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André Desvallées - Que futuro para os museus

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Que futuro para os museus e para o património cultural na aurora do 
terceiro milénio? 
 
André Desvallées (Conservateur général honoraire du Patrimoine, France) 
 
[Conferência proferida durante o Encontro APOM, Casa da Electricidade, Funchal, 
Novembro de 2001. Tradução de João Carlos Brigola (Universidade de Évora)] 
 
Publicada in Lugar em Aberto, Revista da APOM, nº 1, Outubro 2003, pp. 46-74 
 
Desde há pelo menos duzentos anos, e particularmente com a aplicação do espírito das Luzes 
pelos protagonistas da Revolução Francesa, tomou-se consciência do facto de que o que era 
propriedade pessoal poderia tornar-se, ao menos moralmente, património colectivo; de início 
nacional ou comunitário, em seguida universal (com o estabelecimento pela UNESCO, em 
1972, da Convenção para a protecção do património mundial cultural e natural). No 
último quarto de século, o património cultural converteu-se num dos domínios importantes da 
cultura. Mas, ao mesmo tempo, um duplo perigo começou, ou continuou, a ameaçar este 
património: por um lado, o da sua degradação física, podendo conduzir ao seu 
desaparecimento; por outro lado, o da sua transformação em mercadoria. 
 
No respeitante ao campo patrimonial musealizado, depois de dois séculos de existência oficial 
e de três decénios de interrogações, a hora é indubitavelmente de balanço. Os museus 
nasceram há cinco séculos, sob a forma privada de galerias e de gabinetes de curiosidades, 
constituindo-se de início como um utensílio didáctico exibindo elementos do conhecimento, 
conservados para ajudar ao bom funcionamento da memória. Depois, o fio condutor passou a 
ser a acumulação, levando quase sempre vantagem sobre a pedagogia, a tal ponto que o papel 
social da instituição acabou por ter como núcleo a função de ostentação. Esta mutação 
conduziu de início pontualmente e, em seguida, sistematicamente durante os três últimos 
decénios, à interrogação sobre os sentidos do museu, da sua justificação social, e da relação 
com o conteúdo e com os utilizadores. Os dois decénios que acabamos de viver, de remendo 
formal, não estiveram associados, forçosamente, com os questionamentos colocados no 
decorrer da década precedente. 
 
 2 
Ao mesmo tempo tomou-se consciência de que a leitura do objecto museal (tanto o vernáculo 
como o de criação estética) dependia do contexto no qual ele estava exposto, enquanto que as 
criações plásticas contemporâneas se convertiam elas próprias em exposições. 
 
Ora, para coroar estas interrogações surgiu, ao longo da última década com a irrupção do 
multimédia e com a revolução das telecomunicações, se não um completo questionamento da 
forma, pelo menos o do seu excesso. A essência mesma do museu não tem sido grandemente 
afectada pelo enriquecimento dos meios de expressão já que o multimédia não é, afinal de 
contas, mais do que um regresso às fontes; arrisca-se, pelo contrário, a sê-lo pela profusão dos 
meios de comunicação com os quais a nossa instituição pode perder a alma, se não a própria 
essência. 
 
Por isso, existem muitas questões que nos são colocadas para as quais não estamos seguros de 
possuir as respostas. Devemos pelo menos interpelarmo-nos de novo, de forma honesta, já 
que nos encontramos indubitavelmente num ponto de viragem da história do património ou, 
pelo menos, da história do museu; viragem tão importante quanto aquela que sucedeu há dois 
séculos quando a Europa, depois de tomar consciência do seu património cultural, passou da 
colecção privada ao museu público. É esta nova viragem que vamos tentar analisar de perto. 
 
I. O sentido das possíveis evoluções 
1. A discussão sobre o sentido do museu e a relação com o conteúdo e com os utilizadores 
 
A partir do fim dos anos 1960 (mas houve pioneiros desde finais do século XIX), o museu 
começou a ser contestado um pouco por todo o lado, de cima a baixo, tanto nos países em vias 
de desenvolvimento quanto nos países ocidentais. A primeira grande bomba rebentou em 
França, na cidade de Grenoble, no decorrer da 9.ª Conferência Geral do ICOM, nos primeiros 
dias de Setembro de 1971. Uma segunda eclodiu em Santiago do Chile, a 31 de Maio de 
1972, a concluir uma mesa redonda organizada pela UNESCO com arquitectos, museólogos e 
sociólogos latino-americanos. Permito-me fazer aqui um retorno, não tanto aos 
acontecimentos em si mesmos, os quais penso serem suficientemente bem conhecidos, mas 
sobretudo aos seus propósitos, os quais se tende constantemente a esquecer. Eles constituem o 
manifesto daquela que um dia denominei de 'nova museologia', criando seguidores no mundo 
inteiro, e da qual publiquei há alguns anos, em dois volumes, os textos mais significativos. 
 
 3 
Recordo aqui os seus grandes eixos. Desde logo, o museu não se sabe fazer compreender pela 
maioria das pessoas: utiliza uma linguagem por muita gente considerada esotérica (era esse o 
objectivo do museólogo canadiano Duncan F. Cameron na continuidade, de resto, de tantos 
outros desde os finais dos anos vinte). O museu deve escolher não somente uma outra 
linguagem, como também um outro conteúdo, se pretende ser entendido por aqueles que, no 
seguimento do grande inquérito conduzido por Pierre Bourdieu em 1966, se passou a 
considerar como um 'não público'; foi a pensar neles que alguns começaram a defender que 
era imprescindível fazer alguma coisa (John Kinard, que tinha criado um museu de 
proximidade num bairro negro de Washington, ou Mario Vasquez, nos arredores da Cidade do 
México). Começou-se a sustentar que as colecções não são propriedade dos seus gestores, 
mas de toda a população do território no qual o museu está implantado, ou seja de toda a 
Humanidade. E isso é ainda mais verdadeiro no caso do Eco-museu, nascido quase ao mesmo 
tempo que a nova museologia: uma comunidade é responsável pelo património cultural que 
pertence aos seus membros, mesmo que ele se encontre guardado nos domicílios, como 
chegará a defender mais tarde Hugues de Varine, na altura director do ICOM. No entanto, a 
crítica mais radical proveio de um africano, Stanislas K. Adotevi, então consultor da 
UNESCO, o qual sublinhou que, para os africanos "o objecto desfuncionalizado, banalizado, 
no interior do museu, não passa muitas vezes do produto de desvios intelectuais de elementos 
estranhos à sua cultura: uma consciência alheia agarrada a uma condição real"- e 
acrescentava algo que não se aplicava apenas às culturas africanas - "um museu em si não é 
nada. Em si, o museu não significa nada. Não passa de um conceito que indica uma acção 
que deve ser completada, um conceito prático significando que para encontrar e descobrir a 
realidade à qual faz alusão, é necessário procurar não mais no homem abstracto, mas no 
homem real, no conjunto das relações sociais e humanas do homem. [...] Em última 
instância, os objectos do museu nunca representaram mais do que manifestações tangíveis, 
palpáveis e materiais da existência espiritual e moral do homem, o homem no seu ambiente, 
as suas tradições, a sua vida, o modo como ele transformou a matéria, interiorizou e 
assimilou os contributos exteriores, como enfim assumiu a sua cultura. Quer dizer, como 
assegurou o seu desenvolvimento. Através dos objectos museais sabemos que a cultura ganha 
raízes num contacto permanente entre o passado e o futuro, num diálogo frequentemente 
furioso entre a tradição e o movimento". Poderia citar toda a comunicação, de tal modo ela é 
apaixonante e sempre actual. A primeira conclusão de Adotevi era, desde logo, recordo-o: 
"Torna-se claro que o museu, lugar de um discurso enganador da museologia europeia, deve 
desaparecer, retirado de cena por uma ruptura que impõe uma prática museográfica 
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alimentada pelaexperiência desses milhares de homens que continuam a ser ignorados e que, 
cada vez mais, sabem possuir outros modelos a propor que não somente os legados pela 
Grécia clássica e pelo Renascimento. A consciência desta realidade é explosiva. Ela obrigará 
a museografia a manifestar-se na sua função crítica cultural, a sua função verdadeira de 
saber, por uma adequação à realidade quotidiana, a adesão a uma história experimental". E, 
finalmente: "A nova prática museográfica deve preparar para o aparecimento de uma cultura 
verdadeiramente responsável. Ela só o poderá fazer agarrando as coisas pela sua raiz. [...] A 
museografia será, portanto, radical ou não o será". Estávamos, recordo-o, em 1971. 
 
Utilizar o património como um suporte de conhecimento e fazer do museu um lugar de 
reflexão crítica para todos, proporcionando-lhes conhecimentos que não podem ser 
adquiridos no exterior - nem no cinema, nem na televisão. Nem sequer na escola! Qualquer 
um poderá verificar que, trinta anos após estas admoestações em forma de profecias, nos 
encontramos longe da evolução considerada como absolutamente indispensável para a 
sobrevivência dos museus. Não ousaria defender que nada foi feito, nomeadamente no 
desenvolvimento da acção pedagógica junto dos grupos escolares; mas tende-se 
frequentemente a confundir acção cultural com relações públicas e com marketing. 
 
2. Os atentados físicos ao património. 
 
Em primeiro lugar, as ameaças que desde sempre o património cultural conheceu aumentaram 
em várias frentes. Claro que devido às guerras - não é fenómeno novo mas acentuou-se 
nitidamente, ou pelo menos transformou-se. O mais frequente eram as rapinas (aquilo que se 
designava por espólio de guerra a que se dedicaram, por exemplo, os antigos romanos com as 
obras de arte gregas; ou também Napoleão Bonaparte na Holanda, em Itália, na Alemanha ou 
em Portugal, para enriquecer as colecções do Museu do Louvre ou do Museu Nacional de 
História Natural que tinham sido criados recentemente; ou ainda o Reichsmarschal Goering 
pilhando os museus e as colecções holandesas, francesas e russas durante a última Grande 
Guerra). Por vezes tratava-se de fatal negligência (como quando, em 47 antes de Cristo, 
querendo queimar os seus próprios navios, Júlio César permitiu involuntariamente que o fogo 
se propagasse à Biblioteca de Alexandria). Na nossa época poder-se-ia julgar estarmos de 
volta ao tempo das grandes invasões bárbaras (ainda que os Bárbaros destruíssem por 
ignorância) já que assistimos ainda a destruições justificadas por motivos puramente culturais 
- ou na base de princípios ditos religiosos - (como foi o caso, entre comunidades étnicas, na 
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Ex-Jugoslávia, no decorrer dos anos noventa, ou, este ano mesmo [2001], no Afeganistão, 
quando se verificou a destruição das esculturas gigantes dos budas de Banyan). Em qualquer 
destes casos, é-se tentado a comentar: se uma afirmação sectária da identidade cultural chega 
a estes extremos, existe porventura o perigo de se cultivar em excesso as diferenças, em 
detrimento daquilo que é comum ao homem. E, se é desejável não confundir uniformidade 
com universalismo, é bom que não se misture tão pouco diversidade com discriminação. E 
afirmo isto depois de ter militado bastante a favor dos museus de identidade. 
 
Mas existem outros atentados feitos ao património que são fruto da inconsciência mesmo se, a 
mais das vezes, as razões são económicas. Alguns podem até ser efémeros, como é o caso das 
construções que interferem na leitura dos bens patrimoniais. Contudo, alguns são bem mais 
graves. Quero referir-me à degradação derivada da poluição, que ataca numerosos 
monumentos no mundo como, por exemplo, na Índia, o túmulo de Tâj Mahal, classificado 
património mundial, cujos mármores brancos com incrustações polícromas, muito sensíveis, 
são atacados pelos resíduos das fábricas construídas nas proximidades. 
 
No entanto, os bens culturais não são os únicos ameaçados. E, em relação ao património 
natural, não pretendo ater-me apenas aos sítios excepcionais que foram destruídos para 
incrementar os recursos energéticos (como as grandes quedas de água, de África ou da 
América, transformadas em barragens para alimentar centrais eléctricas: com a dimensão das 
do Niagara, das de Vitória, entre a Zâmbia e o Zimbabwe, ou as de Iguaçu, entre o Brasil, o 
Uruguai e o Paraguai, restam apenas uma meia dúzia, em relação à quinzena que existia ainda 
antes da última guerra). Quero referir-me aos resíduos provenientes da nossa civilização 
industrial, os quais, se é verdade que sempre existiram, não são em nada comparáveis aos que 
os curtidores de peles e os tintureiros despejavam para os cursos de água até ao séc. XIX. 
Trata-se tanto de atentados à atmosfera quanto aos rios e aos oceanos, e à própria terra, com 
toda a vida que ela gera. Também se trata de formas de poluição que podemos chamar de 
passivas, já que se pode argumentar serem inevitáveis, como os resíduos de óxido de carbono 
na atmosfera, os nitratos na terra e nos cursos de água, ou o abater de petroleiros nos oceanos. 
Todos eles representam atentados à vida. Todos colocam em perigo a sobrevivência de todas 
as espécies vivas - e particularmente a espécie humana. 
 
 
3. Os atentados morais ao património devido à sua mercantilização 
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Mas existe ao mesmo tempo um outro perigo. É o da 'mercantilização' do património. Este 
ponto diz sobretudo respeito aos museus. De facto os museus têm feito, desde há um quarto 
de século, grandes esforços no respeitante à conservação, e particularmente em matéria de 
conservação preventiva. A questão coloca-se, no entanto, noutra área: no consumo excessivo 
dos bens de colecção, mas igualmente dos bens patrimoniais que permaneceram in situ, pelo 
facto de se multiplicarem exposições, para os primeiros, e também pelo desenvolvimento do 
turismo, para o conjunto de ambos. 
 
Desde os anos oitenta, acompanhando a explosão museal, assistiu-se ao desenvolvimento da 
'mercantilização' da cultura. Todo o património se tornou mercadoria e as realizações dos 
museus deram lugar, simultaneamente, a acontecimentos e a 'produtos' - mesmo quando lhes 
é acrescentado o qualificativo de 'culturais'. Não é fenómeno novo, tanto que já em 1982 
Hugues de Varine escrevia: "O conjunto de bens culturais, sofrendo a influência do mundo 
que os envolve, passa do domínio cultural ao domínio económico e, por isso, é submetido, 
doravante, às leis deste último domínio". 
 
É que, sendo certo que os problemas levantados desde os anos setenta, sobre o papel social e 
cultural do património e dos museus, se resolviam parcialmente face aos visitantes do 
território vizinho (particularmente nos eco-museus), a extensão mundial do turismo veio 
complicar as coisas. Creio que se possa mesmo afirmar, com o necessário distanciamento, que 
o número de frequentadores não é uma resposta às questões colocadas. Por isso, se apresento 
aqui os dados relativos à França, não é absolutamente por vaidade nacionalista, mas para 
comprovar uma tendência e não necessariamente para meu comprazimento (outros poderão 
apresentar os números da Alemanha, da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos ou de Portugal). 
Os monumentos e os museus recebem milhões de visitantes. Em França, de André Malraux a 
Jack Lang, passou-se de uma média anual de 5 milhões de visitantes nos museus, durante os 
anos 1970, a 9 milhões nos anos 1980 e a 15 milhões em 2000.O que significa que quase se 
duplicou no decorrer de cada década. Durante os mesmos últimos trinta anos, os museus 
nacionais (isto é, os que pertencem ao Estado) triplicaram a frequência. O Palácio de 
Versailles recebe 3,5 milhões de visitantes, enquanto que o MET de NovaYork recebeu 4,9 
milhões em 1994-95, e só o Museu do Louvre, que recebia apenas um milhão de visitantes em 
1920, e não mais do que 2,5 milhões em 1980, passou para 5,5 milhões depois da abertura da 
pirâmide. Mas, estes números devem ser comparados com a quantidade de visitantes do 
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Museu Paul Getty [Los Ângeles] que acolhe em cada ano 9 milhões, ou então com as quedas 
do Niagara que recebem 11 milhões, ou ainda com a Disneylândia, perto de Paris, que é 
visitada por 25 milhões. 
 
A diferença é menos sensível no respeitante a exposições temporárias. Tinha-se já visto, em 
1967, a exposição 'Toutankhamon e o seu tempo', em Paris, atingir o número de um milhão e 
meio de visitantes. Foi o primeiro boom. O 'Centenário do Impressionismo' conheceu 
550.000, em 1974, nas Galeries nationales du grand Palais, e 'Monet' igualmente mais de 
500.000, em 1980 - mas é interessante recordar que se pôde estimar com o mesmo meio 
milhão o número de frequentadores de alguns salões oitocentistas - o que representa o número 
médio para uma boa exposição actual -, apesar de em 1993 a 'colecção Barnes' ter conhecido 
1,4 milhões de visitantes no Museu d'Orsay. Em cada ano, as grandes exposições parisienses, 
organizadas pela Réunion des Musées nationaux, acolhem mesmo assim um total situado 
entre 1 e 2 milhões de visitantes. Mas estas exposições temporárias custam caro (entre 5 e 10 
milhões de francos, sem a parte editorial - ou seja, em média, mais de um milhão de euros) e 
custam mais do que os dividendos que conseguem obter, apesar de todos os produtos 
derivados do museu que são mercantilizados. E nem sequer falo dos Russos que procuram 
rentabilizar o seu património cultural ao ponto de pretenderem alugar as suas exposições ao 
estrangeiro. 
Também se tem assistido aos biliões investidos para transformar estes locais culturais em 
supermercados do objecto patrimonial. Certamente que os nossos museus precisavam de 
rejuvenescimento; mas permitiu-se que os mercadores entrassem no templo. Conservaram o 
seu público fiel de intelectuais, de quadros e de classe média que visitam pelo menos uma 
exposição por ano (e os mesmos chegam a voltar mais do que uma vez) e a frequência 
familiar aumentou ligeiramente passando de 19 a 25% no decorrer dos últimos dez anos; no 
entanto, globalmente, em lugar de passar de um não-público a um público de proximidade, 
passou-se a um público de superfície, ou seja o dos turistas, os quais, segundo o programa dos 
operadores, 'fazem o Louvre numa hora', visitando sobretudo a Samotrácia e a 'Mona Lisa' e 
constituem 25% dos visitantes deste museu e mais de metade nos museus parisienses. Esta 
evolução é economicamente normal "considerando que já existiam, por exemplo no ano de 
1992, 482 milhões de turistas no mundo inteiro e que, actualmente, 1,5 biliões de indivíduos 
passeiam cada dia sobre a terra (esta cifra só pode tender a aumentar à medida que mais países 
atinjam um nível de desenvolvimento suficiente) ". Os museus conhecem, portanto, uma 
'massificação', a qual é o inverso de ''divulgação'. As aparências são, por isso, enganosas. 
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Devido à melhoria do conforto no acolhimento e de métodos expositivos, se não mais 
depurados, pelo menos mais sedutores, ganharam em número o que perderam em qualidade 
de público e a sua democratização possui um sentido mais comercial do que cultural. 
 
Com a mundialização económica (a globalização), que se acelerou particularmente desde os 
finais dos anos oitenta, o monopólio dos sectores culturais por parte do mundo do capital, e 
especialmente do sector patrimonial, fez oscilar uma aproximação preferentemente científica 
do património para uma de tipo comercial (mercantil), e o visitante de lugares e de museus 
transformou-se em consumidor. O turista é frequentemente encarado como um 'porta-moedas 
ambiente'. Eis a razão porque, ao introduzir o recente Colóquio do Louvre, Michel Laclotte, 
que dirigiu a ampliação deste museu gigantesco depois de ter coordenado a disposição do 
Museu d'Orsay, não resistiu a declarar que: "agora já não são os arquitectos que devemos 
temer, mas antes o virtual e o comércio". 
 
É verdade que existe um perigo de contaminação, de conluio, com o económico. Bem que 
uma galeria seja feita para vender (entendo 'galeria' no sentido francês de lugar privado de 
exposição-venda e não no sentido inglês de museu de Belas-Artes) pôde-se verificar, desde há 
várias década, nos próprios museus públicos - definidos como não tendo uma finalidade 
lucrativa -, que as exposições, tanto as de arte clássica quanto as de moderna ou 
contemporânea, puderam servir de rampa de lançamento comercial a artistas. E viu-se 
igualmente, no caso da arte contemporânea, um determinado conluio entre o Centro Georges 
Pompidou e o MOMA, de uma parte, e entre o MOMA e algumas galerias comerciais de 
Nova York. Como é que os museus se podem desligar do mercado de arte quando se assiste, 
como se costuma dizer, ao aquecimento dos preços ali praticados? Apenas alguns exemplos: 
em Maio último, no Hotel Drouot de Paris, o manuscrito de Voyage au bout de la nuit, de 
Louis-Ferdinand Céline, foi adquirido para o acervo da Biblioteca Nacional de França pela 
módica quantia de mais de 12 milhões de francos (ou seja, 1,6 milhões de dólares americanos 
ou perto de 2 milhões de euros). Alguns exemplos da Casa Christie's de Nova York: em arte 
contemporânea, La Nona Ora, de Maurizio Cattelan, uma obra em duas peças representando o 
Papa João Paulo II esmagado debaixo de um meteorito, atingiu 886.000 de dólares, ou seja, 1 
milhão de euros, (dois anos antes o seu proprietário parisiense tinha-a adquirido por dez vezes 
menos) e Henry Moore Bound to Fail (Back View), uma escultura em cera , de 1967, atingiu 
9,9 milhões de dólares (isto é, 11,3 milhões de euros) - o equivalente a perto de duas vezes e 
meia o orçamento anual do Centro Georges Pompidou. Na Casa Sothheby, um tríptico de 
 9 
Francis Bacon, Studies of the Human Body, chegou aos 8,5 milhões de dólares (ou seja, 10 
milhões de euros). E cite-se ainda o facto de o mercado de Nova York ter sido considerado 
mau, tanto em arte clássica como moderna, visto que no mesmo mês, na Casa Philips, as 
Nymphéas, de Monet, não atingiram 10 milhões de dólares, quando a expectativa era de 15 
milhões, uma Vue de la cathédrale de Rouen não ultrapassou 1 milhão de dólares, quando se 
esperava o dobro, e um Picasso foi retirado porque estava longe de alcançar os 40 milhões de 
dólares que se tinha esperado do seu Retrato de Olga de 1923. Pelo contrário, um Montagne 
Sainte-Victoire, de Cézanne, atingiu apesar de tudo o preço de 38 milhões de dólares (isto é, 
mais de 40 milhões de euros). A quanto irá subir a madeixa de cabelos de Napoleão que será 
brevemente colocada à venda? 
 
 
II. Os perigos que podem ser evitados 
 
O edifício torna-se signo e a arquitectura interfere no discurso expositivo 
 
Um primeiro perigo reside no lugar relativo ocupado pela forma e pelo fundo, a saber, o papel 
que é dado à “expografia”, isto é, a ocupação do espaço, e o que é dado (ou deixado) à 
arquitectura. Claro que não existe mais objectividade num ponto de vista estético do que a que 
é possível em ciências humanas, mas ao menos poderemos limitar a poluição plástica. 
Partindo de uma busca de despojamento, muito antes de os arquitectos entrarem na corrida, 
durante os anos sessenta, (penso em Louis Hautecoeur, que tinha colaborado em 'La 
Museógrahie', publicação em dois grossos volumes das actas da conferência internacional de 
Madrid, organizada em 1934 pelo Office international des musées, antepassado do ICOM), os 
conservadores estavam convencidos, durante os anos sessenta, de terem encontrado a soluçãoface à necessidade de valorizar o exposto em grau extremo, procurando um grau zero de 
poluição plástica. Desconheço quais terão sido os seus referentes no estrangeiro, se é que 
existiram, mas desde 1961 com Georges Henri Rivière nós adoptámos uniformemente, nas 
nossas exposições, um fundo negro e uma iluminação ao mesmo tempo medida e dirigida. No 
final da década, os mesmos princípios eram aplicados nas galerias do museu de Berlim-
Dahlem, depois na National Gallery de Washington. O que não significa que só se deva expor 
na obscuridade e sobre fundos negros, mas a obscuridade é o degrau zero do qual se deveria 
sempre partir antes de se procurar outra coisa. É, de resto, a linha de conduta à qual 
continuam a ser fiéis os melhores criadores de exposições (penso particularmente nas que se 
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realizaram no Museu do Delfinado, em Grenoble, ou no Museu de Etnografia de Neuchâtel, 
na Suiça). 
 
A partir de então, as coisas tornaram-se piores pelo facto de o dinheiro ter inundado os 
museus ocidentais. Em França, as primeiras renovações resultaram de uma Lei de Bases de 
1978, mas foi sobretudo graças aos 'Grandes Trabalhos', lançados pelo Presidente François 
Miterrand em 1982, que os museus beneficiaram de forma privilegiada de um maná 
inesperado. Depois, por seu lado, os alemães e, mais tarde, os ingleses meteram-se a renovar 
os seus museus, a dispô-los em monumentos históricos ou em antigas fábricas sem uso, ou a 
construir novos. Como a maior parte dos conservadores não tinha verdadeiramente recebido 
formação museográfica (a não ser sobre o acervo, como aconteceu comigo) e dado que os 
arquitectos obtiveram maior confiança dos poderes públicos pelo facto de possuírem um 
melhor conhecimento da organização espacial, apesar de também não terem tido uma 
formação específica, utilizaram a imaginação sem se preocuparem em demasia, nem com os 
imperativos exigidos pelo destino da obra, nem com as pesquisas museográficas anteriores, 
como as que tenho vindo a relembrar - coisa que não teriam certamente ousado fazer no caso 
de um hospital ou de uma caserna. 
 
Sem querer ser maldoso, pode-se afirmar que vários arquitectos utilizaram as suas criações 
museais sobretudo para se promoverem. Já tem sido dito muitas vezes que o corpus dos 
edifícios museais dos últimos vinte anos do século XX constitui um excelente panorama da 
criação arquitectónica dessas duas décadas - quer se trate de arquitectos americanos, 
britânicos, franceses, italianos ou japoneses. E isso não deve surpreender já que se verifica 
que eles tentaram acima de tudo fazer das suas criações signos fortes num urbanismo 
desarmonioso. O exemplo mais flagrante é a recente construção do Museu Guggenheim, de 
arte contemporânea, de Bilbau, pelo arquitecto norte-americano Franck O. Gehry. Mas poder-
se-iam citar muitos outros, a começar pelo Instituto do Mundo Árabe, aberto em Paris em 
1987, muito difícil de utilizar para exposições, e para o qual Jean Nouvel reconhece não ter 
recebido programa museográfico no momento do concurso de arquitectura e de não saber o 
que nele seria exposto até um mês antes da inauguração. Do mesmo modo, também se pode 
fazer notar que Franck O. Ghery, que construiu outros museus, se encontra em vias de 
acomodar um, num antigo silo de Nova York, sem mesmo saber ainda que colecções aí serão 
acolhidas. Pelo contrário, Jean Nouvel recebeu um programa para o recente concurso que 
acabou de ganhar em Paris, para o Museus das Artes e Civilizações, no Quai Branly e, já 
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sabendo o que será exibido, procedeu de acordo com a sua fantasia, concebendo uma bela 
caixa em grande parte transparente, o que não facilitará as exposições. Reconheçamos 
portanto que os erros são partilhados entre os conservadores, que nem sempre apresentam o 
programa, e entre os arquitectos, que não exigem o suficiente e que frequentemente se recriam 
a si próprios. Mas estes males provêm sobretudo do sucesso dos museus, do qual os decisores 
políticos (e económicos) se têm apropriado. Os museus conheceram o mesmo fenómeno no 
século XIX, durante o fausto período de construção de edifícios museais, quando o que mais 
contava era a fachada neoclássica e as escadarias monumentais. 
 
Mas voltemos à questão do discurso expositivo, que é essencial 
 
No decorrer das últimas décadas, raros foram os arquitectos que se preocuparam 
verdadeiramente em fazer passar o conteúdo a exibir à frente da sua intervenção pessoal sobre 
esse conteúdo. É isso, todavia, o que fazem (ou fizeram) alguns, como por exemplo Renzo 
Piano em Houston ou, entre nós, Antoine Stinco ou Richard Peduzzi e, em menor grau, 
Christian Germanaz. Quase todos os outros fazem decoração em vez de discurso expositivo. 
Seja porque desenham materiais para exposição demasiado impositivos (por exemplo: Jean-
Michel Wilmotte ou Gae Aulenti, ainda que os resultados destes dois 'decoradores' sejam 
variáveis); seja porque constróem jaulas de vidro nas quais os objectos expostos não têm nada 
em que se apoiar e onde a iluminação se disputa entre os contra-luzes e a impossibilidade de 
focalizar a luz sobre os objectos expostos; sejam porque executam criações plásticas cujas 
cores e formas carecem de discrição - a escolha da cor possui a maior das importância já que 
interfere com a das obras de arte. 
 
A exposição vira acontecimento 
 
Quanto aos excessos dos arquitectos, dos decoradores ou dos cenógrafos sobre o conteúdo das 
exposições, cabe aos conservadores e a outros cientistas defenderem-se, expressarem a sua 
recusa de lantejoilas e imporem os seus pontos de vista aos comandatários. À medida que 
criação plástica e criação expográfica se combinavam para transformar em objecto de 
exposição a exposição ela mesma (com as 'instalações'), na segunda metade dos anos 60 (a 
partir porventura da já citada exposição 'Toutankhamon'), assistiu-se à transformação da 
exposição em 'acontecimento', em detrimento dos objectos que podia dar a ver. Tal como o 
sublinhava recentemente o historiador da arte francês Rollan Recht, "de ora em diante vem-se 
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ver a exposição e não as obras". E por essa via atinge-se um outro perigo, evidenciado por 
Philippe Breton, na sua obra Utopia da Comunicação, na qual sublinhava com efeito, em 
1992, o carácter redutor imposto pela comunicação ao conteúdo que ela veicula, tal como o 
compactar, seguido da simplificação, que é imposta às informações para se tornarem em 
mensagens comunicáveis: "A informação, fazia notar, deve sempre corresponder à exigência 
do 'pleno', do preenchimento máximo, enquanto que a produção do saber se apoia bastante 
na identificação e na aceitação de zonas de ignorância" (1997:142). Pode-se confirmar todos 
os dias esta asserção ao ver televisão! Mas também se pode verificar ao visitar certas 
exposições, mesmo as de alto nível, realizadas em grandes museus norte-americanos. São, 
como se costuma dizer, bastante eficazes, mas apercebemo-nos de que o seu objectivo é 
frequentemente mais a mediação da mensagem do que a mensagem ela própria (recorde-se 
Marshall Mcluhan: "a mensagem é o medium"). 
 
A degradação das competências 
 
A deriva faz com que os museus sejam cada vez mais dirigidos por administradores 
polivalentes e que se peça crescentemente aos especialistas, que eram os antigos 
conservadores, que sejam cada vez mais generalistas. Infelizmente, numerosos jovens são tão 
seduzidos por esta fórmula que se preocupam antes do mais com as suas carreiras. 
 
 
III. As inevitáveis mudanças devidas às novas tecnologias: o lugar dos novos media e a 
revolução do visual e do virtual 
 
Deixando de lado o que não é função específica do museu, considera-se geralmente que, do 
ponto de vista dos actoresmuseais, as aplicações das novas tecnologias, que se 
desenvolveram cada vez mais velozmente nos últimos trinta anos, se exercem em quatro 
campos do museu: 
 
a) podem servir de complemento à gestão das colecções: pela informatização, a digitalização 
e a colocação em rede dos corpus por tele-transmissão; 
 
b) podem servir de complemento à pesquisa: pela análise e ilustração dos materiais e das 
técnicas; pela contextualização (seja por transferência visual do ambiente, pela reconstrução 
 13
ou por simulação). Pode tratar-se de substitutos, realizados em infografia e por imagens de 
síntese visando reconstituições, não necessariamente comercializáveis, com por exemplo, em 
1994, a reconstituição-simulação da cidade romana de Arles, a simulação do sítio de 
Marmaria em Delfos, compreendendo a reconstrução virtual da tholos, como a do mausoléu 
de Rouen ou do farol de Alexandria, ou a reconstituição-simulação da Abadia de Cluny, no 
mesmo ano, pela IBM, e de outros desde então, como Carnac ou Stonehedge; ou também a 
cidade antiga de Roma, reconstituídos por 'Infobyte' em 1998 a partir de um fresco do século 
II, encontrado nas escavações de uma cripta, ou ainda a basílica de S. Francisco de Assis, 
reconstituída da mesma maneira em todos os seus pormenores, afim de permitir a sua 
reconstrução após o abalo sísmico. 
Não desenvolvo estes dois primeiros aspectos que são bem conhecidos e que não oferecem 
demasiados riscos de distorção - a não ser o da colocação no mercado de fundos documentais 
(o que não é forçosamente negativo). 
 
c) As novas tecnologias podem igualmente servir de complemento à exposição: pela 
interactividade (talvez não passe de um brinquedo lúdico, mas é igualmente um admirável 
instrumento pedagógico); pela colocação em contexto através de reconstituições e de 
simulações (adaptando para um público mais vasto os meios utilizados para a pesquisa). Nos 
museus de modelo clássico, é o contributo mais visível já que permite dar o contexto 
solicitado por uma exposição de técnicas (as galerias permanentes do Musée des Arts et 
métiers, que foram reabertas em 2000, depois de renovadas) ou de ciências - quer sejam de 
história natural (veja-se a Grande Galerie de l'Évolution, reaberta depois da remodelação de 
1994), de antropologia (o projecto do Musée des Arts et des civilizations, em Paris, Quai 
Branly). Também se pode pensar igualmente em exposições de belas-artes, cujo contexto 
histórico e técnico seria suscitado por balizas interactivas, activadas pela aproximação à obra 
(por exemplo, a exposição itinerante sobre o 'Codex Vaticanus' de Leonardo da Vinci, 
adquirido por Bill Gates, que permitia descodificar a obra oferecendo sucessivamente o texto 
original, que Leonardo fez em escrita invertida, o texto colocado em escrita direita, a 
transcrição em letra de imprensa e a sua tradução em francês: somente o multimédia pode 
fazer tudo isto). De resto, produziu-se dela um CD-ROM; é por esta razão que se pode 
também pensar em tudo o que se encontra nos CD-ROM sobre os artistas e que também por 
vezes se encontra nas células ou em salas multimédia, anexas às exposições. É o que, aliás, 
acaba de ser feito igualmente com a apresentação, no Louvre, de esculturas de África, da 
Oceânia e das Américas. 
 14
 
d) Elas podem servir de complemento aos produtos derivados comercializáveis. (Aqui 
também me atenho sobretudo a exemplos franceses, porque os conheço melhor, mas têm 
igualmente exemplos comparáveis em Portugal). Trata-se de um mercado muito forte que 
veio enriquecer e, depois, substituir-se ao dos vídeo-cassetes, nomeadamente o que é formado 
por monografias de artistas e que permitem já análises e comparações (como a série Palettes 
de Alain Jaubert, das Edições Montparnasse). Vimos, desde modo, desenvolverem-se em CD-
ROMs antologias de artistas (como Magritte publicado em 1998 por ocasião da retrospectiva 
de Bruxelas, ou como as séries "Lumière sur Les Grands Peintres" da Hachette ou "Les génies 
de la Peinture" na Editora Atlas, que já tinha editado perto de vinte títulos sobre pintores). 
Pode até tratar-se de substitutos de exposições (permanentes, como o Louvre, Peintures et 
Palais, Le Musée d'Orsay, visite virtuelle, ou o Musée de l'Ermitage de saint-Pétersbourg, da 
RMN, ou o Album du Musée des Arts et métiers, ou os Trésors du Musée national de Taipei, 
ou igualmente exposições temporárias, como Tous les Savoirs du Monde na Biblioteca 
Nacional de França, em 1996, ou como o Léonard de Vinci a partir do códice já citado, o qual 
não só retomou o conteúdo dos termos interactivos da exposição mas que, além disso, 
recolocou a obra no seu contexto histórico e estético, com todos os elos necessários). Pode ter 
que ver com selecções mais latas como o Dictionnaire de l'art moderne et contemporain da 
RMN, em partenariado) ou então com obras originais que também só o multimédia consegue 
produzir, como o Toutankhamon de Christiane Desroches Noblecourt, na Casa Synrinx, ou o 
Angkor de Fabrice Cerezales, um e outro associando, com fotos e plantas, o contexto histórico 
e topográfico bem melhor do que o fazem as exposições, de um ponto de vista exclusivamente 
estético, do Grand Palais). Sem falar dos jogos com base em visitas, como os de Versailles ou 
do L'Énigme de la tombe royale (Égypte 1156 av. J.C.). Trata-se de produtos comerciais. Mas 
verificámos, pelos exemplos dados, que a fronteira é muito ténue entre o que é produto de 
complemento da própria exposição e produto derivado da exposição. A tal ponto que, muito 
frequentemente, ao sairmos de uma exposição na qual um ou vários multimédia completam os 
originais a duas ou três dimensões, tendemos a precipitarmo-nos para a loja para verificar se 
não existirá o CD-ROM equivalente. 
 
e) Podem ser consultados e comunicados à distância por meio do écran (Internet). Pode tratar-
se de museus virtuais colocados em rede: com as suas bases de dados de 100 000 obras de arte 
contemporânea disponibilizadas pelo Vidéomuseum, os 130 000 itens de colecções artísticas 
de 60 museus franceses da base Jaconde, ou as colecções do Musée des Arts et métiers ou do 
 15
Musée d’Ethnographie de Neuchâtel (Suiça); pode tratar-se de visitas selectivas como as da 
National Gallery of Art de Washington, as do Centre Georges Pompidou, as da Fundation 
Cartier, as dos Musées des Beaux-Arts de Bordéus, ou o conjunto dos museus do Nord-Pas-
de-Calais, no site "musenor" criado pela primeira associação federada de conservadores a 
organizar-se, desde 1975, numa rede eficaz; pode tratar-se da colocação em rede, com 
Narcisse, da comunicação de milhares de fotografias e de radiografias numeradas das pinturas 
que passaram pelo Laboratoire des Musées de France. Doravante pode-se comparar, por 
exemplo, em tempo real o Philosophe de Vermeer que se encontra em Paris, com o 
Géographe, que se encontra em Francfort, com o qual fazia conjunto, ou então um Van Dyck 
de Londres com um Jordaens de Amsterdão: basta, de ora em diante, clicar nos sites dos 
diferentes museus e ter-se-á a exposição-dossier debaixo dos nossos olhos. Pode tratar-se 
igualmente da visita a exposições imaginárias, como "Le Siècle des Lumières dans la peinture 
française des musées de France", editada em 1994 pelo Ministério da Cultura, como 
"Traditions de Noel en France et au Canada", co-realizada em 1995 pelo Musée de la 
Civilization, no Quebec, e pelo Musée national des Arts et Traditions, ou como as recordações 
da Grande Guerra co-produzida em 1998 pelo Historial de Péronne, pelo Mémorial de Caen e 
por outros. Mas é absolutamente necessário reconhecer que, se os CD-Roms são quase sempre 
bastante enriquecedores, a consulta de sites deixa-nos ainda muito frequentementeinsatisfeitos, devido nomeadamente à deliberada má qualidade da resolução gráfica. 
 
Podem-se portanto resumir deste modo as vantagens imediatas do uso público da 
digitalização: 
1. reconstituição do contexto - o qual é raramente evocado, ou mesmo nunca, nas exposições 
de obras de arte - através do hipermedia; 
2. consulta domiciliária no computador pessoal; 
3. conforto visual frequentemente superior à percepção adquirida na própria sala, por pequena 
que seja a dimensão do écran e insuficiente a resolução gráfica (e está-se ainda 
deliberadamente longe de um acordo por razões de propriedade fotográfica); mas o CD-Rom 
permite uma concentração sobre o que está exposto, e particularmente sobre a pintura, o que 
não aconteceria com o livro, e ainda mais raramente com a exposição nos ambientes 
arquitecturais não neutralizados, a que já aludimos; 
4. a exploração e a navegação facilitadas pelos elos imediatos que oferece o hipertexto, 
evitando o recurso a um index, no caso da leitura, e sem as idas e vindas de uma sala a outra. 
A tele-transmissão pela rede Internet permite, além disso, não apenas as trocas, mas uma 
 16
comunicação simultânea que as exposições não consentem - mesmo as exposições itinerantes 
instituídas durante o segundo terço do século XX. 
È por este motivo que as novas tecnologias talvez nos tenham resolvido diferentemente a 
questão do alargamento do público dos museus. Mas não nos enganemos porque, se elas 
levantam barreiras espaciais, não preenchem em nada o fosso sociocultural que alguns tentam, 
desde há decénios, suprimir. 
 
É necessário, todavia, fazer o balanço entre as vantagens que acabo de evocar e os 
inconvenientes da substituição digital dos objectos expostos nas exposições e na tele-
transmissão. 
 
O grande debate que gera a substituição digital é o que toca à 'restituição da matéria'. Este 
debate faz sentido sobretudo no que respeita às obras de arte, nas quais a natureza material 
adquire uma certa importância, tal como no referente aos objectos de natureza científica, nos 
quais se pretende dar a analisar a matéria. É-o menos em todos os sectores nos quais o sentido 
prima sobre a forma e em que o objecto conservado e exposto não é senão um testemunho 
material contendo apenas uma parte da realidade que se pretende conservar e expor. Falo de 
todos os sectores científicos ou técnicos para os quais os fenómenos, os processos e os 
movimentos a analisar contam mais do que a estrutura da matéria em si mesma. E é ainda 
mais certo para os objectos expostos que testemunham a história, os factos civilizacionais, os 
acontecimentos ligados à vida de uma nação, de um povo, ou de um indivíduo, ou de 
fenómenos sociais, os quais se traduzem melhor por evocações com substitutos que por 
singulares 'coisas verdadeiras'. Tal como já fiz notar, é por razões comerciais que a 
reprodução oferecida ao grande público é de má qualidade, mesmo que se saiba reproduzir 
com uma precisão exemplar. Basta olhar para a reprodução, por Infobyte, das câmaras do 
Vaticano ou da Capela Sistina em que se vêem as pinturas de Rafael e de Miguel Ângelo 
melhor do que se lá estivéssemos ou, pelo menos, como se aproximássemos os nossos olhos a 
dez centímetros. Tais reproduções podem figurar sem prejuízo, em escala igual, junto dos 
originais. 
 
Mas, se a referência ao contexto dos objectos expostos é absolutamente indispensável, 
também é verdade que um perigo enorme espreita este procedimento. Com efeito, sendo certo 
que o uso de tabelas se revela excelente como complemento discreto quando se trata de 
exposições de obras de arte, já a mesma solução é insuficiente quando se trata de exposições 
 17
de técnicas ou de ciências. Na realidade, impelir o contexto para as tabelas é absolutamente 
desejável desde que não se trate de acrescentar algo ao que, na sua essência, já se encontra no 
próprio objecto exposto. Pelo contrário, desde que o essencial se encontre no contexto 
(processo técnico ou científico, movimento de uma máquina ou de um animal, crescimento de 
uma planta ou de um animal, conteúdo da 'caixa negra', etc.) a 'coisa verdadeira', colocada 
sobre um pedestal, encontra-se como que sacralizada, enquanto que o seu sentido profundo se 
encontra como que escondido numa tabela de onde é preciso ir enxumá-lo - ou demasiado 
discretamente surgindo no monitor vídeo. Nestes casos, para que o sentido reapareça é 
preferível que o contexto reencontre a sua dimensão real e que a coisa verdadeira aí esteja 
incorporada. 
 
É, pois, aconselhável que se encontre a medida do que é bom e do que não é forçosamente 
desejável. O que é bom é o uso de substitutos para oferecer tantos os contextos que seja 
necessário para que eles sejam digitalizados e serem mais facilmente reduzidos, multiplicados 
e tornados interactivos. O que não é bom é que o contexto seja demasiado menorizado pela 
sua minimalização. 
 
 
IV. As consequências do multimédia e da Internet 
 
Atentemos para já nos argumentos básicos. È necessário analisar com cuidado se existe 
verdadeira concorrência, e risco de que as novas tecnologias façam o público desinteressar-se 
do museu e dos seus objectos originais. Isso depende! Depende dos públicos, depende da 
natureza dos museus e depende do que farão os responsáveis dos museus! Na verdade, 
existem poucas hipótese, pelo menos para já, de que o não-público actual se envolva mais no 
museu do que se envolve. Mas, por outro lado, descobrirá certamente por intermédio do 
multimédia todo um universo museal e patrimonial de que ele ignorava até a existência. E, 
num segundo momento, terá porventura o mesmo desejo de ir ver os originais, dos quais não 
tenha visto senão a imagem - por muito fiel que ela tivesse sido! E assim se juntará às hordas 
de público fiel. A massa de pública não poderá, desde modo, senão crescer. Isto é verdadeiro 
em qualquer dos casos para os museus de arte. Pelo contrário, a dúvida pode subsistir para 
outras formas de museu, na medida em que ainda não terão encontrado uma correcta 
linguagem expositiva para exprimirem o que têm a comunicar e a valorizar o que possuem. 
Também me quero referir aos museus históricos e aos museus científicos, os quais, na pior 
 18
das hipóteses dão a ver sem explicação e, na melhor, transformam as paredes em livros. Para 
eles, o multimédia arrisca-se a ser um sério concorrente. Mas, também aqui restará a parte do 
original: quer seja aparelho ou máquina históricas, ou mais raramente objecto de arqueologia 
ou de etnografia. 
 
Tentemos agora ir um pouco mais além no exame do que é considerado como um perigo. 
Pode-se considerar que a informatização documental, a colocação em rede e, depois, a 
digitalização da imagem se foram progressivamente associando - desde que existem gabinetes 
e museus - à mera exibição e à mera arrumação dos objectos e das obras visuais, inserindo-se 
de alguma forma na museologia tradicional. Um grande salto foi contudo dado desde que eles 
foram destinados ao grande público, colocando praticamente à sua disposição, sem 
necessidade de deslocação, um museu virtual mundial - e não apenas uma colecção, mas 
também uma exposição, enriquecida com contextos (históricos e topográficos) e de inter-
relações (ligações de hipertexto permitindo pesquisas pré-programadas quer por cientistas, 
quer por não especialistas em multimédia). 
 
Para um regresso às fontes 
 
A partir deste salto, as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (as NTIC) não 
podem senão gerar uma mutação no Museu, quer nas suas funções de conservação e de 
investigação, quer nas funções de exposição. No que respeita às primeiras, como sublinha 
Bernard Deloche (1996), as novas tecnologias respondemantes do mais às necessidades 
decorrentes da substituição e, segundo ele, elas transformam muito pouco a essência dos 
conteúdos, mudando sim a natureza da comunicação. A mudança assume a forma de 'museu 
para todos', tal como se começou a construir no séc. XIX, a partir da invenção da fotogravura, 
e tal como André Malraux o sonhou com o seu 'museu imaginário' e a sua 'Galeria da 
Pléiade'. Passou-se ao mesmo tempo do suporte papel para o suporte electrónico e da 
contemplação individual ou colectiva, mas monotópica, à contemplação universal e mundial. 
 
Na realidade, é a uma transformação do conceito de museu que estamos em vias de assistir. A 
cidade global no museu global, e não o inverso, ou seja, o museu na cidade. Não mais um 
lugar onde se vai para ver amostras de todo o planeta, um lugar que oferece "sobre o mesmo 
ponto de vista o que pode instruir sobre os usos e costumes dos povos afastados pelo tempo e 
pelos lugares", como desejava, em 1796, Millin de Grandmaison, ao projectar o seu museu 
 19
universal. Não mais um edifício onde nos dirigimos e que está destinado a abrigar todos os 
testemunhos que foram arrancados ao seu meio, mas pelo contrário tudo o que chega a nossa 
casa, e que percorremos - com o mesmo procedimento com que nos deslocamos de um local a 
outro - para olhar e examinar tudo o que nos interessa. 
 
O que torna difícil o diagnóstico é que a transformação, sendo intrínseca, não salta aos olhos. 
O maior contributo proveniente da junção do contexto é o de satisfazer uma necessidade que 
as técnicas não permitiam satisfazer, ao tempo dos gabinetes de curiosidades e dos primeiros 
museus. Se aí prevaleciam apenas os espécimes é porque, não se tendo ainda pensado nos eco 
museus, não se podia fazer entrar tudo no gabinete ou no museu; se as obras de arte eram 
arrancadas ao seu contexto, é porque não se podia fazer entrar na galeria todos os palácios e 
todas as igrejas; e sobretudo porque era impossível viajar pela terra inteira para coleccionar - 
apesar de se terem multiplicado as viagens com esse propósito. 
 
Pode-se sonhar (ainda que isso não seja assim tão longínquo já que tecnologias semelhantes 
existem hoje em dia nos satélites). As câmaras do Big Brother espalhadas um pouco por todo 
o lado, apetrechadas não apenas com zooms mas igualmente com microscópios electrónicos e 
telecomandados a partir da nossa consola, podem já levar ao domicílio o que alguns, com 
muito esforço, estudaram, coleccionaram, classificaram, recolheram, durante cinco ou seis 
séculos (podemos ver em tempo real, por exemplo, se está a nevar em São Petersburgo). Uma 
incorporação que se faz sem choque, na globalidade do património vivo ou morto. 
 
O templo das musas, local de estudo ou de saber, ainda não implicava necessariamente a 
colecção e a conservação de bens materiais, e o 'mouiseion' fundado por Ptolomeu I em 
Alexandria, em 295 a.C., que se encontrava geminado com uma biblioteca, não assumia 
forçosamente a função de coleccionar. As musas, filhas de Zeus e da deusa Mnémosyne, 
personificavam a memória. A fonte do museu e da Museologia, tal como a fonte da 
informática, situa-se assim, em grande medida, na memória. 
 
E o ciberespaço remete-nos para a enciclopédia universal sonhada pelos inventores do 
conceito de museu, e por todos os primeiros 'museólogos', de Giulio Camillo em 1550, a 
Samuel Quiccheberg ligando, em 1565, o museu à arte da memória, concebendo-o como um 
método para classificar e ordenar todos os saberes do mundo, ou a G. P. Lomazzo reunindo, 
em 1584, todas as fontes respeitantes às musas e ligando as musas, a memória e o museu. 
 20
Todos aspiraram a uma enciclopédia, classificada sistematicamente, oferecendo a experiência 
do visível num local fechado. Mas, tal como o recordou recentemente o jovem museólogo 
belga François Mairesse a propósito de Quiccheberg, "a preservação da memória passa 
(aqui) pelo escrito (as 'Incriptiones'). O objecto ainda não é interrogado como fundo, como 
portador de informação, mas é incontestavelmente portador de significação (semióforo) e 
ligado ao poder que dele retira o coleccionador. Quiccheberg, a cavalo entre dois períodos, 
preserva a ideia e não o sensível". Tal como a de Camillo, a sua concepção de teatro 
universal, no sentido quer de uma enciclopédia escrita e de uma colecção de objectos, 
expostos para estudo, quer de prolongamento dos Sommes medievais, e ao ordenar o 
conteúdo, traduz a cultura nascente dos Kunst-und Wunderkammern e prefigura já as 
concepções enciclopédicas de Leibniz, de Bacon e dos enciclopedistas franceses. O modelo 
de museu de Quiccheberg existe, antes do mais, sob a forma de catálogo. Para ele, o conceito 
italiano de 'studiolo' tornou-se na metáfora das actividades intelectuais. 
 
Reencontramos esta concepção de museu, frequentemente limitada a um catálogo escrito, até 
ao século XVIII, com Johann Daniel Major em 1674, com Michael Bernhard Valentini e o seu 
Museum Museorum (aparecido entre 1704 e 1714) ou com C. F. Neickel e a sua 
Museographia (1727), na qual o museu se encontra definido como uma câmara, como um 
local onde "as raridades naturais e artísticas de todos os géneros emparelhavam com livros 
bons e úteis". Todos "museus de palavras" e livros de referência para os coleccionadores que 
desejem fazer as suas próprias investigações científicas. Enquanto se confirma o lugar do 
homem no centro do mundo, "a organização do espaço dos gabinetes científicos faz, à época, 
a síntese dos paradigmas actuais do museu, mas também da exposição e da biblioteca" 
(Mairesse). 
 
Thierry Gaudin fazia notar, nem sequer há muito tempo: "O que se perfila com o multimedia 
tornar-se-á radicalmente diferente daquilo que conhecemos. A imagem que permite 
transmitir as técnicas, estará no coração destas mutações. Os nossos conhecimentos relativos 
às ciências irão beneficiar de um impulso novo. Mas o multimedia não é apenas a 
transmissão da imagem: é igualmente a do texto, dos números, do som, das imagens 
animadas, do movimento - logo, da emoção. De resto, toda uma realidade 'furtiva' que até 
aos nossos dias escapava à sensibilidade e não era memorisável, integra de ora avante o 
domínio da escrita". 
 
 21
O nosso mundo novo, o ciberespaço, não se apresenta também como o prolongamento 
obrigatório do movimento de extensão e de retorno às fontes que viu nascer, há trinta anos, os 
eco museus? Não se encontra na linha da definição de museu concebido como um simples 
instrumento da museologia, ela mesmo entendida como meio de estudar as relações do 
homem com o real, todo o real, aquilo a que alguns preferem chamar 'patrimonologia', por 
efeito do seu imperialismo, mas que afinal de contas não é senão aquilo que o museu nunca 
deixou de ser. Porque, como afirma Maori Ross Himona, que fundou um site para uso dos 
aborígenes da Nova Zelândia: "A terra mítica dos meus antepassados encontra-se, a partir de 
agora, na Internet". Ou, como parecia acompanhá-lo Jean Baudrillard, em 1999:"para mim, o 
real nunca passou de uma forma de simulação. [...] O real não existe." 
 
Devemos contudo desconfiar de dois perigos, um tem que ver com a comunicação, o outro 
com a virtualização. Com efeito, a transferência deste património para suportes virtuais 
obriga-nos à interrogação: em que medida é que os meios de comunicação dão se tornam num 
fim em si mesmos e não acabam por esconder o conteúdo que é suposto transmitirem, e se - 
tal como vemos cada mais nas exposições - o meio não ocupará cada vez mais o lugar da 
mensagem ? Em 1991 Bernard Deloch interrogava-se sobre a pertinência de uma aplicação à 
evolução que conheceu recentemente o museu das ciências e das técnicas deste "famoso 
princípiode Marshall Mcluhan (e cito-o) segundo o qual 'a mensagem é o meio', quer dizer 
de verificar se a transformação dos media é a consequência de uma mutação dos conteúdos 
exibidos, ou se os novos media, supostamente vindos do exterior, trazem com eles uma real 
subversão do museu e do seu conteúdo [...]. Mas fazia notar: "O objecto parece ter-se 
deslocado. No entanto, nada mudou já que é a estrutura mediática do museu que afinal 
fabrica a sua própria mensagem, através dos objectos exibidos, que tem a tarefa de gerar". E 
concluía: "sob a aparente transformação dos media, a mensagem (a imagem inculcada) não 
mudou senão o meio (o museu que se adaptou). [...] Claro que a novidade do conteúdo não 
só se revelou decisiva mas parece igualmente que a novidade do meio não conduz 
automaticamente à renovação da mensagem." 
 
 22
Tal como já fiz referência, não é essa a opinião de Philippe Breton, para quem "Os media, ao 
difundirem informações, aumentaram afinal a ignorância na qual nos encontramos 
relativamente ao mundo real, já que a ignorância não possui melhor aliado do que a ilusão 
do saber" e, em resumo: "o meio tornou-se num centro que tudo absorve à sua passagem" 
(1992: 141 e 145). Incontestavelmente, Breton envia-nos também para Mac Luhan. Mas não 
deveria antes fazer-nos recuar até Montaigne, para quem uma cabeça bem feita vale mais do 
que uma cabeça bem cheia? Foi o que conduziu Jean Davallon a precisar: "O museu não é um 
meio no sentido corrente do termo. [...] Evidentemente que nele se proporciona uma 
comunicação entre o visitante e os objectos ou um saber, mas não nos encontramos face a um 
modelo de indústrias da comunicação fundado sobre o desenvolvimento de uma rede de 
difusão." (Davallon, 200: 230 e 231). 
 
O segundo perigo é ainda mais estrutural e tem a ver com a virtualização da imagem: 
colocam-se questões e tomam-se posições controversas. Para uns, como Bernard Deloche, a 
simples reprodução da imagem é quase tão inútil quanto o museu; para outros, é sobretudo a 
virtualização que introduz a principal revolução no museu. É certo que o museu contém em si 
o património, mas não é o único a fazê-lo. Por outro lado o que ele faz a mais é quase o único 
a fazê-lo, que é o de servir de intermediário entre as coisas concretas e os indivíduos. Em 
1986, Jean Davallon considerara importante recordar a verdade de uma evidência segundo a 
qual a exposição é o reencontro físico entre o objecto e o visitante. Mas, em 1994, Jean-Loui 
Déotte moderava o seu próprio entusiasmo com a digitalização dos bancos de dados. E cito: 
"Considerando que [os museus] são os últimos lugares públicos hospitaleiros, não podemos 
senão alegrarmo-nos com esta nova etapa da cultura material e da sua historiografia que é 
constituída pela informatização dos museus, a transformação das colecções em bancos de 
dados imateriais, ou seja o arquivo e o percurso de virtualidades. [...] Mas esta 
transformação, se tem que ver com o futuro das mediatecas e das bibliotecas, não afectará o 
devir do museu senão nas suas margens, apenas pela parte do que na obra é redutível à 
informatização, digamos para permanecermos imprecisos, aquilo que não é a sua matéria: 
portanto o que é a sua parte coisificável, acessível a um saber." E, em 1996, Jen-Pierre 
Mohen, director do Laboratório dos Museus de França, se tinha ainda algumas reservas não se 
inquietava muito com os meios: "Se a informática permite dominar os grandes nomes, se a 
imagem digitalizada é satisfatória, é necessário todavia perguntar se a abstracção que 
introduz os media não apresenta nenhum perigo quanto à apreensão de realidades cujo 
contacto directo era até ao presente a fonte essencial de conhecimento" (Mohen, 1996: 45) 
 23
 
 
Conclusão 
 
A maior parte dos museus tinha necessidade de ser renovada para melhor responder às 
expectativas dos seus públicos; outros tinham necessidade de ser remodelados ou construídos 
para abrigar com mais conforto o património armazenado. Foram gastos milhões desde há 
vinte anos. A 'museomania' tornou-se uma droga para as populações, um modo para os 
políticos e uma mais valia para os arquitectos. Mas avançou-se demasiado tarde. Porque se 
pode entrever, sem qualquer possibilidade de engano, que pelo entusiasmo que começa a 
conhecer o multimédia, não restará aos museus senão manterem o culto (religioso) do 
original, sendo que o documento científico é largamente transferido para o multimédia. Tal 
como dizia ainda Roland Recht, "Aproximamo-nos do fim das 'exposições-acontecimento'. O 
CD-Rom substituirá a exposição das obras frágeis." E se "se visitar ainda algumas colecções 
em que haverá apenas algumas obras-primas, o museu será completamente 
instrumentalizado". Se as novas tecnologias tivessem feito o seu aparecimento vinte anos 
mais cedo, teria sido possível economizar alguns milhões, ou investi-los doutro modo com a 
mesma finalidade. A mudança que vamos conhecer vai portanto ser radical, já que tocando na 
expressão e na comunicação arrisca-se a atingir a sua própria essência. 
 
Porque se impõe concluir, direi simplesmente que, porventura como em qualquer outro 
domínio, o positivo e o negativo se equilibram: de positivo, todas as vantagens associadas à 
reprodução e às inter-relações; de negativo, a ausência de contacto não somente material, mas 
carnal com a realidade. Salvo se, a crermos em Régis Debray, houver um retorno ao embrião, 
e cito: "Nas experiências virtuais, é necessário tocar. Passámos do ver à intervenção e à 
participação. E isso é jubiloso e regressivo. Nós estamos na crista da técnica, mas ao mesmo 
tempo no início das nossas origens - o embrião - esse estado arcaico que privilegia o toque e 
a carícia." (1994) 
 
 
 
Fontes 
 
 24
BOURDIEU, Pierre, e DARBEL, Alain - L' Amour de l'Art: les musées et leur public, Paris, 
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