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1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Ciências Econômicas Introdução à Economia II 1º. semestre 2014 Nota de aula 3 – Modelo de alocação da despesa Honorio Kume 1. O modelo Vimos anteriormente que a composição do PIB pode ser descrita da seguinte forma: Y = C + I + G + X onde Y = valor do PIB em reais; C = gasto em bens e serviços para fins de consumo final; I = gasto em bens e serviços para fins de investimento; G = gasto do governo com a compra de bens e serviços; e X = valor das exportações líquidas. Dividindo-se ambos os lados da equação acima pelo PIB, tem-se: ଢ଼ ଢ଼ = େ ଢ଼ + ୍ ଢ଼ + ୋ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ = 1 A equação acima afirma que a soma das participações de cada componente é igual a 1 ou 100%. O gráfico 1 apresenta as participações de cada componente no Brasil. 2 Gráfico 1 – Participação do consumo, investimento, gastos do governo e exportações líquidas no PIB do Brasil: 2005-2009 Fonte: IBGE. Elaboração própria. O modelo de alocação da despesa tem como objetivo determinar como o PIB de um país é distribuído entre os diversos componentes citados. Dado um PIB, é como se cada componente disputasse com os demais por parcelas do PIB. Logo, quando a participação de um componente aumenta, um ou mais de um componente tem que diminuir. O que arbitra esta disputa de forma que a soma seja igual ao PIB? Este modelo mostra que a participação dos componentes é determinada pela taxa de juros e, que por sua vez, é também influenciada pelas despesas de consumo, investimento e gastos do governo. Assim, se sabemos como se determinam a taxa de juros, este modelo ajuda a prever, por exemplo, o que acontece com os outros componentes se o governo reduz seus gastos. No entanto, deve-se notar que, a mudança nos componentes do PIB geralmente ocorre gradualmente ao longo de vários anos. Portanto, este modelo é útil para análise de longo prazo e não de curto prazo. -10 0 10 20 30 40 50 60 70 2005 2006 2007 2008 2009 Consumo Investimento Governo Exportações líquidas 3 2. Taxa de juros e os componentes da despesa Esta seção procura mostrar que a taxa de juros afeta as três participações na despesa do setor privado: consumo, investimento e exportações líquidas. 2.1 Consumo Dada uma renda, o individuo pode escolher entre consumir hoje (gastar) hoje ou consumir amanhã (poupar). Nota: hoje e amanhã representam períodos de tempo. Por exemplo, pode representar o mês atual e o próximo mês ou este ano e o próximo ano. Também se utiliza a denominação consumo presente e consumo futuro. Como o indivíduo escolhe? A resposta segue o comportamento de uma demanda de um bem usual: depende do preço relativo. Se o preço aumenta, a quantidade demandada cai; se o preço cai, a quantidade demandada aumenta. Neste caso, o preço relativo é dado entre o consumo hoje e o consumo amanhã. A taxa de juros é o preço relativo. Suponha que um indivíduo tem uma renda hoje de 100 reais e a taxa de juros é de 6% ao mês. Se preferir consumir neste mês, pode gastar 100 reais. Se deixar para consumir no mês seguinte, poderá gastar 106 reais que corresponde aos 100 reais poupados mais 6 reais obtidos com juros (0,06 vezes 100 reais). O preço de consumir hoje é deixar de consumir 6 reais adicionais amanhã. Se a taxa de juros aumenta para 10%, o preço de consumir hoje é deixar de consumir 10 reais adicionais amanhã. Quando a taxa de juros aumenta, o preço de consumir hoje se eleva desestimulando o consumo presente. 4 Assim, a participação do consumo na renda é negativamente afetada pela taxa de juros. O gráfico 2 ilustra esta relação. Gráfico 2 – Relação entre a participação do consumo e a taxa de juros Tal como uma curva de demanda de um bem, movimentos na taxa de juros provocam deslocamentos sobre a mesma curva. Deslocamentos da curva de consumo (C/Y) ocorrem quando se alteram outros fatores que também influencia o consumo. Por exemplo, se ocorre um aumento no imposto sobre o consumo, a curva de consumo se desloca para a esquerda, ou seja, para uma dada taxa de juros, a participação do consumo na renda diminui, conforme ilustrada no gráfico 3. Taxa de juros (i) C/Y C1 5 Gráfico 3 – Deslocamento da curva da participação do consumo no PIB devido ao aumento no imposto sobre consumo 2.2 Investimento Há uma relação inversa entre a taxa de juros e a participação do investimento no PIB. Isto ocorre pelas seguintes razões: i) uma empresa compra máquinas e equipamentos ou instala novas fábricas se a rentabilidade deste investimento for superior a taxa de juros. Logo, se a taxa de juros aumenta, menos investimentos serão realizados. Por que há esta relação negativa entre os investimentos e a taxa de juros? Se o empresário dispõe de recursos próprios, ele pode escolher entre comprar uma máquina ou aplicar os recursos no mercado financeiro recebendo juros. A escolha será sempre pela alternativa mais rentável. Se o empresário toma empréstimos para comprar uma máquina, a rentabilidade desta máquina deve ser superior aos juros que serão pagos. Taxa de juros (i) C/Y i1 C1/Y1 C2/Y2 C1 C2 6 No componente investimento está incluída a compra de novas residências que geralmente são financiadas. Quando a taxa de juros aumenta, o custo do financiamento imobiliário se eleva (as prestações mensais aumentam) desestimulando o investimento residencial. O gráfico 4 ilustra a relação negativa entre a participação do investimento privado no PIB e a taxa de juros. Gráfico 4 – Participação do investimento na renda e a taxa de juros Note a curva de investimento foi desenha mais elástica do que a curva de consumo: o investimento é mais sensível à taxa de juros do que o consumo. Esta é uma constatação empírica. Além da taxa de juros, outros fatores afetam o investimento fazendo com que a curva de investimento se desloque para a direita ou para a esquerda. Por exemplo, incentivos fiscais que reduzem o preço dos equipamentos deslocam a curva de investimento para a direita a uma dada taxa juros, conforme ilustrado no gráfico 5. Taxa de juros (i) I/Y I1 7 Gráfico 5 – Incentivos fiscais e deslocamento da curva de investimento 2.3 Exportações líquidas A participação das exportações líquidas está associada negativamente com a taxa de juros. Se a taxa de juros aumenta, os investidores estrangeiros passam a trazer mais dólares ao país e a taxa de câmbio se valoriza. No mercado de dólares, a curva de oferta se desloca para a direita e o preço do dólar cai, conforme mostrado no gráfico 6. A valorização da taxa de câmbio diminui as exportações e aumenta as importações, reduzindo as exportações líquidas. No gráfico 6, para cada US$ 1 recebido nas vendas externas, o exportador passa a receber R$ 2 ao invés de R$ 2,5. O preço do produto importado em reais diminui o que leva o consumidor a preferir o bem importado em detrimento do bem produzido no país. Taxa de juros (i) (I/Y) (I/Y)2 (I/Y)1 I1 I2 i1 8 Gráfico 6 – Determinação da taxa de câmbio Portanto, há uma relação inversa entre a taxa de juros e as exportações líquidas, conforme mostrado no gráfico 7. Gráfico 7 - Participação das exportações líquidas no PIB e taxa de juros Note que, ao contrário das participações do consumo e do investimento no PIB, a parcela das exportações líquidas, por ser medida pela diferença entre os valores das exportações e das importações, pode apresentar valores negativo, positivo ou nulo. Taxa de câmbio (R$/US$) US$ D O2 O1 2,5 2,0 Taxa de juros (i) X/Y X 0 9 3. Taxa de juros de equilíbrio Como as parcelas do consumo, do investimento e das exportações líquidas na renda resultam de decisões de agentes privados, pode-se somar estas participações e denominar participação não governamental. Portanto, a participação não governamental no PIB corresponde a soma horizontal das parcelas do consumo, do investimento e das exportações líquidas na renda, conforme mostrado no gráfico 8. Gráfico 8 – Derivação da participação não governamental no PIB No gráfico 8, quando a taxa de juros é de 8%, a parcela do consumo na renda atinge 60%, a do investimento 20% e a das exportações líquidas 2%. Somando estas parcelas a participação não governamental alcança 82%; quando a taxa de juros é de 10%, a parcela do consumo na renda atinge 55%, a do investimento 15% e a das exportações líquidas 1%. Somando estas parcelas a participação não governamental alcança 71%. Assim, para cada nível da taxa de juros tem-se uma determinada participação não governamental no PIB. Qual será a taxa de juros de equilíbrio? Para determinar a taxa de juros de equilíbrio é necessário incorporar na análise o quarto componente do PIB: os gastos do governo. i i i i Parcela do consumo Parcela do investimento Parcela do investimento Parcela das exportações líquidas Parcela não governamental C/Y I/Y X/Y NG/Y 60 20 2 82 8 10 55 15 1 71 10 Assume-se que os gastos do governo são fixados arbitrariamente pelos governantes para atender determinados objetivos e, portanto, não dependem da taxa de juros. Se o governo absorve uma parte do PIB, a parcela restante fica disponível para o consumo, investimento e exportações líquidas: େ ଢ଼ + ୍ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ = 1 - ୋ ଢ଼ Neste modelo, como esta igualdade será assegurada? Se o governo aumenta seus gastos em proporção do PIB, um ou mais de um dos componentes do lado esquerdo da equação devem ser reduzidos para que a soma seja compatível com a parcela disponível da renda (lado direito da equação). Como este resultado será alcançado se as decisões de consumo, investimento e exportações liquidas são tomadas pelos agentes privados? Resposta: pelos movimentos da taxa de juros. Se os gastos do governo como percentual da renda aumenta: େ ଢ଼ + ୍ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ > 1 - ୋ ଢ଼ a taxa de juros aumenta o suficiente para que a igualdade seja novamente alcançada: େ ଢ଼ + ୍ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ = 1 - ୋ ଢ଼ A solução gráfico do modelo é apresentada no gráfico 9 que reproduz parcialmente o gráfico 8. Por exemplo, se o governo decide se apropriar 18% da renda por meio de seus gastos, restará para o setor privado uma participação de 82% para qualquer nível da taxa de juros. Assim, representa-se este resultado no gráfico da participação não governamental (quarto desenho) com uma linha vertical cruzando o eixo horizontal em 82%. 11 Gráfico 9 – Derivação da participação não governamental no PIB O cruzamento da linha vertical indicando a parcela do PIB disponível para os agentes privados com a curva da parcela não governamental negativamente inclinada determina a taxa de juros de equilíbrio de 8%. Em seguida, a taxa de juros de 8% determina a participação do consumo (60%), do investimento (20%) e das exportações líquidas (2%) no PIB, conforme ilustrada no gráfico 10. Gráfico 10 – Taxa de juros de equilíbrio e determinação das parcelas do consumo, investimento e exportações líquidas no PIB Note que o quarto desenho em que se determina a taxa de juros de equilíbrio é semelhante a oferta e demanda de bens visto em microeconomia. A linha negativamente inclinada mostrando a relação inversa entre os gastos não governamentais como proporção da renda e a taxa de i i i i Parcela do consumo Parcela do investimento Parcela do investimento Parcela das exportações líquidas Parcela não governamental C/Y I/Y X/Y NG/Y 82 8 i i i i Parcela do consumo Parcela do investimento Parcela do investimento Parcela das exportações líquidas Parcela não governamental C/Y I/Y X/Y NG/Y 60 20 2 82 8 12 juros corresponde a demanda de um bem que relaciona a quantidade demandada inversamente com o preço do próprio bem. A linha vertical mostra a disponibilidade de recursos disponível para o setor privado é similar a curva de oferta de um bem. Vale observar também que a taxa de juros de equilíbrio obtida neste modelo corresponde a taxa de juros real – taxa de juros nominal ajustada à inflação, pois as reações dos consumidores e das empresas diante das mudanças na taxa de juros demora vários anos. Em resumo, este modelo mostra que a taxa de juros real de longo prazo é determinada pelo equilíbrio entre a demanda dos agentes privados para consumo, investimento e exportações líquidas e a oferta disponível de bens e serviços na economia uma vez deduzido a parte consumida pelo governo. 4. Exercícios 4.1 Exercício 1: o que acontece se o governo aumenta os gastos públicos de 18% para 25%? No gráfico 11, a linha vertical se desloca para a esquerda e a taxa de juros aumenta para 10%, o que reduz as parcelas do consumo de 60% para 58%, do investimento 20% para 16% e das exportações liquidas de 2% para 1%. Gráfico 11 – Impacto de um aumento na participação do governo no PIB i i i i Parcela do consumo Parcela do investimento Parcela do investimento Parcela das exportações líquidas Parcela não governamental C/Y I/Y X/Y NG/Y 60 20 2 82 8 10 58 16 1 75 13 O aumento na parcela do governo no PIB reduz a participação do investimento privado, ainda que não na mesma proporção por que o consumo e as exportações líquidas também são sensíveis a taxa de juros. A substituição parcial do investimento privado pelos gastos do governo no PIB é denominado “crowding out” ou efeito deslocamento. 4.2 Exercício 2: o que acontece se o imposto sobre o consumo se reduz? No gráfico 12, a curva indicando a participação do consumo no PIB se desloca para a direita o que desloca a curva de participação não governamental também para a direita. Como a parcela do governo não se altera, a maior parcela de consumo tem que ser acomodada através da redução da participação do investimento e/ou das exportações. Para isso, a taxa de juros aumenta para 10%, o que reduz as parcelas do investimento 20% para 16% e das exportações liquidas de 2% para 1%. Gráfico 12 – Impacto de um aumento na participação do consumo devido a elevação do imposto sobre o consumo 5. A taxa de poupança nacional A poupança nacional é igual a renda menos os gastos de consumo e do governo: S = Y - C – G i i i i Parcela do consumo Parcela do investimento Parcela do investimento Parcela das exportações líquidas Parcela não governamental C/Y I/Y X/Y NG/Y 62 20 2 82 8 9 58 17 1 75 14 Dividindo ambos os lados da equação por Y, tem-se: ୗ ଢ଼ = ଢ଼ ଢ଼ − େ ଢ଼ - ୋ ଢ଼ ou ୗ ଢ଼ = 1− େ ଢ଼ - ୋ ଢ଼ Isto significa que: Taxa de poupança nacional = 1 – taxa de consumo – taxa de gastos do governo Este resultado mostra que alterações nas taxas de consumo e de gastos do governo afetam a taxa de poupança nacional. Como a taxa de consumo depende da taxa de juros, a taxa de poupança também depende da taxa de juros. Se a taxa de juros aumenta a taxa de consumo cai, logo a taxa de poupança se eleva. Portanto, há uma relação positiva entre a taxa de poupança e a taxa de juros, o que pode ser visualizado no gráfico 13. Gráfico 13 – Taxa de poupança e a taxa de juros Lembrando que Taxa de juros (i) S/Y S 15 େ ଢ଼ + ୍ ଢ଼ + ୋ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ = 1 Substituindo na equação da taxa de poupança tem-se: ୗ ଢ଼ = େ ଢ଼ + ୍ ଢ଼ + ୋ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ − େ ଢ଼ - ୋ ଢ଼ ୗ ଢ଼ = ୍ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ Esta equação mostra que a taxa de poupança é igual a participação do investimento e das exportações líquidas na renda. Como vimos anteriormente, a participação do investimento e das exportações líquidas na renda depende negativamente da taxa de juros. Colocando-se esta participação no gráfico 12, podemos mostrar a determinação da taxa de juros de equilíbrio no gráfico 13. Gráfico 13 – Determinação da taxa de juros pela relação com a taxa de poupança Exercício 3 – O que acontece se a uma queda na taxa de poupança devido ao aumento na taxa de consumo provocada por uma redução nos impostos sobre o consumo? Taxa de juros (i) S/Y S ୍ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ (S/Y)1 i1 16 O aumento na taxa de consumo para qualquer nível da taxa de juros é equivalente a uma redução na taxa de poupança. Assim, no gráfico 14, a curva de poupança se desloca para a esquerda, o que provoca um aumento na taxa de juros e uma queda na participação do investimento e das exportações líquidas no PIB. Gráfico 14 – Impacto de uma redução na taxa de poupança 6. Considerações finais Este modelo macroeconômico mostra a determinação da taxa de juros de equilíbrio e explica como a participação do consumo, do investimento e das exportações líquidas é alocada em uma economia. O modelo é útil para analisar o impacto de uma mudança nos gastos do governo ou no consumo (poupança). O modelo mostrou que um aumento na participação das despesas do governo reduz o investimento privado. Portanto, a dimensão do governo em uma economia tem implicações econômicas. Referência bibliográfica Taylor, J. B. Princípios de Macroeconomia. São Paulo: Editora Ática, 2007, cap. 7. Taxa de juros (i) S/Y S1 ୍ ଢ଼ + ଡ଼ ଢ଼ (S/Y)1 i1 i2 S2 (S/Y)2
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