira Grande Guerra refletiram-se tam- bém no campo do conhecimento. Ambicionando a libertação de sua ciência, muitos historiadores, que recusavam o positi- vismo, passaram a priorizar a economia em seus estudos. Tra- balhos de Henri Hauser e Ernest Labrousse abriram caminho para sucessores de peso, que iriam transformar a historiografia de então. 36 Teoria da História II Assim, uma revolução no universo científico e no trabalho do historiador ocorre no final da década de 1920 quando surge a escola dos “Annales”. Com o título original de Annales d’histoire économique et sociale, a revista fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre, em 1929, desde sua origem preten- deu ser uma referência intelectual no que concernia à histó- ria social e econômica: “Seria o porta-voz, melhor dizendo, o alto-falante de difusão dos apelos dos editores em favor de abordagem nova e interdisciplinar da história”. (BURKE, 1992, p. 33). Romper as barreiras disciplinares, poder dialogar com outras ciências, eis uma das principais motivações de Bloch e Febvre ao lançar a nova revista. O próprio título da revista já apontava as direções a serem seguidas: “história econômica” e “história social”. Com o “econômico” e o “social” buscava- -se abranger dois domínios que cada vez mais se acentuavam na vida dos povos, e que estavam deixados de lado pela his- tória tradicional. Propondo uma ruptura com a escola metódica que os for- mou, Febvre e Bloch rejeitam o conservantismo. Desse modo, o surgimento dos Annales, além de ser objeto de poder, é tam- bém elemento de uma geração intelectual, pois “Trata-se de defender uma liberdade nova e de dar fim ao ‘velho ídolo da história política factual’”. (TÉTART, 2000, p. 109). Daí em diante a superioridade das elites passa a ser negada juntamen- te com a prioridade do acontecimento. Para colocar em prática tal empreendimento, além de his- toriadores, o comitê editorial da revista era composto também por geógrafo, sociólogo, economista e cientista político. Capítulo 3 Annales I E II Gerações 37 Desde sua fundação até os dez anos que a sucederam, os Annales tiveram como principal inimigo a história política. De acordo com Le Goff, a luta dos Annales era contra: Essa história política que é, por um lado, uma história- -narrativa e, por outro, uma história de acontecimentos, uma história fatual, teatro de aparências que mascara o verdadeiro jogo da história,que se desenrola nos basti- dores e nas estruturas ocultas, em que é preciso ir detec- tá-lo, analisá-lo, explicá-lo. (1995, p. 31). Os Annales se posicionaram na recusa de uma história su- perficial e simplista, defendendo o fazer uma história profunda e total. (LE GOFF, 1995, p. 31). Então, tudo passou a ser objeto de estudo e problema da história. O conhecimento do passado e do presente exigiu como tarefa do historiador falar da espessura e do tempo so- cial, de seu movimento: Daí a atenção dos “Annales” para com todas as fontes que trazem ensinamentos sobre a história do cotidiano, da civilização material, das crenças, em suma, de tudo o que faz a sedimentação de uma cultura, de uma eco- nomia, de uma sociedade num dado tempo, num dado período. (TÉTART, 200, p. 111). Embora Febvre e Bloch não se interessassem por historia- dores e filósofos estudiosos da sociologia do conhecimento, Gurriêvitch constata que os dois concluíram algo de excepcio- nal importância para a investigação histórica: 38 Teoria da História II O historiador deve procurar descobrir aqueles procedi- mentos do pensamento, aqueles modos de conceber o mundo e os hábitos da consciência que sejam próprios dos homens de uma dada época e dos quais esses mesmos homens possam não fazer uma ideia clara, aplicando-os meio “automaticamente”, sem refletir sobre eles e por isso sem submetê-los a uma crítica. (2003, p. 12). A partir desse novo enfoque, à pesquisa histórica abriram- -se novas portas, oferecendo novas perspectivas ao estudo do passado. Febvre e Bloch entendiam que a Ciência Histórica necessita ser a ciência das mudanças, a ciência do homem. Porém, para Febvre, o homem em investigação é o homem na civilização, para Bloch, é o homem em sociedade. (GURRIÊVITCH, 2003, p. 83). Contribuições históricas de Marc Bloch e Lucien Febvre depois da criação dos Annales Após a criação dos Annales Bloch se propõe a direcionar sua carreira para um viés sociológico no qual há necessidade da análise dos diferentes fenômenos pertencentes a uma época, em seus vínculos mútuos e condicionamentos, na busca tanto do particular quanto do geral, “Bloch é estranho a quaisquer juízos de valor”. (GURRIÊVITCH, 2003, p. 82). Capítulo 3 Annales I E II Gerações 39 Febvre deixou Estrasburgo em 1933, assumindo uma cáte- dra no Collège de France; Bloch, em 1936, foi para a Sorbon- ne. As transferências dos líderes fundadores dos Annales para Paris e a indicação de Febvre para a presidência do comitê organizador da Encyclopédie Française mostrou o êxito alcan- çado pela revista. A deflagração da Segunda Guerra Mundial em 1939 tra- vou o desenvolvimento da Escola dos Annales. Bloch alistou- -se no exército francês. Com a derrota de seu país retornou às suas pesquisas acadêmicas. Engajado na Resistência foi capturado e fuzilado pelos alemães em 1944. As principais obras do autor foram: Os reis Taumaturgos; A sociedade feudal; A estranha derrota; Introdução à história; História e historiadores; As características originais da historia rural francesa. Durante a guerra, Febvre foi para sua casa de campo onde produziu artigos e livros. Após o conflito mundial, Feb- vre auxiliou na reorganização da Ècole Pratique des Hautes Études e se tornou delegado francês na UNESCO. Febvre também criou a VI Seção da Ècole Pratique des Hautes Études em 1947. Todo o esforço da vida intelectual de Febvre foi em função da Ciência Histórica, com sua preocupação em restabelecer a substância humanística ao conhecimento histórico. A posi- ção relevante que os historiadores desfrutam na vida intelec- tual francesa deve-se em grande parte a essa sua dedicação. (GURRIÊVITCH, 2003, p. 4). 40 Teoria da História II Fernand Braudel – O herdeiro de Lucien Febvre e Marc Bloch Fernand Braudel (1902-1985) foi um historiador francês de grande contribuição metodológica, teórica e historiográfica. Braudel construiu ao longo de sua carreira uma obra monu- mental, composta por novas teorias, novos conceitos sobre di- versos fenômenos históricos. Conforme Aguirre Rojas: O postulado de Braudel de um claro determinismo das estruturas de longa duração sobre o conjunto dos pro- cessos históricos revela-se muito original na medida em que não invalida necessariamente as hipóteses antes formuladas a respeito. Ao contrário ele as redimensiona e enriquece, ao propor um critério realmente novo, um recorte essencialmente diferente dos fatos históricos con- siderados. (2003, p. 70). Braudel é autor de uma importante obra da história, sua tese O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Felipe II, publicada em 1949. O texto foi escrito na prisão durante a Segunda Guerra. O Mediterrâneo é um livro exten- so, apresentando seis vezes o tamanho padrão um livro, e é dividido em três partes [...] cada uma das quais – como o prefácio esclarece – exemplifica uma abordagem diferente do passado. Pri- meiramente, há a história “quase sem tempo” da relação entre o “homem” e o ambiente; surge então, gradativa- mente, a história mutante da estrutura econômica, social e política e, finalmente, trepidante história dos aconteci- mentos. (BURKE, 1992, p. 46). Capítulo 3 Annales I E II Gerações 41 As nossas noções de tempo e espaço transformaram-se a partir da publicação de O Mediterrâneo, conforme salienta Lechte: [...] Braudel efetivamente acrescentou que a história é também o efeito dos lentos e muitas vezes imperceptí- veis efeitos do espaço, do clima e da tecnologia sobre as ações dos seres humanos no passado. [...] Braudel temporaliza o espaço e aspectos como o ambiente natural; temporaliza, portanto, elementos que eram em grande parte tratados como se fossem atempo- rais. (LECHTE, 2002, p. 107). Tratando de modo amplo, não somente o espaço, mas tam- bém a duração, Braudel passava da história para a geografia, sem fronteiras disciplinares. Nesse sentido, Daix, observa que: A história é feita para nos abrir uma totalidade na qual os acontecimentos, em suas flutuações, virão criar cer- tos pontos nodais que redirecionam o desenvolvimento do tempo, certos nichos políticos afastados [...]. Uma ‘globalidade’, preferiria dizer Braudel mais tarde. (DAIX, 1999, 270). Com ele realçou-se o quanto a questão do espaço é im- portante na história, dando-lhe um aspecto estrutural. Também a questão do tempo como plural foi muito aprofundada pelo autor, Burke observa o modo como Braudel dispõe o tempo em sua obra: “[...] permanece uma conquista pessoal de Brau- del combinar um estudo na longa duração com o de uma complexa interação entre o meio, a economia, a sociedade, 42 Teoria da História II a política, a cultura e os acontecimentos”. (BURKE, 1992, p. 55). No entanto, Braudel assinalou que a longa duração não era alternativa única, fechada em si: “[...] a longa duração é apenas uma das possibilidades de linguagem comum com vistas a uma confrontação das ciências sociais”. (BRAUDEL, 2011, p. 120). Com o Mediterrâneo, Braudel contribuiu para a história com inovações geográficas, típicas da escola francesa; com uma história social própria dos Annales; e com uma história econômica alemã. Daix aponta que: Sua tripla sobreposição da história funciona na perspecti- va da longa duração, embora ainda não focalize os pro- jetores sobre ela. O que há de mais ousado e novo em seu livro – os diversos papéis e transformações do espaço mediterrâneo nesse período decisivo do fim do século XVI – descortina novos horizontes históricos. Eles são vi- vificados pelas novas dimensões o espaço, já agora de alcance planetário, vividas ao longo da Segunda Guerra Mundial e da crise colonial que então começa. (DAIX, 1999, p. 284). A longa duração dá à história uma orientação estrutural um foco mais global, enfatizando a diversidadede interações, desse modo: “[...] a história de Braudel é escrita simultanea- mente de muitas posições ou perspectivas diferentes, e nenhu- ma baseada, seja intencionalmente ou não, em uma única posição ou perspectiva”. (LECHTE, 2002, p. 108). Para que suas pretensões historiográficas fossem colocadas em prática, Capítulo 3 Annales I E II Gerações 43 Braudel propunha uma abordagem interdisciplinar radical nas ciências sociais. Em 1949, Braudel assumiu o cargo de professor no Collè- ge de France e, ao lado de Febvre, passou a dirigir o Centre Recherches Historiques, na École de Hautes. Após a morte de Febvre em 1956, Braudel passou a ser o diretor efetivo dos Annales, ostentando o posto de historiador francês mais im- portante e mais poderoso. Braudel sucedeu Febvre na presi- dência da VI Seção da École, e criou, em 1963, a Maison das Sciences de l’Homme, uma instituição destinada a pesquisas interdisciplinares. Em 1969, Braudel recrutou jovens histo- riadores, com a proposta de renovar os Annales. Entre esses novos pesquisadores estavam: Jacques Le Goff, Marc Ferro e Emmanuel Le Roy Ladurie. Braudel influenciou gerações de historiadores, inclusive estrangeiros, os quais recebiam bolsas de estudos para que estudassem em Paris, dando preferência para aqueles que se ocupavam da época moderna. Entre os anos de 1967 e 1979, Braudel se dedicou a um projeto que Febvre lhe propôs parceria antes de sua morte. Os dois pretendiam escreverem juntos uma história da Europa, no entanto, Febvre veio a falecer antes de iniciar seus escritos. Braudel preparou três volumes voltados para a história da vida material, a obra ficou intitulada como Civilization matérielle et capitalisme. De acordo com Burke: “Da mesma maneira que em O Mediterrâneo, sua forma de abordar a civilização é a de um geógrafo, ou de um geo-historiador, interessado em áreas 44 Teoria da História II culturais, nas quais a troca de bens ocorre, ou deixa de ocor- rer.” (BURKE, 1992, p. 61). Civilization matérielle et capitalisme foi um sucesso. A no- toriedade obtida por Braudel a partir da publicação da obra deu-se, em parte, pelo prestígio que a “história nova” vinha conquistando. Em pouco tempo, Braudel tornou-se uma figura pública conhecida por sua crítica ideológica: Mas seu sucesso, em 1979, decorreu dessa renovação em- pírica de uma história falseada pela ideologia e da capaci- dade de antecipação que daí decorria, provocando entre os jornalistas e o público cultivado a intuição de que Braudel for- necia respostas a algo que, na realidade vivenciada tanto na França e na Europa quanto nos Estados Unidos e mais ainda nos países o Leste e mesmo na China, já não correspondia aos simplismos de 1968-1969 nem à vulgata dos economistas. Podíamos enfim ler uma história do Ocidente que explicava o que ele era – e, indiretamente, por que estava em crise. (DAIX, 1999, p. 579). Referências AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Braudel, o mundo e o Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais: a longa du- ração. In: NOVAIS, Fernando A.; SILVA, Rogerio Forastieri da. Nova história em perspectiva. São Paulo: Cosac Naify, 2011. Capítulo 3 Annales I E II Gerações 45 BURKE, Peter. A Revolução francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989. 2ª. ed. São Paulo: Editora Uni- versidade Estadual Paulista, 1992. DAIX, Pierre. Fernand Braudel: uma biografia. Rio de Janeiro: Record, 1999. GURIÊVITCH, Aaron. A síntese histórica e a Escola dos Anais. São Paulo: Perspectiva, 2003. LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1995. LECHTE, John. Cinquenta pensadores contemporâneos essen- ciais: do estruturalismo à pós-modernidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002. TÉTART, Philippe. Pequena história dos historiadores. São Pau- lo: Edusc, 2000. Atividades 1. A primeira geração dos Annales foi liderada por Lu- cien Febvre e por Marc Bloch. Sobre esses dois his- toriadores marque V (verdadeiro) e F (falso) para as afirmações abaixo. ( ) Febvre era especializado em estudos do século XVI, en- quanto Bloch foi um pesquisador dedicado à Idade Média. ( ) Tanto Febvre quanto Bloch concordavam no entendi- mento de que o conhecimento do presente é de funda- mental importância para a história. 46 Teoria da História II ( ) Febvre também se destacou pela sua característica de introdução geográfica. ( ) A obra de Marc Bloch sofreu grande influência da so- ciologia de Émile Durkheim. A alternativa que contém a sequencia V-F correta é: a) V – F – V – V. b) V – V – F – V. c) V – V – V – F. d) F – V – V – V. e) V – V – V – V. 2. Assinale a alternativa que melhor completa a frase abaixo. Febvre e Bloch, ambos encantados pelos fenômenos es- pirituais na história e pela psicologia coletiva, foram os responsáveis pela abertura dos caminhos para um novo domínio da história, a história ______________. a) do imaginário. b) do cotidiano. c) das mentalidades. d) política. e) da cultura. Capítulo 3 Annales I E II Gerações 47 3. Leia as sentenças abaixo: I O surgimento da Escola dos Annales no final da dé- cada de 1920 significou uma revolução no universo científico e no trabalho do historiador. II O surgimento dos Annales, além de ser objeto de po- der, é também elemento de uma geração intelectual. III Os Annales se posicionaram na recusa de uma história superficial e simplista, defendendo o fazer uma história profunda e total. Quais sentenças apresentam informações verdadeiras? a) Apenas as sentenças I e II são verdadeiras. b) Apenas as sentenças I e III são verdadeiras. c) Apenas as sentenças II e III são verdadeiras. d) Todas as sentenças são verdadeiras. e) Todas as sentenças estão falsas. 4. A respeito da vida intelectual de Marc Bloch e Lucien Febvre após a criação dos Annales pode-se afirmar que: a) Após a criação dos Annales Bloch se propõe a dire- cionar sua carreira para um viés filosófico no qual não há necessidade da análise dos diferentes fenômenos pertencentes a uma época. b) Bloch negou-se a alistar-se no exército francês para permanecer como professor no Collège de France. 48 Teoria da História II c) Durante a Segunda Guerra, Febvre foi para sua casa de campo onde produziu artigos e livros. d) Todo o esforço da vida intelectual de Febvre foi em função da Filosofia, com sua preocupação em resta- belecer a antropologia ao conhecimento filosófico. e) Após o conflito mundial, Bloch auxiliou na reorganiza- ção da Ècole Pratique des Hautes Études e se tornou delegado francês na UNESCO. 5. Assinale a alternativa INCORRETA a respeito de Fer- nand Braudel: a) Fernand Braudel foi um historiador francês de grande contribuição metodológica, teórica e historiográfica. b) Braudel construiu ao longo de sua carreira uma obra monumental, composta por novas teorias, novos con- ceitos sobre diversos fenômenos históricos. c) As nossas noções de tempo e espaço transformaram- -se a partir da publicação da obra O Mediterrâneo, de Fernand Braudel. d) Com Fernand Braudel realçou-se o quanto a questão da política é importante na história, dando-lhe um as- pecto estrutural. e) Braudel propunha uma abordagem interdisciplinar ra- dical nas ciências sociais. Rodrigo Simões Capítulo 4 Annales III Geração 50 Teoria da História II O surgimento de uma terceira geração O início da década de 1970 vivenciou o surgimento de uma nova geração dos Annales. Os anos que seguiram foram mar- cados por profundas mudanças intelectuais. Diferente do que ocorreu nas duas gerações anteriores, com Le Febvre e Brau- del, a terceira geração dos Annales não apresentou um líder que preponderou sobre o grupo. Desse modo, é complicado descrever um únicoperfil intelectual da geração. Pode-se in- clusive falar em uma fragmentação dentro da historiografia dos Annales. A respeito dessa diversidade de interesses dentro da terceira geração dos Annales, Burke observa que Deve-se admitir, pelo menos, que o policentrismo preva- leceu. Vários membros do grupo levaram mais adiante o projeto de Febvre, estendendo as fronteiras da história de forma a permitir a incorporação da infância, do sonho, do corpo e, mesmo, do odor. Outros solaparam o proje- to pelo retorno à história política e à dos eventos. Alguns continuaram a praticar a história quantitativa, outros rea- giram contra ela. (BURKE, 1992, p. 79). Outra característica importante dessa nova geração dos Annales é que esta se mostrou mais disposta a permitir a influ- ência do pensamento americano, com membros falando e es- crevendo em inglês, assim: “Por diferentes caminhos, tentaram fazer uma síntese entre a tradição dos Annales e as tendências intelectuais americanas – como a psico-história, a nova his- tória econômica, a história da cultura popular, antropologia simbólica, etc”. (BURKE, 1992, p. 80). Capítulo 4 Annales III Geração 51 É com a terceira geração que se descobre o outro: “A cons- ciência etnológica descobre o interesse que as outras civiliza- ções apresentam”. (DOSSE, 2003, p. 247). Os historiadores passam a investigar aquilo que faz a força para que essas so- ciedades resistam, pela conservação de suas estruturas e seus valores, que parecem indomáveis ao modelo ocidental. Tudo passa a ser objeto de pesquisa para o historiador. Agora o pensamento histórico não está mais concentrado em Paris. As novas abordagens estão sendo experimentadas em diversas partes do mundo. Uma mudança fundamental ocorreu nos interesses de pesquisa de muitos historiadores ao longo das décadas de 1960 e 1970: o enfoque econômico foi transferido por um enfoque voltado para a “superestrutu- ra” cultural. Assim, o historiador dos Annales explora novos domínios nos anos 1970, com estudos relacionados às sen- sibilidades e à cultura material. Para Burke essa alteração de abordagem deveu-se em parte, por ser uma reação contra Braudel, mas também significou uma reação mais ampla con- tra qualquer espécie de determinismo. (BURKE, 1992, p. 81). A dedicação inicial da Escola dos Annales para uma histó- ria-problema foi, de certa forma, superada por uma dimensão antropológica e pela cultura material, pois: No centro do discurso dos Annales, encontra-se uma descrição da vida cotidiana tanto material quanto mental das pessoas comuns das sociedades do passado que se parece, definitivamente, com a história positiva em seu aspecto factual, só que simplesmente em outro campo, fora do político. (DOSSE, 2003, p. 257). 52 Teoria da História II Jacques Le Goff Com a aposentadoria de Fernand Braudel, este foi substituído pelo historiador francês Jacques Jacques Le Goff (1924-2014) na Presidência da VI Seção e na Presidência da École de Hau- tes Études em Sciences Sociales. Le Goff foi membro da Escola dos Annales Ao longo de sua vida publicou dezenas de livros que reno- varam a pesquisa histórica. Le Goff foi um dos propulsores da história conceitual, a qual, para o autor, deveria basear-se em um novo entendimento da noção de tempo, admitindo a mul- tiplicidade dos tempos sociais: “[...] convergentes, divergentes, susceptíveis de recobrimentos, mas que, todos, da cronologia das crenças à das fontes de energia, fundam a espessura sócio e espaço-temporal da história”. (TÉTAR, 2000, p. 121). Dessa forma, Le Goff foi responsável por colocar o proble- ma do tempo como problema sociocultural. Para ele, o tempo é um indício externo ou um parâmetro do desenvolvimento histórico. No entanto, Le Goff não entende o tempo como um dos muitos componentes da cultura, já que, “Em suas obras o tempo é um instrumento de dominação social, um poderoso instrumento de controle sobre a sociedade, a vida e a consci- ência de seus membros”. (GURIÊVITCH, 2003, p 180) Le Goff dedicou-se à pesquisa em antropologia histórica do ocidente medieval e em história das mentalidades. Sobre a história das mentalidades o historiador entendia que esta “[...] dirige a atenção exclusiva para o não-conscientizado, o cotidiano, os automatismos do comportamento, os aspectos Capítulo 4 Annales III Geração 53 extrapessoais da consciência individual” (GURIÊVITCH, 2003, p. 178), Le Goff complementa seu pensamento ao apontar que sob este tipo de enfoque [...] o historiador tem de trabalhar pelos métodos da ‘arqueologia’, escarafunchar até chegar aos sentidos e significado ocultos. Aqui se dá atenção especial ao es- tudo das forças inerciais em história, das tradições, dos hábitos da consciência, pois as ‘mentalidades’ mudam mais lentamente que tudo. (GURIÊVITCH, 2003, p. 178). A Civilização do Ocidente Medieval (1964), escrito por Le Goff, resultou em uma nova imagem da Idade Média, que foi cunhada pelo próprio Le Goff como “outra Idade Média”. Na obra, o autor, primeiramente, apresenta um delineamento geral da história da Europa medieval; após, são expostas as principais características da mentalidade dos homens medie- vais. Guriêvitch salienta o quanto esse livro foi inovador, pois: Nele já se encontra uma seleção original dos monumen- tos históricos: é nítido que Le Goff não se empenha em concentrar toda a sua atenção apenas na cultura da elite letrada, em todo o conhecido “arco” de nomes de teólo- gos, pensadores e poetas. A concepção de cultura, toma- da por base do livro, é antropológica e não tradicional, e foi justamente esse enfoque que fez de A Civilização do Ocidente Medieval um fator essencial da historiografia atual. (2003, p. 174). La Naissance du Purgatoire (1991) publicado por Le Goff, trata das mudanças das representações da vida depois da 54 Teoria da História II morte. Nele, Le Goff procura realizar uma conexão entre mu- danças intelectuais e as sociais. Ao mesmo tempo em que [...] insistia na ‘mediação’ de ‘estruturas mentais’, de ‘hábitos de pensamento’, ou de ‘aparatos intelectuais’, em outras palavras, de mentalidades, observando que, nos séculos XII e XIII, surgiram novas atitudes em relação ao tempo, espaço e número, inclusive o que ele chama- va do ‘livro contábil da vida depois da morte’. (BURKE, 1992, p. 86). Michelle Perrot As mulheres, excluídas da história até então, encontram na terceira geração dos Annales sua primeira inserção na histo- riografia. A história das mulheres passou a ser produzida, além da França, na Grã-bretanha, nos Estados Unidos, na Holanda, na Alemanha Ocidental e na Itália. Michèle Perrot (1928) trabalhou para que a incorporação das mulheres na história tivesse êxito. Perrot é especialista em história do século XIX. Iniciou suas pesquisas dedicando-se à história social, e mais tarde voltou-se para a história das mu- lheres. Seu caminho nessa área de pesquisa iniciou quando, em 1973, Perrot ministrou um curso chamado “As mulheres têm uma história?”. A partir de então, a historiadora se envol- veu cada vez mais com a temática, da qual ela é considerada o grande nome da historiografia. Capítulo 4 Annales III Geração 55 Sua primeira obra foi Les ouvriers em grève (1974), mas o seu reconhecimento intelectual veio com sua principal obra, o consagrado Os excluídos da história (1988). Dessa forma, Perrot inovou na história social, tanto no que diz respeito à história da classe trabalhadora, quanto no que concerne à his- tória das mulheres. Com Les ouvriers em grève, Perrot, se torna precursora na França, em estudos da classe operária. No livro Os excluídos da história ganham o papel de sujeitos da histó- ria: operários, mulheres e prisioneiros. Em relação à História das mulheres, Perrot sustenta em Os excluídos da História, quena década de 1980 foi o desejo de inverter as perspectivas historiográficas tradicionais, de mostrar a presença real das mulheres na história mais cotidiano, o que sustentou o esforço das historiadoras. (PERROT, 1992, p. 171) Outras contribuições importantes de Perrot para a histo- riografia foram a organização e autoria de grande parte do quarto volume da coleção História da vida privada (1993), e a organização, em parceria com Georges Duby, da coleção His- tória das mulheres (1993), a qual ainda está em publicação. Georges Duby O francês Georges Duby (1919-1996), seguidor de Febvre e Bloch, destacou-se pela sua contribuição como historiador social e econômico da França Medieval. Ocupou-se com a história das ideologias, da reprodução cultural e do imaginá- 56 Teoria da História II rio social, que aliou à história das mentalidades, sendo con- siderado um dos mais importantes pesquisadores dessa área. Interessado pela correlação entre as estruturas sociais e es- pirituais, da interação do mundo imaginário com o mundo real. Duby salientou que, A sociedade não vive tanto de acordo com as condições objetivas quanto com a imagem ou a visão de mundo que ela criou para si. Nesse sentido pode-se observar que dificilmente seria necessário contrapor uma à ou- tra; porque a imagem de mundo absorve tanto os traços da fantasia e o “distanciamento da realidade” quanto os fragmentos desta última, refundindo tudo de acordo com sua estrutura exterior. (GURIÊVITCH, 2003, p. 115). Seu livro mais importante é Les trois ordres. Nele, Duby realiza um estudo de caso, o da representação coletiva da so- ciedade dividida em três grupos: padres, cavaleiros e campo- neses (os que rezam, os que lutam, e os que lavram). Partindo disso, propõe uma investigação sobre as relações entre o men- tal e o material no decorrer da mudança social. Burke (1992) assinala, em relação a essa sociedade formada de três grupos, que exercem as três funções básicas, o que Duby apresenta: [...] que essa imagem de três ordens tem a função de le- gitimara exploração dos camponeses por seus senhores, sugerindo que cada um desses grupos serve a sociedade de maneira diversa. Sua análise, porém, não para por aí. O que lhe interessa é saber a razão pela qual é reativada essa concepção tripartite da sociedade. (p. 87). Capítulo 4 Annales III Geração 57 Robert Mandrou Robert Mandrou (1921-1984) foi um historiador francês, dis- cípulo de Lucien Febvre, foi a figura principal na psicologia histórica. Um fato importante na sua carreira intelectual foi o rompi- mento com Braudel. Os dois cortaram relações no momento em que havia um debate sobre o futuro dos Annales. Braudel defendendo uma inovação no movimento, enquanto Mandrou escolheu manter o estilo tradicional, no qual a história das mentalidades ocupava papel considerável. Segundo Ariès (1995) a “análise de psicologia histórica” de Mandrou foi e ainda permanece como um modelo clássico do estudo das mentalidades. Na obra Magistrados e feiticeiros na França do século XVII (1968), Mandrou traz os resultados de sua pesquisa nos ar- quivos judiciários e nos trabalhos dedicados à caça às bruxas na França no século XVII. Interessado em dar voz às massas anônimas, o autor traz ao nosso conhecimento o universo das crenças. Para Mandrou, o problema a ser investigado e solu- cionado pelo historiador tem sua base nas relações entre os comportamentos sociais e as ideias. Assim, Mandrou (1979), logo no início do livro, apresenta os três elementos que cons- tituem o conteúdo essencial do sistema mental que legitima a caça às feiticeiras: um cristão; um de experiência visível; e, sentenças, confissões, fogueiras e confiscos. Todos esses com- ponentes desempenham sua parte nessa tradição, garantindo- -lhe a solidez: 58 Teoria da História II Eles fundamentam em verdade de experiência os inúme- ros relatos que transmitem, tanto quanto os sábios tra- tados dos juízes e dos teólogos, os pequenos libelos de algumas páginas, contando as histórias prodigiosas “de um gentil-homem ao qual o Diabo apareceu e com o qual ele conversou sob o corpo de uma mulher morta”, ou “de um mágico da cidade de Moullins que tinha um Demônio dentro de um pequeno frasco”. (MANDROU, 1979, p. 63-64). Jean Delumeau Jean Delumeau (1923), historiador francês, iniciou sua vida intelectual como historiador socioeconômico, após passou a dedicar-se a história da cultura. Ao longo de suas pesquisas especializou-se em explorar a história do cristianismo, sendo autor de várias obras relacionadas com o tema. Seus estudos abrangeram também o Renascimento. Em História do medo no Ocidente (1978), Delumeau to- mou como objeto de estudo do medo, O autor explora os medos individuais e coletivos da civilização ocidental do sécu- lo XIV ao XVIII: “Na Europa do começo da Idade Moderna, o medo, camuflado ou manifesto, está presente em toda a parte. Assim é em toda a civilização mal armada tecnicamente para responder às múltiplas agressões de um meio ameaçador”. (DELUMEAU, 2009, p. 54). Capítulo 4 Annales III Geração 59 Emmanuel Le Roy Ladurie O historiador francês Emmanuel Le Roy Ladurie (1929) foca seus estudos principalmente sobre Languedoc no Antigo Re- gime, principalmente a história do campesinato. Ladurie foi discípulo de Fernand Braudel, e assim como seu professor, foi membro líder da Escola dos Annales. Integrando a Nova História, foi um dos primeiros a trabalhar com micro-história. Ladurie também foi propagandista da utilização de métodos quantitativos em pesquisa histórica. Em Peasants of Languedoc, o autor procura reconhecer a longa duração: [...] os padrões (estruturas) intelectuais e materiais de desenvolvimento lento que delineiam eventos e tendên- cias mais evidentes e efêmeros (“conjucture”) favorecidos pelos defensores da histoire événementielle (história de eventos). (HUGHES-WARRIGTON, 2002, p. 226). Assim, em suas reflexões, Ladurie combina eventos e “es- truturas”. Isso acontece em O Carnaval em Romans: da Can- delária à Quarta-feira de Cinzas – 1579-1580. Na obra, La- durie apresenta o massacre de artesãos na cidade Romans no carnaval de 1580. De acordo com Hughes-Warrigton (2002), o livro expõe o interesse de Ladurie pelas atitudes, valores, crenças religiosas, costumes populares e comportamento. Sua obra mais importante se tornou um clássico da his- toriografia: Montaillou, povoado occitânico de 1249 a 1324. Nesse estudo de história social e cultural, o autor retrata a vida cotidiana de pessoas comuns. Montailou é uma pequena al- 60 Teoria da História II deia no sudoeste da França. Em 1320, a aldeia é atacada pela Inquisição que promoveu extensas e minuciosas confissões de seus habitantes. Utilizando-se do relato de Jacques Fournier, bispo de Pamiers em Aréges, de 1318 a 1325, do interroga- tório e da punição de pessoas acusadas de catarismo, Ladurie reconstitui a vida de Montailou. Conforme Burke (1992), a grandiosidade da obra de Ladurie deve-se, em parte, por este historiador ter sido um dos primeiros a utilizar os registros da inquisição para a reconstrução da vida cotidiana e suas atitu- des. Nesse sentido: É preciso lembrar acima de tudo o poder de seu autor trazer o passado à vida e também colocar em questão os documentos, lendo-os nas entrelinhas e fazendo-os reve- lar o que nem mesmo os aldeões sabiam que sabiam. É um brilhante tour de force da imaginação histórica e uma revelação das possibilidades de uma história antropoló- gica. (p. 97). Referências ARIÈS, Philippe. A história das mentalidades. In: LE GOFF, Ja- cques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 154-176. BURKE, Peter. A Revolução francesa da Historiografia: a Escola dos Annales, 1929-1989. 2ª. ed. São Paulo: Editora Uni- versidade Estadual
Compartilhar