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Livro Acesso à justiça perspectivas jusfilosóficas Os mitos sobre o trabalho infantil e as concepções de justiça desenvolvidas por Perelman e Rawls. FABIANA D S A MOTA

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53 
Os mitos sobre o trabalho infantil e as concepções de justiça 
desenvolvidas por Perelman e Rawls 
 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A proposta de discussão que ora se apresenta almeja ampliar o 
debate sobre os diversos mitos que permeiam a exploração do trabalho 
infantil, à proporção que os relaciona com concepções de justiça 
trazidas por Chaim Perelman e John Rawls. 
É cediço as mazelas que acompanham o trabalho infantil, como 
doenças, abusos sexuais e físicos, acidentes, analfabetismo, falta de 
convivência com a família, ausência de lazer e de qualquer atividade 
lúdica. Este trabalhador mirim, será por muitas vezes conduzido à 
situação de futuro trabalhador escravo, até pela ausência de 
oportunidade, inclusive para se alfabetizar. 
É nesse sentido que se mostra a relevância do objeto da pesquisa 
sobre o qual se debruçará, sendo ela qualitativa e bibliográfica, 
exploratória, cujo método condutor será o dedutivo. 
Nesse norte, abordar-se-á a importância do debate sobre a 
temática, os mitos que envolvem a problemática, passando-se então a 
analisar a justiça aristocrática e o trabalho infantil, numa visão que 
avalia a reprodução das famílias e o nascimento de crianças de 
categorias inferiores; a concepção de justiça meritocrática e formal, 
dando azo à reprodução do ciclo da pobreza; a justiça caritativa e o 
desenrolar de sua acepção em relação ao labor infantil e, por fim, 
trabalhar-se-á a perspectiva rawlsiana do ideal de justiça e sua 
aplicação ao trabalho na infância e adolescência. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
54 
Feitas estas considerações, passemos a abordar a temática, 
perquirindo avançar na problemática do trabalho à vista das 
concepções de justo, de justiça, e da igualdade. 
 
2 IMPORTÂNCIA DO DEBATE SOBRE O TRABALHO 
INFANTIL 
 
Para falar de trabalho infantil, importante conhecer, por 
primeiro, os conceitos das categorias nucleares do trabalho, como o 
que se estabelece como parâmetro para se falar em criança e 
adolescente, e o próprio conceito de trabalho infantil. 
Segundo o Professor Zéu Palmeira1, fala-se em trabalho infantil 
quando se tem uma prestação de serviço realizada por pessoas que, 
pelas condições socioambientais e fisiológicas que se antecipam ou 
que são simultâneas ao estágio da puberdade, encontram-se 
vulneráveis aos riscos sociais, que corriqueiramente resultam em 
danos à saúde e à integridade física, moral e psicossocial. 
Ademais, continua abordando os conceitos de criança, como 
pessoa humana que, entre o nascimento e o advento da puberdade, 
encontra-se em estágio de desenvolvimento. O adolescente, por sua 
vez, seria “a pessoa que, sob os aspectos psíquicos e fisiológicos, 
encontra-se em estado de amadurecimento e aprendizado a partir da 
puberdade”. 
Por oportuno, de se dizer que o Estatuto da Criança e do 
Adolescente qualifica criança a pessoa de até 12 anos incompletos, e 
o adolescente, a pessoa dos 12 aos 18 anos de idade. A Constituição 
Federal brasileira de 1988 contribui no sentido de ofertar proteção ao 
não permitir o trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de 
 
1 PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Acidente do trabalho: críticas e tendências. São 
Paulo : LTr, 2012, p. 365. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
55 
aprendiz a partir de 14 anos. Há diplomas internacionais, a exemplo 
da Convenção 182 da OIT, que trata das piores formas de trabalho 
infantil, vão além ao considerar a criança toda pessoa menor de 18 
anos de idade, ampliando a proteção sobremaneira. 
O debate sobre o trabalho infantil como tema sempre em 
evidência é uma querela que entristece, em que pese de inegável 
relevância. É aviltante a atual situação do labor infanto-juvenil no 
Brasil e no mundo. O que se vê são crianças em situação no mais das 
vezes impensáveis, inimagináveis para, por exemplo, o leitor, nas 
quais resta à criança a privação de lazer, da convivência familiar e 
comunitária, bem assim a evasão escolar, a exposição a acidentes e 
doenças, etc. 
Falar de trabalho infantil é superar o significado das palavras, é 
ir além de toda a estrutura pública existente, é atravessar o dito, e 
perquirir o não dito, o não pesquisado, o oculto, o que é triste, como o 
fato recente ocorrido em Juazeiro do Norte em 31 de julho do corrente 
ano, em que um menino de apenas 12 (doze) anos que fazia escavações 
junto a uma barreira veio a falecer a partir do desabamento da mesma 
sobre o infante. Em que pese, os esforços com auxílio de pás e enxadas 
retirando a areia no local onde o garoto trabalhava, foi realizada a sua 
retirada, mas, infelizmente, a criança veio a óbito.2 
A problemática do labor infantil alcança inúmeras crianças, já 
que as estatísticas são ocultadas pela realidade, e precisa ser 
combatida, seja com políticas públicas efetivas, mas muito mais, 
precisa-se vislumbrar a necessidade de se colocar no lugar do outro, 
seja na concepção proposta por John Rawls, por meio do véu da 
 
2 Disponível em:< http://www.massapeceara.com/2017/07/crianca-de-12-anos-
morreu-soterrada-em.html> Acesso em: 04 Ago. 2017. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
56 
ignorância3, seja por uma das propostas realizadas por Perelman, a 
exemplo da valoração ir ao encontro das necessidades do outro4. 
As dificuldades reconhecidamente são muitas, afinal, não 
chegamos sequer a um conceito comum e irrefutável do que venha a 
ser a própria justiça, considerada a virtude fonte de todas as outras, 
como lembra Perelman,5 mas felizmente é ínsito na própria natureza 
humana a noção do justo, na perspectiva de Rawls, do bem maior a ser 
valorado. 
Neste norte, trabalhar a criança, como ser individualmente 
complexo, de definição necessariamente afeta aos aspectos culturais, 
de crescimento e maturidade, de personalidade6, enfim, da mente da 
criança, bem assim a todo o ambiente em que vive, tudo deixa de ser 
tão relevante a partir do momento de que, nos dias atuais, é quase 
impossível não se reconhecer uma. 
Enfim, não é preciso ir aos diplomas normativos seja ele 
nacional ou internacional, amparados na cultura e na biologia, a 
exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente,7 que fala em 
criança como a pessoa com até 12 anos de idade incompletos ou de 
 
3 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008, passim 
4 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado 
Galvão; [Revisão da tradução Eduardo Brandão]. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2005, p. 10. 
5 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado 
Galvão; [Revisão da tradução Eduardo Brandão]. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2005, p. 7. 
6 TUCHER, Nicholas. O que é uma criança? Tradução Paula Santa-Rita. Lisboa: 
Edições Salamandra, 1997. 
7 BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho 
de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras 
providências. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
57 
Convenções Internacionais, como a 1828, que estipula a idade limite 
de 18 anos para se visualizar o que é uma criança e reconhecer o 
trabalho infantil. Ele existe, pode ser sentido, é injusto, e precisa ser 
conhecido e tratado. 
Nota-se sob a égide do atual governo um aumento do descaso 
com o tema, o que pode ser comprovado pelas mais recentes notícias 
sobre corte de verbas para continuação das políticas públicas então 
existentes e já defasadase desestimuladas, como a noticiada aos 24 
dias do mês de julho deste ano, que anunciaram que os cortes 
vinculados ao Ministério ameaçariam a fiscalização do trabalho 
infantil9. 
Sendo o objeto do presente trabalho falar sobre os mitos e 
conceitos de justiça que permeiam as discussões atuais sobre o labor 
do infante, passemos a estudar o tema principalmente na vertente das 
teorias de Chaim Perelman e John Rawls. 
 
3 OS MITOS COMO CONCEPÇÕES EXPLICATIVAS DO 
JUSTO 
 
O labor infantil conta hoje com certos mitos que se propõem a 
justificar uma justiça superficial, onde sequer se visualiza a justiça 
concreta e reflexiva, a exemplo de dizer que “é melhor trabalhar do 
que roubar”; “trabalhar não mata ninguém”; “é preciso trabalhar para 
ajudar a família”; “o trabalho enobrece”; “o trabalho traz futuro”, 
 
8 OIT - ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 182 
e Recomendação nº 190. Sobre proibição das piores formas de trabalho infantil e ação 
imediata para a sua eliminação. 
9 Disponível 
em:<http://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/noticias/materias/cortes-no-
ministerio-do-trabalho-ameacam-fiscalizacao-do-trabalho-infantil-diz-jornal/ Acesso 
em: 04 Ago. 2017. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
58 
dentre outros corriqueiramente lembrados no dia-a-dia. Contudo, a 
lenda jamais seria aceita como verdade para criança que habita um lar 
sem necessidades não realizadas. 
As crianças que circundam nosso meio, em sua maioria, 
encontram-se estudando, aprendendo novas línguas, informática, 
brincando, participando de atividades lúdicas, jamais trabalhando, 
simplesmente por que o slogan “trabalhar não é coisa de criança” é por 
demais verídico e realista. Todavia, tal slogan parece não se aplicar a 
todo o universo infantil, já que se observa um número gigantesco e 
inexplicável de crianças trabalhando. 
 O labor deste considerável número de crianças ainda é feito se 
utilizando de contextos de justo aplicáveis a infantes que nascem em 
lares pobres, a exemplo dos mencionados outrora, incompatíveis com 
a própria conceituação do que vem a ser uma criança, de modo a se 
nos obrigar a questionar, enfim, o que é a justiça aplicada ao labor 
infantil. 
Difícil falar de justiça sem que se deem conceitos bastante 
subjetivos e próprios de cada indivíduo, com diferentes contextos de 
vida e de experiência, sem olvidar as diversas concepções que 
merecem destaque, tais quais nomina Perelman, em sua obra Ética e 
Direito, como “a cada qual a mesma coisa”, “a cada qual segundo seus 
méritos”, “a cada qual segundo suas obras”, “a cada qual segundo suas 
necessidades” ou “a cada um segundo sua posição”, ou “a cada um 
segundo a que a lei lhe atribui”, conforme se aborda a seguir. 
A primeira delas, a cada qual a mesma coisa, advoga que todos 
devem ser tratados da mesma forma, independentemente de quaisquer 
especificidades; a segunda, a cada um segundo seus méritos, leva em 
consideração o merecimento das pessoas, mas como não se consegue 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
59 
afirmar com certeza o que é mérito e o que é demérito, a lacuna do que 
seria a atribuição justoa persiste. 
O conceito a cada qual segundo as suas obras, por sua vez, 
abandona o critério moral e se concentra nos resultados da ação, sendo 
despiciendo o esforço despendido na execução; a cada qual segundo 
suas necessidades, chega a se aproximar do que conhecemos como 
caridade, sendo tal assertiva contextualizada à proteção ao trabalhador 
e suprimento de suas necessidades essenciais. 
Em quinto lugar, tem-se a defesa aristocrática de se dar a cada 
qual segundo sua posição, a qual em contraponto à universalidade, 
trabalha com categorias contempladas diferentemente, cujo critério é 
eminentemente social e hereditário, portanto, de fácil reprodução, de 
modo que os superiores, se impõem sempre em face de categorias que 
são minorias. 
Por fim, ao analisar a última fórmula do conceito de justiça 
abordada por Perelman, tem-se que a cada um segundo o que a lei lhe 
atribui, e traduz-se em justo o que aplica às situações similares as 
mesmas leis, mas com as variantes de cada sistema jurídico, numa 
modalidade de justiça estática10, ao contrário das demais concepções, 
dinâmicas11. 
A Justiça formal, como “um princípio de ação segundo o qual 
os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da 
mesma forma”12 em que pese não se mostra suficiente para abarcar a 
problemática do trabalho infantil, mormente quando se levam em 
 
10 Justiça estática é a observação da regra, sem quaisquer reservas, na concepção de 
Dupréel. 
11 Justiça dinâmica é a concepção que traz consigo a possibilidade de modificação da 
regra. 
12 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado 
Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 19. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
60 
consideração os diversos tipos de critérios utilizados para classificar 
as categorias de seres que devem ser considerados iguais, olvidando a 
maior delas, estar-se falando de “crianças”, de modo que, a exigência 
aristotélica de semelhança entre seres aos quais aplicar-se-ia a justiça, 
já restaria satisfeita por si só neste mero quesito, ser criança, não 
fossem as demais noções de justiça que irradiam para este conjunto. 
A partir destes conceitos, verifica-se que as fórmulas envolvem 
critérios de aplicação de justiça diferentes - e às vezes até, num 
primeiro olhar, discrepantes entre si, em que pese todas guardarem 
também a ideia de igualdade - opta-se, com base em Perelman, por 
conciliar as concepções de justiça mais correntes, como se propõe a 
partir de então, em busca de uma forma de se aplicar um critério justo 
à mais equânime possível aplicação do princípio da proteção. 
Em que pese a busca pela igualdade perfeita seja algo 
irrealizável, de Tourtoulon, citado por Perelman, advoga que não se 
pode deixar de lutar por ela, asseverando que uma igualdade parcial, 
seria mais fácil de perseguir, sendo possível encontrá-la quanto mais 
distante se ficasse do ideal de igualdade completa.13 
A justiça formal vem assim a nascer, contudo, neste momento, 
entretanto, não são determinadas as categorias essenciais para a 
aplicação da justiça. Tais características que, por sinal, vão gerar um 
desacordo, vão surgir a partir do momento em que se busque a justiça 
concreta. 
Desse modo, trabalharemos em seguida algumas das 
concepções de justiça, seus mitos e suas verdades. 
 
13 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado 
Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 15. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
61 
 
4 A JUSTIÇA ARISTOCRÁTICA E O TRABALHO INFANTIL: 
A REPRODUÇÃO DAS FAMÍLIAS E CRIANÇAS DE 
CATEGORIAS INFERIORES 
 
Há que se falar, por primeiro, que na justiça aristocrática se diz 
que a justiça é reconhecida a cada um conforme a sua posição social, 
desde que o tratamento igualitário se dê dentro daquela mesma 
categoria essencial. A justiça formal estaria representada sempre que 
as pessoas de uma mesma categoria chave fossem tratadas igualmente. 
Ocorre que determinadas castas eleitas como superiores, vem a 
gozar de mais direitos que as outras, menos favorecidas, de modo que 
o ditado noblesse oblige, se perde no subdesenvolvimento moral e 
econômico da sociedade. 
Nesse espeque, diz-se que a justiça é reconhecida a cada um 
conforme a sua posição social. Esse tipo de justiça compatibiliza-secom a desigualdade social, em que existem várias infâncias. Uma 
infância que, conforme a posição social da família, tem acesso à 
escola, à saúde, a atividades lúdicas, etc, ao passo que existe outra 
infância que é empurrada para a exploração da relação de trabalho, 
onde ao invés de bonecas e bolas, se vê nas mãos das crianças 
ferramentas, como enxadas, ou flanelas, sacos de lixo, foices, 
machados, dentre outros instrumentos correlatos com o labor 
desenvolvido. 
A procuradora do trabalho Jane Vilani, em artigo intitulado “A 
questão do trabalho infantil: mitos e verdades”, aponta onze mitos que 
se constituem em sustentáculos da defesa do labor infantil. 
 Em consonância com a justiça aristocrática tem-se, por 
exemplo que “O trabalho tem de ser considerado um fator positivo no 
caso de crianças que, dada a sua situação econômica e social, vivem 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
62 
em condições de pobreza e de risco social.” ou “É bom a criança ajudar 
na economia da família, ajudando-a a sobreviver.” e, nesse mesmo 
norte, “Mentalidade econométrica, segundo a qual primeiro se deve 
investir na economia; depois no social; afinal, se a economia vai bem, 
automaticamente o social se incrementará!”14 
A todos a Procuradora rechaça eficientemente com os 
argumentos da perpetuação da pobreza; do equívoco em se atribuir à 
criança uma responsabilidade que é do Estado, asseverando-se que tal 
encargo tem respaldo constitucional; e trazendo exemplos concretos 
de países que embasaram estudo da OIT no sentido de se priorizar a 
base social, a fim de se sustentar o crescimento econômico, mas não 
em detrimento do aspecto social. 
Ora, aqui vislumbra-se claramente o pensamento hodierno da 
sociedade brasileira. Crianças que nascem pobres, devem ser tratadas 
e permanecer pobres, a fim de justificar uma proposta de conceito de 
justiça que não alcança seu desiderato de contemplar o justo, 
porquanto não propicia a mudança deste paradigma de pobreza, já que 
aqui, não se vislumbram as mesmas chances às crianças de gozar das 
mesmas possibilidades de desenvolvimento e formação de seu 
intelecto. 
Nesse contexto, como o futuro adulto, poderia sair do campo, e 
tentar trabalho na cidade, se não teve acesso à escola, ou se sequer 
conheceu um livro, sabendo operar somente com a enxada? A partir 
desta condicionalidade socioeconômica é que se propaga a reprodução 
das famílias dos trabalhadores. 
 
14 VILANI, J. A. J. S. A questão do trabalho infantil: mitos e verdades. Inclusão 
Social, v. 2, n. 1, p. 83-92, 2007. Disponível em: 
<http://www.brapci.ufpr.br/brapci/v/a/4421>. Acesso em: 04 Ago. 2017. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
63 
 
5 A JUSTIÇA MERITOCRÁTICA 
 
Nessa forma de justiça, diz-se que a justiça deve ser atribuída a 
cada um consoante os seus méritos, observado o grau de merecimento 
de cada um. Todavia, deixa de perceber as nuances que circundam o 
alcance do mérito. 
O ideal de justiça distributiva proposto nesta concepção traz 
consigo a difícil tarefa de alcançar um mesmo grau de mérito, já que, 
segundo Perelman, “Não basta, para serem tratados da mesma forma, 
que dois seres tenham mérito: cumpre ainda que tenham esse mérito 
no mesmo grau.” 
Mais uma vez Vilani15 elenca como mitos, que acoplam à 
justiça distributiva, por exemplo, os seguintes mitos: “A causa da 
incorporação de crianças pelo mercado de trabalho é a precarização 
das relações de trabalho. Ora, o trabalho é formativo, uma escola de 
vida que torna o homem mais digno”; em seguida, “Criança que 
trabalha fica mais esperta, aprende a lutar pela vida e tem condição de 
vencer profissionalmente quando adulta.” e que “Criança trabalhadora 
é sinônimo de disciplina, seriedade e coragem; a que vive em 
vadiagem se torna preguiçosa, desonesta e desordeira.” 
Destaque-se, neste aspecto, o caráter competitivo e darwinista 
deste tipo de justiça. O labor infantil é uma injustiça por antecipação, 
na medida em que se torna uma inclusão excludente, à proporção que 
se inclui no trabalho, mas se exclui, ao criar a míngua de 
competitividade. 
 
15 VILANI, J. A. J. S. A questão do trabalho infantil: mitos e verdades. Inclusão 
Social, v. 2, n. 1, p. 89, 2007. Disponível em: 
<http://www.brapci.ufpr.br/brapci/v/a/4421>. Acesso em: 04 Ago. 2017. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
64 
A cada um deles se opõe a deformação que o trabalho infantil 
ocasiona, em seus aspectos fisiológicos e por que não acrescer os 
psicológicos, a ausência de qualificação que justifique a ascendência 
profissional, bem como o absenteísmo escolar e o menor tempo e 
disposição física para estudar. 16 
Nesse ínterim, como pensar em atribuir o mesmo grau mérito a 
crianças e adolescentes que são precocemente integrados a uma 
realidade de infância que lhes empurra para uma empregabilidade 
prospecta, na qual já se sabe de antemão, será a perpetuação do labor 
já iniciado na infância, ao argumento de que, com base em um 
indutivismo e etnocentrismo despudorado, utiliza-se do mito de que se 
trabalhando desde a infância é onde se tem as melhores chances de 
crescimento, se dar azo ao sustentáculo de uma das maiores mazelas e 
fantasmas da infância atual. 
Cediço tratar-se de mitos, porquanto tem-se como mais certo 
serem casos isolados, utilizados como parâmetros inaceitáveis para 
defesa complacente pela sociedade do labor infanto-juvenil. 
O professor Zeú Palmeira Sobrinho lembra, neste particular, 
que o problema no que se refere ao indutivismo não é só o que se 
pretende demonstrar, mas sim o que o véu da tradição busca ofuscar, 
a própria realidade da exploração da força de trabalho infantil17. Todo 
este contexto somando ao patriarcalismo ainda muito forte na 
 
16 VILANI, J. A. J. S. A questão do trabalho infantil: mitos e verdades. Inclusão 
Social, v. 2, n. 1, p. 89, 2007. Disponível em: 
<http://www.brapci.ufpr.br/brapci/v/a/4421>. Acesso em: 04 Ago. 2017. 
17 PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. O trabalho infantil sob a influência da retórica 
patriarcalista: o indutivismo e o etnocentrismo como argumentos culturalistas 
autoritários. Revista Interface da UFRN. Natal, RN, v. 3, n. 2, p. 52, 2016. ISSN: 
2237-7506. Edição Especial. Disponível em: 
<https://ojs.ccsa.ufrn.br/ojs/index.php?journal=interface&page=article&op=view&p
ath%5B%5D=704> Acesso em 20 jul. 2017. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
65 
sociedade brasileira, inviabiliza, de todo modo, a se falar em uma 
justiça distributiva quando se pensa em trabalho infantil, pois neste 
passo, não há como se falar em grau igualitário mérito. 
 
6 A JUSTIÇA FORMAL: A REPRODUÇÃO DO CICLO 
INTERGERACIONAL DA POBREZA 
 
Nesta concepção de justiça, a que difere de quaisquer das 
anteriores, por ser puramente igualitária, sem guardar quaisquer 
proporções ou outras considerações circunstanciais aos seres a ser 
aplicada poderia ser elevada à justiça perfeita, já que a classe a ser 
adotada seria unicamente a de “homens”, sem distinção. 
A justiça formal, desse modo, enquanto uma de suas definições, 
consiste em “observar uma regra que enuncia a obrigação de tratar de 
uma certa maneira todos os seres de uma determinada categoria”18. 
No ponto, assevere-se, irrealizável, portanto, ao passo em que 
se arbitram categorias dentro desta, sejam elas quais forem, de modo 
que, uma vez mais, se observam os preceitos de justiça a categorias 
determinadas de forma arbitrária, dentro de uma classe, como se via 
outrora em Esparta,com os privilégios da aristocracia, e hoje bem 
perto de nós, no Brasil. 
De modo que, Perelman lembra o lado oposto desta proposta, 
ao passo em que os ideais humanitários são totalmente distorcidos a 
fim de favorecer membros de uma determinada categoria, de modo 
passe a valer que “a cada membro da mesma categoria essencial, a 
mesma coisa”19, já que a própria concepção de justiça se rende a 
valores que remetem à justiça concreta, a qual, por sua vez, atrela-se a 
 
18 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina Galvão G. 
Pereira. São Paulo : Martins Fontes, 2005, p. 45. 
19 Ibidem, p. 21. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
66 
uma visão particular do universo, a partir de que o olhar se voltar para 
esta ou aquela característica atribuída como essencial. 
Os trajetos traçados pela justiça formal nos obrigam 
necessariamente a não acatá-la cegamente, pois, em que pese ser clara 
e precisa e seu caráter racional ser evidentemente posto em relevo, nos 
inquieta constantemente. 
A fórmula da justiça concreta, portanto, é a que nos permite 
atribuir o critério que nos fará classificar qual ser faz parte de que 
categoria essencial, só por meio dela se poderá perquirir a forma pela 
qual cada membro deve ser tratado, pois que a justiça formal não nos 
leva tão longe a ponto de se perseguir o justo, ou optar pela aplicação 
de uma regra justa. 
Nesse sentido, Perelman aduz que os próprios leitores não se 
contentam com este sentido de justiça, já que verão que a justiça 
formal não passa de uma formula vazia, cujo conteúdo é conferido, a 
posteriori, por um dos ideais de justiça concreta20. 
Contextualizando, ter-se-ia o mito trabalhado pela Procuradora 
Vilani, de que “É natural que as crianças trabalhem com os pais, 
aprendendo um ofício; é natural que os pais levem seus filhos para seu 
local de trabalho quando não têm onde deixá-las, ainda que seja uma 
carvoaria ou um lixão!”21 
Ora, pro primeiro, a criança não estaria aprendendo nenhum 
ofício, sequer aprendizagem tem como caracterizar. Ademais, para 
valer como verdade o argumento supra, ter-se-ia que aplicar-se a todos 
igualmente, de modo que, totalmente refutável frente ao fato que 
jamais um empresário, médico ou advogado, vai deixar de ter seu filho 
 
20 Ibidem, p. 50. 
21 VILANI, J. A. J. S. A questão do trabalho infantil: mitos e verdades. Inclusão 
Social, v. 2, n. 1, p. 83-92, 2007. Disponível em: 
<http://www.brapci.ufpr.br/brapci/v/a/4421>. Acesso em: 04 Ago. 2017. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
67 
em uma boa escola a optar por levá-lo consigo para o trabalho, por 
mais conforto que fornecesse o seu local laboral. 
Segundo a premissa da justiça formal, deve ser dado a cada um 
o que o direito lhe atribui. A falta de efetividade do artigo 227, da 
constituição Cidadã de 1988, resta à criança e ao adolescente pobres a 
miséria. É essa a Justiça que Anatole France descreveu em seu livro 
“Jardim de Epicuro”, uma justiça formal é aquela que dá ao pobre a 
pobreza e ao rico a riqueza, nada mais. É por meio desta visão que, 
como bem coloca a Procuradora do Trabalho Jane Aráujo dos Santos 
Vilani, observa-se a perpetuação da pobreza das famílias e de suas 
futuras gerações. 
 
7 A JUSTIÇA CARITATIVA: UMA POLÍTICA POBRE PARA 
AS CRIANÇAS POBRES 
 
A justiça caritativa é baseada na máxima de que o direito deve 
atribuir a cada um conforme as suas necessidades, mas as essenciais, 
pelas quais a própria sociedade seria responsável, o que, por si só, já 
se leva a questões de que necessidades essenciais se está falando. 
De se dizer que aqui, não se busca perquirir as necessidades 
enquanto individualizadas, a atender o alcance psicológico destas, mas 
as necessidades que se mostrem imprescindíveis e hierarquizadas 
dentro do contexto do que seria o justo, a fim de se distanciar do 
conceito de caridade, seria, como associa Perelman, “o mínimo vital.” 
22 
Argumenta-se manter-se o foco nas necessidades essenciais da 
categoria enquanto exigências do ser humano em geral, porquanto ir 
além significa ultrapassar os muros da justiça e chegar à caridade. Esta 
 
22 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina Galvão G. 
Pereira. São Paulo : Martins Fontes, 2005, p. 26. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
68 
sim, olha o ser individualmente e considera suas características e 
necessidades próprias e, portanto, deve ser rechaçada. Nesta 
concepção, somente se chega, como dito, ao mínimo para sobreviver. 
Contudo, é a necessidade de se buscar uma justiça social 
baseada nas reais necessidades dos seres, bem assim na 
obrigatoriedade de se chamar a suprir tais penúrias a sociedade e o 
próprio Estado anseia por emergir. 
A justiça caritativa de baixa intensidade está baseada numa 
política-placebo que não rompe as estruturas de exploração, mas 
submerge a realidade hoje crescente, de busca pela justiça como um 
valor universal. 
Dentro deste contexto, surge o mito, segundo Jane Vilani de que 
“É melhor a criança trabalhar do que ficar na rua, exposta ao crime e 
aos maus-costumes.” Que necessidades supridas são estas ???. A 
criança vem a pagar por este mito, na maioria das vezes, com o próprio 
corpo.23 
Outro mito que merece destaque, lembra Vilani, “Trabalhar 
educa o caráter da criança, é um valor ético e moral. É melhor ganhar 
uns trocados, aproveitar o tempo com algo útil, pois o trabalho é bom 
por natureza”, ao passo que contra argumenta no sentido do próprio 
conceito de infância, do organismo em formação, da prioridade que 
dever-se-ia observar da frequência à escola, do tempo de brincar e de 
aprender24. 
Por fim, e este o mais sério de todos, exsurge o mito de que o 
“O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma utopia e está 
dissociado da realidade brasileira; é preciso adaptá-lo às reais 
 
23 VILANI, J. A. J. S. A questão do trabalho infantil: mitos e verdades. Inclusão 
Social, v. 2, n. 1, p. 88, 2007. Disponível em: 
<http://www.brapci.ufpr.br/brapci/v/a/4421>. Acesso em: 04 Ago. 2017. 
24 Ibidem, p. 88-89. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
69 
condições sociais e econômicas do país”. Aqui, aduz a Procuradora, 
não se pode olvidar e dissociar tal questão do olhar com enfoque nos 
direitos humanos, fundamentais, que são inegociáveis e inalienáveis25, 
sendo obrigação da sociedade como um todo chamar para si a 
problemática e tratar de implementar e estender a todas as crianças o 
sistema protetivo constitucional e legal, a exemplo do próprio ECA. 
De se dizer, ainda, que qualquer das noções de justiça pelas 
quais se possa optar vai nos levar à única conclusão da necessidade de 
implementação de políticas públicas no sentido de equalizar as 
oportunidades a todas as crianças, como categoria essencial especial 
que é, sem se perquirir sua origem, cor, raça ou meio social em que 
vive, mas simplesmente, adotar atitudes que viabilizem essa isonomia. 
Sem ela, a sociedade não cresce, não evolui, nem dentro nem 
fora do conceito de igualdade-caridade que poderia perfeitamente se 
aplicar a situação. Os estudos das organizações internacionais e 
nacionais estão aí para comprovar, a indissociabilidade entre o 
crescimento econômico e social, um sem o outro, favorece uma 
evolução injusta, escura, a custa do suor de crianças que, mais tarde, 
não terão como contribuir com o país, porque ceifadas desta 
possibilidade, a si, suas famílias, e as geraçõesvindouras. 
 
8 PENSANDO A INFÂNCIA COMO UMA CATEGORIA 
IDEAL RAWLSNIANA 
 
Se para John Rawls, que defende a insuficiência da justiça 
formal, uma forma de compreender a justiça é problematizá-la na sua 
gênese à luz da equidade, tal modelo compreensivo serve como ponto 
 
25 Ibidem, p. 89. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
70 
de referência para se questionar a criança e o trabalho infantil sobre a 
perspectiva da equidade e do véu da ignorância. 
A posição original, proposta de forma hipotética pelo autor 
como forma de se chegar a uma concepção de justiça ideal seria a 
partindo de uma suposição no sentido de que “ninguém conhece seu 
lugar na sociedade, a posição de sua classe ou o status social e 
ninguém conhece sua sorte na distribuição de dotes e habilidades 
naturais, sua inteligência, força e coisas semelhantes.”26 
O autor propõe, nesse ínterim, para se chegar a escolha dos 
princípios de justiça, utilizar-se de um véu da ignorância, como ajuste 
equitativo, a fim de se garantir que não haveriam favorecimentos a 
partir da posição original. 
Esse desafio levaria o leitor à seguinte indagação: o que uma 
sociedade que criada, não sabe qual será a sua biografia e que está no 
seu nascedouro, e que precisa firmar um contrato social poderia 
formular como proposta de futuro para as suas crianças e 
adolescentes? 
Caso se partisse do pressuposto de que todos os adultos dessa 
sociedade em construção não soubessem antecipadamente qual seria a 
condição socioeconômica de suas famílias no decorrer do 
desenvolvimento do seu modelo societal, surge a indagação: como 
esses cidadãos, protagonistas de um modelo normogenético, fixariam 
as regras e princípios para disciplinar um contrato social sobre a 
infância e a adolescência? 
Se cada legislador-cidadão não sabe se será rico ou não, se terá 
poder político ou não, se será integrante de minoria ou não, então 
 
26 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução: Jussara Simões. 3 ed. São Paulo: 
Martins Fontes, 2008, p. 15. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
71 
certamente o destino de cada criança e adolescente seria pensado e 
elaborado a partir de uma posição original de equidade. 
A posição original de equidade tende a levar cada legislador-
cidadão a atuar como construtor racional do destino não apenas de 
alguém que lhe será estranho, mas também de alguém que vê o seu 
próprio filho. 
O legislador-cidadão fará, por meio do contrato social uma 
escolha política: se quer uma infância com lazer, esportes, imaginação, 
saúde, convivência familiar e comunitária ou se quer uma infância 
marcada pelos riscos de acidentes de trabalho, evasão escolar, 
privação de lazer, ausência de convívio normal com a família, 
suscetibilidade de abusos, dentre tantos outros males trazidos pelo 
labor em tempo inoportuno. 
O contrato hipotético de Rawls leva o legislador cidadão a partir 
de uma posição de equidade e a refletir sobre os parâmetros morais do 
contrato social. A despeito de uma moral recheada de boas intenções, 
a proposta de John Rawls confunde o modelo normativo com o 
modelo de realidade, caindo no automatismo de que basta um modelo 
normativo de sociedade que se chegará à sociedade modelo. 
O problema é que a teoria de Rawls protagoniza a esfera de um 
indivíduo que pensa para si, mas a teoria não reflete na perspectiva do 
indivíduo concreta, em situação de desigualdade. 
Contudo, a teoria traz relevante contribuição no que aduz com 
a regra do maximin, porquanto esta apregoa maximizar a pior situação, 
pensando em si e em sua família, de modo que, ainda que 
egoisticamente, estar-se-ia buscando a melhor situação, ainda que 
dentre as opções se apresentam no momento não seja a ideal, é o 
exemplo da própria política de aprendizagem, ou do bolsa escola, que 
não é a política ideal, não é a melhor política, mas é, dentre as atuais, 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
72 
as que tiram o trabalhador infantil da situação precária em que labora, 
não fosse a regularização da aprendizagem 
 
9 CONCLUSÃO 
 
Falar de justiça é complicado, mas não procurar uma forma de 
justiça a aplicar a situação do labor infantil é mais ainda. Fechar os 
olhos a uma realidade que grita todos os dias por socorro em nossos 
ouvidos é indesculpável. Deixar de procurar meios de ver o sorriso de 
crianças em lugar de lágrimas, mãos sujas e calejadas e até morte, não 
é opção. 
Chaim Perelman lembra em sua obra da regra áurea que se 
propaga através dos tempos de que deve-se tratar os outros como a sim 
mesmo, o que pode parecer difícil quando se discute a gravidade do 
trabalho frente aos mitos que se cria para justificá-lo. 
Todavia, no decorrer deste texto, procurou-se enfrentá-los. Para 
tanto, ousou-se travar a batalha a partir da conjugação das concepções 
de justiça trazidas por Perelman, e, ao final, por Rawls. 
Constatou-se possível fazer o enfrentamento, já que não é justo 
atribuir a criança uma responsabilidade que não é sua, em que pese 
mais fácil, pois indefesas e imaturas e vulneráveis o suficiente para 
deixar de entender as consequências que o labor infantil trará em suas 
vidas futuras. 
Nesse espeque, rebateu-se cada um dos mitos hoje associados 
ao trabalho infantil a partir de uma das concepções de justiça trazidas 
na obra de Chaim Perelman, Ética e direito, extraindo de cada uma 
delas argumentos de enfrentamento de cada um dos mitos, donde se 
viu que nenhum dos mitos que advogam em favor do labor infantil 
conseguiu se sustentar. 
Acesso à Justiça: Perspectivas Jusfilosoficas 
 
 
73 
Ademais, avocou-se a teoria da Justiça advogada por Rawls, a 
qual se constrói no sentido de da busca por uma posição original, onde 
o consenso é obtido por meio de uma neutralidade oriunda do “véu de 
ignorância” a que todos estariam submetidos. Vestir-se-ia este véu, a 
fim de que se encobrissem as particularidades de cada um, de forma 
que, face a face com a demanda a ser decidida, ninguém soubesse que 
posição social viria a ocupar na sociedade futura, a fim de que se 
decidisse a forma mais justa de partilha dos “bens sociais básicos”. 
Perseguindo este objeto maior que seria a justiça ideal, Rawls busca 
estudar a constituição do eu desvinculado. 
Desse modo, o autor sugere o desinteresse mútuo, porquanto a 
posição original fornece uma autonomia no sentido de se pensar não 
nos outros, mas em si mesmo (para se alcançar um conceito de bem 
comum). É ficção, mas uma ficção bem vinda quando se persegue a 
melhor forma de ver o que é justo para o outro, partindo-se de uma 
neutralidade relativa e permissiva, à proporção que os princípios 
(princípio da igualdade/liberdade; princípio da igualdade equitativa de 
oportunidade e princípio da diferença) são escolhidos a partir do 
critério que possibilita o que Rawls nomina de máximo do mínimo, de 
modo que uma pessoa que esteja em pior situação, ainda esteja na 
melhor situação possível. 
Diante do exposto, o que fica é o convite a cada um, para se 
pensar, a partir da perspectiva do legislador-cidadão, sob o véu da 
ignorância, sem saber quem amanhã estará na condição de labor 
infantil, se seu filho ou um desconhecido, perseguir alternativas 
político-sociais de enfrentamento do trabalho infantil, a fim de frear 
esta mazela que ainda alcança o sonho de tantas famílias no Brasil e 
no mundo. 
Fabiana Dantas Soares Alves da Mota 
 
 
74 
 
REFERÊNCIAS 
 
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<http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
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PERELMAN, Chaim. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina 
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PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. O trabalho infantil sob a influência 
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argumentos culturalistas autoritários. Revista Interface da UFRN. 
Natal, RN, v. 3, n. 2, p. 51-69, 2016. ISSN: 2237-7506. Edição 
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<https://ojs.ccsa.ufrn.br/ojs/index.php?journal=interface&page=articl
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TENÓRIO, Demontier. Criança de 12 anos morreu soterrada em 
Juazeiro do Norte. 2017. Disponível em: 
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TUCHER, Nicholas. O que é uma criança? Tradução Paula Santa-
Rita. Lisboa: Edições Salamandra, 1997. 
VILANI, Jane Araújo dos Santos. A questão do trabalho infantil: 
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Disponível em: <http://www.brapci.ufpr.br/brapci/v/a/4421>. Acesso 
em: 04 Ago. 2017.

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