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ADOLESCENTES EM PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL: FAMÍLIA E CONTEXTO DE CONFLITO Edirleia Nunes Barbosa Eliane de OliveiraLacerda Meyrelles Luciana Barbosa JuliatiGuidoni RESUMO O presente artigo aborda a questão do adolescente em relação ao ato infracional e a família no convívio com os adolescentes nessa condição. Neste trabalho busca-se descrever e compreender como se estabelecem as relações do adolescente em prática de ato infracional com sua família. Por meio de um estudo bibliográfico, foi possível verificar a dificuldade que famílias de adolescentes em conflito com a lei encontram, configurando famílias em que a infraestrutura é prejudicada em termos financeiros, emocionais e domiciliares, assim como a dificuldade de bons empregos pela falta de estudos e cursos profissionalizantes e com isso baixa de salários. Por fim, o texto destaca algumas das políticas públicas voltadas aos adolescentes, entre elas o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Palavras-Chave: Adolescente e ato infracional. Família. Políticas Públicas. Medidas socieducativas. ABSTRACT This article deals with the issue of the adolescent in relation to the infraction and the family in the conviviality with the adolescents in this condition. This paper seeks to describe and understand how the relationships of adolescents in the practice of an infraction with their family are established. Through a bibliographical study, it was possible to verify the difficulty that families of adolescents in conflict with the law find, configuring families in which the infrastructure is impaired in financial, emotional and domiciliary terms, as well as the difficulty of good jobs due to lack of studies And vocational courses and with this low salaries. Finally, the text highlights some of the public policies aimed at adolescents, among them the Statute of the Child and Adolescent (ECA). Keywords: Adolescent and infraction. Family.Public policy.Socio-educational measures. 1INTRODUÇÃO Este artigo resulta de uma pesquisa bibliográficarealizada pelo interesse em conhecer de modo mais profundo a produção de conhecimento na área de Serviço Social a respeito da família dos adolescentes em prática do ato infracional. Inicialmente o texto se dedica a abordar a questão do adolescente em condição de conflito com a lei e sua situação familiar. Para tanto, buscamos abordar também as políticas públicas direcionadas à atenção ao adolescente autor de ato infracional, 2 sinalizando as medidas socioeducativas que são aplicadas aos adolescentes em autoria do ato infracional. A noção de infância e adolescência é uma realidade dos tempos presentes, pois, segundo nos informa Ariès (1981),no período que se estende da Idade Média até o século XIX, a noção de criança como ser em condição especial de desenvolvimento e, portanto, com demandas especiais de atenção,praticamente inexistia. Crianças não eram reconhecidas pela sociedade como pessoas diferenciadas, por sua condição peculiar. A Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),constituem-se marcos legais que asseguram direitos sociais às crianças e adolescentes, garantindo que as políticas públicas possam ser acessadas por esse segmento populacional. Entretanto,na realidade social brasileira crianças e adolescentes ainda são muitas vezes tratados como sujeitos sem direitos, especialmente a depender da classe social a que pertencem, desrespeitando-se assim, um conjunto de princípios e normas com objetivo de garantir a cidadania a todas as crianças e adolescentes no território nacional. Os princípios e normas acima referidos tiveram como base documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos da Criança, as Regras de Beijing e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito da Criança(SINASE,2006). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi promulgado no dia 13 de Julho de 1990 sob a lei nº 8069, revela-se um divisor de águas, pois antes, a referência legal para tratar de crianças e adolescentes era o Código de Menores, datado do início do século XX, no qual majorava “A doutrina de situação irregular”. A marca do Código de Menores do Brasil estava no tratamento autoritário e arbitrário relacionado àquele considerado “menor”, especialmente no caso de afronta à lei e realização de delitos. Seu contexto de surgimento está estreitamente relacionado à década de 1920– período em que o país atravessou uma fase de crise econômica e política da República Liberal –, o que levou a um questionamento sobre o papel do Estado nas questões sociais das crianças e adolescentes, conforme indicam Abreu e Martinez(1997). 3 Neste contexto estabeleceu-se a preocupação com a criminalidade infanto/juvenil, considerando-se que por detrás do pequeno delito se ocultaria a monstruosidade. A atenção denotava uma perspectiva higienista, com o viés da eugenia. Uniram-se a pedagogia, a puericultura e a ciência jurídica para atacar o problema, tido como ameaçador aos destinos da nação: “o problema do menor”(ABREU; MARTINEZ, 1997). Murad (2004) aponta que atualmente no Brasil, segundo o levantamento da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SEDH)e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SDH),o sistema socioeducativo possui uma população juvenil de 39.578 adolescentes em conflito com a lei, representando 0,2% do total de adolescentes brasileiros na idade de 12 a 18 anos, segundo refere o SINASE (2006). Esta estatística que contradiz as informações propagadas diariamente pela mídia potencializando a idéias da violência praticada por jovens na sociedade brasileira, conforme as estatísticas apenas 10% dos delitos são cometidas por adolescentes e destes 60% ocorrem sem grave ameaça as vítimas, ou seja, na sua maioria são infrações como os furtos que atentam contra ao patrimônio e não contra a vida humana (SINASE, 2006). As transformações introduzidas pelo Estatuto são sintetizadas por uma ideia de justiça convergente com um modelo de justiça e garantias para o adolescente em conflito com a lei, segundo informam Aguinsky e Capitão(2008). Cruz-Neto e Moreira (1998) afirmam que no Brasil, a população infanto-juvenil é um dos segmentos populacionais mais prejudicados pelos problemas socioeconômicos.A desigualdade econômica e social brasileira dificulta o pleno crescimento e o desenvolvimento de milhões de adolescentes, que se vêem privados de oportunidades de inclusão social em seu contexto comunitário, vivendo em moradias inadequadas e à mercê de diversas problemáticas, como: restrições severas ao consumo de bens e serviços; estigmas e preconceitos; falta de qualidade no ensino; relações familiares e interpessoais fragilizadas; e violência em todas as esferas de convivência (ASSIS; CONSTANTINO, 2005). Segundo Gomes e Pereira (2005), é no seio da família que são construídas as marcas entre as gerações e seus valores culturais. Para essas autoras isso está coerente com o pensamento de Sarti (1996) quando refere que: “A família não é apenas o elo afetivo mais forte dos pobres, o núcleo da sua sobrevivência material e 4 espiritual, o instrumento através do qual viabilizam seu modo de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social” (GOMES; PEREIRA, 2005, p. 358). Sua importância não é funcional, seu valor não é meramente instrumental, mas se refere à sua identidade de ser social e constitui o parâmetro simbólico que estrutura sua explicação do mundo (SARTI 1996). De acordo com Yasbek (2003), são os pobres aqueles que, de modo temporário ou permanente, não têm acesso a um mínimo de bens e recursos sendo, portanto, excluídos em graus diferenciados da riqueza social. Segundo Gomes (2003), quando a casa deixa de ser um espaço de proteção para ser um espaço de conflito, a superação destasituação se dá de forma muito fragmentada, uma vez que esta família não dispõe de redes de apoio para o enfrentamento das adversidades, resultando, assim, na sua desestruturação. 2 O ADOLESCENTE E O CONFLITO COM A LEI O atual cenário da violência instalado na sociedade e o envolvimento de criança e adolescente chama a atenção para uma questão importante. O debate acerca do ato infracional. As discussões que o norteia partem do pressuposto de que o adolescente deve ser punido igualmente ao adulto que o Estatuto da Criança e do Adolescente fortaleceu a proteção ao jovem “bandido”, levando-o à impunidade e acentuando os índices de criminalidade juvenil. Quando o ato cometido é grave, como homicídio, por exemplo, a discussão se acalora ainda mais. Portanto, percebe-se a negação de um conhecimento crítico e reflexivo acerca do tema, que formata uma crise ética em torno da adolescência, pobreza, violência e ato infracional. Segmentos midiáticos, com os seus formadores de opinião tendenciosos, fortalecem esse embate ético que perpassa os adolescentes autores de ato infracional e a sociedade, intensificando a violência contra os mesmos. SegundoBarroco (2010) afirma que o ato infracional é visto e julgado a partir de um senso moral criado pela sociedade para avaliar a sociabilidade das pessoas. Jovens autores de ato infracional são desintegrados da sociedade por terem infringido regras e normas de convivência social. Tais julgamentos, muitas vezes sem embasamento concreto, revelam uma sociedade em que as pessoas são 5 individualistas na suaconcepção humana, e ao mesmo tempo, genéricas na reprodução social da vida cotidiana (BARROCO, 2010). Desenvolvimento físico, emocional e sexual, a necessidade de pertencer a grupos, aventuras, superação de limites, a construção de identidade, rompimento de regras, questionamentos, contentamento e descontentamento frente à realidade, busca por prazeres apresentados pela mídia, globalização, consumos, status, competições e poder: parecem termos de fácil compreensão,mas quando relacionados à adolescência, o debate se torna mais intenso e complexo. Segundo Paiva (2008), a adolescência era historicamente analisada sobre o ponto de vista da rebeldia, da desorganização emocional e social, considerando esse público como ‘desajustados’, ‘problemáticos’, ou empiricamente, conhecidos por “aborrecentes”. Essa concepção possuía relação com os aspectos legais, que inseria a infância e a juventude,quando necessário, em Instituições Correcionais de um a cinco anos. Para Silva (2013), a adolescência está situada em um momento marcado pela ruptura de barreiras pela globalização, valorização cada vez maior do capital, do dinheiro e dos prazeres e poderes que ele oferece às pessoas, à banalização das relações sociais, criminalização da pobreza, importância cada vez mais acentuada na busca por realização de fetiches pessoais, aquisição de bens materiais e conquista de poder. Ainda, para Silva (2013), tudo isso se desvela como um grande desafio para a ruptura de estigmas relacionados aos adolescentes das classes pobres, uma vez que nessas classes predomina a prática do ato infracional, como bem aponta. A infração, em muitos casos é praticada por adolescentes como única forma encontrada para manifestarem seus ideais e conquistar bens materiais, satisfazendosuas necessidades pessoais e grupais. O ECA define o ato infracional como crime ou contravenção penal. Volpi (2011) destaca que a partir do Estatuto de1990, o adolescente autor de ato infracional passa a ser considerado como uma categoria jurídica, atribuindo-o a condição de sujeito de direitos, preconizados na Doutrina da Proteção Integral e que “[...] as medidas socioeducativas constituem-se em condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis” (VOLPI, 2011,p.14). Essa nova visão rompe, ao 6 menos em tese, com a Doutrina da Situação Irregular (Código de Menores de 1979) que enxergava o adolescente, ou mesmo a criança, na irregularidade quando viviam em pobreza, abandono, cometimento de infração, dentre outras. Essa busca está atrelada aos aspectos culturais que tem influenciado diretamente a dinâmica juvenil subalterna. Bourdieu (1989) chama a atenção para o poder simbólico enquanto instrumento de construção de realidades e dominação. A cultura musical, por exemplo, que traz à tona a ostentação como lógica de pertencimento social, status e poder simbólico, e uma referencia clara da reflexão. Para Silva e Lehfeld(2015) os adolescentes na atualidade são influenciados por uma cultura que estimula o consumo de marcas de grifes, bebidas alcoólicas, carros importados, sendo levados a adquirir valores que a indústria cultural focada no lucro e na estabilidade no mercado considera oportuna. Para esses autores O distanciamento entre pobreza (dificuldade de acesso) e qualidade de vida (bens e serviços prazerosos) acarretam as primeiras frustações no público juvenil. A vivência em uma sociedade globalizada, consumista e capitalista dificulta as relações humanas e o acesso de toda população aos mesmos direitos (SILVA;LEHFELD, 2015, p. 77). Para Pratta (2008), é possível destacar como um dano à vivência do adolescente na sociedade a sua inserção na criminalidade, ou uso de substâncias psicoativas como caminho fácil para o acesso à constante busca por prazeres e satisfações.“O grau de independência do mundo externo proporcionado por estas substâncias, o encontro de refúgio em um mundo próprio é também que determina seu perigo e a capacidade de causar danos” (PRATTA,2008,p.54). Os atos infracionais podem ser variados como: roubo simples, roubo qualificado, latrocínio e, o de maior incidência, tráfico de drogas. A venda de drogas permite aos adolescentes a conquista de um valor financeiro substantivo, utilizando para a apropriação de mercadorias de alto custo. A criança e o adolescente são concebidos como pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direitos e destinatários de proteção integral.Para efeito de definição de adolescente, o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA) designa por adolescente a pessoa na faixa etária de 12 a 18 anos incompletos. A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento coloca aos agentes envolvidos na operacionalização das medidas socioeducativas a missão de proteger, no sentido de garantir o conjunto de direitos e educar oportunizando a inserção do adolescente 7 na vida social. “Esse processo se dá a partir de um conjunto de ações que propiciem a educação formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente”(VOLPI, 2011, p. 14). Sua condição de sujeito de direitos implica a necessidade de uma participação nas decisões de seu interesse e no respeito a sua autonomia, no contexto do cumprimento das normas legais. Assim, é responsabilidade do Estado, da sociedade e da família garantir o desenvolvimento integral da criança e do adolescente, segundo está preconizado no Estatuto da criança e do Adolescente. As medidas socioeducativas constituem-se em condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis. Quanto à questão do ato infracional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 103, o define taxativamente como sendo aquela conduta prevista em lei como contravenção ou crime. A responsabilidade pela conduta descrita começa aos12 anos, portanto, na fase reconhecida pelo próprio dispositivo legal (o ECA) como a fase da adolescência. Ao assim definir o ato infracional, em correspondência absoluta com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o ECA considera o adolescente infrator como “[...] uma categoria jurídica, passando a ser sujeito dos direitos estabelecidos na Doutrina da Proteção Integral, inclusive do devido processolegal” (VOLPI, 2011, p. 15). Essa conceituação rompe a concepção de adolescente infrator como categoria sociológica vaga implícita no antigo Código de Menores, concepção que, amparando-se numa falsa e eufemística ideologia tutelar (doutrina da situação irregular),aceitava reclusões despidas de todas as garantias que uma medida de tal natureza deve necessariamente incluir e que implica uma verdadeira privação de liberdade (VOLPI, 2011, p. 15). Com isso quebra-se o paradigma que norteia a sociedade em querer comparar e julgar os adolescentes “adultos”,todavia para isto existem leis específicas para ambos, para uma efetivação da integridade do sujeito. O adolescente, quando flagrado cometendo um ato infracional, deverá ser encaminhado a Delegacia do Adolescente em Conflito com a Lei (DEACLE). Delegacia especial de atendimento para os casos relacionados aos adolescentes em autoria de ato infracional. 8 O Art.172 e o Art.173 do ECAdemonstram com bastante propriedade o que acontece com o adolescente que pratica o ato infracional. O Art. 172 refere que o adolescente apreendido em flagrante de ato infracional seráencaminhado á autoridade policial competente. Já o Art.173 trata do caso de flagrante ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts.106, parágrafo único, e 107, deverá;l- lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente; ll- apreender o produto e os instrumentos da infração; lll- requisitar os exames ou perícias necessários á comprovação da materialidade e autoria da infração. Parágrafo único. Nas demais hipóteses de flagrante, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada (BRASIL, 1993). As garantias necessárias à justa aplicação das medidas socioeducativas não podem prescindir da proibição de detenções ilegais ou arbitrárias, conforme previsto no Art. 106 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como forma de contrapor-se à cultura predominante dos agentes de segurança, que orientam-se por critérios extremamente subjetivos e preconceituosos, criminalizando especialmente pobres e negros (VOLPI, 2011, p. 17). A igualdade na relação processual, assegurando ao adolescente o direito de com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa (ECA, Art.111) em nenhum momento pode ser reduzida ou relativizada. O direito à defesa técnica por profissional habilitado, que segundo o ECA é realizada por advogado (Constituição Federal, Art.227 e ECA, Art.111), juntamente com a assistência judiciária gratuita e integral – aos necessitados (ECA, Art.111) –, é fundamento para uma averiguação séria e imparcial. O adolescente em prática de ato infracional possui, pelo Art. 111 do ECA, o direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente (ECA, Art.111) e de solicitar a presença de seus pais ou responsáveis em qualquer fase do procedimento. Corresponde à autoridade judicial a aplicação de medida(s) prevista(s) no artigo 112 do ECA, o artigo 112 tem como medidas a advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços á comunidade; liberdade assistida; inserção de regime semi- liberdade; internação em estabelecimento educacional. Vale ressaltar que fica a disposição daautoridade aplicar as medidas mediante a prática do ato infracional, nos próximos capítulosabordaremos com mais profundidade as medidas socioeducativas. Observando-se que a aplicação da medida de internação deverá obedecer aos princípios da brevidade, 9 excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (VOLPI, 2011). Os programas e serviços destinados a dar retaguarda ao cumprimento das medidas socioeducativas devem considerar: a) distribuição coordenadora e executiva a que se refere a Constituição Federal (art. 204); b) a conceituação da política de atendimento como “conjunto articulado de ações governamentais e não- governamentais da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”;c) os Conselhos de Direitos como locus da formulação dessas políticas; os conselhos nacionais e estaduais conforme as competências descritas abaixo; d) as diretrizes já estabelecidas de municipalização do atendimento e descentralização político- administrativa na criação e manutenção de programas, conforme as competências;e) a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento a garantia dos direitos processuais ao adolescente a quem se atribui de ato infracional (VOLPI, 2011). O artigo 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) designa exclusiva e inequivocamente o Estado como responsável absoluto “para velar pela integridade física e mental dos int ernos”. Também as disposições constitucionais em matéria de segurança pública e poder de polícia são atribuídas às unidades federadas.Portanto, a medida de internação é responsabilidade das unidades federadas devendo articular-se em rede, objetivando maior coerência nos critérios de aplicação, unificação de procedimentos e viabilização do objetivo maior das medidas socioeducativas que é a inclusão social do adolescente infrator. Deve ser operacionalizada diretamente pela Unidade Federada, de forma descentralizada, podendo, contudo, ser gerida a partir de um consórcio entre os municípios, com supervisão e controle do estado.( VOLPI, 2011, p. 19). Considerando a atual demanda para internação e a possibilidade de potencialização dos mecanismos de prevenção à privação de liberdade, com base na estruturação de redes municipais e intermunicipais para cumprimento das medidas socioeducativas em liberdade, associadas a medidas de proteção, entendemos que 10 o modelo regional de atendimento em pequenas unidades deve ser estimulado.( VOLPI, 2011, p. 19). O entendimento prevalente quanto à gestão das unidades de privação de liberdade é de que a competência absoluta e intransferível é do estado (Unidade Federada), não devendo o mesmo desenvolver programas de convênio com entidades privadas, por tratar-se de função pública que envolve contenção e segurança.( VOLPI, 2011, p. 19). 3 FAMÍLIA E ADOLESCENTE EM CONTEXTO DE CONFLITO Não se pode falar em família sem antes entender o que é família.Família pode ser definida como uma construção social, que varia de acordo com as épocas e que se forma a partir das relações das pessoas que se unem através dos laços afetivos, sendo que cada família tem sua cultura(AMARAL 2001). Para Kaloustian e Ferrari (1994), a família é o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. Segundo Minuchin (1982), a família é um sistema aberto em transformação, isto é, constantemente se adapta às diferentes exigências dos estágios de desenvolvimento que enfrenta, também compreende um ato relacional inserido em um contexto social mais amplo (pai-mãe-adolescente, adolescente-irmão), nos quais os adolescentes são influenciados e influenciam (VASCONCELLOS, 2002). SegundoNardieDell'aglio(2012), as famílias dos adolescentes que vivenciam situação de risco social apresentam dificuldade para oferecer proteção, afeto, regulação de controle a estes adolescentes e evidenciam a ausência de figuras representativas na família, além da inconsistência de vínculos familiares. Em muitos casos, tais famílias revelam fragilidade nos vínculos sociais e afetivos que se evidenciam no distanciamento paterno, dificuldade de impor limites, morte, doença, violência, situação econômica, baixa renda em consequência da separação, falta de comunicaçãoentre os membros (ASSIS; CONSTANTINO, 2005). A família corresponde a um grupo social que possui organização complexa e interage com o contexto cultural mais amplo. A importância da família, no 11 desenvolvimento de adolescentes que cometem atos infracionais, fica nítida quando consideramos seu papel no desenvolvimento humano(SCHENKER; MINAYO, 2003). Segundo Singly(2000),o processo de socialização primária de crianças e adolescentes ocorre no contexto familiar, que estabelece formas e limites para as relações interpessoais e assim prepara o indivíduo para o convívio social mais amplo. Desta forma, a família tem papel fundamental no desenvolvimento do adolescente e, apesar das mudanças estruturais no qual as famílias vêm apresentando ao longo dos anos, com surgimento de novas composições familiares e alterações nos papéis de seus integrantes, a família ainda é uma instituição sólida e influente.No entanto é no ambiente familiar que os jovens continuam buscando referências para construir sua identidade, tendo os pais como modelos de identificação primária. Feijó e Assis (2004), ao pesquisarem o núcleo familiar de jovens que cometem atos infracionais graves, constataram a fragilidade da maioria das famílias que vivem em condições de pobreza e exclusão social. Segundo eles, essas famílias encontram-se isoladas do amparo social, configurando famílias em que a infraestrutura é prejudicada em termos financeiros, emocionais e domiciliares. Entre algumas das vulnerabilidades identificadas no estudo de tais autores, essas famílias, têm como características a desqualificação para o trabalho, o desemprego, o baixo nível de escolaridade, o analfabetismo, a ausência de alguns genitores, a violência física, psicológica e problemas de relações interpessoais de comunicação(FEIJÓ; ASSIS, 2004). Antes de se tornarem autores de atos infracionais muitos adolescentes são vítimas de situações desfavoráveis ao desenvolvimento os meios que vivem, situação de vulnerabilidade social. Estudos mostram que grande parte de jovens antes de cometerem um ato infracional foram vítimas de maus-tratos, violência sexual, uso de drogas, repetência escolar, desemprego e morte de um dos pais, o que se constitui fator de risco para o desenvolvimento de jovens. Muitos adolescentes relatam que o pai ou padrasto quase sempre chegava em casa embriagado, constatam a presença da violência doméstica, agressões físicas por parte dos pais ou companheiros, surras tanto nas mães, irmãos e no próprio adolescente que após esta infância inserida num quadro de violência, estes ficaram muito revoltados com toda essa violência sofrida dentro do seu lar(DELL´AGLIO, et al., 2005). 12 Segundo Dell'Aglio, Santos e Borges (2004), é importante buscar compreender como essas fragilidades encontradas nas famílias de adolescentes que cometem ato infracional podem repercutir no desenvolvimento social e psíquico destes jovens. Acrescenta-se, nesta perspectiva, a violência e fragilidades nas relações familiares: refletindo sobre a situação de adolescentes em conflito com a lei. Sabemos que quando um adolescente comete um ato infracional, ele cumprirá uma medida socioeducativa, conforme descrita nas pagina 21 esta medida não se restringe apenas ao adolescente, mas também aos seus responsáveis legais, pois sua família diretamente ou indiretamente apresenta responsabilidades nestas medidas. Eis o que está referido no ECA: Art.147. A competência será determinada: I-pelo domicílio dos pais ou responsáveis; II-pelo lugar onde se encontra a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável;as §1º. Nos casos de ato infracional, será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção. § 2º. A execução das medidas poderá ser delegada à autoridade competente da residência dos pais ou responsáveis, ou do lugar onde sediar-se a entidade que abrigar a criança e adolescente. § 3º. Em caso de infração cometida através de transmissão simultânea de rádio e televisão,que atinja mas de uma comarca, será competente, para aplicação da penalidade, autoridade judiciária do local da sede estadual da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as emissoras ou retransmissoras do respectivo estado (ECA, 1990) O adolescente que comete o ato infracional tem o direito de ser orientado e instruído sobre ato que cometeu, pois é necessário que ele seja conscientizado de seus atos.Pode-se observar que o adolescente que tem o acompanhamento de seus familiares durante o cumprimento da medida socioeducativa sente-se mais confiante e amparado, por isso a tendência a se ressocializar é maior (SINASE 2006). Desta forma podemos afirmar o quanto é importante a família participar da vida deste adolescente, pois apesar destes adolescentes agirem de forma peculiar desejam sentir-se amados e protegidos integralmente pelos seus responsáveis legais (ECA 1990). A adolescência é uma fase do ciclo vital marcada por intensas mudanças que geram transformações nos jovens e na sua família. No que se referem aos adolescentes, 13 estes vivenciam a emergência da sexualidade e a busca por uma maior autonomia e independização dos pais.Quanto à família, percebem-se, geralmente, transformações na sua estrutura e no seu funcionamento, ocorrendo uma renegociação dos papéis e da autoridade parental(SILVA; HUTZ, 2002). Partindo dessa concepção, quando os filhoatingem essa fase de desenvolvimento humanosurge uma série de responsabilidades e dúvidas aos pais que se sentem, na maioria das vezes, ameaçados e inseguros quanto ao papel e ao tipo de autoridade a ser exercida(WAGNER, PREDEBON, FALCKE, DOTTA e GARCIA, 2002). Os adolescentes, de um modo geral, questionam os valores, as regras e os papéis familiares determinados até o momento, enquanto os filhos se tornam adolescentes em direção a idade adulta, muitos pais, fazem o caminho contrário, perdem a juventude, em direção à vida madura. Isto pode ser incômodo, traumático ou angustiante, pois percebem que muitas de suas aspirações juvenis, profissionais ou afetivas, por exemplo, não mais poderão se realizar. Somado a isso, perdem a beleza física, vigor, podendo levar à intensas crises conjugais e familiares (RAPPAPORT, 1982). Para Carter eMcGoldrick(2008), na verdade, quando os filhos entram na adolescência ocorre um somatório de crises na família. As tarefas e funções específicas da família com filhos adolescentes exigem, acima de tudo, fronteiras mais flexíveis, isso significa possibilitar ao jovem mostrar a sua dependência quando não se sentir capaz de enfrentar alguma situação sozinho, e, simultaneamente, permitir um afastamento para que o adolescente experimente sua independência e autonomiaCARTER E MCGOLDRICK (2008); CERVENY E BERTHOUD (2002). Conforme Carter e McGoldrick (2008), Cerveny e Berthoud(2002), esta não é uma tarefa simples. Nesse contexto, é frequente a perda da confiança nessas famílias, porque os adolescentes não confiam mais nos pais como antes, e os pais não estão prontos para confiarem nas mudanças dos filhos adolescentes. A violência contra os jovens tem sido considerada como um sério problema social, com repercussões para a saúde individual e coletiva. Entretanto, a condição relacionada à violência social que acomete adolescentes e jovens em nosso país revela que estes se constituem não somente vítimas como também autores da 14 mesma. Segundo Souza e Jorge (2006), os adolescentes se revelam na condição de autores da violência, dada a situação social em que se encontram, resultante da grande questão social brasileira. Essa condição de autoria ou de vítima encontra-se intimamente relacionada à violação dos direitos humanos e sociais, especialmente no que se refere aosadolescentes e jovens pertencentes às camadas mais empobrecidas de nossa sociedade (SOUZA; JORGE, 2006). O censo de 2010 do IBGE, diz que em cada 4 (quatro)brasileiros (40%) vivem em situação de miséria são meninos(as)de até 14(quatorze);o segundo são os adolescentes (12-18) anos vivem com famílias que a renda é inferior a ½ salários mínimos per capita em situação de miséria (UNICEF, 2011). A miséria associa-se com os problemas sociais, como a violência que cresce a cada ano, atingindo aos jovens.Estima-se 4,5% o aumento comparando o ano de 2009 de adolescentes cumprido medidas socioeducativas de restrição de liberdade em 2010(SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2011). 4 POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA A ATENÇÃO AO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL Ariès (1981) afirma que a atenção à infância e, por conseguinte à adolescência, é algo construído na modernidade, pois até o século XVII as pessoas não tinham consciência sobre a infância tal qual se vê na atualidade. Também Vitiello e Conceição (1993) referem que até o século XVII as crianças não eram reconhecidas como pessoas em sua característica específica, sendo tratadas como pequenos adultos. Passava-se da fase da criança para fase de adulto, sem reconhecimento da adolescência, como atualmente costumamos verificar (ARIÈS, 1981). No Brasil, a criança como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento e como sujeito de direitos individuais e sociais também é algo extremamente recente no processo de construção de nossa sociedade, datando mais especificamente da efetivação da Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que se conforma como uma legislação voltada para a implementação da proteção integral da criança e do adolescente. 15 O ultimo vintênio do século XX, no Brasil, assinalam um período de mobilização social em favor dos direitos da criança e do adolescente, num contexto de lutas sociais, uma delas voltava-se para a condição da infância. A ECA consagra a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, reconhecendo-os como pessoas em condição especial de desenvolvimento e sujeitos de direitos, com o reconhecimento da prioridade na execução de políticas públicas para esse segmento populacional (BRASIL, ECA; 1990). Historicamente, entretanto, a atenção à infância apresenta marcas da ação coercitiva do Estado, como destacado por Silva e Lehfeld (2015), relacionado ao tratamento dado pela legislação existente no século XX, conhecida pela denominação de Código de Menores, datado de 1927. Com base nessa legislação, “jovens com idade inferior aos 18 anos com cometimentos infracionais eram considerados como delinquentes e o atendimento restritivo, quando necessário, era em Instituições Correcionais de um a cinco anos” (SILVA; LEHFELD, 2015, p. 76). Na evolução histórica da atenção dada à infância no Brasil, há relatos por diversos historiadores que crianças brancas e mestiças esmolavam pelas ruas e matos durante o período colonial no Brasil, sendo muitas adotadas por famílias e colocadas para assumirem função de criados (FUNDAÇÃO FÉ E ALEGRIA DO BRASIL, 2009). No Brasil, durante o século XVII surgiram as “famosas rodas dos "expostos", um mecanismo através do qual a “criança indesejada” era entregue às Santas Casas de Misericórdia, que recorriam às amas de leite para criá-los até os três anos de vida. Depois, até os sete anos, recebiam cuidados em casa de recolhimento dos expostos, antes de serem encaminhadas às famílias interessadas em recebê-las. (MARCILIO, 1997). Com a Lei do Ventre Livre e mais tarde a Lei Áurea aumentou o número de crianças abandonadas pelas ruas e pela situação de pobreza cometeram pequenas infrações surgindo instituições filantrópicas para cuidar destes grupos de crianças e adolescentes, mas estas instituições se negavam a atender meninos envolvidos em pequenas infrações (FONSECA, 2000). No início do século XX, vemos surgir no Brasil as primeiras instituições com regime prisional fundamentada no trabalho e combate do ócio. A criação do 1º Juízo de Menores do Brasil, em 1924 e o primeiro Código de Menores do Brasil ou Código 16 Mello Matos, de 1927, reconhecem a criança como merecedora da tutela do Estado, no caso da órfã ou abandonada. Neste sentido, Silveira (1984, p. 57) destaca a essa legislação como a “Doutrina da situação irregular", em meio a qual se mantinha uma dicotomia entre menor abandonado e menor delinquente, que revelavam uma tentativa de ampliar e melhor explicar as situações que dependiam da intervenção do Estado. Sob o baluarte do Código de Menores, o Poder Judiciário criou e regulamentou o Juizado de Menores e todas suas instituições auxiliares. O foco da legislação em vigor, nesse período, era o trabalho de fortalecimento da assistência social aos “desajustados” e “menores desvalidos”, por meio da criação de alguns órgãos de amparo à infância. O Estado passava a assumir o protagonismo como responsável legal pela tutela da criança órfã e abandonada. Com isso, a criança desamparada era institucionalizada e recebia orientação para trabalhar, sendo que o trabalho, neste caso, carregava consigo uma conotação negativa, pois era usado essencialmente como castigo aplicado a “menores abandonados” e “delinquentes” (RIZZINI, IRENE, 2002). No período compreendido entre 1930 e 1945, cresce o centralismo do Estado assistencialista, denominado Estado Novo, especialmente a organização dos serviços públicos de atendimento, fazendo frente à evidente fragilidade das iniciativas privadas até então hegemônicas. Até 1935, os menores abandonados e infratores eram, indistintamente, apreendidos nas ruas e levados a abrigos de triagem (RIZZINI, 1995). A década de 1940 traz consigo a promulgação do atual Código Penal Brasileiro, que passou a definir a idade de 18 anos para a imputabilidade penal. Traz também a criação, em 1942, do Serviço de Assistência ao Menor (SAM.), órgão do Ministério da Justiça, de orientação correcional-repressiva, estruturado sob a forma de reformatórios e casas de correção para adolescentes infratores e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos ,escolas de aprendizes e artífices mão de obra para o sistema produtivo( IFES),para menores carentes e abandonados (RIZZINI, 1995). Em 1964 os militares tomam o poder num golpe de Estado, iniciando um regime ditatorial, que se estendeu até meados da década de 1980. Em relação às políticas 17 e práticas sobre a infância desamparada, esse período, marca a identificação do início de uma nova fase histórica, que se estende até o final da década de 1980, iniciando-se com a extinção do SAM e a criação da Fundação Nacional do Bem- estar do Menor (FUNABEM) e das Fundações Estadual do Bem-estar do Menor (FEBEM) em cada estado da Federação (FALEIROS, 1995). A FUNABEM foi criada a partir das lutas de organismos não governamentais contra a ineficácia do SAM, e conforme as diretrizes oriundas da Declaração da ONU dos Direitos da Criança. Mas o sistema concreto institucional foi criado no espírito da Doutrina da Segurança Nacional, que militarizou a disciplina dentro dos internatos que, a partir de agora, já encerra definitivamente suas portas para a sociedade (FALEIROS, 1995). Na década de 1970, algumas iniciativas começaram a ser tomadas para superar a ineficácia dos modelos do Estado de atenção à criança, tanto por parte da Igreja Católica como do próprio Parlamento. Pouco a pouco, estas iniciativas, associadas ao incremento de grandes problemas sociais como o aumento da violência, analfabetismo e exploração sexual infanto-juvenil, foram minando a legitimidade do caráter autoritário e excludente das políticas para a infância que predominaram nas décadas de 1960 e19 70 (RIZINNI, 1995). Em 1979a Lei nº 6697 de 10 de outubro, passou a vigorar o novo Código de Menores, mantendo, contudo, o caráter repressivo do Código anterior. A filosofia era “correcional-repressiva”, aliada a uma visão “filantropo-caritativa”, segundo afirma Sales (2007, p. 85). Segundo Faleiros (1985), tendo como conteúdo a doutrina da proteção integral, mas baseada no mesmo paradigma do menor em situação irregular da legislação anterior, o Código de Menores de 1979 traz um dispositivo de intervenção do Estado sobre a família, que abriu caminho para o avanço da política de internatos-prisão. Os termos utilizados para se referir ao adolescente autor de delitos eram: menor, delito, delinqüente, punição, pena. Para Silva e Lehfeld (2015), a partir de 1979, ainda sob inspiração do Código de Menores, o conflito instalado pelo comportamento apresentado por crianças e adolescentes era tratado tomando-se a legislação como instrumento para a viabilização controle social da infância pelo Estado, sem qualquer preocupação com 18 a prevenção; somente a partir de 1990, passou-se a utilizar a concepção de proteção social e sujeitos de direito para se referir à condição da criança e do adolescente no Brasil. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído na década de1990, rompe com passado de exclusão social, ao permitir que crianças e adolescentes tenham acesso à proteção integral, valorizados como cidadãos de direito com perspectiva de sujeito em fase de desenvolvimento. Reconhece a diferença entre criança e adolescente, sendo considerada criança a pessoa com idade até doze anos incompletos, e adolescente aquela que possui de doze até dezoito anos (SINASE, 2006). O ECA vem substituir ao velho paradigma da situação irregular inerente ao Código dos Menores, Lei nº 6.697 de 10 de outubro de 1979, mudando os referenciais e o trato com as questões dos atos infracionais. Mas mesmo que o ECArepresenta uma mudança efetiva, no plano jurídico e político ainda não foi totalmente efetivado (SINASE, 2006). Com objetivo de avançar na legislação e efetivar a cidadania dos adolescentes em conflito com a lei o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente (CONANDA), criado pela Lei Federal nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, responsável para deliberar sobre as políticas de atenção à criança e adolescente tem cumprido o papel de normatizador e articulador, ampliando debates e sua agenda com os demais atores do Sistema de Garantia dos Direitos (SGD). (SINASE, 2006). Em 2004 a Secretaria dos Direitos Humanos (SEDH) em conjunto com o CONANDA e com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sistematizaram e organizaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), promoveram no mês de novembro de 2004 um amplo debate para construção de um documento para ser um guia na implementação das medidas socioeducativas (SINASE, 2006). Com o advento do ECA, novos termos passaram a ser utilizados para fazer referência à criança e ao adolescente e à situação de atos infracionais: criança e adolescente, ato infracional, sujeito em conflito com a lei, medidas socioeducativas. O SINASE descreve sobre esta mudança de paradigmas. As terminologias 19 depreciativas do código dos menores de 1979 vão aos poucos ficando em desuso, embora uma parte da sociedade ainda insista na manutenção de estigmas, que são especialmente fomentados pela mídia com interesses “escusos”. Mas mesmo com estas barreiras houve um avanço considerável a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (SINASE, 2006). O Estatuto promoveu a ruptura com o sistema que majorava anteriormente baseado na doutrina da situação irregular, porém somente a alteração na lei não garante a mudança de costumes da cultura do menorismo, tornando um desafio efetivar os direitos da criança e do adolescente (SINASE, 2006). O ECA foi promulgado no processo de abertura política, após quase 60 anos de tentativa pela reformulação do Código de Menores de 1927. O estatuto não se restringiu a declarar direitos, mas buscou definir mecanismos para a efetivação dos direitos, delegando responsabilidades da família, sociedade e do Poder Público. Dentre os instrumentos e mecanismos, podemos citar a descentralização das políticas públicas; a criação de Conselhos de Direitos para formular, deliberar e fiscalização de políticas; a criação de Conselhos Tutelares para atender às crianças e adolescentes; e a co-gestão entre Estado e sociedade civil (SINASE, 2006). Quando a questão recai sobre a tônica da responsabilização pelo ato infracional, Costa (2015) afirma que o Estatuto é claro ao considerar que os adolescentes são responsáveis pelos atos infracionais que praticam, com variação da intensidade da responsabilização, dependendo do tipo de infração cometida, aplicando-se as medidas socieducativas. O Sistema de Garantia de Direito (SGD) compõe articulação integrada das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação da lei e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente nos níveis municipais, estaduais e federais. O Art. 2 da Resolução 113 do CONANDA refere que Compete ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais coletivos e difusos em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoa em peculiar situação de desenvolvimento; colocando-os 20 salvo de ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações. O sistema de justiça necessita de integração para o bom funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). São órgãos judiciais como varas da infância e juventude, equipes multiprofissionais, varas criminais especializadas, tribunais do júri, as comissões judiciais de adoção, tribunais de justiça, corregedorias gerais de justiça. A efetivação dos direitos, do controle de ações públicas e defesa dos direitos humanos relacionados à criança e ao adolescente se dará através das instâncias públicas colegiadas onde garante a paridade de participação de órgãos governamentais e de entidades sociais, como os conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas e os órgãos e os poderes de controle interno e externo. Os art. 172/173 do ECA descrevem os processos que ocorrem quando o adolescente é flagrado na prática do ato infracional, considerando que, na prática do ato infracional pelo adolescente, deve-se levar em consideração o nível de gravidade. O adolescente apreendido em autoria de ato infracional deverá ser apresentado à autoridade policial da Delegacia Especializada de Adolescente em Conflito com a Lei com objetivo de formalizar o processo. Caso se constate o ato infracional e sua gravidade, sendo praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, lavrar-se-á o Auto de Apreensão de Ato Infracional, o delegado de polícia comunica à autoridade judiciária competente (Juiz da Vara da Infância e da Juventude) e também comunica aos responsáveis legais (pai, mãe e outros). No ato da apreensão, o adolescente deverá ser comunicado de seus direitos e, de preferência, ser liberado imediatamente (ECA, 1990). Segundo o Art.108 do ECA o adolescente poderá ficar internado no prazo máximo de 45 dias antes da sentença, que deverá ser baseada em provas suficiente para justificar a privação de liberdade. Já o Art. 22, refere que: “A medida de internação só poderá ser aplicada quando:1- Se tratar de ato infracionalcometido mediante de grave ameaça ou violência à pessoa 2- Por reiteração no cometimento de outras infrações graves; 3- Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anterior imposta” (ECA, 1990). 21 Na prática o adolescente em conflito com a lei pego em flagrante na prática do ato infracional, aplica a este, juntamente com o responsável legal, em um primeiro momento a Advertência (aplicada quando o adolescente praticou o ato infracional leve sem ameaça a terceiros, com objetivo de adverti-lo pelo ato e fazê-lo refletir sobre o mesmo e redirecionando o seu comportamento). Outra medida a ser aplicada em situações de cometimento de ato infracional vem a ser a Reparação de Danos (quando o ato infracional causa danos patrimoniais à vítima). Ainda como medida socioeducativa destaca-se a Prestação de Serviço á Comunidade (PSC), que é uma medida realizada em meio aberto e consiste em queo adolescente trabalhe em instituições sociais. Esta medida não pode ultrapassar a 06 meses, deve levar em consideração a aptidão laborativa do adolescente e não poderá interferir em seu aprendizado na rede de ensino. Será determinada pelo juiz e será executada com o apoio dos profissionais da Política de Assistência Social pelo equipamento denominado Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS). A Liberdade Assistida - LA (ART.112 do ECA,1990.) é uma medida que faz parte das Medidas de Meio Aberto e que são monitoradas pela rede de apoio CREAS. O pelo qual o adolescente se compromete em comparecer no CREAS referenciado pelo território por uma equipe multidisciplinar que poderá pedir o desligamento do adolescente se entender que esta medida não deverá ser mais necessária de acordo com o comportamento do adolescente. Em relação às medidas restritivas de liberdade estão a Inserção em Regime de Semiliberdade (SL) e a Internação em Estabelecimento Fechado sendo que a aplicação dessa última é o último recurso na socioeducação. As medidas socioeducativas deverão estar baseadas em princípios como obrigatoriedade em fornecer educação, profissionalização, garantia de atendimento personalizado respeitando a singularidade do adolescente. As internações deverão seguir as orientações do ECA e SINASE. Vale ressaltar que na aplicação das medidas deverá considerar a capacidade do adolescente de cumprimento, as medidas deverão ter caráter educativo e não punitivo, os profissionais envolvidos na socioeducação precisaram desenvolver no adolescente um caráter reflexivo sobre o ato que cometeu fazendo o entender a sua gravidade e consequências do ato praticado (ECA,1990). 22 O sistema de garantia fundamentais deverá estimular o adolescente a participação e atividade culturais, lazer e esporte, assistência à saúde, profissionalização, educação, respeito á religião, etnia e sexualidade. O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário [...] Ele deve desenvolver a capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios relacionados para avaliar situações relacionadas ao interesse próprio e ao bem comum, aprendendo com a experiência acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e produtiva (CONANDA, 2006, p. 51). A família tem um papel indispensável para que o adolescente cumpra a medidas socioeducativa. Segundo o ECA as medidas não se resumem ao adolescente mas a família e o Estado deverão ser ativo neste contexto (ECA,1990). O adolescente será acompanhado pelo CREAS/LA/PSC, por uma equipe multidisciplinar que deverá apresentar habilidades para tratar com as famílias desses adolescentes. A considerar os diferentes e diversos arranjos familiares e que a família, na contemporaneidade, não se restringe ao modelo de família nuclear, os diversos grupos familiares serão considerados sem preconceitos, tais como: as monoparentais, divorciados, novas uniões, união homoafetiva, dentre outros. A Política Nacional de Assistência (PNA) define a família como o conjunto de pessoas unidas por laços consanguíneos, afetivos, solidários, sendo que é por meio delas que se constrói marcas entre gerações, valores culturais e morais. Em relação às medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes em autoria de ato infracional, a família é envolvida no cumprimento das medidas, sendo diretamente inserida no processo, pois se constitui como responsável legal do adolescente em prática do ato infracional. Este processo se materializa na construção do Plano Individual de Atendimento (PIA) - Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 (SINASE, 2006). O CREAS desenvolve ações como atendimentos individuais e grupais para o adolescente e para a família, por meio de cursos profissionalizantes, parcerias com organizações, encaminhamento do adolescente à rede de atendimento como saúde, educação, cultura. A articulação da rede promove inserção aos direitos fundamentais que paradoxalmente terão acesso a estes quando na prática do ato infracional. 23 Quando a família participa ativamente no cumprimento das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente a possibilidade de êxito se potencializa considerando que um dos princípios da medidas se dá o fortalecimento de vínculos, diminuindo consequentemente a possibilidade de retornar a prática do ato infracional. No Brasil especificamente no Espírito Santo o Instituto de Atendimento Socioeducativo (IASES) é responsável pelas medidas socioeducativas e vem ao longo dos anos desenvolvendo de forma efetiva o cumprimento das medidas socioeducativas. Conta com equipes multidisciplinares altamente comprometidas com a socioeducação, e com uma estrutura física que tem sido referência para alguns estados. É fato que a realidade social vai além do que este instituto pode abarcar, pois a questão do adolescente em prática do ato infracional é para além de apenas aplicação e cumprimento de medidas socioeducativas. A autoria de atos infracionais carrega consigo questões de privação e violação dos direitos fundamentais que são impostos aos adolescentes e suas famílias. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se perceber que os adolescentes que se envolvem nas práticas atos infracionais,tem cor,raça,endereço,classe social. Em sua maioria são adolescentes privados dos direitos fundamentais,vínculos familiares fragilizados,sem acesso à moradia,saúde,educação,lazer,cultura,dependentes de substâncias psicoativas,precocemente arregimentados para o exército do tráfico de drogas, o que permite que muitas das famílias sejam sustentadas pela renda do “trabalho informal” deste adolescente. As famílias são frequentemente culpabilizadas, pelo senso comum são consideradas “desestruturadas” com filhos “sem limites” que cometem crimes. Entretanto, trata-se de famílias em situação de vulnerabilidades, expostas a riscos sociais que resultam da pobreza, do desemprego e baixa escolaridade, contexto de vida que colabora para a inserção do adolescente no universo das práticas infracionais. O Estatuto da Criança e do Adolescente é um divisor de água quando se refere à política de proteção integral. A partir da Constituição Federal de 1988 houve um considerável avanço em políticas públicas voltadas para o adolescente e suas famílias,porém no processo de redemocratização também pode-se perceber a 24 contra-reforma com o advento do neoliberalismo imposto pelo grande capital, que incide sobre os direitos sociais e sobre as políticas públicas. É nesse contexto em que se insere o profissional de serviço social, para atuar com adolescentes na condição de autoria de ato infracional. Para tanto o assistente social deverá se valer do seu código de ética e seus princípios fundamentais como: a defesa intransigentedos direitos humanos e recusa do autoritarismo,ampliar e consolidar a cidadania,se posicionar em favor da equidade e justiça social assegurando a universalidade de acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais. O profissional do Serviço Social deverá ter um conhecimento profundo da questão social, ter habilidade para trabalhar em equipe multidisciplinar com intervenções voltadas ao interesse do adolescente e seus familiares. Desta forma pode-se concluir que o ECA a Constituição Cidadã,não são suficientes para erradicar do nosso país crianças e adolescente em situação de risco social e com potencial para a arregimentação ao submundo das drogas. É de suma importância que gestores tenham um olhar voltado à prevenção e cuidado,promoção de políticas públicas que assegurem acesso aos bens fundamentais para o desenvolvimento do ser humano. Com Estado, a família, sociedade comprometidos com o bom desenvolvimento destas crianças um dia não precisaremos privar crianças e adolescentes de seu convívio familiar e as unidades socioeducativas poderiam ser transformadas em escolas em tempo integral com professores valorizados e alunos sendo estimulados na busca do saber. REFERÊNCIAS ARIÈS, PHILIPE. 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