Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Artigo de Revisão Manejo nutricional de pacientes com Síndrome do Intestino Curto Nutritional management in Short Bowel Syndrome Abordaje nutricional en pacientes con Síndrome del Intestino Corto Resumo A Síndrome do Intestino Curto (SIC) caracteriza-se por diarréia, perda de proteína, de gordura e de peso, resultando em um estado crônico de má absorção. O tratamento nutricional in- fluencia na sobrevida desses pacientes, já que a desnutrição é um dos fatores determinantes da má evolução clínica. O manejo dietético é dividido em três fases. Na fase aguda, o objetivo terapêutico é reposição hidroeletrolítica. A nutrição parenteral total é indicada e deve ser iniciada precocemente. A fase de adaptação ocorre com a exposição gradual aos nutrientes no intestino. Há transição entre terapia nutricional por via venosa e realimentação via oral. Na fase de manutenção, o tratamento dietético deve ser permanente e individualizado. Deve-se aumentar a freqüência e diminuir o volume das refeições, aumentando-se suplementação para adequado aporte calórico. A não-dependência de terapia nutricional é considerada somente quando o paciente é capaz de manter normal ou perto do normal seu estado nutricional. Abstract The Short Bowel Syndrome (SBS) is caracterized by diarrea, protein, fat and weigth reduc- tion, resulting in chronic state of malabsortion. The nutritional management influence survival, since malnutrition is a determinant factor of bad clinical evolution. It is constituted of three stages. In acute stage, hidroeletrolitic reposition is the main objective. The parenteral nutri- tion is indicated and must be started readly. The adaptation stage is caracterized by gradual intestinal nutrient exposure, and there is the transition of parenteral nutrition to oral feeding. In maintenance stage, the dietetic management must be permanent and individualized. Meals must be more frequentely, in smaller volumes, with suplemented caloric support. Withdrawl of nutritional support must be only considered when pacient is able to mantain nutritional status normal or near it. Resumen Síndrome del Intestino Corto (SIC) se caracteriza por diarrea, pérdida de proteína, grasa y peso, resultando en estado crónico de mala absorción. Tratamiento nutricional influye en la sobrevida de pacientes, pues la desnutrición es uno de los factores determinantes de la mala evolución clínica. Manejo dietético se divide en tres fases. En la aguda, el objetivo terapéutico es reposición hidroelectrolítica. La nutrición parenteral total se indica y se debe iniciar precoz- mente. La fase de adaptación ocurre con exposición gradual a los nutrientes en el intestino. Hay transición entre terapia nutricional por vía venosa y realimentación vía oral. En fase de mantenimiento, el tratamiento dietético debe ser permanente e individualizado. Se debe au- mentar la frecuencia y disminuir el volumen de las comidas, aumentándose suplemento para adecuado aporte calórico. Se considera la no-dependencia de terapia nutricional solamente cuando el paciente es capaz de mantener normal o cerca de ello su estado nutricional. Michele Drehmer1 Elza Daniel de Mello2 Cláudia Hallal Alves Gazal3 Mariur Gomes Beghetto4 Carla Silveira5 1 Nutricionista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda do programa de pós-graduação em Epidemiologia da UFRGS 2 Doutora em Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED/UFRGS), especialista em Gastroenterolo- gia Pediátrica, Nutrologia e em Nutrição Parente- ral e Enteral, médica coordenadora da Comissão de Suporte Nutricional (CSN) do Hospital de Clí- nicas de Porto Alegre (HCPA) e chefe do Serviço de Nutrologia do HCPA e professora adjunta do Departamento de Pediatria da FAMED/UFRGS 3 Mestre em Pediatria da FAMED/UFRGS e médica da CSN, do Serviço de Nutrologia e da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do HCPA 4 Mestre em Ciências Médicas - Endocrinologia, Me- tabolismo e Nutrição da FAMED/UFRGS e enfer- meira da CSN e do Serviço de Nutrologia do HCPA 5 Nutricionista da CSN e do Serviço de Nutrologia do HCPA Unitermos Síndrome do intestino curto; terapia nutricional; nutrição parenteral Key words Short bowel syndrome; nutrition therapy; parenteral nutrition Unitérminos Síndrome del intestino corto; terapia nutricional; nutrición parenteral Endereço para correspondência: Michele Drehmer Rua Carlos Von Koseritz, 471 – apto. 3 CEP 90540-031 – Porto Alegre/RS E-mail: migdrehmer@ig.com.br; migdrehmer@gmail.com Submissão 27 de maio de 2007 Aceito para publicação 28 de maio de 2007 Rev Bras Nutr Clin 2007;22(2):174-80 Manejo nutricional de pacientes com Síndrome do Intestino Curto 175 Introdução A Síndrome do Intestino Curto (SIC) é uma compli- cação decorrente de condições congênitas ou adquiridas ca- racterizada por diarréia, perda de proteína, de gordura e de peso1. Crianças que nascem com atresia intestinal (jejunal ou ileal), constituem as formas congênitas. As causas adqui- ridas por adultos e crianças envolvem, principalmente, as ressecções cirúrgicas de intestino, de maciça enterectomia, de atresias intestinais e de aganglionose extensa2. Em crian- ças, a SIC não-congênita surge devido à ressecção intestinal devido à enterocolite necrosante, atresia intestinal, gastro- quise ou onfalocele7. A SIC acomete indivíduos com menos de 200 cm de intestino delgado funcionante em adultos2 e/ou quando há uma ressecção de intestino delgado maior que 70 a 75%3. Ressecções da região ileocecal e do cólon aumentam a gravidade da doença4. Esta síndrome também pode ser definida como uma condição funcional, na qual a extensão do intestino envolvido (por exemplo, na doença de Crohn) resulta em um estado crônico de má absorção5. A verdadeira incidência de SIC varia conforme a locali- zação: 12,7 indivíduos por milhão de habitantes por ano na Europa, 120 indivíduos por milhão por ano nos EUA, e 4,8 pa- cientes pediátricos com SIC por milhão de habitantes por ano no Canadá5. A mortalidade da SIC está estimada entre 10 a 50%6. No nosso meio não há dados sobre incidência da SIC. Ressecções ou alterações funcionais de grande área do in- testino levam a uma drástica perda de área absortiva e, conse- qüentemente, má absorção de macro e micronutrientes, água e eletrólitos8. A reduzida área de absorção determina vários graus de má absorção, além da perda da imunidade gastrin- testinal e da habilidade para secretar peptídeos regulatórios gastrintestinais e hormônios tróficos7. O sinal mais freqüen- temente evidenciado imediatamente após uma extensa res- secção intestinal é diarréia profusa, exacerbada por ingestão por via oral. Ocorrem, também, problemas a curto e em longo prazo com a má absorção, levando a distúrbios do balanço de fluídos, perda de peso, anemia e deficiências vitamínicas11. A gravidade da desnutrição e das complicações metabóli- cas dependerá da doença de base, da idade do paciente (quando ocorrer a ressecção), da porção de intestino delgado ressecada e da integridade funcional do intestino delgado remanescente, além do tempo decorrente da ressecção, da ressecção da válvula ileocecal e da presença de outras doenças sistêmicas9. O adequado tratamento nutricional pode influenciar na sobrevida de pacientes com SIC, já que a desnutrição se- cundária a estas situações clínicas é um dos fatores determi- nantes da má evolução clínica, com aumento da morbi-mor- talidade9. O aporte de nutrientes e as vias de administração devem estar de acordo com as diferentes fases de adaptação do paciente. É necessário que seja desenvolvido protocolo de manejo nutricional da SIC. O objetivo deste artigo foi revisar e descrever os principais itens que devemfazer parte do ma- nejo nutricional de pacientes com SIC. Conseqüências metabólicas das ressecções intestinais As conseqüências metabólicas e os sinais e sintomas re- lacionados dos pacientes com SIC dependerão da área e da quantidade de intestino ressecado, além da presença e ex- tensão de doença no intestino remanescente. Ressecção de duodeno está associada com má absorção de cálcio, magné- sio, fósforo, ferro e ácido fólico, resultando em anemia e os- teopenia. A má absorção de gordura e, conseqüentemente, de vitaminas lipossolúveis, e, em especial, de vitamina D, irão contribuir para a deficiência de cálcio. Ressecções de intesti- no proximal causarão deficiências de produção de hormônios gastrintestinais como gastrina, colecistoquinina e secretina. A retirada do duodeno também pode causar disfunção de se- creções biliares e pancreáticas, exacerbando a má absorção5. A maior parte dos carboidratos, proteínas e vitaminas hidrossolúveis é absorvida no jejuno5. Entretanto, a perda de jejuno isoladamente pode, ao longo do tempo, ser compensa- da pelo intestino remanescente devido a capacidade de adap- tação funcional do íleo10. No íleo, inicia-se a absorção de sais biliares e fator intrínseco. A perda de porções de íleo acima de 100 cm, em adultos, aumen- ta a perda de fluídos. Já a má absorção de sais biliares leva à sua máxima síntese hepática, diminuindo o pool de ácidos biliares5. Essa não absorção de ácidos biliares no cólon causa diarréia pro- fusa4. Com a falta da solubilização micelar de gorduras, ocorre a necessidade de suplementação de vitaminas lipossolúveis. Além disso, o íleo também sintetiza hormônios gastrintestinais como enteroglucagon e peptídeo YY, importantes para o controle da motilidade intestinal. A ressecção ileal é menos tolerada do que a ressecção jejunal, pois o íleo é o local com grande capacidade absortiva, além de sorver sais biliares e vitamina B12, sendo esta uma função não compensada pelo jejuno. A presença da válvula ileocecal é também importante fator relacionado às complicações. Ela diminui o tempo de trânsito intestinal, promovendo uma prolongada exposição dos nutrientes na mucosa intestinal1 e previne o refluxo de bactérias colônicas para o intestino delgado5. O cólon assume importância na digestão de carboidra- tos em pacientes com SIC. Os carboidratos, em grande parte, são fermentados por bactérias colônicas, formando ácidos graxos de cadeia curta que, quando absorvidos, fornecem ca- lorias adicionais ao indivíduo. Além disso, ao serem absorvi- dos, estes ácidos graxos estimulam a retenção de sódio e água, contribuindo para a redução do volume fecal. O cólon, em razão de sua grande capacidade de absorver água, tem a capa- cidade de absorver triglicerídeos de cadeia média (TCM), que são hidrossolúveis, favorecendo a maior absorção de energia10. Drehmer M, Mello ED, Gazal CHA, Beghetto MG, Silveira C 176 Já ressecções extensas de cólon podem levar o paciente a uma pronunciada desidratação e desequilíbrio eletrolítico devido à perda da capacidade de absorver água e eletrólitos5. Manejo nutricional Indivíduos que são acometidos por uma extensa ressecção intestinal formam um grupo de pacientes em risco nutricional, sendo necessário um manejo nutricional específico14. O trata- mento da SIC inclui adequada reposição hídrica, alimentação parenteral, reposição de vitaminas e farmacoterapia1. A primeira indicação para uso de nutrição parenteral pro- longada em seres humanos foi para indivíduo com SIC e, no Bra- sil, a primeira experiência com nutrição parenteral total (NPT) domiciliar foi devido a esta síndrome21. A NPT melhorou o prog- nóstico dos pacientes com SIC e é o fator mais importante res- ponsável pela chance de sobrevida em longo prazo destes pacien- tes3. A NPT é necessária nos estágios iniciais da doença e deve ser iniciada precocemente no manejo pós-operatório de pacientes com SIC, com o objetivo de alcançar balanço nitrogenado posi- tivo e prevenir perda de peso grave18. Podem surgir complicações associadas com o uso prolongado de NPT, que incluem doença hepatobiliar, supercrescimento bacteriano no intestino atro- fiado, infecção do cateter, sepse, desbalanço hidroeletrolítico, distúrbios ácido-básicos, hiper e hipoglicemia, hiperamonemia, hipertrigliceridemia, doença óssea e hipercalciúria. Sabe-se que a exposição do trato gastrintestinal aos nutrientes, o quanto mais cedo possível, é o melhor tratamento para disfunções hepatobi- liares associadas com o uso prolongado de NPT12. Além disso, os pacientes devem ser constantemente monitorados quanto às deficiências de macro e micronutrientes. A dependência de NPT varia com a quantidade e presença de doença no intestino remanescente, além da presença de có- lon intacto ou não. Recente revisão mostrou que em adultos, se houver de 80-150 cm de comprimento de intestino delgado saudável com ou sem cólon, o tempo de uso de NPT varia de um a seis meses. Já com 40-70 cm de intestino delgado saudável remanescente e cólon intacto, a duração da NPT varia de seis a 12 meses. Já se o intestino remanescente for menor que 60 cm, sem a presença de cólon, o uso de NPT deve ser permanente13. Em relação aos custos, a NPT é muito onerosa. Um gasto diário com NPT foi avaliado, nos anos 90, em U$ 1.000 por dia. Estes gastos são inviáveis para a maioria da população mundial, principalmente para os países em desenvolvimento. Uma alter- nativa para diminuir os gastos é proporcionar um suporte nu- tricional parenteral domiciliar. Já há comprovação de que este tratamento traz indiscutíveis benefícios, permitindo a redução do período de internação hospitalar e tornando possível a adap- tação funcional do intestino remanescente e a manutenção do estado nutricional com a via oral exclusiva. No entanto, para que este tratamento seja eficiente, é necessário que a família te- nha infra-estrutura econômica e aderência ao tratamento e que haja suporte por equipe multidisciplinar treinada, por protoco- los que garantam o manejo nutricional correto e por centros de saúde com infra-estrutura adequada17,20,21. O manejo da SIC é, tradicionalmente, dividido em três fases: fase aguda, fase de adaptação do intestino residual e fase de manutenção3,15. Fase aguda A fase aguda da doença começa logo após a ressecção in- testinal, geralmente dura menos de quatro semanas e termina após estabilização hidroleletrolítica e hemodinâmica do pa- ciente4,2. Ocorre uma diminuição da absorção de quase todos nutrientes, incluindo água, eletrólitos, proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e elementos traço3. O principal objetivo terapêutico é a reposição hidroeletrolítica, cuidando dos níveis séricos de potássio, cálcio, fósforo e magnésio, evitando o dese- quilíbrio ácido-básico, a desidratação e a hipotensão. A NPT é indicada e deve ser iniciada precocemente para os pacientes previamente desnutridos ou não, com o objetivo de repor e evitar a perda das reservas orgânicas, uma vez su- perada a fase de desequilíbrio hemodinâmico10,4. A evolução do estado nutricional deve ser avaliada clinicamente, incluin- do mensurações antropométricas e análises laboratoriais12. O volume administrado deve conter quantidade de fluído ide- al para manter hidratação, reposição eletrolítica adequada, assim como, emulsões de lipídios, incluindo ácidos graxos essenciais, soluções de proteínas e glicídios, vitaminas e ele- mentos traços, de acordo com as necessidades dos pacientes. Para adultos, o aporte energético deve ser de 30 kcal/kg/dia e 1 a 1,5 g de proteína/kg/dia, calculando-se por seu peso cor- poral ideal e tendo-se em média 20 a 30% das calorias totais oriundas de lipídios, aumentando-se as recomendações gradu- almente (Tabela 1). Para crianças, o cálculo das calorias deve considerar idade, peso ideal e crescimentoda criança. A reco- mendação de proteínas para crianças varia de 2 a 3,5 g/kg/dia. O tempo de uso de NPT irá variar conforme a área e quanti- dade de intestino delgado ressecado (Figura 1). A alimentação enteral deve ser iniciada neste período, mas para ser tolerada, o trânsito deve estar relativamente len- to para permitir a absorção do alimento3. Fase de adaptação A fase de adaptação dura de um a dois anos, ocorrendo o máximo de estimulação para adaptação intestinal, alcançado por meio da exposição gradual aos nutrientes no intestino4. Há a transição entre a terapia nutricional por via venosa e a reali- mentação via oral (Figura 2). A nutrição enteral é aconselhada na fase de transição, visando a manter um peso corporal estável e prevenir flutuações do balanço hidroeletrolítico. A NPT deve ser diminuída gradualmente, enquanto aumenta-se a nutrição Manejo nutricional de pacientes com Síndrome do Intestino Curto 177 por via enteral. Finalmente, as vilosidades intestinais, atrofiadas pelo uso prolongado de NPT, são estimuladas pelos nutrientes no lúmen, promovendo uma hiperplasia e multiplicação dos en- terócitos, aumentando a capacidade absortiva intestinal3. Um importante passo nesta fase é maximizar a exposi- ção do intestino aos nutrientes para que possam estimular a absorção intestinal, sendo que toda atenção deve ser voltada à alimentação enteral13. Ainda, deve-se adequar a dieta para que esta atenda suficientemente às necessidades protéico-ca- lóricas do paciente, sem promover diarréia10. A adaptação intestinal total ocorre quando o paciente está apto a descontinuar o uso de NPT. Apesar de a NPT ser usada como a principal fonte de calorias e nutrientes, a ali- mentação enteral deve ser iniciada o quanto antes3. A nutrição enteral promove manutenção da flora intestinal e da imunidade, diminuindo a incidência de translocação bacte- riana. Ela deve ser iniciada assim que o balanço hidroeletrolítico estiver estabilizado, que retornarem os ruídos gastrintestinais e que o volume de diarréia for menor que 2 litros por dia. Na transição da NPT para nutrição enteral, a escolha das fórmulas mais adequadas ainda é motivo de controvérsia. Ini- cialmente, o uso de fórmulas elementares, que continham mo- noglicerideos, amino ácidos livres e triglicerídeos de cadeia média (TCM), era baseado em estudos que mostravam maior eficiên- cia de sua absorção nos primeiros 100 cm de jejuno, favorecen- do a adaptação destes pacientes. Contudo, essas dietas não são palatáveis, são hiperosmolares, podendo aumentar a diarréia. Já dietas poliméricas, além de serem bem menos onerosas do que as elementares, podem ser ingeridas facilmente por via oral e são menos hiperosmolares. Além disso, estudos mostram que as fór- mulas poliméricas estimulam mais a mucosa intestinal que as elementares favorecendo a adaptação intestinal. Nos adultos, proteínas complexas são freqüentemente oferecidas para estimular a adaptação intestinal. Entretanto, com crianças, começa-se primeiro com dietas elementares ou semi-elementares, contendo aminoácidos livres ou pequenos peptídeos ao invés de proteínas intactas. Porém, segundo Ksiazyk16, tanto a permeabilidade intestinal e o ganho de peso quanto o balanço nitrogenado foram os mesmos, usan- do-se proteínas hidrolisadas e não-hidrolisadas em crianças. Já outros estudos mostram que crianças com SIC são mais sensíveis à proteína do leite de vaca e à proteína da soja, de- vendo ser evitadas. Em lactentes, o uso de leite materno deve ser encorajado no início da alimentação por via enteral. Ele deve ser oferecido inicialmente por sonda, através de bomba de infusão continua, pois, além de promover altos níveis de imunoglobulinas, nucleotídeos e leucócitos para auxiliar na imunidade do lactente com SIC, resulta em menor tempo de uso de NPT12. Por essas razões, a tendência atual é prescrever dietas poliméricas, somente administrando dietas elementares para pacientes que não toleram as fórmulas poliméricas. Ainda não se conseguiu mostrar diferença nos diferentes tipos de dietas Figura 1 - Terapia nutricional após ressecção intestinal. (Adaptado de SUNDARAM et al., 2002). NPT: Nutrição parenteral total; VO: Via oral Ressecção intestinal Intestino delgado remanescente > 100 cm Intestino delgado remanescente < 100 cm (sem cólon) ou < 50 cm de jejuno (com cólon intacto) Ressecção de íleo < 100 cm Ressecção de íleo 100-200 cm Ressecção ileal > 200 cm, se cólon estiver presente < 60 cm de intestino remanescente ou < 30 cm de intestino remanescente (com válvula ileocecal intacta) NPT por tempo indefinidoIngestão VO monitorada constantemente para adaptação Ingestão oral manejada VO e terapia farmacológicaNPT por tempo indefinido. Essencial para sobreviver VO, suplementação parenteral de água e minerais necessários com avanço gradual para VO Tabela 1 - Recomendações nutricionais com uso de NPT por longo período na SIC. Nutrientes Recomendação Proteínas Adultos: 1,0-1,5 g/Kg/dia Crianças: 2-3 g/kg/dia Relação calorias não protéicas /g N2 : ≤ 150:1 % calorias totais: 10-20% Apresentação: Solução de AA 10% adultos = 10 g/ 700 ml Solução AA 10% pediátricos = 10 g/ 700 ml Lipídios 30–40% calorias totais não protéicas Adultos: 0,5–1,5 g/kg/dia Crianças: 0,5–3 g/kg.dia Infusão lenta Tipos: TCM/TCL TCL Apresentação: Solução a 10% = 10 g/ 1000 ml Solução a 20% = 20 g/ 1000 ml Glicose Adultos: 5-6 mg/g/min 5-6 g/kg/dia Crianças: início 4-5 mg/kg/min ↑ até 10-12 mg/kg/min Evitar CH ↑ 60% calorias não protéicas Apresentação: Glicose 50%, 10% e 5% NPT: Nutrição parenteral total; SIC: Síndrome do intestino curto; AA: Aminoácido; TCM: Triglicerídeos de cadeia média; TCL: Triglicerídeos de cadeia longa; CH: Carboidrato Drehmer M, Mello ED, Gazal CHA, Beghetto MG, Silveira C 178 (elementar, semi-elementar e polimérica) em relação à absor- ção calórica, ao débito de ostomia e à perda de eletrólitos. Cabe ressaltar que, se o paciente apresentar grandes perdas de flui- dos gastrintestinais, a alimentação enteral deve ser evitada até diminuição das perdas3. Em relação aos lipídios das fórmulas, recomenda-se uma mistura de triglicerídeos de cadeia média (TCM) e triglicerídeos de cadeia longa (TCL). É recomendado que a administração de dieta enteral deve ser lenta e a que a concentração aumente conforme tolerância (até 0,67 kcal/ml em crianças), pois fórmulas muito concentradas podem provo- car diarréia osmótica3,12,16. Durante a fase de adaptação, deve- se iniciar com alimentação via oral na forma de seis pequenas refeições sólidas por dia3. Fase de manutenção A fase de manutenção segue a fase de adaptação. O trata- mento dietético deve ser permanente e individualizado4. Neste período, o intestino chega ao máximo de sua capacidade absorti- va. Ainda, alguns pacientes necessitam de nutrição parenteral, en- quanto outros adaptam-se bem à dieta oral e/ou enteral somente. Para compensar a má absorção remanescente, que pode chegar a um terço do que é ingerido, aumenta-se a freqüência e diminui-se o volume das refeições, aumentando-se também a suplementação com vitaminas e minerais e com TCM para aumentar aporte ca- lórico, sendo este também facilmente absorvido3. Se o indivíduo apresenta uma boa adaptação intestinal, sua dieta não necessita ser restritiva12. Entretanto, é importan- te que mantenha uma adequada ingestão de calorias, proteínas, vitamina B12, folato, cálcio, magnésio, ferro, sódio, vitamina C e potássio. O recomendável é fazer refeições em horários re- gulares, progredindo para uma dieta rica em fibras, evitando alimentos ricos em oxalato e açúcares simples3 (Tabela 2). Tabela 2 - Recomendações nutricionais para dieta via oral. Recomendação Carboidratos 60% das calorias totais Preferircarboidratos complexos ricos em fibras (se paciente tiver cólon) Evitar carboidratos simples Proteínas 15-20% Gorduras 20-25% Oxalato Evitar alimentos ricos em oxalato como: chocolate, chás, Cola-cola, cerveja, Ovomaltine, sucos com bagaço, limonada, suco de tomate, café instantâneo, manteiga de amendoim, tofu, feijões, beterraba, cenoura, aipo, couve, alface, batata frita, alho-poró, amora, uvas, batata-doce, tangerina, farinha de milho, pipoca, biscoitos de soja, gérmen de aveia, cereais matinais, nozes, Pretzels, pimenta, sopa de vegetais Água Consumo deve ser elevado Figura 2 - Fluxograma de manejo nutricional da Síndrome do Intestino Curto. Ressecção intestinal - > que 70 a 75% do intestino delgado - 200 cm de intestino funcionante Pós-operatório Estabilização hemodinâmica SIM NÃO Início imediato de NPT: - 30 kcal/kg/dia - 1 a 1,5 g de proteína/kg/dia - Balanço hidroeletrolítico estabilizado - Retorno de sons intestinais - Diarréia < 2 l/dia Início de alimentação via enteral (até 0,67 kcal/ml em crianças) Reposição hidroeletrolítica. Cuidar níveis séricos de K, Ca, P e Mg Tolerou bem? SIM NÃO Descontinuar o uso. Continuar com NPT Adulto: começar com fórmula enteral polimérica. Elementar se não tolerar. Criança: iniciar com fórmula semi-elementar Evoluir para alimentação via oral na forma de seis pequenas refeições sólidas por dia Déficit de macro micro-nutrientes SIM NÃO Suplementação parenteral permanente VO com ou sem restrições NPT: Nutrição parenteral total; VO: Via oral Manejo nutricional de pacientes com Síndrome do Intestino Curto 179 Fase aguda (1a semana ao 3o mês) Reposição hídrica - Determinar débitos - Reposição agressiva - Controle de sinais vitais, balanço hídrico e eletrólitos NPT Precoce (até 3o PO) - Iniciar quando hemodinamicamente estável - Determinar: • Calorias: - Crianças de acordo com idade e peso - Adultos: 20-30 kcal/kg/dia • Proteínas: - Crianças: 2-3 g/kg/dia (3,5 g/kg/dia se prematuro) - Adultos: 1-1,5 g/kg/dia - Relação calorias não protéicas/g de n ≤ 150:1 • Lipídios: - Crianças: 0,5-3 g/kg/dia (infusão a 0,04 a 0,15 g/kg/hora) - Adultos: 0,5-1 g/kg/dia (infusão em, no mínimo, 12 horas) - 30-40% das calorias da dieta • Glicose: - Crianças: 4-5 mg/kg/min até 12 mg/kg/min - Adultos: até 5 g/kg/dia - Evitar que corresponda a mais de 60% das calorias da dieta • Vitaminas: 1-2 vezes a RDA • Oligoelementos: 1-2 vezes a RDA (considerar Zn e Se) • Eletrólitos: repor conforme necessidades (acesso paralelo à NP) Nutrição enteral - Início gradual quando balanço hidreletrolítico estável Fase de adaptação Tipo da dieta (por infusão contínua, em bomba de infusão): - Adultos: • Polimérica (1a escolha) - Diluída (0,7 kcal/ml) a 25 ml/hora - Crianças: • Semi-elementar - Densidade 0,67 kcal/ml - ↓ exposição ao leite de vaca - Aumentar concentração e, depois, volume (não aumentar se ↑ perda de fezes > 50% volume prévio ou > 40 – 50 ml/dia ou se ostomias com açúcares redutores positivos). • Leite materno (1a escolha) - Iniciar com pequeno volume e aumento gradual. Dieta por via oral - Iniciar com pequena quantidade de líquidos isotônicos e introduzir, gradualmente, alimentos sólidos (de acordo com a aceitação). - Adultos: refeições pequenas, por volta de seis vezes ao dia. - Alto valor protéico e lipídico e baixo valor calórico. - Determinar: • Líquidos: - Reidratação com SRO (OMS) - Evitar hiperosmolares (sucos, refrigerantes, álcool) e hiposmolares (água) • Proteínas: - Obter balanço protéico positivo - Glutamina + GH não é recomendado por aumentar líquido extracelular • Lipídios: - Se há cólon residual, restringir gordura (30% das calorias totais) e considerar uso de TCM e TCL. Se ressecção total de cólon, não restringir Figura 3 - Protocolo de Terapia Nutricional na SIC. - Sais biliares não estão indicados. • Carboidratos: - Restringir lactose apenas quando há extensa ressecção de jejuno. - Evitar amidos. • Fibra solúvel: - Se há cólon funcionante, está indicada. • Vitaminas: - Hidrossolúveis: há deficiência apenas nas jejunostomias altas ou nas duodenostomias • Suplementar quando há suspeita clínica de deficiência: Vitamina B1: 100 mg EV Biotina: 0,3 – 1 mg/dia EV • Suplementar quando não houver íleo terminal funcionante: Vitamina B12: 300 μg SC/mês • Suplementar nas ressecções de jejuno proximal: Ácido fólico: 1 mg/dia • Outros: Vitamina C: 200 – 500 mg/dia - Lipossolúveis: • Se ressecção ileal significativa (quebra da circulação entero-hepática): Vitamina D: 1.600 UI DHT/dia • Se cólon ausente ou uso de antibiótico de amplo espectro: Vitamina K: 1 mg/dia • Outros: Vitamina A: 10.000 – 50.000 UI/dia Vitamina E: 30 UI/dia • Oligoelementos: - Ferro apenas se necessário - Selênio: 60-100 μg/dia - Zinco: 25-50 mg 3 vezes ao dia • Eletrólitos: - Magnésio: • Dosar perda em urina 24 horas • Pode precipitar deficiência de cálcio • Suplementação via parenteral - Cálcio: • Freqüentemente há deficiência no paciente sem NPT. • 800-1.200 mg/dia VO - Dificilmente há deficiência de ferro ou fósforo. • Oxalato: restrição (40 – 50 mg/dia), se há cólon funcionante. Medicamentos: - Inibidores da secreção gástrica: ranitidina ou omeprazol (EV ou VO) estão indicados nos seis primeiros meses - Agentes antimotilidade – loperamida, sulfato de codeína - Antibioticoterapia – Metronidazol no controle do supercrescimento bacteriano - Octreotide – discutível indicação para diminuir perdas de líquidos e eletrólitos, se ostomias altas com alto débito Fase de manutenção Adaptação completa: - Considerar suspensão da NPT - Aumentar ingestão VO e por SNE e reduzir, gradualmente, NPT (dias alternados, 3 vezes por semana, 2 vezes por semana) Adaptação parcial: - Manter NPT. - Considerar aumento se há perda ≥ 1 kg/semana, diarréia > 600 g/dia ou anormalidades laboratoriais. - Avaliar NPT domiciliar - Monitorar complicações hepáticas e relacionadas ao cateter Drehmer M, Mello ED, Gazal CHA, Beghetto MG, Silveira C 180 Considerações finais A NPT foi um avanço no manejo nutricional de pacien- tes com SIC, principalmente na fase aguda, após estabiliza- ção hemodinâmica. Além disso, a exposição intestinal aos nutrientes deve ser considerada precocemente. Atualmente, a sobrevida de pacientes com insuficiência intestinal após três e cinco anos é de 88 e 78%, respectiva- mente, sendo influenciada pela quantidade de intestino re- manescente, idade em que iniciou nutrição parenteral, inde- pendência enteral e doença de base (se houver)17. A não-dependência de terapia nutricional é considera- da somente quando o paciente é capaz de manter normal ou perto do normal o seu estado nutricional (índice de massa corporal maior que 18, por exemplo) e seu balanço hidroele- trolítico sem um suporte nutricional. Além disso, o manejo Referências bibliográficas nutricional também poderá ser modificado devido à qualida- de de vida que o paciente deseja ter. Alguns pacientes prefe- rem conviver com sintomas como grande volume de fezes, fadiga e desidratação crônica para evitar a necessidade de su- plementação parenteral em algumas situações. Outros vêem na nutrição parenteral uma maneira de escapar da demanda por constante hiperfagia, grande volume de fezes e descon- forto abdominal19. O manejo nutricional adequado de pacientes com SIC requer o seguimento de protocolos assistenciais pré-estabele- cidos, além da assistência de equipe mutidisciplinar, incluindo gastroenterologista, cirurgião, enfermeira especializada, nutri- cionista e nutrólogo. Além disso, o atendimento em um com- plexohospitalar é ideal para acompanhar o paciente com esta condição8. Com base nesta revisão, sugerimos um protocolo de assistência nutricional para pacientes com SIC (Figura 3). 1. Hoyt DB, Coimbra R, Potenza B. Management of Acute Trauma. In: Townsend CM, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL, editores. Sabiston: Textbook of surgery. Nova York: Saunders; 2004. p. 519-20. 2. AGA (American Gastroenterological Association Clinical Practice Committee). AGA technical review on Short Bowel Syndrome and intestinal transplantation. Gastroenterology, 2003;124:1111-34. 3. Sundaram A, Koutkia, P, Apovian CM. Nutritional management of Short Bowel Syndrome in adults. J Clin Gastroenterol 2002;34(3):207-20. 4. Keller J, Panter H, Layer P. Management of Short Bowel Syndrome after extensive small bowel resection. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2004;18(5):977-92. 5. Vanderhoof JA, Young RJ. Enteral and parenteral nutrition in the care of patients with Short Bowel Syndrome. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2003;17(6):997-1015. 6. Wales PW. Surgical therapy for Short Bowel Syndrome. Pediatr Surg Int 2004;20(9):977-92. 7. Vanderhoof JA. New and emerging therapies for Short Bowel Syndrome in children. J Pediatr Gastoenterol Nutr 2004;39(3):769-71. 8. Goulet O, Frank R, Lacaille F, Colomb V. Irreversible intestinal failure. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2004;38(3):250-69. 9. Nonino CB, Borges RM, Pasquali LS, Marchini JS. Terapia nutricional oral em pacientes com Síndrome do Intestino Curto. Rev Nutr Camp 2001;14(3):210-5. 10. Waitzberg DL, Borges VC, Rodrigues JJG. Síndrome do Intestino Curto. In: Waitzberg DL, editor. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. São Paulo: Atheneu; 2000. p.1243-57. 11. Jeejeebhoy KN, Khursheed N. Short Bowel Syndrome: a nutritional and medical approach. CMAJ 2002;166(10):1297-302. 12. Serrano MS, Sommerfeld ES. Nutrition support of infants with Short Bowel Syndrome. Nutrition 2002;18(11):966-70. 13. Wilmore DW. Indications for specific therapy in the rehabilitation of patients with the short-bowel-syndrome. Best Pract Res 2003;17(6):895-906. 14. Specific guidelines for disease – adults. JPEN 2002;26(Suppl 1):61SA-96SA . 15. Specific guidelines for disease – pediatrics. JPEN 2002;26(Suppl 1):111SA–38SA. 16. Ksiazyk J, Piena M, Kierkus J, Lyszkowska M. Hydrolyzed versus nonhydrolyzed protein diet in Short Bowel Syndrome in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2002;35(5):615-8. 17. Vantini I, Benini L, Bonfante F, Talamini G, Sembenini C, Chiarioni G et al. Survival rate and prognostic factors in patients with intestinal failure. Dig Liver Dis 2004;36:46-55. 18. Wu GH, Wu ZH, Wu ZG. Effects of bowel rehabilitation and combined trophic therapy on intestinal adaptation in short bowel patients. World J Gastroenterol 2003;9(11):2601-4. 19. Jeppesen PB, Mortensen PB. Experimental approaches: dietary and hormone therapy. Best Pract Res Clin Gastroenterol 2003;17(6):1041-54. 20. Kocoshis SA, Beath SV, Booth IW, Garcia Oliva CA, Goulet O, Kaufman SS et al. Intestinal failure and Small Bowel Transplantation, including clinical nutrition working group report of the Second World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2004;39(Suppl 2):S655-61. 21. Tannuri U. Síndrome do Intestino Curto na Criança – Tratamento com Nutrição Parenteral Domiciliar. Rev Assoc Med Brasil 2004;50(3):330-7. 22. Andorsky DJ. Nutritional and other postoperative management of neonates with short bowel syndrome correlates with clinical outcomes. J Pediatic 2001;139:27-33.
Compartilhar