Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Cultura Brasileira - AP1 Aula 1: Revisitando o conceito de cultura A antropologia e o estudo da cultura A Antropologia faz parte do campo das ciências, sendo inserida no que é denominado Ciências Humanas ou Sociais e tem por fnalidade o estudo e a pesquisa de semelhanças e diferenças culturais entre os vários agrupamentos humanos, assim como a origem e a evolução das culturas. Cultura e sociedade: defniiçes Sociedade compreende o conjunto dos indivíduos não como soma populacional indiferenciada, mas agrupados em situaiçes comuns de existência. Os sociólogos conceituam essas situaiçes como insttuiiçes e categorias sociais, que são parcialidades de um todo. São exemplos mais evidentes família, vizinhania, vivência na cidade ou no campo (urbanidade e ruralidade), trabalho, educaião e outras condiiçes de vida. Os indivíduos se comportam de acordo com sua partcipaião nessas categorias, isto é, cada uma dessas categorias tem uma infuência de comportamento coletvo sobre os indivíduos. Ser membro de tal ou qual família implica attude tal ou qual; ser cidadão dessa ou de outra cidade signifca ter tal ou qual visão de mundo. a sociedade, em suas parcialidades ou em sua totalidade, se rege pela cultura, por um modo de ser coletvo que é partlhado por seus membros. Pertencendo a determinada categoria social, os indivíduos têm partcipaião coletva dentro dessa categoria, que, por sua vez, se integra ao todo da sociedade. Isto é, cada categoria social abriga comportamentos e modos de ser coletvos que podem ser vistos como cultura. Cultura aqui seria uma dimensão da sociedade. Uma metáfora que ajuda a compreender a questão explica que sociedade seria como um esqueleto, que é sustentado por músculos, nervos e carne, que conformariam a cultura. Sociedade é um todo de indivíduos agrupados em categorias sociais; tais categorias se consttuem por diferenciaião, mesmo que não resulte em desigualdade. Já a cultura teria uma funião muito importante: dar coesão, integridade, ao que é necessariamente dividido. Numa sociedade igualitária a divisão se dá entre famílias, grupos de idade etc., que formam interesses próprios; a cultura seria aquilo que passa por cima dessas diferenias e faz todos se sentrem um só. Desse ponto de vista, a cultura seria uma vivência que mantém o todo, que produz a unidade daquilo que é desigual. Seria uma categoria de conservaião. A Antropologia Cultural propôs para efeito de análise o agrupamento dos diversos signifcados do referido conceito para que a partr daí, elaborasse o conceito antropológico de cultura. Abaixo fornecemos um quadro para melhor visualização dessas noções. Cultura envolve todo o conjunto que caracteriza um determinado agrupamento humano. A cultura compreende o complexo que inclui conhecimentos, artes, leis, crenias, moral, costumes, enfm tudo o que o ser humano adquire como membro de sua comunidade. Diversidade cultural Inicialmente, a explicação que alcançou maior aceitação esteve baseada nos argumentos biológicos; posteriormente, em argumentos geográfcos até a Antropologia propor uma nova explicação. As duas primeiras explicações – biológicas e geográfcas – utlizaram de argumentos que não deixavam margem para a ação humana, sendo essa a grande crítca da Antropologia. Por serem explicações extremamente “fechadas”, ambas fcaram marcadas por serem deterministas. Jorge Realce Jorge Realce Jorge Realce Determinismo biológico Valorizar as característcas de sociedades humanas através da redução a relação com determinadas partes do corpo e que seriam transmitdas de geração a geração pelo caráter hereditário dos genes. Dessa forma, comportamentos, habilidades, etc. Determinismo geográfco O determinismo geográfco foi uma explicação que sofreu grande infuência da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin, que defendia ser a luta entre as espécies ocorria basicamente pelo espaço. Com o determinismo geográfco essa ideia foi estendida à humanidade. Diferenças culturais do local onde nasceu. Teorias sobre a origem da cultura Sabemos que alguns fatores favoreceram essa ocorrência, tais como: uma modifcação cerebral, isto é, a complexidade e o aumento de volume do mesmo; a utlização das mãos; a conquista da posição ereta e o alcance de uma visão tridimensional. Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, afrma que a cultura surgiu no momento que o homem convencionou a primeira regra, a primeira norma, sendo essa a proibição do incesto. CARACTERÍSTICAS DA CULTURA Todas as culturas possuem aspectos que lhe são fundamentais: 1- A cultura é aprendida. O aprendizado corresponde ao traio diferencial que a distngue da natureza. Ninguém nasce investdo de cultura, mas há um legado ancestral que é repassado através da história de vida de cada um; 2- As manifestaiçes culturais são variáveis, múltplas e diversifcadas, o que não implica em uma valoraião de superioridade de uma cultura sobre outra e sim, de diferenciaião técnica. É de grande importância introduzir tal critério, de modo a evitar qualquer juízo de valor; 3- A cultura é ao mesmo tempo estável e mutável, operando em uma dualidade que se assenta no dinamismo que lhe é próprio. As alteraiçes de seus elementos fazem parte do estmulo do grupo. A cultura resiste a uma mutaião dissolvente porque o polo de sustentaião se defende das rupturas, embora não impeia o movimento de mudania; 4- Os processos culturais se desdobram em pensamentos, ideias, insttuiiçes e objetos materiais. Embora a expressão “cultura material” se refra ao real/tangível, nela habitam também o mundo simbólico e fantasioso. Há, por efeito, uma cultura material e outra não/material; 5- A cultura revela-se como o instrumento por meio do qual o indivíduo se ajusta ao cenário local e adquire meios de expressão; 6- A cultura contém o princípio da universalidade — onde há agrupamento humano a sua presenia se instala. Na sua universalidade, prevalece uma “adequaião” ao tempo e ao espaio; 7- A cultura deriva de componentes biológicos, ambientais, psicológicos e históricos; 8- A cultura é estruturada em blocos, isto é, pontos em que mantêm uma relaião mais estreita, sem, contudo, deixar de estar interconectadas a outros blocos. Elementos que compçem a cultura A cultura compreende os bens materiais, de um modo geral, como utensílios, ferramentas, moradias, etc. E também os bens não materiais, como as representações simbólicas, os conhecimentos, as crenças e os sistemas de valores, isto é, o conjunto de normas que orienta a vida em sociedade. A produção cultural da espécie humana é um documento vivo da história da humanidade. Desde a pré-história até os nossos dias a espécie humana faz cultura, manifestando através dela, o seu conhecimento e a sua visão de mundo. A cultura não é sempre a mesma. Apresenta formas e característcas diferentes no espaço e no tempo. Toda cultura é sufciente para fns a que se propõe, embora eventualmente com questões não resolvidas. A cultura de uma sociedade é transmitda das geraiçes adultas à geraiçes mais jovens pela educaião. Educar é transmitr aos indivíduos os valores, os conhecimentos, as técnicas, o modo de viver, enfm, a cultura do grupo. A cultura é a vida total de um povo, a herania social que o individuo adquire de seu grupo. A cultura é um todo, um sistema, um conjunto de elementos ligados estreitamente uns aos outros. Os principais elementos de uma cultura são: os traios culturais, o complexo cultural, a área cultural, o padrão cultural e a subcultura. Os traios culturais são elementos mais simples da cultura. Eles são a unidade de uma cultura e só tem signifcado quando considerados dentro de uma cultura especifca. O complexo cultural é a combinaião dos traios culturais em torno de uma atvidade básica. Área cultural é a região em que predominam determinadoscomplexos culturais. É a área geográfca. Padrão cultural é a norma de comportamento estabelecida pela sociedade. A subcultura ocorre quando aparecem diferenias signifcatvas no interior de uma cultura. A aquisiião e a perpetuaião da cultura são um processo social, não biológico, resultante da aprendizagem. Cada sociedade transmite às novas geraiçes o patrimônio cultural que recebeu de seus antepassados. Por isso a cultura é também chamada de herania social. A invenião é a combinaião de traios culturais já existentes, dando como resultado um traio cultural novo. Muitas vezes, como no caso do trem e do automóvel, as inveniçes acarretam mudanias amplas e profundas em toda a cultura. Alguns traços culturais, como uma nova moda ou o uso de um equipamento recentemente inventado, difundem-se dentro da sociedade em que tveram origem e também em culturas diferentes, geralmente pelos meios de comunicação (jornais, revistas, televisão, cinema, rádio, internet etc.). Quando isso ocorre, dizemos que está havendo um processo de difusão cultural. Pode-se afrmar que o enriquecimento cultural se verifca mais frequentemente por difusão do que por invenção. A cultura é o somatório de todas as realizaiçes das geraiçes passadas que se sucederam no tempo, mais as realizaiçes da geraião presente. Cultura e turismo As relações entre a atvidade turístca e acultura pode ajudar a minimizar impactos negatvos sobre uma cultura receptora, pois os processos pelos quais o turismo ingressa e se torna parte da vida da comunidade pode e deve ser controlado no momento do planejamento turístco de todas as regiões a serem turistfcadas. Os antropólogos concordam que a cultura muda em resposta ao ambiente, aos contatos com outras culturas e à tecnologia. Isso ocorre porque as culturas são dinâmicas. Para um processo de turistfcação (Processo de implantação, implementação e/ou suplementação da atvidade turístca em espaços turístcos ou com potencialidade o turismo) nos moldes da sustentabilidade, o que deve ser considerado é a minimização dos impactos negatvos da atvidade e não uma “estagnação” da cultura receptora, pois não existe uma cultura “pura” ou “intocada”. O turismo é um elemento entre tantos outros capazes de promover mudanças culturais, devido a interação estreita entre a cultura dos membros de um destno receptor e os próprios turistas. A mercantlização da cultura pode ser entendida como o fenômeno contemporâneo da transformação da cultura em mercadoria, ou seja, em objeto de venda. Nessa perspectva, a cultura tende a ser observada e interpretada como uma “coisa” , algo descartável e para pronto consumo, fatores que afetam as vidas dos residentes de uma comunidade receptora de turistas. Quando uma cultura é mercantlizada para fns turístcos, a comunidade receptora é levada a um estado de dependência cultural e econômica do sistema de turístco na qual foi inserida, tendo em vista o fato de que os signifcados de traços e complexos culturais, como uma festa, por exemplo, passam a existr somente em função da cultura daqueles que os visitam. Aula 2: Há algo de comum em todas as culturas? A cultura é um estlo de vida próprio, um modo partcular, que todas as sociedades possuem e que caracteriza cada uma delas. Assim os indivíduos que compartlham a mesma cultura apresentam o que se chama de identdade cultural. As identdades culturais chamam a atenção para as partcularidades de grupos humanos que são rotulados como pertencentes a mesma cultura. Diversidade cultural Engloba as diferenias culturais que existem entre as pessoas, como a linguagem, danias, vestmenta e tradiiçes, bem como a forma como as sociedades organizam-se conforme a sua concepião de moral e de religião, a forma como eles interagem com o ambiente etc. O termo diversidade diz respeito à variedade e convivência de ideias, característcas ou elementos diferentes entre si, em determinado assunto, situaião ou ambiente. Cultura é um termo com várias acepiçes, em diferentes níveis de profundidade e diferente especifcidade. São prátcas e aiçes sociais que seguem um padrão determinado no espaio/tempo. Referem-se a crenias, comportamentos, valores, etc. É a identdade própria de um grupo humano em um território e num determinado período. A diversidade cultural é tão necessária para o gênero humano, quanto a diversidade biológica o é para a natureza. De acordo com a escola funcionalista, cada sociedade deve ser estudada como uma totalidade integrada e consttuída por partes interdependentes e complementares, cuja função é satsfazer as necessidades essenciais de seus integrantes. Malinowski - defniu função como a resposta de uma cultura a necessidades básicas do homem, como a alimentação, defesa e habitação. A função, nesse aspecto mais simples e básico do comportamento humano, pode ser defnida como a satsfação de um impulso orgânico pelo ato adequado. Para a teoria do funcionalismo, elaborada por Malinowski, o indivíduo sente necessidades e cada cultura vai satsfazê-las criando insttuiiçes (econômicas, jurídicas, polítcas, educatvas) para dar resposta coletva organizada, resultando em soluiçes para atender as necessidades. Os universais da cultura Ritos de nascimento e morte Ritos de passagem são celebrações que marcam mudanças de status de uma pessoa no seio de sua comunidade. Os ritos de passagem podem ter caráter religioso, por exemplo. Cada religião tem seus ritos, sendo parecidos com de outras religiões, ou não. Os ritos de passagem são realizados de diversas formas, dependendo da situação celebrada; desde rituais místcos ou religiosos até assinatura de papéis (ou ainda os dois juntos). Em todas as sociedades primitvas, determinados momentos na vida de seus membros eram marcados por cerimônias especiais, conhecidas como ritos de iniciação ou de passagem. Nesse rito, o recém-nascido era apresentado aos seus antecedentes diretos, e era reconhecido como sendo parte da linhagem ancestral. O casamento era uma delas, e os ritos fúnebres eram considerados como a últma transição, aquela que propiciava a entrada no reino dos mortos e garanta o retorno futuro ao mundo dos vivos. Nas sociedades primitvas, tais promessas solenes eram obrigações indiscutveis e sagradas. Rompê-las era colocar em risco a própria sobrevivência da tribo como unidade coerente, o que não era, ao menos, cogitável. Fala: língua, sistemas de escrita, signos, comunicaião. A comunicação é a forma mais importante de interação social, ela é fundamental para o ser humano, enquanto ser cultural e social. Interação socialÉ um tpo de ação social e por se enquadrar nesse conceito, a interação social é mutuamente orientada, podendo envolver dois ou mais indivíduos que estão em contato. A interação social envolve signifcados e expectatvas em relação a ação de outras pessoas. Os meios não vocais manifestam-se através de expressões ou traços fsionômicos e expressões corporais. O entendimento da comunicação por meios não vocais são condicionados por signifcados atribuídos a elas, aprendidos ao longo do processo de educação e interpretação através de experiências j;a vivenciadas nesses aspecto. Já os símbolos, isto é, os códigos de transmissão de ideias, por sua forma e natureza, atuam nos variados contextos como substtutos, provocadores ou mesmo reprodutores daquilo que é abstrato ou que não se faz presente no momento. Linguagem atribuiião de signifcados e fonemas, a um conjunto de sons artculados. Sons inartculados é também uma forma de comunicação. Esses sons são entendidos, mesmo não sendo artculados em palavras, pois o processo de interação social favorece o reconhecimento dos mesmos dados às experiências anteriores. Traios naturais: utensílios de cozinha, abrigo/moradia, transporte, roupas, ferramentas, armas A culturamaterial consiste em utensílios de todo tpo, ferramentas, instrumentos, maquinas, tpos de habitação. Enfm tudo aquilo que é concreto insere-se no campo material da cultura e infui na cultura não material, produzindo os “estlos de vida”. Alimentaião: gastronomia e hábitos à mesa O ato de alimentar-se obedece a uma necessidade ou função biológica, que é a de fornecer ao corpo os elementos necessários a sua manutenção e sobrevivência. Alimentação, além de atender a função anteriormente descrita, é também um ato cultural que se ajusta a variadas regras, circunscritas a cultura em que está manifestada. Arte: escultura, pinturas, desenho, música etc. A arte é uma criação humana com valores estétcos (beleza, equilíbrio, harmonia, revolta) que sintetzam as suas emoções, sua história, seus sentmentos e a sua cultura. Pode ser defnida também, como um conjunto de procedimentos utlizados para realizar obras. Apresenta-se sob variadas formas como: a plástca, a música, a escultura, o cinema, o teatro, a dança, a arquitetura etc. Pode ser vista ou percebida pelo homem de três maneiras: visualizadas, ouvidas ou mistas (audiovisuais). Pré- História: fguras entalhadas em pedra, pintura rupestre e modelagem em barro. Na Idade Antga, egípcios, hebreus, fenícios, persas e gregos também manifestavam atvidades artstcas. Roma Antga apresentava grande produção artstca, cujo destaque era a literatura, arquitetura e escultura. A Idade Média legou registros que revelam uma produção artstca com preocupação religiosa. Nessa época, as manifestações mais comuns eram a literatura, a arquitetura, a pintura e a música. Mitologia e conhecimento: o conhecimento pode ser empírico, baseado apenas na experiência ou cientfco O pensamento mítco consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo, bem como seus valores básicos. O mito caracteriza-se sobretudo pelo modo como essas explicações são dadas, ou seja, pelo tpo de discurso que consttui. As lendas e narratvas mítcas não são produto de um autor ou autores, mas parte da tradição cultural e folclórica de um povo. Sua origem cronológica é indeterminada, e sua forma de transmissão é basicamente oral. O mito é, portanto, essencialmente fruto de uma tradição cultural e não da elaboração de um determinado indivíduo. O pensamento mítco é um tpo de conhecimento, tal como o é a ciência, a religião, a flosofa. Cada tpo de conhecimento possui sua especifcidade e atendem a determinada demanda humana. Religiosidade e fé: prátcas religiosas, formas litúrgicas, crenias visão de transcendência etc. Todas as sociedades humanas possuem em seu sistema cultural alguma expressão relacionada ao extra/físico. A religião seria o meio de relacionamento entre o homem e o nível sobrenatural, povoado por seres (duendes, gnomos, fadas, etc.). Família: formas de casamento, sistemas de parentesco, herania. A família surgiu com a necessidade biológica de conservação e reprodução da espécie humana, transformando-se posteriormente em fenômeno social/cultural. As regras de relações sexuais e localização dos descendentes em determinada posição no sistema de parentesco ocorrem em todos os grupamentos humanos, daí o fato de ser a família, enquanto insttuição social, um dos universais da cultura. Os grupos culturais apresentam diferenças na forma como organizam ou estruturam seus sistemas de parentesco, sendo a família a estrutura mais elementar desse sistema. Sistemas sociais: normas, leis, controle social, insttuiiçes sociais burocracia. Os sistemas sociais expressam e representam os códigos e modelos que exercem determinado constrangimento sobre as aiçes do indivíduo ou de grupos. Variam de cultura para cultura e dentro da mesma cultura, resultando um sistema de saniçes positvas ou negatvas. Os sistemas sociais presentes em uma cultura regem as relaiçes e o comportamento dos membros de um grupamento social e faz com que todos regulem a si próprios. Lazer: esportes, jogos, divertmento. O Lazer é um dos universais da cultura porque atende a necessidade de diversão, de quebra no ritmo do cotdiano social. O ser humano necessita repor as energias físicas despendidas nos variados processos produtvos e o lazer atende a essa necessidade, mantendo-se de variadas formas em todos os grupos sociais. Propriedade: real, privada, coletva, padrçes de valor e troca, comércio. A propriedade delimita o direito a coisas abundantes ou escassas, valorizadas ou não pelo grupo social. É um mecanismo que permite a uma pessoa ou a um grupo, considerado o proprietário da coisa, a partcularizar como de sua posse determinado bem. Da noção de posse derivou o direito de propriedade, que se apresenta em três tpos: individual (partcular), grupal (de um grupo) ou coletva (pertencente a toda sociedade). Se há a propriedade, há por conseguinte a troca ou permuta, pois os bens são escassos e estão localizados nas mãos de alguém. As trocas existem em todas as culturas, pois em todas as culturas existe a propriedade privada. Nas sociedades complexas, geralmente as trocas envolvem o dinheiro e se chama comércio; contudo, vale ressaltar que nessas sociedades também ocorrem os outros tpos de trocas mencionadas anteriormente. Governo: formas polítcas, tpos de regime, poder, símbolos de prestgio. Existem governos sem Estado em muitos pontos do planeta. Estado, em linhas gerais, é a insttuição social que detêm a exclusividade do uso da violência, pois a Lei confere esse direito; assim, o Estado é antes de tudo um agente de controle social que difere das demais insttuições, como a família e a Igreja (que também exercem controle), por regular as relações entre todos os membros da sociedade. Já o Governo, é o grupo de pessoas colocadas a frente dos órgãos fundamentais do Estado e que em seu nome exercem o poder público. Guerras As guerras com objetvo de conquista e de defesa acirram-se e disseminam-se entre todos os grupos sociais, pois as posições de agressão e defesa acionadas pela disputa dos bens estão intmamente ligadas a necessidade e/ou instnto de sobrevivência. Com o passar do tempo, os grupos sociais foram se aperfeiçoando em estratégias de guerras e incremento de armamentos contra os potenciais inimigos. O investmento no poder bélico, através do desenvolvimento de armas de grande potência, disputadas de todas as naturezas e uma attude pautada na violência, promovem cada vez mais guerras entre os povos. Os universais da cultura no contexto da semelhania entre todos os grupamentos culturais humanos. Os Universais da Cultura advêm de necessidades básicas que, por sua vez, geram necessidades derivadas numa cadeia crescente e progressiva. As sociedades “primitvas” possuem uma dinâmica menos acelerada, o que provoca um volume menor de necessidades derivadas, o mesmo não acontecendo nas sociedades contemporâneas ocidentais, essas infadas de estmulos exógenos e geradores de novas necessidades. A partr dos desejos satsfeitos, desenvolvem-se as chamadas necessidades psicoculturais, que vão além das categorias derivadas, provocando um forte ritmo de desdobramentos e de incentvo às transformações. Cada cultura é resultado de uma combinação das necessidades e as inúmeras possibilidades físicas, geográfcas, climátcas, enfm as condições ambientais. Aula 3: Quem somos nós: culturas formadoras da sociedade brasileira Culturas formadoras Entender o conceito de cultura tal como empregado pelas ciências sociais, e de modo especial pela Antropologia, como tudo aquilo que é criação do homem. Essa noção leva em consideração tudo aquilo que é herdado da própria sociedade ou adquirido de outras sociedades, formando assim um complexo de hábitos,ideias e criações do homem. A formação da base cultural brasileira está atrelada a reunião das culturas indígenas, negro-africanas e portuguesas; assim como as infuências não apenas ibéricas, mas igualmente francesas, alemãs, italianas, orientais, saxônicas, etc. População indígena americana/brasileira Em fns do século XV, havia no contnente americano mais de três mil nações indígenas, sendo muitas delas nações aparentadas. Falavam línguas diversas e possuíam culturas distntas. Os apaches. De acordo com estudos realizados, os habitantes do contnente americano descendem de populações advindas da Ásia, sendo que os vestgios mais antgos de sua presença na América datam de 11 a 12,5 mil anos. Todavia, não há consenso acerca do período em que teria havido a primeira leva migratória. Os povos indígenas que hoje vivem na América do Sul são originários de povos caçadores que aqui se instalaram, vindo da América do Norte através do istmo do Panamá, e que ocuparam toda a extensão do contnente há milhares de anos. Através dos tempos, estas populações desenvolveram diferentes modos de uso e manejo dos recursos naturais e formas de organização social distntas entre si. No Brasil, a presença humana está documentada no período situado entre 11 e 12 mil anos atrás; contudo, não é possível afrmar com precisão. As pesquisas também revelam que havia na América pré-colombiana um grande número de povos com modos de vida bastante diversos e consttuindo uma enorme riqueza e variação em termos de vida social. Culturalmente, os natvos do Brasil viviam em regime de comunidade primitva. A terra pertencia a todos e cada casal faz sua plantação, de onde extraem alimentos para si e seus flhos. Quando a terra utlizada é abandonada, outros podiam utlizá-la. Arcos, fechas, machados de pedra e outros instrumentos de trabalho são de propriedade individual. A divisão das tarefas de sobrevivência é natural, isto é, por sexo e idade. Uma sociedade organizada dessa maneira não tem classes sociais. O trabalho para a sobrevivência também cabe aos chefes de aldeias, unidades polítcas independentes que compõem as tribos. A produção de excedentes pratcamente inexiste, daí o fato de haverem poucas trocas e, essas, acontecem em casos de um grupo produzir o que o outro não conseguiu produzir. Nesses casos, as trocas ocorrem de forma ritual e servem basicamente para estreitar os laços de amizade entre os grupos. A vida social dos natvos brasileiros antes do contato cultural com os europeus era extremamente oposta à do nosso país de hoje. Por outro lado, como afrmado anteriormente, pouco se sabe desse período de nossa história e por esse motvo, somos altamente infuenciados pela percepião e noiçes criadas pelos colonizadores para explicar a cultura indígena de então. Até hoje, está presente no senso comum brasileiro as ideias preconceituosas que relacionam os indígenas ao atraso e a preguiia e outras ideias que mitfcam o indígena, colocando-o como um ser humano “puro” e com uma vida social que mais se assemelha ao paraíso na terra. Os povos pré-colombianos resistram e lutaram bravamente; contudo, foram drastcamente dizimados em um curto espaio de tempo (cerca de 50 anos). A violência militar, econômica e cultural reduziu à metade os povos pré-colombianos. A expressão “violência militar” pode ser aplicada na análise da conquista européia dos povos pré-colombianos devido à superioridade dos armamentos utlizados pelos primeiros, tais como: a pólvora, o cavalo e o aio. A utlizaião de armas. O conquistador europeu impôs aos povos pré-colombianos costumes que modifcaram bastante o modo de vida de suas comunidades. Populações inteiras foram aprisionadas e removidas de suas regiões de origem para trabalhar como escravos para o conquistador. Considerando-se superior aos povos conquistados, o europeu oprimiu de todas as maneiras os natvos americanos. Impôs-lhes os elementos básicos da cultura europeia: idioma, religião, normas jurídicas, ideias e prátcas sobre polítca e economia, padrões cientfcos e artstcos. o conquistador foi impondo seus valores e conhecimentos aos povos americanos; as tradições indígenas, as festas, as crenças e costumes foram sendo gradualmente destruídos. A cultura portuguesa Por muito tempo, o reino português permaneceu envolvido na luta pela expulsão dos mouros da península Ibérica. Entre 1279 e 1325 Portugal passou por um período de reorganização interna, pois sob o reinado de D. Dinis interrompeu-se a reconquista cristã no plano militar. Nessa ocasião, as fronteiras do país já estavam defnidas. A dinasta de Avis, iniciada em 1383 com D. João foi resultado direto da luta polítco-militar denominada “Revolução de Avis”, na qual disputou o trono português o rei de Castela e D. João. A nobreza agrária submeteu-se, então, ao rei D. João e este, apoiado pela burguesia centralizou o poder e favoreceu a expansão marítmo-comercial portuguesa. Assim, Portugal tornou-se o primeiro país europeu a consttuir um Estado absolutsta e mercantlista. As navegaiçes portuguesas: pioneirismo marítmo e as conquistas de Portugal Portugal foi o primeiro país europeu a lançar-se às grandes navegações no século XV. Muitos foram os fatores responsáveis por esse pioneirismo e podemos citar os seguintes: centralização administratva, mercantlismo, ausência de guerras e posição geográfca. A expansão marítma portuguesa teve como marco inicial a conquista da cidade de Ceuta. Esse Centro fcou conhecido como Escola de Sagres e tornou-se o mais avançado centro de navegação da época. Os objetvos básicos de D. Henrique eram atngir o Oriente e apossar-se do comércio. A descoberta do novo caminho para as Índias foi recebida com grande alegria na corte portuguesa, até porque, Vasco da Gama retornou dessa expedição com um carregamento que superou em sessenta vezes o custo total da viagem. O sucesso foi considerado excepcional e o rei de Portugal resolveu enviar às Índias uma esquadra extremamente bem aparelhada e com grande tripulação para estabelecer sólida relação comercial e polítca com o Oriente. A carta redigida pelo escrivão ofcial da expedição, Pero Vaz de Caminha, ao rei de Portugal relatando a “descoberta”, revela as primeiras impressões do grupo acerca das novas terras e dos contatos iniciais ocorridos entre portugueses e indígenas, que cautelosos demonstraram sua cordialidade. Do século XV ao XVIII, os europeus buscaram a expansão comercial pelo mundo. África, Ásia e América foram objetos da conquista e exploração europeias e, durante muito tempo a História exaltou os aspectos positvos desse processo, isto é, o progresso para o mundo, as glórias e os benefícios dos feitos. Tudo era revertdo em favor de uma mitfcação dos povos europeus e parte desse processo de valorização pode ser constatada através da utlização do termo “descobrimento” e não “conquista”. A conquista colonial de diversos povos do mundo, resultante da expansão marítmo-comercial, foi considerada um direito inquestonável da Europa, pois dentro de sua visão etnocêntrica, consideravam sua “civilizaião” superior às demais civilizaiçes e com isso, julgavam-se no direito de submeter os povos do resto do mundo, impondo-lhes sua cultura. A cultura africana A História do Brasil deixa claro que os primeiros engenhos e fazendas de cana de açúcar tentaram, sem êxito, adaptar o aborígene escravizando aos seus trabalhos, mas o sistema econômico da época favorecia o tráfco e comercialização de mão de obra escrava negra na costa ocidental da África. A sociedade africana de então é marcada por um grau de diversidade cultural que exista e ainda existe por lá. A noção de uma África formada por países, como ocorre em outros contnentes, nãoé realidade no contnente africano. Dessa forma, a região deve ser entendida como um conjunto de várias etnias, que se dividem em organizações tribais, de tamanhos, idiomas e culturas variados. A diversidade cultural existente no contnente africano foi transportada para o Brasil, por ocasião do tráfco de escravos. Destacavam-se: os Bantos, os Sudaneses. É importante ressaltar que a escravidão já era um traço cultural na África e sua ocorrência estava intmamente ligada às guerras entre tribos; a mudança cultural ocorrida com a chegada dos europeus foi a transformação de uma prátca comum entre os africanos em um negócio capitalista extremamente rentável. Em terras brasileiras, o destno dos escravos negros era lamentável. Logo na chegada, eram vendidos no próprio porto, em leilões e em pouco tempo já estavam trabalhando para seus proprietários. Os escravos procuravam reagir de várias maneiras à violência da escravidão. A fuga era o meio mais utlizado para a busca da liberdade, sendo também o mais difícil, devido a constante vigilância. Dos muitos quilombos criados, o mais famoso e importante foi o quilombo dos Palmares. A CONVIVÊNCIA Os indivíduos, através das relações sociais, podem aproximar-se ou afastar-se, dando origem a formas de associação ou dissociação. A este aspecto dinâmico a Sociologia convencionou chamar processo social. Os processos sociais iniciam-se contatos sociais que vem a ser a fase inicial da interestmulação e as modifcações resultantes dessa fase são denominadas de interação. O conceito de interação social distngue-se da mera interestmulação pelo fato de envolver signifcados e expectatvas em relação às ações de outras pessoas. A interação é a reciprocidade de ações sociais. A competção consiste em esforços de indivíduos ou grupos para obter melhores condições de vida; quando uma pessoa ou grupo se interpõe no caminho da satsfação ou dos desejos da outra, surgem choques, no sentdo de uma das partes eliminarem os obstáculos levantados pela outra. A Sociologia denomina confito e o conceito refere-se a uma contenda entre indivíduos ou grupos, em que cada um dos contendores almeja uma solução que exclui a desejada pelo adversário. Socialmente, as competções e os confitos estão geralmente relacionados à: divisão do trabalho; desenvolvimento de uma ordem econômica; distribuição das insttuições no espaço social; etc. Diante de um quadro de competção ou confito instalado, surgem as soluções advindas da própria sociedade que podem se manifestar em forma acomodação ou assimilação. A acomodação é um processo social que tem como objetvo diminuir o confito entre grupos ou indivíduos; é um ajustamento formal e externo que aparece apenas no aspecto externo do comportamento, sendo pequena ou nula a mudança interna, relatva a valores, attudes e signifcados. O antagonismo é temporariamente regulado e desaparece como ação manifesta, embora possa permanecer latente. A acomodação pode ser duradoura e aparentemente permanente ou então transitória. Já a assimilação é um processo social em virtude do quais indivíduos e grupos diferentes aceitam e adquirem padrões comportamentais, tradição, sentmentos e attudes da outra parte. Alguns contatos entre povos diferentes podem ser fatais para um deles, isto é, podem provocar sua destruição total ou parcial. E no que se refere aos negros, o signifcado de ser escravo na África era diferente de ser escravo nas Américas, incluindo o Brasil; aqui, o escravo era ainda mais estrangeiro considerado ainda mais inferior; porque negro, estranho, isolado em um contnente distante era o extremo da perda de sua identdade. Na África, mesmo quando escravizado, por etnia diferente da sua, e negociado, de certa maneira, o escravo, pelo menos, estaria, talvez, mais integrado ao sistema cultural próprio da África, o seu contnente, o seu ambiente. Aula 4: Tipos e mitos de pensamento brasileiro São muitos os que se pergunta qual pode ser a sua fsionomia, a sua explicação ou o seu conceito. Pergunta-se sobre qual pode ser o “norte”, ou a direção, já que se repetem os impasses, as reorientações, os progressos e os retrocessos. Entre as muitas interpretações mais ou menos abrangentes, assim como aquelas relatvas a problemas que parecem muito partculares, há sempre algo que se pode defnir como uma inquietação sobre o que foi o que tem sido e o que poderá ser o país; como se fosse uma nebulosa informe, ao acaso, em busca de artculação e direção. Alguns estudos e algumas narratvas são bastante representatvas dessas inquietações e interrogações. Vale a pena relembrar alguns: Tavares Bastos, A Província; Silvio Romero, História da Literatura Brasileira; Joaquim Nabuco, O Abolicionismo; Raul Pompéia. São várias as linhas de pensamento ou mesmo as “famílias” de explicações do Brasil. São linhas ou famílias que se desenvolvem, recriam ou apenas reiteram. Mas já estão presentes e evidentes em muitos estudos e narratvas. Desenham-se como se fora uma ampla, policrônica e polifônica cartografa do imaginário brasileiro. a) No Brasil, o Estado consttui a sociedade civil, já que esta seria pouco organizada, dispersa, gelatnosa, de tal maneira que o Estado se consttui em demiurgo da sociedade, realizando a sua artculação e direção, promovendo a mudança e tutela, sempre de conformidade com o descortnio das elites. b) O Brasil seria um país cuja história está amplamente determinada pelos movimentos e exigências dos mercados externos, desde o colonialismo e o imperialismo ao globalismo, defnindo-se por diferentes modalidades de sua inserção dos mercados externos. Essas e outras interpretações, sempre acompanhadas de inquietações e interrogações, permitem reafrmar a hipótese de que o Brasil é uma nação em busca de conceito, uma nebulosa movendo- se no curso da história moderna em busca de artculação, direção. Vale a pena resaltar uma das interpretações: s. Trata-se da visão do Brasil, de sua história, como uma constelação de tpos, com alguns dos quais se constroem tpologias, sendo que, em alguns casos, desdobram-se em mitos e mitologias. A perspectva “tpológica” focaliza a realidade social ou a história do país em termos principalmente culturais, com nítdos ingredientes psicossociais. E focaliza a sociedade, a polítca e a cultura, seja em termos de estudos de ciências sociais, seja em termos de narratvas literárias, como setores ou círculos que podem ser tratados separadamente, nos quais haveria dinâmicas próprias, certa autonomia. É como se a história do país se desenvolvesse em termos de signos, símbolos e emblemas, fguras e fguraiçes, valores e ideais, um tanto ou muito alheios às relaiçes, processos e estruturas de dominaião e apropriaião com os quais se poderiam revelar mais abertamente os nexos e os movimentos da sociedade, em suas distntas confguraiçes e em seus desenvolvimentos históricos. Entram o “bandeirante”, o “índio, o “negro”, o “imigrante”, o “gaúcho”, o “sertanejo”, o “seringueiro”, o “colonizador”, o “desbravador”, o “aventureiro”, “Macunaíma”“. São muitos os tpos e os mitos que povoam os estudos e as narratvas, as realidades e as fantasias, compondo uma vasta cartografa. Mais uma vez, cabe reconhecer que cada interpretação do Brasil nasce de um dado clima intelectual, envolvendo questões e tensões que futuam no ar e desafam uns e outros. Na história do pensamento brasileiro debruiado sobre a sociedade e sua cultura, são frequentes e, às vezes, notáveis os tposque se criam e recriam, taquigrafando a difcil e complexa realidade. Assim, a história aparece como uma coleião de fguras e fguraiçes, ou tpos e mitos, relatvos a indivíduos e coletvidades, a situaiçes e contextos marcantes, a momentos da geo/história, que se registram metafórica ou alegoricamente. Esclarecem ou ordenam o que se apresenta complexo, contraditório, difcil, como é habitualmente a realidade histórico-social, em suas formas de sociabilidade e em seus jogos de forias sociais. Note-se que os tpos e mitos parecem bastante enraizados na formação sociocultural, polítco- econômica e psicossocial brasileira. Aí entram tradições indígenas, africanas e portuguesas, além de outras menos fortes, até fns do Século XIX. São tradições, prátcas, valores, ideais, mitos e fantasias muito presentes em uma sociedade em que se manifestam, desde os seus primórdios: o “animismo”, o “fetchismo”, a “pajelança”, o “candomblé”, a “umbanda”, a “quimbanda”, o “espiritsmo” popular, o “catolicismo” rural e outros traços mais ou menos notáveis de origem não só indíge na, africana e portuguesa, mas também ibérica e mediterrânea. Há todo um vasto, complexo e mágico substrato cultural “pagão” na formação da sociedade brasileira, entrando pelo Século XX e contnuando evidente no Século XXI. Cabe reconhecer, no entanto, que esta família de tpos aponta para o descompromisso, a informalidade, a liberdade inocente, o trabalho como atvidade lúdica, o descompromisso com a disciplina, a rejeição do trabalho como obrigação, a sociabilidade solta, imprevisível. São traços do homem cordial, Macunaíma, Martm Cererê; convivendo com a preguiça e a luxúria, a madorra indolente de Jeca Tatú. Em muitos casos, torna-se difícil, ou mesmo impossível, distnguir o “tpo”, enquanto explicação do “mito”, enquanto fórmula ideológica de reiteração. São frequentes os casos de metamorfose do tpo em mito. À medida que se reiteram as formulações, oralmente e por escrito, já que alguns textos notáveis são lidos e relidos, comentados e repetdos, pode ocorrer um processo de ideologização ou reifcação. O conceito pode adquirir uma abrangência e uma constância que transcende bastante, ou muitssimo, o contexto ao qual estaria originariamente referido. No caso da sociedade brasileira, às vezes tem-se a impressão de que a sua história se traduz e se reduz a uma coleção de mitos originários de tpos que teriam sido elaborados no empenho de “compreender” ou “explicar situações, acontecimentos, dilemas, perspectvas. Diante da realidade histórico-social complexa e problemátca, elaboram-se tpos com os quais a realidade se revela inteligível. Aos poucos, no entanto, pode ocorrer a ideologização ou reifcação, o que promove a metamorfose do tpo em mito. Então, acentua-se a distância entre a realidade e o tpo e, mais ainda, entre a realidade e o mito. Assim, a realidade desloca-se, afasta-se, evapora-se, torna-se inofensiva. Os tpos e os mitos podem ser formas de conhecimento, modulações do discernimento, se prejuízo de outros signifcados e conotações. Podem ser signos, símbolos ou emblemas, conceitos ou metáforas, categorias ou alegorias, com os quais se taquigrafam situações, acontecimentos e impasses ou fabulações, exorcismos e sublimações. Em todos os casos, há sempre alguma contribuição para o conhecimento da realidade e seu imaginário tanto para o seu desvendamento como para o seu encobrimento. Outros tpos e mitos contribuem para taquigrafar, organizar e administrar uma sociedade civil incipiente, pouco artculada, na qual se mesclam negros ou ex-escravos, natvos ou índios, imigrantes europeus trazidos como “braços para a lavoura” e muitos outros, indivíduos e coletvidades compondo grande parte da sociedade, dos setores sociais subalternos, etc. O que está em causa é “despolitzar” a sociedade civil em formação, defni-la e organizá-la desde cima, tomá-la como pouco atva e pouco organizada, gelatnosa, carente de tutela. Daí o Estado forte, demiurgo, oligárquico, autoritário e trânico. Tudo isso como expressão de uma cultura polítca arrogante e opressiva, produzida no curso de séculos de escravismo. Daí por que amplos setores das classes dominantes, ou suas “elites”, contnuam a agir no mando e desmando das coisas públicas e privadas como desfrutadores, colonizadores, conquistadores. Aula 5: Identdade Cultural, Identdade Nacional no Brasil Um dos primeiros problemas que os cientstas sociais brasileiros buscaram resolver em fns do século XIX foi o da existência e característcas da brasilidade, que segundo eles se comporia de duas vertentes: um patrimônio cultural formado de elementos harmoniosos entre si, que se conservaria semelhante através do espaço e do tempo; e a partlha do patrimônio cultural pela grande maioria dos habitantes do país, em todas as camadas sociais. Tais elementos consistriam em bens materiais (maneiras de viver) e espirituais (maneiras de pensar). Ora, ao encararem seu próprio patrimônio cultural, os pesquisadores de Ciências Sociais desse período estavam conscientes da grande heterogeneidade de traços culturais ligados à variedade dos grupos étnicos que coexistam no espaço nacional que se distribuíam diversamente conforme as camadas sociais. Nina Rodrigues - os atrasos e os desequilíbrios da sociedade brasileira, fenômenos sociais, provinham das misturas raciais, — bases biológicas, — e culturais encontradas no país. Raymundo Nina Rodrigues defniu pela primeira vez a existência de um sincretsmo religioso no país ao estudar os candomblés baianos — nome genérico dado aos variados cultos afro-brasileiros que então existam. Segundo ele, o fator biológico era o principal responsável pelas anomalias nacionais: reações polítcas descomedidas e irrefetdas no momento da transição do Império para a República (1889); confitos de religiões; doenças variadas e graves problemas de higiene. Todo o desajustamento sócio/econômico se explicaria pela heterogeneidade biológica e cultural do país, levando os habitantes até mesmo à loucura individual e coletva. O racismo estava presente nos trabalhos de Romero e Cunha - pesquisadores do século XIX, de envolta, em doses variadas, com o pessimismo pelo futuro econômico e cultural do país, assim como a negação da existência de característcas especifcamente brasileiras, e até mesmo da possibilidade de sua formação um dia. A revelação de Nina Rodrigues da contnuidade, por mais de três séculos, das religiões africanas sob a máscara de uma adesão superfcial ao catolicismo, a constatação de que uma interpenetração se operava entre esta religião, considerada a verdadeira, e os cultos bárbaros, alimentou profunda inquietação: eram cultos que mantnham estranhas maneiras de pensar e de agir, que pareciam abalar a moral existente, e cujo poder sobrenatural era difícil negar ou medir. Em todos eles, divindades representavam as forças cósmicas e sociais, e correspondências haviam sido defnidas entre as divindades e os santos católicos. Não exista nestes cultos uma noção de pecado. As divindades não eram nem boas nem ruins, elas se comportavam com os féis em função do tratamento que destes recebiam. A reciprocidade de dons exista entre divindades e féis e, se cuidadosamente observada, podiam estes últmos viver tranquilos e esperar sem sustos a passagem para o além. Os cultos afro-brasileiros se distnguiam por formarem cada qual uma totalidade religiosa independente e, em geral, rival de outras. As unidades de culto representadas pelos terreiros não se agrupavam em conjuntos sob um poder central; ao contrário, cada unidade defendia rigorosamente sua independência. Permaneciam assim fundamente ligados àstribos de origem e suas distnções. A função de defesa cultural dos candomblés foi perfeitamente percebida por Raymundo Nina Rodrigues em seus trabalhos; seus textos visavam dar um grito de alerta aos conterrâneos sobre a ameaça subjacente à aparente submissão negra. Suas constatações vinham reforçar o sentmento de perigo que avassalava as elites, muito conscientes da diferença numérica entre os africanos e seus descendentes, de um lado, e a população de origem europeia, de outro. Este medo foi mais um obstáculo no caminho da abolição da escravatura, tornando seu sucesso difícil de alcançar durante longo tempo, da primeira lei, votada em 1831, até a Lei Áurea, de 1888. Estas maneiras de ver se refetram nas especulações sobre a falta de uma identdade cultural nacional que viesse costurar entre si pedaços tão díspares e que ao mesmo tempo lhes apagasse as arestas. E, dado que na maneira de pensar dos intelectuais de então a identdade nacional não podia existr sem certa homogeneidade de traços culturais, e encontravam na sua cultura grandes disparidades, o pessimismo era dominante em seus trabalhos. Somente podiam conceber uma identdade cultural da maneira que julgavam ser a ocidental — branca, educada, refnada. Uma identdade cultural, urna identdade nacional, eram por eles perfeitamente admitdas; o que é mais, tal noção era proclamada e defendida, se contrapondo às ideias dos predecessores. Mário de Andrade (1893-1945) defne a brasilidade principalmente em Macunaíma, seu herói que reúne ao mesmo tempo as qualidades africanas, aborígenes, europeias, todas semelhantes em valor. Demonstra que a originalidade e a riqueza da cultura brasileira provêm justamente da multplicidade de suas raízes. O novo conjunto de noções foi rapidamente vitorioso sobre as velhas maneiras de pensar, apesar de no início seus autores terem se visto a braços com crítcas desfavoráveis e hostlidade. Na década de 30, porém, já se encontrava perfeitamente consolidada e considerada como a interpretação válida do que seria a brasilidade. Com o correr do tempo, mais e mais foi se confgurando como núcleo central de uma defnição do que seria a identdade nacional, que perdura até os dias atuais. Assim, na segunda década do século XX, a heterogeneidade do patrimônio cultural brasileiro é encontrada erigida em característca do maior valor para signifcar a brasilidade, em dois estratos sociais muito distantes um do outro, tanto em posiião sócio/econômica quanto em instruião: o grupo de jovens intelectuais burgueses, de formaião universitária, que a defnem no âmbito de uma teoria explicatva, e os grupos de descendentes de africanos dos estratos mais baixos, nas duas grandes aglomeraiçes urbanas do país, que fazem dela o núcleo central de uma nova religião. Os primeiros proclamavam conscientemente, em seus textos e trabalhos, a importância da heterogeneidade cultural nacional. Os segundos a admitam implicitamente, através dos princípios de sua fé religiosa. Tal convergência não seria certamente gratuita, e as circunstancias sócio/históricas em que ambas as novas teorias da identidade cultural nacional — a flosófca e a religiosa, — surgem, devem ser examinadas para uma compreensão melhor de sua consistência. E note-se ainda: a primeira contradizia inteiramente as teorias precedentes dos intelectuais brasileiros de fns do século XIX; a segunda se afastava de maneira extremamente clara do velho candomblé. Do início do século XX em diante, Rio de Janeiro e São Paulo foram assim perdendo as característcas de cidades grandes e adquirindo as de metrópoles. Seu crescimento demográfco intenso era concomitante com um rápido desenvolvimento de empregos terciários, indispensáveis à organização de grandes centros urbanos, cujos habitantes constantemente estão exigindo vida mais confortável e mais sofstcada. O mercado de trabalho se ampliou, oferecendo oportunidades antes inexistentes à população de camadas médias e inferiores. O Sudeste brasileiro foi literalmente invadido por grande quantdade de imigrantes europeus, que traziam consigo sua própria cultura, a qual passou a ameaçar de submersão a civilização existente, — civilização construída durante três séculos de contatos constantes e muito próximos entre portugueses, índios e africanos. O sincretsmo cultural passou a ser muito importante aos olhos de camadas sociais dissemelhantes da sociedade brasileira. Na verdade, se os intelectuais brasileiros persistssem em desprezar os traios culturais aborígenes e africanos, anulariam os únicos elementos que tornavam sua civilizaião única entre as demais do globo. Se contnuassem a se apresentar como europeus, e, — pior ainda, — como europeus de qualidade inferior porque possuidores de uma cultura mestia, recheada de traios bárbaros, — contnuariam negando a existência da identdade nacional. As duas doutrinas também se mostram díspares em seus objetvos. Defnida por intelectuais, isto é, por gente que pertencia a estratos sociais elevados, a nova concepção da identdade brasileira consttuía um instrumento voltado contra a ambição dos imigrantes recém-chegados, que deviam aderir a ela se pretendiam ascender na escala social. Na verdade, documentos históricos demonstram que a mistura de três culturas etnicamente diferenciadas exista já com bastante estabilidade desde o início do século XVIII, pelo menos. Todavia, a miscelânea cultural não era reconhecida como válida, principalmente pelas camadas superiores da sociedade, e notadamente pelos poucos intelectuais da época. Em fns do século XIX, os intelectuais reconheciam a heterogeneidade cultural e o sincretsmo na sociedade em que viviam; mas negavam-lhe qualquer valor e, também que houvessem consttuído já uma identdade brasileira ou uma identdade nacional, seus preconceitos raciais e contra os costumes bárbaros dos africanos e dos indígenas impedia os de reconhecer qualquer valor a qualquer tpo de mestçagem. Identidade cultural se apresenta foriosamente como coisa muito diversa; diz que todos os membros de uma coletvidade partlham do mesmo patrimônio cultural, que neles dá origem a um conjunto de valores e de crenias que os tornam sui generis, e que muitas vezes está perfeitamente inconsciente. Buscar a identidade nacional na perspectva da Psicologia dos Povos ou no campo da identidade cultural levava foriosamente a decepiçes e becos sem saída, pois cada naião europeia era composta de grupos culturalmente heterogêneos, de coletvidades disparatadas em suas característcas; no entanto, estavam todos unidos por uma dedicaião comum e consciente à totalidade que compunham. Atualmente, quando estudiosos brasileiros falam de identidade cultural ou de identidade nacional, referem-se, pois, a noiçes diferentes das utlizadas por seus colegas europeus. Nos dois casos, o que há de comum é somente o fato de que ambas noiçes são em geral utlizadas como instrumentos para diferenciar uma cultura ou uma coletvidade do conjunto das demais. Estas noiçes podem se tornar também armas para lutar contra qualquer perigo que ameace com o desaparecimento ou a coletvidade, ou a naião. O Brasil, cuja independência não teve de ser alcaniada à foria, não voltou sua arma ideológica contra outras sociedades; ela foi forjada principalmente para propósitos internos. Conceitos e defniiçes são forjados por cientstas sociais nascidos e educados em sociedades e civilizaiçes específcas; muitas vezes as discussçes férvidas a que dão lugar decorrem de entendimentos diferentes do mesmo termo justamente porque as culturas em que nasceram os pesquisadores não são as mesmas. O que, consciente ou inconscientemente, admitem e o que recusam, ao construí-los, está profundamente infuenciado pela própria sociedade e suas maneirasde pensar. Este ensaio não foge à regra... Aula 6: Cultura popular e cultura erudita: as construiçes de um conceito na produião historiográfca O termo cultura normalmente se relacionava à literatura (acadêmica), música (clássica), ciência. Depois, ele passou a ser empregado para caracterizar os seus correspondentes populares – literatura de cordel, canções folclóricas, medicina popular. Atualmente, o conceito de cultura tem um sentdo bastante dilatado, abrangendo pratcamente tudo que pode ser apreendido em uma sociedade – desde uma variedade de artefatos (imagens, ferramentas, casas e assim por diante) até prátcas cotdianas (comer, beber, andar, falar, ler, silenciar). O que se costumava considerar de óbvio, normal ou ‘senso comum’ agora é tdo como algo construído socialmente, que sofre variações de sociedade a sociedade e muda de uma época para outra, o que requer explicação histórica. Na divisão tradicional cultura popular é entendida como toda prátca cultural empreendida pelos extratos inferiores, pelas camadas iletradas e mais baixas da sociedade, ao passo que cultura erudita é aquela empreendida pelos extratos superiores ou pelas camadas letradas, cultas e dotadas de saber ilustrado. A cultura cômica popular expressou a visão de mundo peculiar das camadas inferiores da sociedade. Mas, apesar disso, esta manteve um permanente, orgânico e dinâmico contato com a cultura ofcial, infuenciando e sendo infuenciado por ela. A relaião entre a cultura erudita (ou da elite intelectual) e a cultura popular passa tanto pelas formas quanto pelos conteúdos dos sistemas de representaiçes. Por isso o cruzamento entre ambos os domínios não pode ser entendido como uma relaião de exterioridade envolvendo dois conjuntos estabelecidos aprioristcamente e sobrepostos (um letrado, o outro iletrado). Pelo contrário, esse cruzamento - ou zonas de fronteiras - entre o chamado "erudito" e "popular" produz encontros e reencontros, espécie de fusçes culturais. Segundo Bakhtn, em determinados momentos o Renascimento se traduzia na cultura popular codifcada nas obras da cultura letrada ou erudita. Aliás, foi na cultura popular que todo aquele sistema cultural encontrou a sua máxima coerência e revelou de forma mais cabal seu princípio. A obra de Rabelais, nesse sentdo, é paradigmátca, justamente porque penetra na essência da "cultura cômica popular", ou seja, na verdadeira "enciclopédia" da cultura popular. O que se qualifca de “erudito” e o “popular” está em permanente processo de ajustes, desajustes, reajustes, em suma, em movimento. Assim, tornar indissociável a divisão entre eles é anular os postulados metodológicos que procuram conferir um tratamento contrastado de um e de outro domínio. No prefácio à ediião italiana de seu livro O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição, Carlo Ginzburg faz uma análise crítca de algumas obras que trataram da cultura popular. Para esse historiador italiano, o uso do termo cultura para designar o conjunto de prátcas, attudes e códigos de comportamentos próprios das classes subalternas é algo tardio e foi emprestado da antropologia cultural. Graias ao conceito de “cultura primitva” reconheceu-se que aquelas pessoas outrora defnidas de forma paternalista como “camadas inferiores dos povos civilizados” eram dotadas de cultura. Superou-se, assim, a posiião daqueles que identfcavam nas ideias, crenias, visçes de mundo das classes subalternas, apenas “um acúmulo desorgânico de fragmentos de ideias, crenias, visçes de mundo elaborado pelas classes dominantes provavelmente vários séculos antes”. Ginzburg constata que apenas “recentemente” os historiadores encamparam a temátca do popular. Isso teria ocorrido por dois motvos: um ideológico e o outro metodológico. Do ponto de vista ideológico, foi superado: 1) a visão de considerar as “crenias e ideias originais” apenas aquelas provenientes das classes superiores; 2) a concepião de que tais “crenias e ideias originais” das classes superiores eram tão deformadas no processo de difusão e transmissão para as classes subalternas que estas não mereciam ser levadas a sério. Já do ponto de vista metodológico, refere-se ao fato das culturas das classes subalternas serem predominantemente orais, fato, aliás, que é acentuado à medida que recuamos no tempo. Darnton diferencia a história cultural, a qual se alinha da história das ideias. Esta se preocupa com o pensamento que foi sistematzado e formalizado, ao passo que aquela aborda como as pessoas dos segmentos subalternos entendiam o mundo. Charter - O primeiroa no intuito de abolir toda forma de etnocentrismo culturala concebe a cultura popular como um sistema simbólico coerente e autônomoa que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e irredutvel à da cultura letrada. O segundoa preocupado em lembrar a existência das relações de dominação que organizam o mundo sociala percebe a cultura popular em suas dependências e carências em relação à cultura dos dominantes. Temosa entãoa de um ladoa uma cultura popular que consttui um mundo à partea encerrado em si mesmoa independentea ea de outroa uma cultura popular inteiramente defnida pela sua distância da legitmidade cultural da qual ela é privada. O importante para ele é identfcar como se opera esse relacionamento entre as formas impostas e aculturantes, de um lado, e as tátcas implementadas pelos segmentos subalternos, por outro. De acordo com Charter, são nos modos de usar, enquanto prátcas sociais, que se deve encontrar o “popular”. A questão dos usos, por sua vez, está diretamente relacionada ao conceito de apropriação. É por meio da apropriação que os setores não hegemônicos operam a “produção de sentdos”, ou seja, é por meio dela que a recepção se torna “matreira” e “rebelde”. Charter - Seu argumento é de que a separaião radical entre produião (cultura erudita) e consumo (cultura popular) leva a pensar que as ideias ou as formas têm vida auto/sufciente, totalmente independente de sua apropriaião para um grupo de sujeitos. Agir como se os textos (ou imagens) tvessem signifcados em si mesmos, fora das leituras que lhes conferem sentdos, é elevar tais textos e imagens ao estatuto de categorias absolutas e universais, em últma instância, a históricas. Thompson - [...] pode sugerira numa infexão antropológica infuente no âmbito dos historiadores sociaisa uma perspectva ultraconsensual dessa culturaa entendida como “sistema de attudesa valores e signifcados compartlhadosa e as formas simbólicas (desempenho e artefatos) em que se acham incorporados”. Mas uma cultura é também um conjunto de diferentes recursosa em que há sempre uma troca entre o escrito e o orala o dominante e o subordinadoa a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos confitvosa que somente sob uma pressão imperiosa – por exemploa o nacionalismoa a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante – assume a forma de um “sistema”. E na verdade o próprio termo “cultura”a com sua invocação confortável de um consensoa pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturaisa das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto. Ele - “cultura popular” é um conceito vazio se utlizado de forma generalizante. Ele só vai ter alguma importância quando inserido num contexto histórico específco. Cultura popular tem que ser um conceito mais concreto e cabível; não mais situado no ambiente dos “signifcados, attudes, valores” e sim localizado dentro de um “equilíbrio partcular de relaiçes sociais”, arena que deve conjugar o ambiente de exploraião e resistência à exploraião, assim como as “relaiçes de poder mascaradas pelos ritos de paternalismo e da deferência. Desse modo, [...] a ‘cultura popular’ é situada no lugarmaterial que lhe corresponde”. Thompson - Seu argumento é de que a hegemonia cultural dos “governantes”, embora defnisse os limites do que era possível e inibisse as expectatvas alternatvas por parte do “povo”, só podia ser sustentada com habilidade e constantes negociações e concessões. Mesmo assim, essa hegemonia jamais foi bem sucedida a ponto de impor uma única visão de mundo. Pelo contrário, ela coexista com uma cultura “vigorosa e autônoma” do povo, derivada de suas próprias experiências e recursos. Peter Burke - a noião de cultura popular é problemátca. Existam muitas “culturas populares ou muitas variedades de cultura popular – é difcil optar entre as duas formulaiçes porque uma cultura é um sistema de limites indistntos, de modo que é impossível dizer onde termina uma e comeia outra”. Cabe observar que a cultura popular, no transcorrer da Idade Moderna, foi identfcada tanto nos pequenos livros escritos por pessoas simples do povo – conhecidos como "literatura de cordel" - quanto num conjunto de crenças tdas como formadoras de uma religião popular. Nestes dois casos, o popular é conceituado em oposição, primeiro, à literatura qualifcada como erudita e letrada, e, segundo, ao catolicismo insttucional da Igreja no período. Todavia, essa divisão no corpus documental é mais aparente do que se imagina. Afnal, a literatura "popular" alimentou as leituras (ou escritas) da sociedade camponesa ou de um público intermediário, situado entre o povo analfabeto e uma ínfma minoria de letrados. Burke afrma que a atenção do historiador deve concentrar-se na interação e não na divisão entre elas. Ele cunha o termo “bicultural” para descrever a situação de membros da elite que se engajavam nas prátcas culturais populares e que, ao mesmo tempo, partcipavam de uma cultura “alta”, “ensinada em escolas secundárias, universidades, cortes, etc., às quais as pessoas comuns não tveram acesso”. Burke sugere que seria mais proveitoso estudar as interações entre a cultura popular e a cultura erudita, em vez de tentar defnir o que as separa. Contudo, se o historiador assim o proceder, precisa certfcar-se do polimorfsmo desse processo. Há uma variedade de relações possíveis entre altas e baixas culturas: os usos da cultura popular por escritores renascentstas, os usos do Renascimento pelas pessoas comuns e, por fm, “a importância da ‘viagem circular’ de imagens e temas, uma viagem circular em que o que retorna jamais é o mesmo que partu”. A cultura popular é um conjunto de prátcas ambíguas e contraditórias, que se realizam nos interstcios da cultura dominante, recusando-a, aceitando-a ou confortando-se a ela. Ou seja, a cultura popular se caracteriza por uma combinaião de resistência e conformismo. O pressuposto de que não é possível separar, de maneira engessada e polarizada, cultura popular e erudita ganha cada vez mais espaio na produião do conhecimento histórico. Os historiadores vêm tomando consciência de que as categorias cultura popular e cultura erudita são dinâmicas, mutantes, forjadas por mediaiçes, atualizadas e reatualizadas em cada contexto histórico específco. Aula 7: O que é cultura material? Por exemplo, o carnaval, em suas diversas manifestações pelo Brasil, é uma conhecida expressão da cultura brasileira. Breve histórico do conceito “cultura material” A noção de cultura material nas Ciências Humanas é relatvamente antga. A origem dessa noção é difícil de precisar. No entanto, podemos localizá-la já na segunda metade do século XIX, no coração de diversas correntes de pensamento. O que era comum entre tais correntes era o uso de objetos e fatos concretos na construção de seus pensamentos empíricos. A partr desses pressupostos, dentro das Ciências Humanas, três ciências se consttuíram, tendo a noção de “cultura material” como objeto de estudo: a Arqueologia, a pré-história e a Antropologia. A partr de 1920, após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de cultura material passou a ser muito utlizada pelas Ciências Humanas, em especial pelos historiadores. Algumas defniiçes de cultura material “cultura material designa aspectos da cultura que determinam a produião e o uso de artefatos” (DOUGLAS). Assim, a cultura material seria, ao mesmo tempo, as formas materiais da cultura – os produtos da cultura, como a arquitetura, os objetos, os artefatos, as obras de arte, as vestmentas, os utensílios, os instrumentos e todas as formas de tecnologia – e a lógica que determina a produião, invenião e signifcado de tais objetos. Cultura material pode ser defnida como os elementos materiais da cultura – os produtos da cultura, como a arquitetura, os objetos, os artefatos, as obras de arte, as vestimentas, utensílios, instrumentos e todas as formas de tecnologia. Como, por exemplo, as roupas, colares, talheres, pratos etc. Algumas característcas da noião de “cultura material” Cultura material é antes de tudo cultura. Por ser cultura, ela expressa característcas de um grupo, de uma coletvidade, ou seja, quando falamos de cultura material não estamos falando do objeto de uma pessoa específca, mas sim de um objeto importante para um grupo social, cujo signifcado e valor são compartlhados. Quando falamos de cultura material estamos interessados nos elementos materiais (todos e quaisquer elementos materiais – objetos, utensílio, matérias-primas, artefatos, construiçes, móveis, roupas etc. – que fazem parte da vida de um grupo) utlizados com frequência. Tais elementos estão, assim, ligados aos hábitos, à rotna, ao cotdiano ou à tradiião de um grupo. A terceira característca da cultura material se refere à materialidade. A “cultura material” não é igual ao patrimônio cultural material, apesar de terem característcas em comum. Lemos - patrimônio cultural material é aquele elemento da cultura que herdamos do passado e/ou que transmitmos a geraiçes futuras. A ideia de patrimônio cultural está ligada à herania e à memória. No entanto, nem tudo que herdamos e/ou transmitmos para as futuras geraiçes é reconhecido como patrimônio. Para ser reconhecido como tal, um elemento material de uma determinada cultura passa por uma seleião consciente. O conceito de patrimônio cultural implica uma noção de posse coletva. Os elementos da cultura material não passam necessariamente por uma seleião consciente para serem transmitdos de geraião em geraião. Aliás, grande parte do que nos consttui culturalmente, ou seja, toda a lógica que nos orienta no mundo, é inconsciente. Os elementos da cultura material não estão ligados, necessariamente, à noião de posse da forma como o patrimônio cultural material assim a estabelece. A cultura material está sempre relacionada a um grupo que a detém, mas o que temos é mais uma relação de pertencimento do que de posse. Todo patrimônio cultural material é um elemento cultural, mas nem todo elemento cultural é um patrimônio cultural material. Assim que um elemento cultural torna-se patrimônio cultural material, referente a um grupo social, ele deve ser, inclusive legalmente, valorizado e preserva- do coletvamente. Palácio Imperial (Petrópolis). A cultura material como objeto de estudo Na antropologia, os objetos concretos, sejam eles móveis ou imóveis, como, por exemplo, armas, ferramentas, utensílio, casas ou cidades, provenientes de grupos sociais, são o suporte concreto necessário na descriião ou compreensão de um grupo. Por meio da cultura material podemos entender hábitos e costumes de um grupo social. Podemos fazer a seguinte distnção entre os elementos que podem ser categorizados dentro de “cultura material”: 1) Os materiais da natureza (ex.: a madeira, as pedras, a água, as plantas etc.), bem como o uso da energia desses materiais (quando construímos moinhos e represas, usamos carvãoou o vento para combustvel etc.) para produzir outros materiais. 2) Os instrumentos de trabalho (por exemplo, machados, lanças, máquinas etc.) e o conhecimento técnico para a produção de novos bens materiais (as técnicas de construção, de tecelagem, de olaria etc.). 3) Os objetos fabricados e os produtos destnados ao consumo (por exemplo, os vasos de barro feitos com água e técnicas artesanais, as casas construídas a partr do corte da madeira com o machado de pedra, os cristais lapidados e polidos a partr de ferramentas e técnicas específcas etc.). O estudo da cultura material e do consumo Durante muito tempo os estudos relacionados à cultura material estavam voltados para as grandes coleções etnográfcas e para as coleções dos viajantes que passavam por tribos indígenas, recolhendo, por todo o mundo, machados, colares, pulseiras, entre outros objetos representatvos dessas culturas. Esse ato dos viajantes de recolher objetos por onde passavam já podia ser qualifcado como um tpo de consumo. Em geral, esse consumo era realizado a partr de trocas, ou seja, o viajante dava algo em troca de um artefato indígena. Hoje, o estudo do consumo dos objetos representatvos da cultura material ganha uma nova roupagem. Os pesquisadores não se limitam mais ao estudo dos objetos de sociedades distantes e exótcas. O olhar volta-se para uma economia global, para um conjunto de objetos cada vez mais abrangente, que envolve tanto as produiçes tradicionais e artesanais como as mercadorias de alta tecnologia e produtos de massa (telefones celulares, brinquedos, tecidos, carros etc.). Nos últmos anos, o interesse nos estudos das sociedades nos contextos urbanos vem crescendo entre os pesquisadores. Desta forma, o estudo da cultura material ligada à cultura urbana tem ganhado espaço. Há vários tpos de objetos que podem ser consumidos, os quais são parte da cultura material de um grupo. Vejamos um exemplo: as Havaianas, os famosos chinelos de borracha que ganharam o mundo nos últmos anos. Esse consumo está intmamente ligado a todo um trabalho de reformulação e reposicionamento da marca, que ligou o chinelo a uma imagem moderna e positva do Brasil. As casas são outro elemento da cultura material que sofreu modifcações relacionadas aos hábitos de consumo nos últmos anos. A arquitetura das casas se altera hoje diante das demandas do consumo. Vejamos o caso do uso da madeira para a sua construção. O tema consumo é recorrente nos estudos antropológicos. Podemos pensar no consumo como o consumo de uma cultura, a partr do consumo dos aspectos materiais da cultura. É possível encararmos esse “consumo da cultura” como uma forma de destruição da mesma. Consumo pode ser interpretado como um fator de extnção do que é consumido: quando consumimos um alimento, um prato de comida, por exemplo, signifca que, ao fnal desse consumo, o prato estará vazio. A “turistfcação” do carnaval, das escolas de samba (o fato de o carnaval ter se tornado uma atração turístca da cidade do Rio de Janeiro), teria destruído a festa. Hoje as escolas de samba, por exemplo, são cada vez mais compostas por pessoas que não fazem parte das comunidades. Além disso, seu público é cada vez mais seleto em função do elevado custo dos ingressos. Os desfles teriam perdido algumas característcas de liberdade do carnaval para tornarem-se shows com coreografas. Turismo e cultura material Como vimos nesta aula, nas viagens e trabalhos de campo, os antropólogos, de um lado, e exploradores e aventureiros, de outro, recolhiam vários objetos representatvos de determinadas culturas. Esses objetos, elementos da cultura material, eram utlizados para os mais diferentes fns: uns podiam se tornar objetos de estudos, outros eram transformados em coleções, expostos em museus ou, ainda, viravam mercadorias, suprindo todo um comércio especializado em “peças indígenas”. É aqui que começa a relação entre turismo e cultura material. Barreto - os primeiros grandes estudos antropológicos sobre turismo consideravam este como a “indústria sem chaminés”, porém, tão destrutva quanto às indústrias mais poluidoras. A destruição da indústria do turismo acontecia de formas bem partculares: pela aculturação e pela perda de autentcidade dos povos atngidos por ela. A cultura material, ou seja, a soma de materiais, artefatos e bens manufaturados ligados a uma cultura, pode defnir o signifcado da identdade cultural de um grupo ou sociedade. O consumo de tais elementos como representantes de uma identidade cultural é um elemento crucial no desenvolvimento do turismo. Os elementos da cultura material, como os objetos, edifcaiçes e artefatos que usamos atualmente e aqueles considerados “vestgios do passado“ (os objetos históricos e arqueológicos) têm sido reconhecidos, valorizados e apropriados pelo turismo e transformados. Passam, assim, a serem objetos de consumo turístco. O turismo apropria-se de elementos da cultura material ou imaterial para desenvolver suas potencialidades. Temos aí o “turismo cultural”; a “cultura material” não existe sem a chamada “cultura imaterial”, ou seja, os hábitos, os valores, os signifcados, os conceitos que uma determinada cultura constrói sobre si mesma. Os elementos materiais só têm sentdo porque têm signifcado, são conceituados, valorados, compreendidos dentro de um sistema ou lógica cultural. No Turismo Cultural, a atvidade turístca desenvolve-se com base nos símbolos da cultura material e imaterial, que são os principias motvadores da demanda turístca. Trata-se de um tpo de turismo realizado quando o turista é motvado a se deslocar especialmente com o objetvo de vivenciar aspectos e situações partculares, ligadas a algum universo cultural. Aula 8: Museu não é lugar de coisa velha! Os museus transformaram-se nas últmas décadas, ganharam novos formatos, novas fnalidades e trazem hoje muito mais do que objetos do passado – que às vezes parecem tão distantes de nossa realidade e interesse. Hoje há, inclusive, os chamados museus vivos, museus a céu aberto e museus comunitários. O que é um museu? Diferentes defniiçes do termo museu No Brasil, até 2008, os direitos, deveres e obrigações relacionados aos museus federais eram regulados pelo Insttuto do Patrimônio Histórico e Artstco Nacional (Iphan). Ibram - o órgão é responsável pela Polítca Nacional de Museus e pela melhoria dos serviços do setor. Essa melhoria aconteceria com: a) o aumento de visitação e arrecadação dos museus; b) o fomento de polítcas de aquisição e preservação de acervos; c) a criação de ações integradas entre os museus brasileiros. Os museus são como casas que “guardam e apresentam sonhos, sentmentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas”. Assim, seguindo essa defnição bastante poétca, os museus são como “pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes”. O Estatuto de Museus, insttuído pela Lei nº 11.904, de 14/01 /2009: Art. 1º Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as insttuições sem fns lucratvos que conservam, investgam, comunicam, interpretam e expõem, para fns de preserva Ainda, segundo o artgo 2º da Lei nº 11.904, são princípios fundamentais dos museus: I – a valorização da dignidade humana; II – a promoção da cidadania; III – o cumprimento da função social; IV – a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental; V – a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural; VI – o intercâmbio insttucional. Museu da Aboliião – Recife- PE O Museu da Abolição foi criado em 1957, no governo Juscelino Kubitschek, mas só foi inaugurado em 1983, 26 anos depois. Com o propósito de ressaltar a importância do passado, o museu incen- tva o
Compartilhar