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Volta ao Mundo em 25 Ensaios - Relações Internacionais e Economia Mundial.

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Paulo Roberto de Almeida 
 
 
 
 
VOLTA AO MUNDO EM 25 ENSAIOS 
RELAÇÕES INTERNACIONAIS E ECONOMIA MUNDIAL 
 
 
 
 
 
 
Hartford 
Edição do Autor 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Volta ao Mundo em 25 Ensaios 
Relações Internacionais e Economia Mundial 
 
 
 
 
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Volta ao Mundo em 25 Ensaios 
Relações Internacionais e Economia Mundial 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Paulo Roberto de Almeida 
Doutor em ciências sociais. 
Mestre em economia internacional. 
Diplomata. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Edição do Autor - 2014 
 
 6 
 
Direitos de publicação reservados: 
© Paulo Roberto de Almeida 
2014 
 
 
 
 
 
_______________________________________________________ 
 
ALMEIDA, Paulo Roberto. 
Volta ao Mundo em 25 Ensaios: Relações Internacionais e Economia 
Mundial; Hartford: Edição do Autor, 2014. 
110 p. 
 
 1. Política internacional. 2. Relações internacionais. 
3. Economia. 4. História. 5. Sociologia. 6. Globalização 
7. Brasil. 8. Marxismo. 9. Título 
 
_______________________________________________________ 
 
 
 
Informação sobre a capa: composição do autor sobre ilustração do Google Images 
 
 
 
Contato com o autor: 
www.pralmeida.org 
pralmeida@me.com 
(1.860) 989-3284 
 
 
Esta versão: 04/11/2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
Grande dúvida: grande despertar. 
Pequena dúvida: pequeno despertar. 
Nenhuma dúvida: nenhum despertar. 
Máxima Zen 
 
 
 
 
 
 
 
Facts are stubborn things; and whatever may be our wishes, our inclinations, 
or the dictates of our passions, they cannot alter the state of facts and evidence. 
John Adams 
In: Thomas Sowell, Economic Facts and Fallacies 
(New York: Basic Books, 2011, p. iii) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
From a very early age, ... I knew that when I grew up I should be a writer. Between the 
ages of about seventeen and twenty-four I tried to abandon this idea, but I did so with 
the consciousness that I was outraging my true nature and that sooner or later I should 
have to settle down and write books. 
George Orwell, “Why I Write” 
In: A Collection of Essays of George Orwell 
(New York: Harcourt Brace, 1953, p. 309) 
 
 
 9 
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Índice 
 
Apresentação 11 
 
1. Por que o mundo é como é, e como ele poderia ser melhor... 17 
2. Economia mundial: de onde viemos, para onde vamos? 22 
3. Política internacional: por que não temos paz e segurança? 26 
4. Direitos humanos: o quanto se fez, o quanto ainda resta por fazer 29 
5. Políticas econômicas nacionais: divergências e convergências 32 
6. Cooperação internacional e desenvolvimento: isso muda o mundo? 36 
7. Guerra e paz no contexto internacional: progressos em vista? 39 
8. Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata? 42 
9. Duas tradições no campo da filosofia social: liberalismo e marxismo 45 
10. Como organizar a economia para o maior (e melhor) bem-estar possível 49 
11. Livre comércio: uma ideia difícil de ser aceita (e, no entanto, tão simples) 53 
12. Políticas ativas pelos Estados funcionam?; se sim, sob quais condições? 56 
13. Competição e monopólios (naturais ou não): como definir e decidir? 59 
14. Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados? 62 
15. Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres? 65 
16. Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos? 68 
17. Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível? 71 
18. Por que o Brasil avança tão pouco: sumário das explicações possíveis 74 
19. Distribuição de renda: melhor fazer pelo mercado ou pela ação do Estado? 77 
20. Brasil: o que poderíamos ter feito melhor, como sociedade, e não fizemos? 80 
21. Qual a melhor política econômica para o Brasil?: algumas opções pessoais 84 
22. Qual a melhor política externa para o Brasil?: algumas preferências pessoais 87 
23. O que podemos aprender com a experiência dos demais países? 91 
24. Nossa contribuição para o mundo: onde o Brasil pode ser melhor 95 
25. Itinerário percorrido e o que resta fazer 98 
 
Apêndices 
Relação dos ensaios publicados no site Ordem Livre 103 
Livros publicados pelo autor 106 
Nota sobre o autor 110 
 
 
 11 
.............................................................. 
Apresentação 
 
 
 
Os ensaios constantes deste pequeno livro resultaram, originalmente, de um convite 
efetuado por meu amigo Diogo Costa, quem, no final de 2009, sugeriu que eu contribuísse, 
durante todo o ano de 2010, com uma série de ensaios a serem divulgados quinzenalmente no 
site Ordem Livre (ordemlivre.org). Os temas seriam de minha livre escolha, com a 
expectativa, apenas sugerida, de que eles fossem representativos de meu pensamento sobre a 
ordem econômica e política internacional e brasileira, por meio de pequenos textos se possível 
formulados numa linguagem didática, acessível, portanto, a um público mais vasto. Diogo 
não me impôs nenhuma diretriz específica, mas, em correspondência de 7 de dezembro de 
2009, sugeriu que meus ensaios sintéticos pudessem promover pelo menos um dos seguintes 
princípios: (a) liberdade individual; (b) livre mercado; (c) governo limitado; (d) paz. 
Cabe registrar que não tenho, atualmente, nenhuma objeção quanto a qualquer um 
desses princípios, embora, em minha juventude, eu possa ter exibido, durante vários anos, 
uma grande desconfiança tanto do livre mercado (depreciativamente identificado ao 
capitalismo predatório e desigual), quanto do governo limitado (que os estatistas identificam 
ao Estado mínimo), consoante a formação gramsciana, e mesmo marxista, que recebíamos nas 
instituições de ensino. Esta era, e suponho que ainda seja em grande medida, a communis 
opinio na maior parte do establishment acadêmico brasileiro, embora o cenário possa estar se 
alterando aos poucos, dada a exacerbação cansativa daquilo que eu mesmo já chamei de 
“gramscismo de botequim” e de “marxismo de orelha” (ou seja, apenas aprendido nas aulas 
de algum docente iluminado, não necessariamente na leitura das obras de Marx e outros 
epígonos). Mais, passons... 
Diogo também indicou sua preferência em que meus textos estivessem voltados a 
contestar argumentos, não intenções, e que eles se limitassem a atacar (ou defender) ideias, 
não pessoas ou grupos. Estas foram, em tudo e por tudo, as recomendações efetuadas naquela 
ocasião, o que achei totalmente pertinente e adequado a um espaço público liberal e 
democrático como é o site Ordem Livre. Com base nessas explicações suficientemente claras, 
e a despeito de estar me preparando, naquele mesmo momento, para um estágio de vários 
meses na China, decidi aceitar seu convite, tendo plena consciência – o que representaria um 
esforço extraordinário de síntese e de concisão – de que os meus textos não poderiam 
ultrapassar o tamanho ideal de duas páginas, o que representava um desafio e tanto para quem 
 12 
se acostou, desde os bancos universitários, a ser desnecessariamente extenso em tudo o que 
escreve, na mesma linha de um prolixo “estilo florestânico” absorvido na leitura das obras do 
mestre da escola paulista de sociologia (e um marxista esclarecido, embora dogmático, sob 
vários aspectos). 
 
Assumindo a encomenda de certa forma desafiadora, passei imediatamente a redigir os 
textos aqui compilados, antes mesmo de partir para a China, o que foi feito rapidamente entre 
o Natal e o Ano Novo de 2009, com a única exceção do 25o. ensaio, que deixei para redigir 
quando já estivesse vivendo naquela autocracia que o sociólogo alemão Karl Wittfogel 
caracterizou como sendo o melhor exemplo do “despotismooriental”. Escolhi fazer ensaios 
nos terrenos da economia mundial e das políticas públicas, que são os meus temas mais 
frequentes de leituras e pesquisas, em torno dos quais eu costumo fazer sínteses explicativas 
que depois são transmutadas em aulas, ou expressas em textos divulgados nos meios de 
comunicação social que uso ou frequento. 
Com base nas perguntas mais recorrentes com que sou confrontado nessas interações 
diretas, em aulas ou por meio das ferramentas associadas à internet, tentei redigir ensaios 
curtos que pudessem atender às dúvidas de alunos e de interlocutores, bem como de possíveis 
leitores nesses ambientes abertos. Eles cobrem alguns dos temas mais comuns das relações 
internacionais contemporâneas, meu campo de pesquisas e de estudos nas últimas décadas, 
depois de ter começado minha trajetória intelectual pelos caminhos mais frustrantes – pelo 
menos no Brasil – da sociologia do desenvolvimento. 
Um foco especial, justamente, estava dirigido a questões vinculadas à economia 
mundial e ao desenvolvimento brasileiro e latino-americano, sem excluir, quando era o caso, 
uma breve discussão em torno das políticas macroeconômicas e setoriais em aplicação no 
Brasil. Os ensaios foram concebidos num espírito essencialmente didático, e construídos em 
torno de um formato ideal que pretendia, idealmente, reproduzir a seguinte sequência de 
argumentos: (a) uma exposição inicial sobre a questão formulada no título de cada ensaio; (b) 
um balanço da situação corrente atinente ao tema, bem como o eventual tratamento dado a ele 
no mundo ou no Brasil; (c) algumas sugestões sobre como melhor encaminhar uma solução 
de melhor eficiência econômica e de maior utilidade social para os problemas detectados; (d) 
o que caberia adotar, como solução, em caso de dilemas detectados, ou as perspectivas e 
opções remanescentes oferecidas aos atores sociais e agentes públicos mobilizados em torno 
do problema focado. Com base nessa organização inicial, decidi formular uma lista tentativa 
de questões para serem encaminhadas e redigidas rapidamente. 
 13 
Consultando agora meus arquivos, encontrei o planejamento inicial de temas (e seus 
títulos) que pretendia abordar na série de ensaios, o que fiz em Paris, em 9 de dezembro de 
2009, numa etapa de volta de viagem preparatória que acabara de empreender na China, em 
Shanghai e em Beijing. Eis aqui a lista dos ensaios que me serviram de guia naquela ocasião: 
1. Por que o mundo é como é (e como ele poderia ser melhor...) 
2. Economia mundial: de onde viemos, para onde vamos? 
3. Política internacional: por que não temos paz e segurança? 
4. Direitos humanos: o quanto se fez, o quanto ainda resta por fazer 
5. Políticas econômicas nacionais: divergências e convergências 
6. Cooperação internacional e desenvolvimento: isso muda o mundo? 
7. Guerra e paz no contexto internacional: progressos em vista? 
8. Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata? 
9. Duas tradições no campo da filosofia social: liberalismo e marxismo 
10. Como organizar a economia para o maior (e melhor) bem-estar possível 
11. Livre comércio: uma ideia difícil de ser aceita (e, no entanto, tão simples) 
12. Políticas ativas pelos Estados funcionam?; se sim, sob quais condições? 
13. Competição e monopólios (naturais ou não): como definir e decidir? 
14. Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados? 
15. Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres? 
16. Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos? 
17. Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível? 
18. Por que o Brasil avança tão pouco: sumário das explicações possíveis 
19. Distribuição de renda: melhor fazer pelo mercado ou pela ação do Estado? 
20. Brasil: o que poderíamos ter feito melhor, como sociedade, e não fizemos? 
21. Qual a melhor política econômica para o Brasil?: algumas opções pessoais 
22. Qual a melhor política externa para o Brasil?: algumas preferências pessoais 
23. O que podemos aprender com a experiência dos demais países? 
24. Nossa contribuição para o mundo: onde o Brasil pode ser melhor 
25. Uma volta ao mundo em 25 ensaios: itinerário percorrido e o que resta fazer 
 
Registro, ainda, esta anotação, feita naquele mesmo momento, num hotel de Paris: 
“Decisão tomada, planejamento feito, só me cabe dar a partida ao processo. Prazo: um ano; 
depois: fechamento do projeto e um balanço pessoal do percurso.” Para dar ainda maior 
consistência ao compromisso assumido, resolvi registrar e divulgar essa lista de trabalhos 
 14 
projetados num blog que mantinha naquela ocasião (mas ainda ativo), o DiplomataZ, o que 
fiz em 14 de dezembro de 2009 (o que pode ser visto neste link: 
http://diplomataz.blogspot.com/2009/12/26-uma-lista-de-possiveis-trabalhos-em.html). 
Mais adiante, tendo já redigido quase todos os textos, inseri esta nota na mesma 
postagem: “Apenas como informação, terminei todos os trabalhos, entre dezembro de 2009 e 
janeiro de 2010, menos o último, que pretendo fazer mais adiante. Eles serão publicados 
progressivamente ao longo de 2010, sendo que eu terei oportunidade de revisar e corrigir 
alguma coisa no meio do caminho... Addendum em Abril de 2010, Shanghai, China.” 
 
O que pretendia, portanto, oferecer aos meus leitores, consoante minhas inclinações 
didáticas, era uma exposição inicial de cada uma das questões listadas naquele sumário, 
visando objetivos analíticos e prescritivos, seguida de um debate em torno das opções em 
jogo, ao se constatar um “problema” de relações internacionais ou de política econômica 
nacional, finalizando com propostas de políticas, segundo minhas próprias concepções. Ao 
redigir os ensaios, procurei não sobrecarregá-los em demasia com remissões a autores, teorias 
ou dados quantitativos, de maneira a tornar os textos mais leves e acessíveis a um público 
mais amplo. Também me fixei o objetivo ideal de tentar “esgotar” cada um dos assuntos em 
poucas páginas. Meus livros “normais” já são por demais acadêmicos e veem acompanhados 
– como é o caso nesse tipo de produção – de um aparato crítico e bibliográfico que torna, por 
vezes, prolixa a apresentação e a discussão de alguns dos problemas enfocados, mormente os 
de comércio e finanças internacionais. Daí a opção, no conjunto, por textos mais concisos e 
puramente descritivos, sem o jargão especializado em relações internacionais e dispensando a 
remissão a livros e autores consultados (ou já lidos) para compor os ensaios. 
Esta compilação representa, portanto, um grande esforço de síntese e de concisão, uma 
vez que tenho, como é sabido pelos meus poucos leitores, o péssimo hábito de estender-me 
por dezenas de páginas sobre as origens históricas, os desenvolvimentos correntes e as 
implicações políticas e econômicas das questões que normalmente entram em minha agenda 
de trabalho. Espero que o formato aqui adotado encontre leitores compreensivos e 
interessados em aprofundar cada um dos temas, aos quais eu terei prazer em sugerir ensaios 
analíticos mais “pesados”, ou fornecer uma bibliografia mais ampla sobre cada um deles. Em 
todo caso, trata-se de um exercício de redução de meus textos ao que deveria ser o tamanho 
ideal: escapar da verborragia grandiloquente (muitas vezes inútil) dos ensaios acadêmicos 
“normais” para tentar encontrar um público mais vasto, que a rigor não tem tempo, nem 
disposição, para enfrentar longas digressões intelectuais sobre temas e problemas correntes. 
 15 
Seguindo aquele roteiro inicialmente traçado, os textos foram elaborados numa única 
etapa sequencial, razão pela qual seria recomendável tentar seguir o raciocínio adotado nos 
ensaios também no seu ordenamento linear. Nada impede, contudo,de se buscar argumentos 
sobre cada uma das questões tratadas de forma independente e aleatória. Não se requer 
nenhuma leitura especializada em relações internacionais ou mesmo em economia para seguir 
a linha argumentativa contida em meus ensaios, concebidos e redigidos com os objetivos 
didáticos já mencionados. 
 
Parafraseando um personagem muito conhecido nos Estados Unidos, Will Rogers, eu 
também costumo dizer que as pessoas aprendem de duas maneiras: pela leitura ou com 
pessoas mais espertas. Eu não me considero mais esperto ou mais inteligente do que a média 
dos acadêmicos: acredito que sou apenas alguém esforçado, que lê mais do que a média, e que 
observa detidamente o mundo, aprendendo com os outros ou por meio da simples observação 
dos fatos, aqueles visíveis, disponíveis nos circuitos de informação, e os mais obscuros, que 
derivam de um contato mais intenso com os livros de história e de história econômica, tarefa 
muitas vezes associada a pesquisas que voluntariamente empreendo nesses terrenos. Tendo 
nascido em berço pouco esplêndido, em casa sem jornais ou revistas, e com raríssimos livros, 
aprendi desde cedo a buscar em bibliotecas essas fontes indispensáveis de acesso a um 
conhecimento mais consistente sobre os problemas do mundo. Tenho sido muito feliz na 
companhia dos livros, e é por isso que me dedico agora a colocar em livros um pouco do 
conhecimento que capturei ao longo de toda uma vida, não só na companhia dos livros, mas 
sobretudo na atenta observação das coisas do mundo. 
Certamente encontrei pessoas mais espertas pelo caminho, mas foi geralmente por 
intermédio desses prosaicos instrumentos de leitura, complementados pelo intenso 
acompanhamento da imprensa escrita e audiovisual, que aprendi um pouco do que sei sobre o 
mundo atualmente; também somos, Carmen Lícia e eu, nômades inveterados, sempre com o 
carro na estrada, ou e nos mais diferentes tipos de transportes, indo de um canto a outros nos 
muitos países em que já residimos ou que visitamos em viagens contínuas, constantes, 
incessantes. Talvez seja por isso mesmo que sempre recomendo a meus alunos não confiar 
tanto nos professores, mas ler intensamente, o tempo todo, com o objetivo de se tornarem 
autodidatas conscientes e deliberados. Exatamente o que sempre fui, em toda a minha vida, e 
não pretendo mudar agora que começo a fazer a síntese de tudo o que aprendi em anos e 
décadas de leituras, viagens e observações. 
 
 16 
Estes pequenos ensaios, sem quaisquer referências bibliográficas, sem remissões 
documentais, e praticamente sem qualquer aparato quantitativo, na base de argumentos 
puramente qualitativos, talvez possam testemunhar quanto à extensão desse meu 
autodidatismo radical. Nunca hesitei, aliás, em recomendar a mesma atitude a todos os meus 
alunos, meus interlocutores, aos eventuais leitores: leiam sempre, mas, sobretudo, olhem o 
mundo, e pensem com sua própria cabeça; garanto que funciona... 
 
 
Paulo Roberto de Almeida 
Hartford, 4 de novembro de 2014 
 
 
 
 17 
1. Por que o mundo é como é, e como ele poderia ser melhor... 
 
 
 
Imaginemos um viajante estratosférico, vindo para a Terra em sua espaçonave, 
procurando distinguir e compreender o que vê, em aproximações sucessivas. Primeiro 
visualizaria aquele planeta azul de que falam os astronautas; depois identificaria grandes 
manchas cinzas ou verdes, segundo os oceanos focalizados, manchas interrompidas aqui 
e ali por massas de cores e tamanhos distintos, correspondendo às regiões dos cinco ou 
seis continentes entrevistos do espaço: verde para as densas florestas tropicais, o 
amarelo ou ocre dos espaços desérticos, as tonalidades mais claras das regiões 
temperadas e o branco dos polos; por fim, teria a grande variedade de cores exibida 
pelas implantações agrícolas e construções urbanas das muitas sociedades humanas. 
Chegando mais perto, ele veria que algumas dessas explorações rurais exibem 
um quadriculado perfeito, correspondendo ao que chamamos de agronegócio, enquanto 
outras estão dispersas em vastas zonas de ocupações irregulares, com muita destruição 
dos recursos naturais em volta e alguma degradação ambiental: são as unidades de 
exploração familiar, de subsistência e de baixa produtividade, geralmente nas regiões 
tropicais. Quanto às zonas urbanas, nosso viajante extraterrestre teria todos os tipos de 
paisagens: enormes cidades modernas, repletas de grandes edifícios modernos, cortadas 
por vias expressas; pequenas cidades do interior, de arquitetura mais tradicional; e uma 
variedade de grandes ou pequenas cidades com todos os tipos de habitações: 
condomínios de luxo, mansões espetaculares, mas também favelas urbanas e 
ajuntamentos periféricos, revelando a imensa desigualdade da condição humana nas 
sociedades nacionais que se distribuem por todas essas regiões e continentes. 
Planando, agora, a baixa altura sobre essas cidades, nosso visitante exterior teria 
todas as combinações possíveis à sua disposição: pessoas de alta renda se deslocando 
em carros de luxo ou em helicópteros pessoais, cidadãos de classe média fazendo 
compras em shoppings multicoloridos pelos neons atrativos, trabalhadores 
especializados concentrados em fábricas ou escritórios, empregados informais em 
situação de exploração abjeta em negócios não registrados, capitalistas do campo aqui, 
agricultores miseráveis e trabalhadores volantes ali, em regiões de agricultura primitiva 
e de baixa produtividade. Nas ruas e semáforos, ele se depararia com carros fechados, 
passantes apressados, vendedores de ocasião e uma quantidade variável de pedintes 
 18 
andrajosos, dependendo do país ou região que estivesse sobrevoando. Nas zonas 
tropicais os contrastes seriam certamente mais fortes do que nas temperadas, embora as 
migrações humanas, legais e clandestinas, venham colorindo todo o planeta de todas as 
gradações possíveis no imenso leque de riquezas e misérias humanas. 
Este é o nosso mundo, rico e miserável ao mesmo tempo, contraditório e 
desigual nas situações econômicas e nos regimes políticos, extremamente variado nas 
línguas e religiões, mas unificado pelos mesmos desejos humanos de algumas coisas 
muito simples: comida, segurança, bem-estar material, boa saúde, disponibilidade de 
bens úteis à existência e alguma perspectiva de melhora no curso da própria geração. 
Todos aspiram a essas mesmas coisas, em graus variáveis de necessidade ou ambição, 
assim como todos desejam um bem intangível, um pouco mais difícil de ser ‘entregue’: 
a felicidade humana; isto é, a realização de outros sentimentos ainda mais subjetivos: o 
amor, o afeto, a satisfação pessoal no convívio com entes queridos. 
Se ao nosso viajante estratosférico fosse facultado pesquisar livremente entre os 
terráqueos as fontes e as razões daquela sensação que os anglossaxões chamam de 
fulfilling (e que os franceses designam por accomplissement), ele constataria que a 
condição básica para sua realização é simplesmente esta: a liberdade de escolha. Poder 
escolher onde morar, definir uma profissão, realizar-se como ser social, dispor de uma 
renda suficiente para fazer suas próprias opções em termos de bens materiais e ofertas 
culturais que melhor atendam suas necessidades ou seus gostos pessoais, deslocar-se 
livremente pelo planeta para visitar templos, museus, florestas e praias, comer em bons 
restaurantes, comprar roupas vistosas e confortáveis, ser atendido nos melhores 
hospitais e poder conversar livremente e relacionar-se com quem encontrar pela frente, 
ou simplesmente ficar sentado em frente da televisão, sem outras preocupações do que a 
certeza de que se dispõe de seres amados em volta de si, que lhe dão a segurança de 
uma vidatranquila, sem os sobressaltos de guerras, da violência, da delinquência ou de 
catástrofes de qualquer tipo. 
Esse talvez seja o conjunto de requisitos materiais e imateriais que poderiam 
definir aquilo que chamamos de felicidade humana, um estado ainda relativamente raro 
em muitas sociedades humanas em pleno século 21. A felicidade não está diretamente 
correlacionada ao PIB per capita ou ao IDH dos países, embora não se possa descartar a 
imensa interface que existe entre, de um lado, um nível satisfatório de renda e de 
 19 
serviços públicos (como a assistência à saúde, por exemplo), bem como um provimento 
adequado de educação de base para o enfrentamento dos problemas mais comezinhos da 
vida humana; e, de outro, essa sensação d’accomplissement, que se aproxima, em parte, 
da felicidade. A felicidade é, simplesmente, a liberdade que se tem de poder escolher, 
sem muitas restrições materiais, aquilo que nos faz ser feliz; para isso é preciso dispor 
de um mínimo (ou provavelmente mais do que isso) de recursos, compatíveis com o 
“valor” do bens – materiais ou intangíveis – que tragam a sensação de ser feliz. 
O fato é que a imensa maioria dos seres humanos, talvez dois terços de um 
planeta com mais de sete bilhões de habitantes, não dispõe da simples liberdade de 
escolher onde trabalhar, onde morar, como garantir sua segurança alimentar, sua 
segurança física ou até a satisfação de necessidades bem mais simples: água potável, 
saneamento básico, transporte acessível, escolas e hospitais de qualidade, escolas, sem 
mencionar a liberdade de escolher quem definirá as regras que impactarão a sua vida no 
trabalho, na disponibilidade da renda pessoal, na habitação e na segurança, justamente. 
Um dos argumentos frequentemente aventados para explicar essas imensas 
desigualdades distributivas e de acesso aos bens materiais e intangíveis é a de que os 
ricos se tornaram ricos porque extraíram sua riqueza dos pobres, ou seja, povos ou 
países pobres dominados e explorados pelos cidadãos ricos dos países ricos, cabendo, 
portanto, liquidar com a dominação e com essa exploração para corrigir imediatamente 
as iniquidades existentes. Existe toda uma literatura de baixa qualidade, mas de fácil 
aceitação, que pretende justamente que a riqueza de uns é devida à pobreza de outros. 
Esse simplismo e esse maniqueísmo já não são mais aceitáveis hoje em dia, se 
algum dia o foram. Para recusar esse tipo de argumento equivocado, bastaria, aliás, ao 
nosso extraterrestre examinar a situação do Haiti; ele pode fazê-lo tanto a partir da 
estratosfera – de onde ele veria a mesma ilha, Hispaniola, perfeitamente dividida numa 
porção verde, à direita, a República Dominicana, e numa mancha ocre e desolada do 
lado esquerdo, que corresponde exatamente ao Haiti –, quanto no plano histórico-
político, que informa que o Haiti foi a primeira colônia da América Latina a se libertar 
da dominação europeia, ainda no final do século 18. Pois bem, o Haiti nunca foi 
explorado diretamente por potências estrangeiras desde então, constituindo uma nação 
independente que escolheu o seu próprio caminho para o subdesenvolvimento e para a 
degradação ambiental. Uma mistura de elites insensíveis – e até predatórias – e uma 
 20 
população miserável, jamais educada para explorar os recursos naturais de forma 
sustentável, tais fatores representaram a “receita” terrível que levou o Haiti à situação 
que ele exibe ainda hoje (e no futuro previsível): não só um Estado falido, mas uma 
sociedade arrasada pela degradação ambiental e pela desestruturação social. Em uma 
palavra: uma população sem qualquer liberdade de escolha, a não ser (embora muito 
precariamente) a de emigrar e de tentar refazer a vida em outros países. 
O Haiti não é o que é hoje por excesso de “exploração capitalista”, como querem 
alguns, mas provavelmente pela insuficiência de “exploração” capitalista, pela 
incapacidade de suas elites de inserir o país nos amplos circuitos da economia mundial, 
de onde poderiam vir a tecnologia, os capitais, a inovação e, sobretudo, as ideias que 
permitiriam ao país um pouco de progresso, de prosperidade, enfim, um pouquinho de 
felicidade humana. O erro fatal do Haiti foi ter se isolado da comunidade internacional, 
da economia mundial, e preservado estruturas defasadas, feitas de má educação, de 
escassos valores cívicos, baixa integração social. Tudo isso deixou o Haiti num patamar 
de baixa produtividade do trabalho humano, com reduzidas possibilidades de 
crescimento econômico e, atualmente, com poucas saídas para sua inserção 
internacional. 
Povos atrasados são feitos, antes de mais nada, de países isolados. A geografia e 
a história confirmam essa verdade elementar. Embora não existam determinismos 
geográficos ou fatalidades históricos, as condições naturais condicionam, em certa 
medida, as possibilidades de desenvolvimento. Nada absoluto nesta frente, do contrário, 
o Japão, uma ilha dotada de poucas terras agricultáveis, escassos recursos naturais e 
quase nenhuma energia própria, seria um país condenado ao subdesenvolvimento e a 
baixos padrões de vida. No entanto, se trata de uma das sociedades mais ricas do 
planeta, ainda que essa riqueza só tenha “brotado” nos últimos 150 anos, bem depois 
que o Haiti se despediu da condição de ser uma das colônias mais ricas do Caribe. 
Olhando o mundo de maneira desprevenida, nosso extraterrestre veria que os 
países mais abertos à inovação, ao comércio, aos intercâmbios ilimitados com todos os 
demais povos são também as sociedades e nações mais avançadas e progressistas, de 
maior nível de renda e com um grau de ‘felicidade humana’ um pouco maior. Isso só se 
alcança com liberdade de escolha, e esta depende fundamentalmente de quão aberto é o 
país ao exterior. O Japão, justamente, se manteve isolado de intercâmbios com o mundo 
 21 
exterior durante muito tempo, mas quando despertou para o seu atraso em relação aos 
países mais avançados decidiu rapidamente adotar padrões e tecnologias estrangeiras, 
enviando milhares de seus jovens estudar no exterior, a partir da Revolução Meiji. A 
China não faz nada diferente, no último meio século, depois de ter enfrentado uma 
decadência secular, fruto, justamente, de seu isolamento em relação ao mundo. 
Nosso viajante exterior, mesmo sem ser especialmente educado em economia ou 
sem dispor de estatísticas completas, não teria muita dificuldade em concluir que a 
liberdade individual, a liberdade de dispor de seus bens sem que alguém (ou o próprio 
Estado) ameace tomá-los de maneira arbitrária, a liberdade de poder transacionar esses 
bens (ou a sua própria força de trabalho) sem muitas restrições impostas por governos 
intrusivos, essas qualidades são as que criam povos ricos, sociedades prósperas e 
amantes da paz. 
Falaremos em maior detalhe sobre tudo isso nos próximos ensaios... 
 
 22 
2. Economia mundial: de onde viemos, para onde vamos? 
 
 
 
Economia mundial não é um termo que se possa empregar antes do século 16 e 
ainda assim com certa reserva. Mesmo a partir da unificação geográfica do mundo, 
conduzida na era dos descobrimentos europeus por Colombo, Vasco da Gama e Fernão 
de Magalhães, a economia mundial não era, em absoluto, universal. Nessa primeira 
onda de globalização, de caráter mercantil, tratava-se, mais exatamente, de um 
arquipélago de economias centrais, predominantemente de origem europeia, vinculadas 
às suas respectivas periferias nas novas terras “descobertas” e conquistadas, mediante 
um sistema usualmente conhecido como ‘exclusivo colonial’. Os demais centros 
regionais – o ‘Império do Meio’ (China), o império Mogul, na Índia, o mundo 
muçulmano (que começava a ser unificado sob o jugootomano) e outros ‘blocos’ sub-
regionais, na Eurásia ou nas Américas – não tinham realmente condições de disputar 
qualquer hegemonia econômica mundial, como diriam os marxistas. 
Até o final do século 18, China e Índia constituíam duas grandes economias, 
produzindo bens valorizados nos mercados ocidentais, mas dotadas de instituições 
pouco adaptadas aos desafios da nova economia industrial, caracterizada pelo que se 
poderia chamar, ainda no jargão marxista, de um ‘modo inventivo de produção’. Foi 
precisamente a partir da revolução industrial na Inglaterra, nessa mesma época, que tem 
início a diferenciação dos centros econômicos mundiais, processo que os historiadores 
econômicos chamam de ‘grande divergência’, ou seja, a aceleração da transformação 
tecnológica no Ocidente, seguida da dominação absoluta das potências europeias sobre 
o resto do mundo (destinada a durar cinco séculos, talvez até hoje). 
Essa segunda grande onda da globalização, de natureza industrial, conforma o 
que se poderia chamar, pela primeira vez, de economia mundial, uma rede integrada de 
centros produtores de matérias primas, de um lado, servidas pelos centros financeiros 
europeus – com a libra inglesa e os bancos britânicos em seu núcleo – e as oficinas 
manufatureiras, de outro, dotadas das novas tecnologias industriais de produção em 
massa. As economias nacionais, até então pouco diferenciadas entre si – posto que 
uniformemente e predominantemente de base agrícola ou mercantil – começam a exibir 
diferenças estruturais, a partir de níveis de produtividade bem mais elevados nos 
sistemas industriais. A defasagem de renda começa sua escalada para índices sempre 
 23 
crescentes, entre o centro e a periferia, num processo que se desenvolveria durante 
praticamente dois séculos, com um recrudescimento ainda mais intenso durante a maior 
parte do século 20, para diminuir apenas a partir da terceira onda de globalização, 
depois da derrocada do socialismo, a partir do último quinto desse século. 
No intervalo, a economia mundial capitalista seria desafiada por duas ameaças 
muito diferentes, entre si, mas concordantes em sua ação desagregadora de um sistema 
verdadeiramente unificado de relações mercantis e financeiras. A partir da primeira 
guerra mundial, as crises recorrentes dos centros capitalistas desenvolvidos no entre 
guerras (em especial a de 1929 e a depressão que se seguiu) e a implantação de sistemas 
coletivistas (o primeiro, de natureza soviética, desde 1917, e os fascismos, pouco 
depois), com suas experiências estatizantes e antiliberais, representaram uma ‘breve’ 
interrupção de setenta anos no processo de globalização. No imediato pós-segunda 
guerra mundial, as muitas experiências de nacionalizações e de estatizações no Ocidente 
capitalista, com seu cortejo de práticas intrusivas, dirigistas e planos de 
‘desenvolvimento’ (com muito planejamento estatal centralizado, mesmo no 
capitalismo) representaram, igualmente, um retrocesso na reunificação de um sistema de 
mercado verdadeiramente mundial, desde então colocado sob a égide dos dois irmãos de 
Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial) e do GATT (OMC, em 1995). 
Foi somente a partir das reformas econômicas ‘neoliberais’ iniciadas na China a 
partir dos anos 1980 e da implosão e quase completo desaparecimento dos regimes 
socialistas, entre 1989 e 1991, que o processo de reunificação da economia mundial é 
retomado, no bojo da terceira onda de globalização capitalista, desta vez dominada pela 
sua vertente financeira (mas que inclui também os investimentos diretos). O fim do 
socialismo representou pouco em termos de concorrência manufatureira – já que o 
socialismo era um medíocre produtos de bens industrializados – e menos ainda em 
termos de fluxos financeiros e tecnológicos – onde os países socialistas eram ainda mais 
marginais, senão irrelevantes – mas significou um impacto decisivo em termos de 
mercados e, sobretudo, de mão-de-obra (com um destaque absoluto para a China). 
A fase atual, se ainda não pode ser identificada com um novo processo de 
‘convergência’ da economia mundial, caracteriza-se, pelo menos, pela diminuição da 
divergência entre as regiões – com notáveis exceções, como nos casos da África, do 
Oriente Médio e em grande medida da América Latina – e pelo rápido catch-up 
 24 
experimentado por alguns emergentes dinâmicos. No curso dos últimos vinte anos de 
globalização, a China e a Índia retiraram centenas de milhões de pessoas de uma miséria 
abjeta, colocando-as numa situação de pobreza moderada, justamente em função das 
reformas econômicas empreendidas e de sua inserção na globalização. Esse processo 
deve continuar, pelo menos naqueles países que decidiram substituir antigas políticas 
protecionistas e estatizantes por uma abertura ao comércio internacional e aos 
investimentos estrangeiros diretos. 
O lado financeiro permanece ainda a dimensão problemática da globalização, 
não porque a liberdade de circulação de capitais seria, em si, desestabilizadora das 
economias nacionais, mas porque os governos ainda insistem em praticar políticas 
monetárias e cambiais inconsistentes com os novos dados da economia mundial. O 
monopólio dos bancos centrais na emissão de moedas-papel, na fixação das taxas de 
juros (sem correspondência efetiva com o equilíbrio real dos mercados de capitais) e seu 
papel na manutenção de regimes cambiais irrealistas e desajustados explica muito das 
crises financeiras ocorridas na segunda metade dos anos 1990 e em 2007-2009. As 
bolhas que se formam não são o resultado de ‘forças cegas do mercado’ – como 
políticos inescrupulosos e economistas pretensamente keynesianos proclamam – mas 
sim a consequência das manipulações dos governos em setores sensíveis da economia 
real. A possibilidade de maiores progressos em direção à convergência econômica 
mundial depende, assim, tanto da continuidade da abertura dos países ao processo de 
globalização quanto da habilidade dos governos em manterem soberania monetária e 
cambial no novo contexto criado pela unificação paulatina dos mercados de capitais. 
Não é provável que essa convergência se dê rapidamente, tendo em vista a 
resistência de muitos governos à abertura comercial e financeira e sua tendência a 
continuar manipulando taxas de juros e regimes cambiais, mas é previsível que a 
globalização continue avançando naqueles países e regiões propensos a aceitarem as 
novas regras de mercado. Independentemente do que digam aqueles que condenam as 
novas políticas ‘neoliberais’, é um fato que os países que mais progressos fizeram no 
plano do crescimento econômico e da prosperidade de seus povos são aqueles que mais 
rapidamente souberam integrar-se comercialmente na economia mundial, e dela 
puderam aproveitar os efeitos benéficos dos investimentos diretos, que trazem capitais, 
 25 
know-how e tecnologia. A lição parece ter sido aprendida, mas nem todos souberam 
dela retirar os ensinamentos adequados. Ça viendra, à son temps... 
 
 
 26 
3. Política internacional: por que não temos paz e segurança? 
 
 
 
A história da humanidade é, em grande medida, uma história de guerras, como 
ensina John Keegan em seus muitos livros de história militar. Guerras de conquista por 
territórios, recursos e escravos; guerras de defesa contra inimigos mais poderosos; 
impérios expansionistas (desde os mongóis, sobre a China, até a Alemanha e o Japão, 
no século 20); alianças militares (defensivas e ofensivas) e enormes gastos estatais com 
aparatos bélicos custosos; e, finalmente, uma tentativa de deslegitimar a guerra, no 
contexto do direito internacional. Este é o cenário evolutivo – nem sempre para melhor 
– das sociedades humanas desde a mais remotaantiguidade. Os ‘progressos’ da 
civilização também assistiram à expansão exponencial da capacidade de matar, como 
demonstrou Niall Ferguson (em The War of the World). 
É duvidoso que se possa traçar uma trajetória linear dos progressos da paz e da 
promoção dos direitos humanos desde aqueles tempos até os nossos dias; mas também é 
certo que o mundo fez enormes progressos desde a antiga prática de cortar orelhas e 
línguas e furar os olhos dos adversários vencidos (ou de simplesmente matá-los, 
convertendo suas esposas e filhos em escravos) até a observância relativamente bem 
aceita, atualmente, dos códigos de guerra e das limitações da ‘arte de matar’ que foram 
sendo gradualmente implementados desde o surgimento da Cruz Vermelha e dos 
diversos protocolos a esse respeito identificados com Haia e Genebra, sobretudo. 
Em uma palavra, a política internacional tornou-se menos guerreira, menos 
conquistadora e menos imperialista, tornando-se mais parlamentar e mais fundada no 
direito internacional, pelo menos para aqueles países que aceitaram plenamente as 
normas limitadoras do ‘direito da guerra’ (basicamente contidas na Carta da ONU e 
alguns outros instrumentos pertinentes). Desde o final da Segunda Guerra Mundial não 
mais ocorreram grandes conflitos globais – em virtude, em grande medida, da posse de 
armas nucleares pelos principais ‘contendores’ – e as principais potências militares 
demonstraram um notável poder de contenção na condução de seus conflitos regionais 
ou nas guerras por procuração (proxy wars). É realisticamente previsível que elas 
continuem a se comportar da mesma forma, sobretudo no contexto da interdependência 
econômica contemporânea e do fim dos impérios coloniais. 
 27 
Menos otimista, contudo, é o cenário das guerras regionais, dos conflitos intra-
estatais (guerras civis, étnicas ou religiosas, a busca de autonomia por minorias que se 
consideram oprimidas, enclaves derivados dos azares da geopolítica e da antiga 
geografia colonialista, etc.) e, sobretudo, daquilo que os especialistas chamam, desde já, 
de ‘quarta guerra mundial’: o terrorismo (a ‘terceira’ tendo sido a Guerra Fria, entre os 
blocos socialista, liderado pela finada União Soviética, e ‘ocidental’, ainda identificado 
com a supremacia militar e tecnológica dos Estados Unidos, e que se concluiu pela 
implosão do primeiro, sem qualquer tipo de enfrentamento militar). 
Ainda que a tese seja seriamente disputada por alguns especialistas, parece ser 
um fato histórico que países dominados por economias de livre mercado, totalmente 
integrados na economia mundial e dispondo de instituições democráticas consolidadas, 
não costumam iniciar guerras contra países e economias similares (ou semelhantes). Isto 
não quer dizer que países que possuem McDonalds nunca entrarão em guerra com seus 
equivalentes, posto que é possível encontrar produtos e serviços globais em quaisquer 
ditaduras da atualidade, mas que é bem menos provável que democracias de mercado 
recorram à solução militar para encaminhar suas disputas com outros estados e países: 
elas costumam recorrer às instituições e instrumentos criados no último meio século de 
multilateralismo político e judicial, hoje expressos em ‘tribunais’ ou ‘cortes’ 
internacionais de natureza geral ou de cunho especializado (como no órgão de solução 
de controvérsias da OMC, por exemplo). 
Resulta desse cenário que os conflitos mais prováveis e os enfrentamentos mais 
cruéis – em termos de violações graves dos direitos humanos e das próprias ‘leis da 
guerra’ – são aqueles existentes entre Estados (alguns ‘falidos’) ou dentro de países 
insuficientemente desenvolvidos no plano da governança democrática, do 
funcionamento de instituições estatais essenciais do ponto de vista dos serviços públicos 
e de requerimentos básicos como justiça, segurança coletiva, franquias democráticas e 
livre expressão dos direitos das minorias. Estados autocráticos, ditaduras pessoais, 
caudilhos arbitrários são mais suscetíveis de constituírem ameaças à paz e à segurança 
(regionais ou internacional). 
Numa conclusão algo simplista, pode-se dizer que países democráticos, Estados 
dotados de instituições governamentais de comando submetidas a ritos eleitorais 
regulares, caracterizados por liberdade individual, justiça independente e governo 
 28 
limitado, são os mais suscetíveis de contribuírem para a causa da paz e da segurança 
internacionais. Em sentido contrário, conflitos militares ou mesmo cruéis matanças de 
civis inocentes são mais suscetíveis de aparecer e se disseminar entre países ou dentro 
de Estados caracterizados pela inexistência de estruturas ‘normais’ de governança, total 
desrespeito à lei e ao direito das minorias, falta de liberdades elementares e anomia 
social parcial ou generalizada. De fato, observando-se os conflitos contemporâneos – 
guerras regionais, guerras civis, lutas étnicas e intertribais e terrorismo de fundo 
religioso ou com origem no nacionalismo extremado – constata-se que eles 
correspondem exatamente aos cenários descritos acima. 
Infelizmente, o mundo ainda é caracterizado pela soberania absoluta dos Estados 
nacionais, mesmo daqueles incapazes de proteger suas populações ou que estão na 
própria origem das piores violações dos direitos humanos e das franquias democráticas. 
A despeito dos progressos registrados no caminho do direito das gentes, o mundo 
westfaliano ainda não está próximo de ser substituído por um sistema universal 
integrado por regimes constitucionais de estilo kantiano. 
Um dia, talvez... 
 
 
 29 
4. Direitos humanos: o quanto se fez, o quanto ainda resta por fazer 
 
 
 
Direitos humanos denotam uma categoria relativamente recente na história da 
humanidade. Num sentido lato, o conceito pode remontar aos iluministas escoceses e 
franceses dos séculos 17 e 18; num sentido estrito, ele está vinculado aos principais 
instrumentos nacionais e universais relativos aos direitos do indivíduo e dos cidadãos, 
cujos exemplos mais relevantes são, sem dúvida alguma, a Déclaration des droits de 
l’homme et du citoyen, da Revolução francesa, e a Declaração Universal dos Direitos do 
Homem, adotada pela ONU em 1948. A declaração de independência americana (1776) 
também contém os principais elementos filosóficos que a vinculam à mesma tradição 
iluminista britânica e ao constitucionalismo europeu do século 18. 
Muitos outros instrumentos de promoção e de proteção dos direitos humanos, 
individuais ou coletivos, ou até avançando para direitos econômicos, sociais e culturais, 
foram sendo propostos, negociados e implementados desde então, numa proliferação de 
iniciativas humanitárias que só perde para a disseminação e extensão das violações aos 
mesmos direitos; isso geralmente ocorre, ao longo da história, em situações de guerra, 
de graves conflitos políticos ou a mando de ditadores, quase tão comuns quanto as 
tentativas, em grande parte frustradas, de prevenir ou coibir esses atentados aos direitos 
humanos. Uma consulta aos sites da ONU, assim como aos de ONGs especializadas, 
poderá ilustrar a riqueza dos mecanismos e instrumentos já aprovados ou em curso de 
implementação nesse campo; não haveria espaço, neste ensaio, para uma relação 
completa dessa imensa coleção, infelizmente ainda mais virtual do que real, no contexto 
do mundo real de iniquidades que é o nosso. 
Embora se possa traçar uma linha evolutiva quanto à definição, defesa e 
promoção ativa dos direitos humanos ao longo do processo civilizatório, desde a antiga 
mutilação punitiva ou a eliminação pura e simples dos vencidos nas batalhas, até o 
respeito à integridade física dos prisioneiros de guerra, e desde os despotismos mais 
absolutos até a afirmaçãoplena das liberdades políticas e individuais na atualidade, não 
existe uma correlação unívoca entre progressos materiais e culturais das sociedades 
humanas e o respeito a todos esses direitos. Não por outra razão, a nação alemã, pátria 
de Kant, Goethe e tantos outros intelectuais humanistas, permitiu, também, num 
momento de grande desenvolvimento educacional, tecnológico e científico, a ascensão e 
 30 
o pleno ativismo criminoso de um Hitler, provavelmente o exemplo mais escabroso e 
desprezível do violador absoluto dos direitos humanos em pleno século 20. Embora os 
sistemas controlados por Stalin e Mao Tsé-Tung superem em número absoluto de 
mortos a máquina do holocausto nazista, Hitler foi diretamente responsável pela 
eliminação física de milhões de pessoas, antes de tudo judeus inocentes, mas também 
prisioneiros de guerra soviéticos. 
Filosoficamente, a afirmação dos direitos humanos deita raízes em tempos 
imemoriais, começando com o povo judeu, passando pela Grécia antiga e pelos 
ensinamentos de Buda, Jesus Cristo e dos filósofos medievais, até alcançar os 
humanistas da era moderna, em especial os iluministas e constitucionalistas. Na era 
contemporânea, os direitos humanos foram formalizados em instrumentos mandatórios 
ou recomendatórios, em todo caso dotados de força de lei quando incorporados à 
legislação interna dos Estados democráticos consolidados. No plano da ação prática, as 
primeiras iniciativas em defesa dos direitos humanos se referem à luta pela abolição da 
tortura e dos castigos cruéis, no contexto da reforma religiosa e do combate à 
Inquisição, e à campanha pela abolição do tráfico e do trabalho escravo, na Inglaterra 
oitocentista. A luta contra a mão-de-obra servil constituiu, igualmente, a primeira 
afirmação da sociedade civil no contexto da transição do Brasil para a modernidade, 
combate ao qual está associado o nome de Joaquim Nabuco, dentre vários outros que 
pugnaram pela extinção da mais longa e mais perniciosa instituição jamais existente no 
Brasil. 
É justamente nessa área que existe a mais antiga, ainda efetiva, entidade de 
defesa dos direitos humanos: a Anti-Slavery Society, de cujos relatórios periódicos o 
Brasil é, infelizmente, um frequentador reincidente e regular. A despeito desse combate 
mais do que secular, a escravidão direta – ou seja, a posse individual de um escravo – e 
diversas outras formas de servidão involuntárias são ainda ocorrências muito comuns 
em diversos países tropicais. As violações mais disseminadas dos direitos humanos, 
contudo, são aquelas relativas aos direitos políticos e religiosos de milhões de pessoas 
nos mais diversos países, sem mencionar os graves atentados existentes em situações de 
guerra (com maior incidência no continente africano). 
Novas formas de violações dos direitos humanos continuam a ser criadas por 
governos autoritários, herdeiros ou não dos terríveis experimentos dos fascismos e 
 31 
comunismos existentes no século 20, cuja contabilidade macabra se cifra em milhões de 
mortos, sobretudo nos gulags soviético e chinês. No caso da China, embora os campos 
de reeducação dos tempos do maoísmo delirante não sejam mais comuns, a repressão 
aos dissidentes do regime e a censura absoluta aos meios de comunicação de massa – 
com destaque para a internet – continuam a ser exercidos de forma ampla e 
disseminada. Ao fim e ao cabo, a defesa e afirmação dos direitos humanos ainda estão 
em sua infância, no Brasil e no mundo, cabendo aos espíritos humanistas um trabalho 
constante de vigilância e de promoção desses direitos. 
 
 
 32 
 5. Políticas econômicas nacionais: divergências e convergências 
 
 
 
 
Dois dos desenvolvimentos mais auspiciosos nas últimas duas ou três décadas da 
história econômica mundial são a aproximação conceitual, ou seja, teórica, e a gradual 
convergência, no plano prático, das políticas públicas da área econômica dos principais 
protagonistas da interdependência econômica contemporânea. Com efeito, embora 
continue a haver enorme dispersão prática nas políticas setoriais – relativas à 
distribuição de renda, estrutura tributária, políticas industrial, agrícola, trabalhista ou 
educacional – das grandes economias modernas, a divergência parece ser menor no que 
tange aos fundamentos conceituais e aos aspectos operacionais das principais políticas 
macroeconômicas – monetária, fiscal e cambial. Mais um pouco e se poderia dizer que o 
“pensamento único” está triunfando na prática no que se refere ao principal coquetel de 
políticas econômicas básicas. Muitos não concordarão e, portanto, cabe a discussão que 
empreendemos a seguir. 
Certo, não se pode ainda falar de coordenação e convergência entre essas 
políticas, mas, na presente fase de globalização financeira, a distância entre os processos 
de formulação dessas políticas e o modo de funcionamento das agências públicas 
encarregadas de sua implementação e monitoramento constante quase não apresentam 
diferenças de natureza, apenas contrastes quase superficiais. As razões se devem, em 
grande medida, ao estreitamento dos horizontes possíveis de atuação dos governos 
responsáveis, num contexto em que os mercados estão praticamente unificados, seja 
pelo lado comercial, seja pela vertente dos fluxos financeiros, seja ainda pelos 
mecanismos de cooperação desenvolvidos desde o final da Segunda Guerra, com 
destaque para as duas entidades de Bretton Woods. O FMI teria, finalmente, triunfado, 
depois de tantas críticas e diatribes? Não exatamente, mas os países já estão adotando o 
“modelito básico”, quase um prêt-à-porter: flexibilidade cambial, responsabilidade 
fiscal, abertura moderada ao comércio e investimento, contenção monetária, viés anti-
inflação, multilateralismo de meios, enfim, um menu trivial das políticas econômicas 
fundamentais, que podem diferir em sua aplicação prática, mas não se distinguem nos 
mecanismos principais de aplicação. 
 33 
O chamado ‘fim da História’ tem algo a ver com essa evolução positiva das 
políticas econômicas nacionais: a inexistência de alternativas credíveis aos sistemas de 
mercado – não necessariamente democráticos – e o estreitamento da liberdade deixada 
aos governos soberanos na fixação de políticas fundamentais do terreno econômico 
contribuíram para o processo de aproximação e até de identidade entre essas políticas 
básicas. Já não são mais possíveis, ou aceitáveis, as políticas de beggar-thy-neigbhor 
(empurre a crise para o seu vizinho) muito comuns nas crises do entre-guerras, assim 
como estão totalmente banidas as formas mais nefastas de protecionismo comercial – 
controles quantitativos, discriminação entre parceiros, subsídios diretos e restrições não 
justificadas em bases legítimas – para nada dizer dos controles de capitais (ainda 
praticados em escala mais restrita) e das desvalorizações agressivas das moedas 
nacionais. De fato, na crise atual, as tentações protecionistas – que foram muitas, 
certamente – não se traduziram num retrocesso generalizado do sistema multilateral de 
comércio. Por outro lado, tampouco se assistiu, como nos anos 1930, ao festival de 
desvalorizações agressivas que acabavam sendo neutralizadas por ações similares em 
outros parceiros, restrições generalizadas aos pagamentos externos e controle quase 
total sobre os fluxos de capitais, sem mencionar a própria inconversibilidade das 
moedas. Ou seja, evitou-se o pior: o recurso a medidas extremas e o essencial da 
cooperação internacional foi preservado, com até algum reforço do FMI. 
A despeito do que possam dizer economistas ‘alternativos’ e intelectuais algo 
exóticos de países periféricos, que continuam a denunciar de forma tão vaga quanto 
desprovida de fundamentaçãoas políticas ‘neoliberais’ dos países da OCDE, o fato é 
que essas políticas vêm convertendo-se no mainstream das políticas econômicas básicas 
dos principais protagonistas da interdependência global. A fundamentação para essa 
relativa homogeneidade de práticas e instrumentos macroeconômicos parece constituir-
se de um conjunto uniforme de princípios e regras de cunho pragmático. 
Elas são as seguintes: 
(a) embora a inflação seja sempre um recurso à disposição de governos 
irresponsáveis, devido aos monopólios da emissão monetária e da fixação dos juros 
básicos, as sociedades e grupos setoriais já não aceitam mais ver o seu poder de compra 
erodido pela permissividade emissionista de gastadores contumazes; 
 34 
(b) ainda que todos os eleitores apreciem gastos públicos, especialmente em 
áreas sociais, os cidadãos cada vez mais escolarizados dos tempos atuais sabem que eles 
serão chamados a pagar a conta, de uma forma ou de outra, em algum momento do 
futuro (juros da dívida pública, inflação ou diminuição das prestações sociais); 
(c) por mais que os exportadores se esforcem para manter o câmbio baixo, os 
cidadãos e governos tendem a preferir taxas realistas ou até valorizadas, posto que elas 
ajudam no combate à inflação e dão essa sensação de riqueza num mundo cada vez mais 
globalizado. 
Por outro lado, mesmo com todos os protestos de antiglobalizadores pouco 
racionais, e até de alguns governos populistas, o fato é que o receituário padrão 
implementado pelo FMI e outras agências intergovernamentais encontra cada vez mais 
aceitação entre os países anteriormente contestadores de sua filosofia e formas de 
atuação. A começar que, depois da implosão e virtual desaparecimento do socialismo, 
as instituições de Bretton Woods se tornaram praticamente universais, possuindo um 
corpo de associados provavelmente superior ao de membros da ONU; por outro lado, as 
experiências fracassadas de estatismo exacerbado, de fechamento ao investimento 
estrangeiro e de protecionismo mais renitente deram lugar a políticas e práticas mais 
abertas e compatíveis com o modelo OCDE de interdependência econômica; por fim, a 
própria globalização se encarregou de premiar os inseridos e de punir os recalcitrantes, 
com taxas de crescimento diversificadas e maior estabilidade nos dados fundamentais 
das macroeconomias nacionais. Dessas constatações emergiram a confluência de 
políticas e, alguns casos, até convergência e coordenação. 
Não se espere, porém, que o bloco das economias mais importantes – 
representado em grande medida pelo atual G20 financeiro – adote um receituário único 
de políticas macroeconômicas e setoriais, ou que todos esses países passem a trocar 
receitas de liberalização entre si, para sua maior integração no processo de globalização: 
governos democraticamente eleitos ainda têm de responder a demandas contraditórias 
de seus eleitores e suas políticas são tão divergentes quanto as orientações filosóficas ou 
ideológicas dos líderes eleitos. Mas, em blocos mais restritos ou filosoficamente mais 
próximos – como o grupo da moeda única da UE e o núcleo de economias mais 
avançadas da OCDE, como o G7 – as diferenças entre essas políticas são mais de 
 35 
circunstância ou de dosagem dos ‘remédios’ do que propriamente de natureza essencial 
da prescrição efetuada. 
Claro, determinados governos mais dirigistas – coloquemos como exemplo o 
chinês – consegue ainda modular a oferta geral de crédito na economia simplesmente 
dando ordens aos principais banqueiros (que são em grande medida estatais), o que nas 
democracias exige coisas mais complicadas como conselhos monetários, comitês de 
política monetária, fiscalização dos parlamentos, escrutínio da grande imprensa e 
sobretudo o debate aberto entre especialistas. Mas, no fundamental, os mecanismos não 
diferem muito dos nossos procedimentos relativos a depósitos compulsórios, 
direcionamento dos depósitos para determinados créditos prioritários, enxugamento 
temporário por mecanismos ad hoc em caso de necessidade e coisas do gênero. E, para 
quem pretende que a China destoa das regras do consenso de Washington e adota uma 
filosofia econômica totalmente contrastante com o que é praticado nos principais países 
do Ocidente capitalista, vale lembrar que ela tem sido extremamente responsável na 
implementação de suas políticas econômicas e que o seu sucesso econômico – notável 
nas últimas três décadas – se deve precisamente a sua abertura, não ao que ainda resta 
de dirigismo no seu sistema econômico. 
Em resumo, a despeito de flutuações conjunturais e de objetivos nacionais 
diferenciados, as políticas econômicas nacionais caminham para maior convergência e 
identidade de propósitos, não para horizontes muito divergentes entre si. Repetindo: a 
China, por muitos apontada como exemplo de política nacional própria, que continua a 
manter um controle estatal sobre as principais alavancas estratégicas de sua economia, 
caminha, a despeito de tudo, para mais liberalização, não para menos: para todos os 
efeitos práticos, a filosofia de suas políticas econômicas básicas é neoliberal, não 
socialista ou estatizante. 
Não se trata ainda do fim da História, mas em matéria econômica, estamos 
assistindo a uma espécie de “fim da Geografia”... 
 
 
 36 
6. Cooperação internacional e desenvolvimento: isso muda o mundo? 
 
 
 
 
O conceito de cooperação, num entendimento puramente formal da palavra, 
implica uma ação voluntária de dois ou mais parceiros em prol de objetivos comuns, 
sendo subjacente ou implícita a ideia de que juntos eles conseguirão fazer algo que 
talvez não pudessem alcançar isoladamente. Nessa compreensão, a realidade da 
cooperação é relativamente recente na comunidade internacional, posto que até o 
advento dos primeiros organismos intergovernamentais, a partir de meados do século 
19, e mais especificamente da ONU, um século depois, não havia espaços políticos ou 
instrumentos para o estabelecimento de uma cooperação genuína entre Estados 
soberanos. Até então, a realidade das relações entre Estados era feita, na melhor das 
hipóteses, de concorrência em bases autônomas, ou, na pior, de animosidade ou de 
hostilidade, que podiam resultar, inclusive, em conflitos militares, sendo muito comum 
a relação de dominação, de exploração e de subordinação entres os países. 
Na acepção moderna do termo, a realidade da cooperação está intrinsecamente 
ligada aos objetivos da Carta da ONU e à atuação de suas agências especializadas, nos 
diversos campos estabelecidos desde 1945 e que vem sendo ampliados gradualmente 
desde então, sempre quando novos temas – energia nuclear, direito do mar, meio 
ambiente, direitos da criança e da mulher, habitação, e vários outros – recolhem certa 
unanimidade dos Estados no sentido de seu tratamento multilateral. Os dois objetivos 
prioritários da ONU são a cooperação entre os Estados para a preservação da paz e da 
segurança internacional e para promover o desenvolvimento dos povos dos países 
membros. Obviamente, como não se pode contornar a questão central do poder – ou 
seja, quem manda e quem obedece –, a ONU (como antes dela a Liga das Nações) não 
poderia dar um encaminhamento satisfatório ao primeiro conjunto de objetivos sem 
fixar mecanismos não igualitários de resolução de disputas, hoje consolidados no seu 
Conselho de Segurança (não muito diferente do sistema oligárquico da Liga); aí não se 
trata tanto de cooperação, mas de coerção, o que também é necessário. 
Descontados, porém, os poucos episódios de coerção multilateral – ou seja, as 
operações de peace keeping (muitas) ou de peace making (pouquíssimas) da ONU – a 
maior parte da agenda onusiana (PNUD e a dúzia de agênciasespecializadas atuantes) 
 37 
está prioritariamente voltada para a cooperação ao desenvolvimento, cenário que 
implica a mesma relação desigual já existente na questão do poder, ou seja, países que 
prestam cooperação, de um lado, e países que recebem cooperação, de outro. Esse tipo 
de relação assimétrica – que desde o início da ONU dividiu os países em desenvolvidos 
e em desenvolvimento, com a situação bizarra, mas temporária, dos chamados 
“socialistas” – tem sido preservado desde então, sem mudanças relevantes ou 
significativas no plano das capacitações nacionais. 
Em outros termos, a interação entre cooperação e desenvolvimento não parece 
ter produzido os resultados esperados pelos seus promotores multilateralistas de 60 anos 
atrás. A questão, portanto, que deve ser colocada de forma clara é se esse tipo de ação 
cooperativa, nas formas que vêm sendo prestadas tradicionalmente, pode, de fato, 
produzir o que propõe, ou seja, desenvolvimento. O registro histórico do período 
transcorrido desde a aplicação sistemática e institucional da cooperação técnica ao 
desenvolvimento só pode ser avaliado em categorias inferiores, do tipo sucesso 
moderado até o fracasso evidente, numa gradação que possui vários casos de lento 
progresso, mas nenhum de rápida prosperidade em direção ao desenvolvimento. 
A realidade do desenvolvimento mundial, nos últimos dois séculos e meio – 
grosso modo, desde o início da Revolução Industrial – não foi feita de grandes 
alterações na quase imóvel hierarquia econômica do desenvolvimento: a despeito do 
desaparecimento de alguns grandes impérios e a descolonização completa do chamado 
Terceiro Mundo, a grande divergência se manteve praticamente intacta durante a maior 
parte do período. Os que já eram desenvolvidos no século 19 continuaram 
desenvolvidos no decorrer do século 20, e as economias atrasadas e periféricas 
permaneceram, em grande medida, atrasadas e periféricas. Os únicos países a terem 
saltado a barreira do desenvolvimento durante esse período foram, de uma parte os 
nórdicos, de outra o Japão, todos por terem reunido condições culturais e institucionais 
que resultaram num processo autogerado de crescimento sustentável e transformador 
das antigas estruturas conservadoras e fixadas na economia primária. 
A situação não conheceu mudanças notáveis durante a maior parte do século 20, 
sendo apenas alterada pela emergência de algumas nações asiáticas à plena capacitação 
industrial, logo sendo chamados de NICs, ou novos países industriais. Coréia do Sul, 
Taiwan, Hong Kong e Cingapura são provavelmente os únicos exemplos de países que 
 38 
alcançaram o desenvolvimento na segunda metade do século 20, tendo partido de 
patamares quase tão medíocres quanto os da maioria dos países da Ásia, da África e da 
América Latina, que, aliás, ainda patinam no subdesenvolvimento. Instrutivo constatar 
que nem o Japão ou os nórdicos, nem qualquer um dos países que se qualificaram 
posteriormente deveram a melhoria de suas situações respectivas à cooperação ao 
desenvolvimento. E resulta pelo menos estranho que dos países que mais receberam 
cooperação ao desenvolvimento desde os aos 1950 – como os africanos, em cifras 
equivalentes a muitas dezenas de bilhões de dólares – nenhum conseguiu escapar do 
não-desenvolvimento. 
Isto não quer dizer que ela seja absolutamente ineficaz, podendo ser útil, ou até 
mesmo necessária, nos casos mais dramáticos de inexistência de estruturas físicas e 
institucionais de um Estado ‘normal’ e de grande atraso educacional. Mas ela não é 
decisiva, ou suficiente, a ponto de mudar os dados básicos de um pais que não consiga 
reunir ele mesmo as condições para um processo endógeno de desenvolvimento (que 
implica a manutenção de um processo contínuo e sustentável de crescimento 
econômico, com transformações estruturais via inovações tecnológicas e distribuição 
social dos resultados da prosperidade assim criada). Ao contrario, ‘excesso’ de ajuda 
pode até prejudicar o processo de desenvolvimento, ao tornar o país em questão 
dependente da assistência externa, quando ele deveria estar buscando suas próprias 
fontes de crescimento num ciclo autogerado de investimento produtivo, poupança e 
atividades empreendedoras. 
Em resumo, a cooperação não tem a capacidade de mudar o destino dos países 
se os recebedores não souberem se organizar para inserir a economia nacional nos 
circuitos da economia mundial, pelo lado do comércio e dos investimentos, não pela 
vertente da assistência externa. Em retrospecto, a única ajuda a ser prestada por países 
ricos aos países pobres deveria ser aquela que simplesmente qualifica a população 
desses últimos no domínio do ensino universal de base e aquele técnico-profissional; 
todo o resto deveria ser deixado em segundo, ou terceiro, plano. 
 
 
 
 39 
 7. Guerra e paz no contexto internacional: progressos em vista? 
 
 
 
 
Toda pessoa sensível e educada, toda sociedade próspera, todos os regimes 
democráticos aspiram à paz. E, no entanto, a humanidade tem conhecido a guerra por 
mais de nove décimos do tempo decorrido desde o estabelecimento das primeiras 
civilizações sedentárias (mas várias guerras foram conduzidas por sociedades nômades, 
como os hunos e os mongóis). A razão parece ser simples: durante os mesmos nove 
décimos de história humana, as sociedades tem sido brutas, os homens pouco instruídos, 
a escassez uma regra mais constante do que a abundância e poucos regimes poderiam 
legitimamente ser chamados de democráticos, no sentido lato do termo (isto é, prevendo 
eleições para os cidadãos, mesmo com representação limitada a certa elite, como na 
Grécia antiga ou nas repúblicas italianas do Renascimento). 
É difícil traçar uma correlação unívoca, ou mecânica, entre progressos materiais, 
avanços democráticos domésticos e educação do povo; mas ela de fato existe, ainda que 
de forma não linear e não determinista. Algumas sociedades atrasadas são perfeitamente 
pacíficas, ao passo que democracias avançadas podem se lançar em guerras de 
conquista e em aventuras imperialistas. Mas a própria existência de “leis da guerra”, no 
contexto contemporâneo, indica que a humanidade realizou imensos progressos desde 
os tempos em que a eliminação de prisioneiros de guerra e tratamentos cruéis eram a 
regra em sociedades que consideravam as guerras corriqueiras e inevitáveis. 
Se existe alguma linearidade cronológica na “arte da guerra”, poderia ser esta: as 
guerras em sociedades antigas eram entre clãs e tribos rivais, geralmente pela busca de 
recursos escassos, aprovisionamento em escravos e outras necessidades urgentes da vida 
material, num contexto de equilíbrios instáveis pela sobrevivência física da 
comunidade; sociedades sedentárias, de base agrícola e mercantil, com alguma 
produção manufatureira, eram frequentemente objeto da cupidez de tribos de pastores 
guerreiros, formidáveis por suas táticas militares, atacando e fugindo rapidamente, 
levando com eles bens e mulheres, quando não, destruindo tudo que encontravam; 
sociedades mais estruturadas, com cidades vibrantes e grande comércio internacional 
passaram a contratar mercenários para a sua defesa, o que nem sempre dissuadiu 
príncipes mais ‘empreendedores’, capazes de comandar forças mais extensas, bem 
 40 
treinadas; daí se passou à constituição de exércitos nacionais, baseados no recrutamento 
obrigatório e contando com profissionais devotados unicamente às artes militares, no 
quadro de Estados unificados e tendencialmente conquistadores; sociedades industriais 
também souberam produzir guerras industriais, ou seja, alinhando soldados como 
operários numa fábrica, e destruindo não apenas exércitos, mas cidades inteiras;culturas 
sofisticadas não foram garantia contra tiranos belicosos, que lançaram seus povos em 
guerras genocidas, com um poder mortífero situado na casa dos milhões; finalmente, a 
arma atômica conteve o desejo de matar das grandes potências, mas incitou aventureiros 
e fanáticos a se lançarem na proliferação artesanal e nos ataques terroristas. Talvez a 
linearidade cronológica esteja relativamente correta, mas não existe muito progresso 
moral desde o tempo das cavernas. 
Se houve algum avanço civilizatório, ele certamente se situa nos instrumentos de 
contenção dos instintos guerreiros dos homens, posto que os sentimentos primários 
continuam os mesmos de dez mil anos atrás: amor, ódio, cupidez, ambição de poder, 
perversões diversas que não dignificam a mensagem dos filósofos da paz, aqueles que 
pretendem que repúblicas constitucionais são mais propensas à paz perpétua. Pode ser, 
muito embora isso não tenha impedido o surgimento de tiranos ocasionais, animados de 
uma “vontade de poder” homicida. 
Entretanto, uma vez construído um sistema político baseado no famoso conceito 
dos checks and balances, com uma divisão satisfatória e equilibrada entre os poderes, é 
mais difícil que apareçam, nesse tipo de sociedade, ditadores de opereta e caudilhos 
belicosos, como em certos países não muito distantes. Governos limitados constituem, 
certamente, uma melhor garantia de paz do que governos despóticos, e este parece ser 
um vínculo de causalidade facilmente inteligível na vida das nações. 
Infelizmente, governos desse tipo constituíam uma ínfima minoria até poucas 
décadas atrás. Embora o número dos regimes democráticos venha aumentando de forma 
consistente em tempos recentes, o mundo ainda não é governado de maneira 
democrática, nem corre o risco de sê-lo no futuro previsível. Mesmo a Carta das Nações 
Unidas, supostamente garantidora da paz e da segurança internacionais, baseia-se no 
princípio westfaliano da soberania absoluta dos Estados membros. Embora seu 
preâmbulo refira-se aos “povos das Nações Unidas”, todos os seus artigos e capítulos 
 41 
remetem aos Estados membros, que possuem, assim, preeminência sobre os direitos do 
homem e do cidadão. 
Democracia e direitos humanos não são exatamente princípios organizadores da 
vida internacional; enquanto não o forem, não existe nenhuma garantia de que as 
guerras sejam apenas um registro do passado, e não uma possibilidade do presente. O 
fato alentador, contudo, é que as guerras globais, típicas do ‘momento napoleônico’ que 
caracterizou o sistema internacional desde o final do século 18 até meados do século 20, 
parecem ter perdido o ímpeto, por uma combinação da dissuasão nuclear e a 
disseminação de regimes democráticos na maior parte do Ocidente desenvolvido. 
Atualmente, as guerras mais prováveis – a despeito do cenário ainda tradicional 
dos conflitos no Oriente Médio, mas que justamente mobilizam Estados despóticos, de 
um lado, contra a única democracia existente na região – não são mais entre Estados, 
mas dentro dos Estados, ocorrendo em circunstâncias frequentemente associadas a 
Estados falidos, conflitos religiosos e enfrentamentos étnicos, geralmente envolvendo 
minorias oprimidas. Não existe previsão capaz de antever o surgimento de democracias 
estáveis nesses cenários dominados pela desigualdade, pela pobreza, por regimes 
autoritários, desrespeitadores dos direitos humanos e das liberdades democráticas 
(reunião, expressão, religião, representação política e partidária etc.). Talvez a aposta 
kantiana não esteja errada: ela só estava dois ou três séculos antes do tempo certo. Os 
progressos da humanidade são irritantemente lentos, infelizmente... 
 
 
 42 
8. Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata? 
 
 
 
 
A distinção entre interesses individuais e coletivos é antiga. No plano das ideias 
ela já estava presente nas reflexões de filósofos britânicos desde o século 17 e, 
possivelmente, antes disso, em São Tomás de Aquino e em alguns filósofos gregos. No 
plano de suas consequências práticas, ela aparece com maior nitidez no curso da 
revolução francesa, quando os conceitos mais importantes do liberalismo são 
estabelecidos, primeiro de forma empírica, depois de maneira mais formal, com os 
constitucionalistas franceses. Ao mesmo tempo, são desenvolvidos os conceitos opostos 
do socialismo, com o propósito de promover os interesses coletivos, enquanto o 
liberalismo pode ser equiparado, justamente, à defesa do individualismo. 
A topografia política tem observado desde essa época exatamente essa divisão 
fundamental, que resume todo o debate político dos séculos 19 e 20 e que parece 
destinado a perdurar indefinidamente. Esse é, provavelmente, o ponto central dos 
dilemas políticos modernos, o grande divisor de águas entre as duas grandes filosofias 
de nossa época, o elemento definidor por excelência das políticas públicas 
contemporâneas. Todos os Estados organizados da atualidade, pelo menos os que 
podem ser caracterizados como minimamente democráticos, se debatem com essa 
contradição fundamental, provavelmente duradoura em qualquer sociedade: a de definir 
e aplicar políticas macroeconômicas e setoriais que levem em conta, de um lado, a 
defesa legítima da privacidade e dos direitos individuais, e que possam implementar, de 
outro lado, serviços coletivos e bens públicos que contemplem outros direitos legítimos 
da comunidade (segurança, transportes, escolas, hospitais, além de garantia de emprego 
e boas perspectivas na aposentadoria). 
As populações dos Estados modernos não se inquietam tanto com os dilemas 
conceituais envolvidos na dicotomia do problema em causa, quanto com seus aspectos 
práticos, inclusive porque elas estão sempre demandando novos serviços e novas 
garantias – de emprego, de residência, de seguridade social, até de lazer – que 
antigamente eram providenciados pelos próprios indivíduos ou famílias. Governos, de 
seu lado, não discutem posturas filosóficas, apenas implementam políticas, embora os 
governantes possam ser influenciados – mas isto parece óbvio – por determinadas 
 43 
concepções que orientam essas políticas, que podem se aproximar, ou se afastar, de um 
dos dois polos, geralmente mais constrangidos pelos orçamentos do que motivados 
pelas concepções subjacentes. 
A realidade dos Estados contemporâneos, pelo menos os do arco capitalista 
democrático, é feita de escolhas contínuas entre maiores ou menores medidas intrusivas 
na vida dos cidadãos, ou contribuintes. A política nesses países é feita de uma balança 
que se move regularmente entre políticas de cunho socialdemocrata – e, portanto, mais 
intrusivamente pendentes para o lado dos direitos coletivos – e políticas liberais, 
tendentes a reduzir impostos e promover os interesses privados. As eleições na Europa 
ocidental e nos EUA, desde várias décadas, tem confirmado essa indecisão constante 
dos eleitores entre governos de “direita” – supostamente identificados com políticas 
liberais – e governos de “esquerda”, que implementavam ativamente políticas de cunho 
social-democrático. Na prática, seja por inércia dos cidadãos, seja por populismo dos 
políticos, que gostam de prometer serviços públicos em cada vez mais áreas de interesse 
privado, todos os governos acabam avançando sobre os direitos individuais, de que é 
prova o crescimento constante da carga fiscal nos Estados membros da OCDE. 
Essa realidade é de certo modo surpreendente quando estudos empíricos feitos 
pelos melhores institutos independentes tem demonstrado que os países caracterizados 
por maior grau de liberdade – promotores, portanto, dos direitos individuais – são 
também os de maior crescimento, maior igualdade, menor

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